A sua superioridade está na
coragem com que afronta a violência ou os dichotes que ele não podia deixar de esperar,
ao aceitar o trabalho oferecido, - dichotes que, aliás, sempre defrontara, na
sua missão de equilibrar decentemente o país amigo de mama que é este seu. Não foi o seu caso, o amor à mama, nem o de
muitos mais, que o estimam, alguns dos quais, na sua situação actual de
ostracizado, até se atreveram a convidá-lo, revelando uma coragem digna de
apreço, no estado de sítio desse país que se livrou dos medos anteriores, para agora
pretender impor a sua violência em liberdade – verbal, pelo menos, – pautada
nas experiências de voos de gaivota, segundo o modelo da Ermelinda Duarte, redutores
de princípios e de obrigações, em manifesta e ignara acefalia, emprenhada de
arrogância e incivilidade e a maior parte das vezes de deslizes ortográficos,
nos comentários depreciativos, já por conta da gaivota mandriona.
Manuel Carvalho e João
Miguel Tavares, ambos probos, o defendem também, sem receio dos comentários
dos da escola da gaivota pátria:
OPINIÃO
O professor Passos
entre a arrogância e o sectarismo
Com excepção da vergonha da
Tecnoforma, nada na vida de Passos Coelho o impede de ser docente em
universidades nacionais.
PÚBLICO, 7 de Março de 2018
A polémica dos convites
a Passos Coelho para dar
aulas em três universidades só merece mais do que uma linha de aversão
porque reflecte um preconceito aberrante e expõe à vista de todos uma atitude
mesquinha e perigosa. O assunto não chegou ao grande debate nos jornais
(ficou-se pela pequena conversa de café ou pelas redes sociais) porque fica mal
expor ao grande público a arrogância de classe ou o sectarismo ideológico mais
básico que alguns dos críticos manifestaram. Mas, mesmo na penumbra, a onda não
deixa de ser reveladora e irritante. O sectarismo que empurra uma certa
esquerda, faz hoje de Passos Coelho o que a direita fez com Mário Soares no
Verão Quente.
O que sobrou nos posts do
facebook, nas mensagens privadas, nos risinhos desdenhosos da cantina é, em
alguns casos, uma indignação larvar pela ascensão social até uma cátedra de
um pacóvio de Trás-os-Montes que reside em Massamá e faz férias em Manta Rota.
Raquel Varela, historiadora situada nas fronteiras da esquerda radical diz
no seu blogue pessoal que "Passos foi de Massamá ao
Restelo a cavalo na vida política pública" e o que vale a pena
constatar nesta declaração não é o destino nem o meio de transporte: é a
origem, é Massamá.
Em outros casos, o que
tresanda no horror ao “professor Passos” é o preconceito de uma certa esquerda
extrema, chique e arrogante, que ainda olha para a austeridade da troika como
uma maldade deliberada e maldosa de uma meia dúzia de arrivistas liderados por
Passos Coelho. Alguém com esse passado jamais terá lugar no
Olimpo do saber. Rui Bebiano,
docente da Universidade de Coimbra, vê o “escândalo” (o termo é meu) como
prova de uma inominável injustiça e um óbvio sinal de nepotismo: "É uma
desonra para uma escola pública, e uma afronta para quem, no sistema
universitário, tanto dá ao longo da vida subindo custosamente a pulso, ou nem
sequer o consegue fazer devido ao rigoroso limite de vagas", escreveu no
Facebook. Haver concorrência à endogamia universitária é de facto uma
“afronta”.
Para o país dos doutores
e apelidos nobres, Passos chegou onde chegou apenas por causa do indigenato
ignaro que tropeça no erro sempre que exerce o seu direito de votar. O erro com
Passos tem de ser apagado, custe o que custar. O que não parecia difícil:
bastava dar largas ao ressentimento. Se fosse para uma empresa, Passos estaria
finalmente a receber os juros da sua política a favor dos negócios. Se fosse
para o lobbying, representaria o segundo acto da sua submissão aos interesses
do capital que tinha iniciado no Governo. Como vai dar aulas, Passos
tornou-se o arrivista que vive da ignorância, o indigente que ameaça depauperar
o brilho da magnífica intelligentsia nacional.
Passos, tantas vezes
manhoso e videirinho, não é um intelectual e a sua crença numa ideologia
regeneradora pensada para libertar o país através do desmonte do Estado é uma
prova do seu profundo desconhecimento da História. Mas tem a seu favor um
trunfo raro: o da experiência feita no pior período da vida nacional em muitas
décadas. O que vale tanto ou mais do que muitos doutoramentos. Passos teve
empregos garantidos pelo capital social que acumulou no PSD e manchou a sua
biografia nas negociatas legais mais imorais e indignas da Tecnoforma. Mas a sua
passagem pelo Governo deu-lhe um leque de saberes e competências que lhe
garantem um curriculum acima da média. Negociar com o FMI ou com a Comissão
Europeia, participar em cimeiras europeias, gerir a crise bancária e o estouro
do BES não faz parte de uma experiência comum. É um capital de saber feito raro
e precioso. Não se trata de discutir se ele esteve, ou não esteve bem; trata-se
apenas de perguntar que espécie de competências fazem falta a um professor
universitário nas áreas da administração pública ou da economia.
Entre dissertar sobre
sebentas de pensamentos alheios, que é o que fazem tantos docentes universitários,
ou pegar numa mais frágil base teórica e transmitir experiências reais tem de haver
complementaridade, nunca oposição. De resto, há muitos professores
“convencionais” nas universidades e poucos capazes de lhes aportar os saberes
da vida concreta. É por isso importante e interessante para o país pegar na
experiência real de Passos Coelho e reproduzi-la no sistema de ensino. Só
não entende isto quem for incapaz de separar Passos Coelho da sua condição
social ou do seu passado político. Ser um outsider das oligarquias, não é
pecado. Ser defensor (mais nas palavras do que nos actos) de uma ida “além da
troika” para chegar a um neoliberalismo feroz não é um crime. A diversidade de
origens, de opiniões e de mundividências é fundamental nas universidades e no espaço
público. Francisco Louçã não deixa de ser um dos nossos mais brilhantes
pensadores da área da economia (e da política económica) por defender ideias
radicais e anti-sistema.
É banal em Portugal e em
todos os países desenvolvidos encontrar ex-políticos nas universidades. Ao
contrário do que diz o senso comum, nem sempre a melhor escola é a escola da
vida, mas, com excepção da vergonha da Tecnoforma, nada na vida de Passos
Coelho o impede de ser docente em universidades nacionais. Que se saiba, a sua
licenciatura é limpa – e mesmo que não tivesse licenciatura completa teria
sempre experiência para dar aulas, à semelhança de Jacques Delors e de muitos
outros. Que se conheça, Passos não se serviu do seu cargo no Governo para
enriquecer de forma ilícita. Que se julgue, Passos prestou um serviço público
ao gerir o país nos anos de chumbo
da troika, ou ao ter coragem para afrontar os donos disto tudo. Não é da
linha de Cascais, mas de Vila Real, não andou por Oxford, mas na Lusíada, não
mora nos bairros chiques, mas em Massamá, não é de esquerda, mas sim liberal
puro e duro… Qual é o problema?
Nenhum. Como escreveu o
socialista Sérgio
Sousa Pinto, "a experiência de um ex-primeiro-ministro, qualquer que
seja, é única e valiosa". Com o seu passado recente enterrado pelo sucesso
de António Costa e da solução política que construiu, Passos saiu de cena e em
vez de se transformar num lobista como Paulo Portas ou como Miguel Relvas,
decidiu passar uns tempos pelas salas de aulas. Talvez haja quem o preferisse
ver a cavar valas num qualquer campo de reeducação política. Esses não são
capazes de perceber que, muito para lá das diferenças ideológicas ou dos juízos
de valor que se possam fazer sobre a sua passagem pelo Governo, há em Passos
Coelho uma aura de coragem cívica e uma imagem de dignidade na forma como
resistiu à troika que não justificam o quase ódio ou o ostracismo a que tantos
o querem votar. Vê-lo a ensinar o que viveu e aprendeu nesses anos de chumbo é
útil para as universidades. E é também uma forma justa de o país o homenagear e
de conservar na memória essa experiência traumática, mas bem-sucedida, do
ajustamento.
O
ódio ao professor Passos Coelho
Não há
qualquer espanto nisto. As faculdades de ciências sociais viraram muito à
esquerda.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
PÚBLICO, 10 de
Março de 2018
Louvo a paciência a tanta gente estimável que saiu em defesa de Pedro
Passos Coelho com argumentos razoáveis e académicos, procurando demonstrar como
é importante que políticos com a sua experiência voltem à universidade para
transmitir aos outros aquilo que aprenderam à frente do país. Não será óbvio –
argumentam as estimáveis pessoas – que um primeiro-ministro que governou na era
da troika tem muito a ensinar a alunos de mestrado e doutoramento em
Administração Pública? Claro que é óbvio. Claro que é óptimo para a
universidade portuguesa que Passos opte por dar aulas em vez de ir para a
Goldman Sachs. E claro que isso não interessa nada a quem se opõe à sua
contratação.
Apesar de eu valorizar a honestidade intelectual dos que defendem Passos
Coelho e concordar com os seus argumentos, temo bem que eles sejam inúteis
perante aquilo que verdadeiramente está em causa. A polémica nada tem a ver
com questões académicas. Ela tem tudo a ver com questões ideológicas. Os
professores universitários, e seus simpatizantes, que se têm oposto ao ingresso
do antigo primeiro-ministro no Instituto Superior de Ciências Sociais e
Políticas (ISCSP) fazem-no por uma razão muito simples: todos eles, sem
excepção, odeiam aquilo que Passos representa politicamente. O problema deles
não é com o professor Passos Coelho. É mesmo com o político
Passos Coelho.
Eles até podem não usar esse argumento – mas é a motivação que os leva a
usar outros argumentos. No início da polémica está um post no
Facebook de Rui Bebiano, professor em Coimbra, investigador no inevitável CES e
colaborador regular do Esquerda.net. Bebiano admite em abstracto que um
não-académico possa ocupar um lugar de destaque na academia, mas a Passos
Coelho falta, logo por azar, “formação”, “mérito” e “reconhecimento”, pelo que
a sua contratação não passa de “nepotismo” (isto porque o convite terá partido
de Manuel Meirinho, actual presidente do ISCSP e deputado do PSD entre 2011 e
2015). Raquel Varela, outra professora conhecida pelo seu amor à direita
liberal, teve a vantagem de ser mais clara: “[Passos Coelho] acaba a dar aulas
numa universidade pública, paga por nós, onde vai ensinar a outros como
continuar a destruir serviços públicos.” Isto, sim, é um resumo evoluído
daquilo que aconteceu em Portugal entre 2011 e 2015.
Não há qualquer espanto nisto. As faculdades de ciências sociais
viraram muito à esquerda, e o ressentimento de professores e alunos, em vez de
se dirigir àqueles que transformaram a universidade num coio de amiguismo e
endogamia, apontou antes para o famoso “neoliberalismo português”, o peluche
político da esquerda nacional, que ocupa um lugar bonito ao lado das fadas e
dos unicórnios. Não admira que surjam abaixo-assinados de alunos, e que outros
declarem (Sérgio Lavos, candidato do Livre, no Twitter): “Se a maioria dos
alunos do ISCSP decidir que não quer Passos como professor, a direcção do
instituto só tem de acatar a decisão.”
As grandoladas, como se vê, continuam, e a pergunta que importa fazer é
esta: de onde vem tanto ódio a Passos Coelho? É um corrupto? Afundou o país?
Impôs sacrifícios inúteis? Falhou a saída limpa? Tentou controlar a justiça?
Silenciou a comunicação social? Não, ele não fez nada disso. Mas fez pior:
refreou o Estado gargantuesco e propôs mais liberdade aos cidadãos. Tudo ideias
tão perigosas para certa esquerda que a simples visão de Passos a ensinar numa
universidade pública é mais do que aquilo que conseguem suportar.
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