sexta-feira, 9 de março de 2018

O tempo, o caso, a arte, o saber



Teresa de Sousa, no título do seu artigo, sem simbolismos de estilo, refere o dia, véspera de acontecimentos que marcarão a História – da Alemanha, da União Europeia, dos Homens deste tempo. Lembrou-me o “pranto” de Garcia Lorca, pelo matador de touros seu amigo, Ignacio Sanchez Mejías, em 1934, em que a expressão de tempo - A las cinco de la tarde - impregnada de dor, marca simbolicamente a hora da sua morte, a hora de todas as mortes, de todos os movimentos sinistros em torno. Teresa de Sousa informa-se, e preocupa-se: sobre as eleições em Itália e as coligações na Alemanha, sobre uma hipotética escalada de guerra – esta nuclear.  Leiamos o poema e o seu estribilho simbólico. E sosseguemos.
FEDERICO GARCIA LORCA:  LA COGIDA Y LA MUERTE
A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde
[AS1] .
El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones de bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.
Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay, qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!
OPINIÃO                         Porque hoje é sábado
Os europeus jogam todos os dias o seu futuro, ainda sem uma direcção definida. E o pior é que, provavelmente, deixaram de poder contar com a América para minorar os danos.
TERESA DE SOUSA                 PÚBLICO, 4 de Março de 2018
1. Hoje é domingo. A frase que roubei à canção de Vinícius serve apenas para lembrar que este texto foi escrito no sábado e que, por vezes, basta um dia para mudar tudo. Hoje, domingo, a Itália vai às urnas num quadro político ainda mais complicado do que é habitual neste país, com as forças do populismo todas em alta. Berlusconi regressou para tentar ser ele a controlar o próximo governo, mesmo que de fora. Comparado com o Movimento Cinco Estrelas, parece um moderado, o que diz bem da incapacidade do centro-esquerda para encontrar uma fórmula que diga alguma coisa aos eleitores. O furacão Renzi, que chegou, viu mas não venceu, prepara-se para um mau resultado para Partido Democrata. Os resultados finais provavelmente só se conhecerão amanhã. No seu último comício de campanha, em Roma, o líder do Cinco Estrelas, o jovem Luigi Di Maio, levou os manifestantes ao delírio quando anunciou que uma das três primeiras medidas que tomará no seu governo será cortar para metade os salários dos parlamentares e de outros cargos políticos. Individualmente, o partido formado pelo comediante Beppe Grillo e que hoje tenta apresentar uma imagem menos grotesca e mais normal, pode ser o vencedor. O seu problema é não ter aliados. A alternativa é a coligação liderada por Berlusconi. A Itália, que já foi um dos países mais europeístas da União Europeia, vive hoje um clima de eurocepticismo generalizado. Como em muitos outros países europeus, a imigração conquistou um lugar de topo nas escolhas dos eleitores e a demagogia de Di Maio, que defende a expulsão dos que estão ilegais, soa bem. E numa coisa os italianos têm razão. Passaram os últimos cinco anos a resgatar refugiados no Mediterrâneo, salvaram milhares e milhares de vidas e viram, durante muito tempo, os seus parceiros europeus olhar para o lado. A Itália é a terceira economia do euro. Está próxima da turbulência que agita o Norte de África e o Médio Oriente. A sua nova elite política dá-se bem com Putin. Berlusconi é seu amigo. A Rússia é um mercado apetecível e um fornecedor de energia. Escreve o New York Times que Putin não precisa de se preocupar. Sai a ganhar em quase todos os resultados possíveis.
2. Hoje também ficaremos a saber se há ou não um novo governo de “grande coligação” em Berlim. O SPD realizou uma consulta aos seus 460 mil militantes, cujo resultado são hoje conhecidos. O partido está profundamente dividido. E já aprendemos que os referendos não dão os resultados previstos. Houve, entretanto, uma novidade, que se reduz a uma palavra e que pouca gente assinalou, quando a chanceler anunciou que pastas iriam para a CDU/CSU e para o SPD. Com a Finanças na mão dos sociais-democratas, foi aí que se fixaram todas as críticas à chanceler por se ter “rendido” ao parceiro menor da futura coligação. Mas a chanceler também teve de oferecer alguma coisa à CSU e ao seu líder, Horst Seehofer: um “superministério” do Interior, das Infra-estruturas e da Pátria. Heimat. Pátria. Home. O que significa esta “inovação”, que tem uma longa história, num país que durante décadas não podia exibir o mesmo orgulho nacional a que as outras nações têm direito? Num artigo de opinião publicado no New York Times, Jochen Bittner, editor do semanário Die Zeit, começa por explicar que a tradução é difícil. Não é exactamente o mesmo que Pátria ou Homeland. É a expressão de um sentimento de pertença que envolve mais a cultura e um certo modo de vida, do que a geografia, que é o cheiro dos bolos de Natal na cozinha e as montanhas verdes e tranquilas da Baviera. Lembra que o nazismo a recuperou para defender a superioridade da raça ariana e anestesiar os alemães, perante a barbárie que, entretanto, levava a cabo. Mas não aconselha a que se goze com o seu significado (o que já está a acontecer nas redes sociais). Um pouco de Heimat, escreve Bittner, talvez impedisse a Alemanha de ir pelo mesmo caminho que o Reino Unido e a América, com o Brexit e com Trump. A questão não é simples: como combinar a diversidade com a identidade. Também admite que a palavra encerra o risco de alimentar a exclusão dos outros e a rejeição da diversidade e da globalização. É preciso, diz o editorialista, que a sociedade perceba que a diversidade é possível e não põe em causa, necessariamente, a forma de viver dos alemães e as regras em que assenta a sua democracia. Mesmo assim, um “ministério da Pátria” não é a mensagem mais animadora, mesmo que seja o preço a pagar pela chanceler para manter a CSU na coligação. Hoje saberemos se haverá governo nos próximos tempos.
3. A Europa tem outros problemas sérios pela frente. A decisão do Presidente americano de aplicar tarifas alfandegárias elevadas às importações de aço e de alumínio, confirma, mais uma vez, que o que disse na campanha é mesmo para fazer na Casa Branca. “As “guerras comerciais são boas” para a América, foi o seu comentário. Parte dos seus conselheiros económicos tentou demovê-lo. Se a medida que anunciou (e que ainda não tem tradução legal) era para atingir a China, errou o alvo. Os mais afectados serão o Canadá e os países europeus. O governo canadiano já avisou que haverá represálias. Bruxelas também. Já sabemos para onde nos leva o proteccionismo: atinge a classe média, afecta uma boa parte da economia e, em última análise, alimenta os nacionalismos, que justificam os sacrifícios materiais sofridos pelos cidadãos com a defesa da pátria. Já vimos esta história acontecer antes da I Guerra Mundial. As novas tarifas podem representar um ponto de viragem de consequências enormes para a economia global.
4. Mais preocupante ainda é a “escalada” entre Washington e Moscovo sobre quem tem armas nucleares mais modernas e mais letais. Putin acaba de anunciar um novo sistema de mísseis capazes de contornar o sistema de defesa antimíssil americano. Ainda há dúvidas sobre que tipo de armas serão ou se servem apenas para convencer os russos a irem votar maciçamente nele, nas eleições do final deste mês. Os sistemas de defesa antimíssil estão instalados nos EUA e na Europa, fora e dentro do âmbito da NATO. A Rússia considera-os uma infracção ao equilíbrio nuclear negociado com os EUA no fim da Guerra Fria. Em Dezembro passado, o Presidente americano anunciou uma nova geração de armas nucleares de tecnologia muito mais avançadas e aumentou para 700 mil milhões de dólares o Orçamento da Defesa. O argumento é recuperar a supremacia tecnológica. A Coreia do Norte não é o único problema. O risco de proliferação nuclear é maior do que nunca nas últimas duas décadas.
5. Na sua edição de 27 de Janeiro, a Economist apresentava mais uma das suas capas destinadas a garantir que ninguém as vai esquecer.The Next War”. Em letras mais pequenas, explicava a que guerra se estava a referir: “A crescente ameaça de um conflito entre grandes potências”. Há 25 anos, com a vitória das democracias sobre o totalitarismo, o mundo chegou a parecer um rio tranquilo em direcção a uma ordem mais democrática. Não foi assim. O desenvolvimento económico não teve sobre a China o efeito político positivo que muita gente previa. A Rússia começou por ser encarada, depois da implosão da União Soviética, como uma potência que acabaria por integrar-se no mundo ocidental. Não foi assim. A relação transatlântica, a aliança militar mais forte e mais constante do planeta, vive uma crise de identidade, que Donald Trump veio acentuar. Os europeus jogam todos os dias o seu futuro, ainda sem uma direcção definida. E o pior é que, provavelmente, deixaram de poder contar com a América para minorar os danos.




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