Os mais espertos seguiram por
outras vias, bancos estrangeiros, cargos estrangeiros, negócios estrangeiros. E
nacionais, que também há cá cargos desses, sobretudo de negócios. Deixaram os
cargos políticos, mesquinhos, daqui, e lançaram-se cá ou lá, geralmente
convidados por quem lhes reconheceu mérito. E temos muitos, felizmente, nem
sequer foi só Durão Barroso, e, ultimamente, Mário Centeno a receber convites
do estrangeiro, que causaram a inveja de alguns nossos, que somos povo de
rancores, mas simultaneamente a satisfação por os estrangeiros se lembrarem de
nós, dando-nos gabarito. Talvez por isso, por ser decente, Passos Coelho se
contentou com um cargozito de professor cá, para poder aprofundar os seus
conhecimentos políticos e transmiti-los, juntando decência e saber na formação
das mentes, após a experiência que o seu empenhamento como político honesto lhe
proporcionou. Não terá a visibilidade dos outros comparsas mais vistosos, pobre
professor de um instituto qualquer educativo. Contentar-se-á, provavelmente,
com a fraca rentabilidade desse cargo obscuro. Mas se lho oferecem, e se
pretende estudar mais, não vejo por que motivo o não deva aceitar. Alberto
Gonçalves sabe, é claro, o que diz, quando arrasa com sanha e humor o que por
aí vai de casos de corrupção, nos conluios do futebol assustadores, pela
mediocridade que definem de um povo – o nosso. Quanto a Passos Coelho, mau
grado o anátema que contra ele se move, afinal porque é modesto nas suas ambições,
o cargo pode ser enriquecedor para ele, do ponto de vista intelectual. Fosse
ele enriquecedor do ponto de vista material, e logo se lhe renderiam, até mesmo
os “amigos do povo”, passada a fúria.
FUTEBOL
Jonas, vende-me a tua camisola
OBSERVADOR, 10/3/18
Olhe-se em volta e veja-se que
o futebol é pretexto para, na melhor das hipóteses, discussões infantis e, na
pior, uma irracionalidade que transforma indivíduos normais em criaturas
perigosas.
Não tenho muito a dizer sobre
os sucessivos casos de corrupção no futebol português, excepto que se não fosse
corrupto não era futebol ou não era português. Porém, achei graça à história do
funcionário do Benfica que comprou o dever de sigilo de diversos funcionários
judiciais. Sobretudo engraçada é a impressionante barreira de comentadores
“isentos” que, munida de argumentos indignos de uma osga, surgiu nas televisões
a desvalorizar a trafulhice. Para muitos especialistas, o assunto é irrelevante
na medida em que os favores foram prestados a troco de fancaria como fatos de
treino e bilhetes para um jogo. É uma nova escola de penalogia, na qual um
homicídio só é crime se possuir motivo material – os psicopatas podem
prosseguir a vidinha em paz.
Sucede que, no mundo real, o
assunto é principalmente relevante por causa da fancaria. Os especialistas, em
geral, servem com discrição um dono e são pagos para produzir disparates.
Nessa linha, percebe-se a atitude do tipo que trafica informação
confidencial para receber fortunas e a eventual reforma nas Bahamas. Já
custa um bocadinho a perceber o tipo que arrisca o emprego e a pele por
artigos de “merchandising”. Ou, dado estarmos onde estamos, não custa
nada: nem todos os coitados que da bancada imploram por camisolas são vítimas
do frio. Imagine-se que um coitado recebe mesmo uma camisola autografada
por Lombriga, Jeremias ou qualquer “craque” imortal. E que o coitado é
convidado a assistir a um “clássico” (termo técnico) no camarote presidencial
da Luz. E que o coitado ganha a subida honra de cumprimentar “o presidente” e
luminárias sortidas. O coitado, ainda incrédulo, gaba-se da proeza aos
amigos e familiares durante os dezasseis anos seguintes. Em suma, o coitado
realizou-se. Os coitados realizam-se com pouco.
É evidente que o problema não
é exclusivo dos adeptos do Benfica, se bem que os seis ou sessenta ou
seiscentos milhões de benfiquistas tendam a açambarcar a matéria. O
problema é, desculpem a pompa, nacional e remete para as baixas expectativas
que nos concedemos. Uma razoável quantidade de alemães, japoneses ou
americanos sonha com sucessos na ciência ou nos negócios. O português
médio sonha com sucessos desportivos, para cúmulo não os próprios mas os de
gente que nem o conhece. Sujeitos que nunca chutaram o proverbial
esférico declaram-se campeões na primeira pessoa, desprezando que os campeões
disto ou daquilo são outras pessoas, assalariadas de empresas que partilham com
as massas glórias vãs e prejuízos reais. Quando a maior ambição de alguém
consiste em roçar-se num “dirigente” duvidoso e celebrar um “título” no Marquês
ou lá o que é, o nosso futuro colectivo está traçado. E o passado
explicado.
O fanatismo pelos clubes (e
frequentemente por clubes sedeados a 600 km de distância do fanático) integra a
natureza resignada e letárgica que nos convence a aceitar tudo: governantes
pavorosos, um Estado tutelar e desonesto, justiça intermitente, dependência
económica, cultura pacóvia, incêndios incomparáveis, o “prestígio” da
Eurovisão, os alertas da Protecção Civil, a RTP, o marxismo institucional, a
desdita enfim. O povo agarra-se à dita “paixão clubística” porque é uma
oportunidade de humilhar o próximo e exibir, sem trabalho, superioridade e
conquistas. O pormenor de a superioridade nos relvados ser de importância
questionável e de as conquistas serem alheias não vem ao caso. Retirar ao
cidadão comum a possibilidade de se exaltar através do futebol praticado por
terceiros é reduzi-lo a uma existência tristonha. Não se faz. E, diga-se, não
se tenta fazer.
Aqui chegados, devo informar
que não me chamo Pacheco Pereira. Não olho com desdém a obsessão pela bola
enquanto alimento o fascínio pelo dr. Cunhal ou horrores similares. O futebol
não me é repulsivo ou estranho. Sei do Pepe do Belenenses, do do Santos e do do
Porto. O meu avô materno jogou na primeira e na segunda divisões nos idos de
1940. Quatro décadas depois, levou-me inúmeros fins-de-semana a inúmeros
estádios. Sendo “sportinguista” e bom homem, deu-me inúmeras alegrias e uma
lição ao “benfiquista” que eu era: a única equipa que podemos criticar é aquela
de que gostamos. Se, feliz ou infelizmente, nem sempre apliquei a máxima na
vida, no futebol usei-a com rigor e sem dificuldade: jamais, e reforço a
palavra, discuti semelhante assunto.
Não é prática corrente.
Olhe-se em volta e veja-se que o futebol é pretexto para, na melhor das
hipóteses, discussões infantis (a “azia”, valha-me Deus) e, na pior, uma
irracionalidade que transforma indivíduos normais em criaturas perigosas.
Preocupa-me os que, à conta do futebol, se vendem por lixo. E preocupa-me mais
os que os defendem alucinadamente. De borla.
Nota de rodapé:
Entre os que criticam a
futura docência de Pedro Passos Coelho, existem os que o fazem por corporativismo
(a tralha que atafulha as universidades é muito endogâmica), os que o
fazem por perseguição política (a vigilância ideológica anda
apertada) e os que o fazem por saloiice (os simples julgam que o
“ensino superior” é um desfile de génios). E existo eu, que por razões
ligeiramente distintas também acho repulsiva a ida de Pedro Passos Coelho para
uma coisa chamada ISCSP.
Dez segundos de pesquisa
bastaram para perceber que ISCSP significa Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, detalhe já de si desencorajador. Mais um minuto no Google
e constatei que o ISCSP abriga uma coisa intitulada Centro Interdisciplinar de
Estudos de Género, detalhe capaz de suscitar calafrios. Ao fim de três minutos,
descobri que o ISCSP, em colaboração com outras excelsas instituições, será
pioneiro em doutoramentos nos tais estudos de género, detalhe que lança o
pânico desenfreado.
Não precisei de pesquisar
para ter a impressão de que, pelos padrões da política, Pedro Passos Coelho é
um homem decente. Se tenciona continuar a sê-lo, não juntará o seu nome a
semelhante espelunca. É necessário ganhar a vida? Há profissões dignas.
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