Quanto ao programa “Tudo menos Economia”, o adeus
definitivo parece ser o de Francisco Louçã, visto que Bagão Félix
e Ricardo Cabral vão continuar a colaborar no Público. Mas a fotografia
dos três colaboradores é que deixa de aparecer e era expressiva, na posição vertical
e independente de cada um.
Quanto a António Barreto, não é ele que sai,
mas é mais uma sua crónica assustadora sobre o que vai desaparecendo num país
pobre de um frágil Estado, enquanto que, o Ministro que nos governa, sem se dar
por achado, aparece sempre sorridente, a contar sobre recuperação económica,
afinal bem frágil, de que unicamente o turismo parece ser responsável, mas
falível, certamente, que a nossa estrutura cultural não nos dá a esperança de
que aquele se mantenha. O resto é catástrofe, António Barreto alerta e deixa no
ar um rasto de agonia, que a expressão “interessante” que por duas vezes
aplica, talvez sarcasticamente, no meio de tanta informação negativa, parece
despropositada. Pobres, pobres de nós!
E por fim a foto, enquadrada na sua história e na
história do nosso mundo, com natural ameaça: “Antes disso, a China ramifica pelo mundo
inteiro o seu poder económico e financeiro. E político.”
Um Estado frágil, um pobre país
ANTÓNIO BARRETO
DN, 4/3/18
A venda ao Estado chinês dos interesses da Gulbenkian no petróleo veio
despertar fantasmas e levantar problemas interessantes. A decisão da
Gulbenkian pode evidentemente justificar-se do ponto de vista da sua economia,
das suas finanças a longo prazo e do seu equilíbrio futuro. A Gulbenkian não é
uma empresa pública e daí se devem retirar conclusões rigorosas. A Gulbenkian
não tem de se substituir ao Estado nem ao capitalismo caseiro. Os critérios de
uma empresa ou de uma fundação não são os mesmos do que os de um país.
A questão sobra para Portugal e para os portugueses. Nem Estado ou
empresa se mostraram interessados. O petróleo não é o que era, rende pouco, é
poluente e não é uma energia de futuro. O gás substitui o petróleo com
vantagem. O gás e o óleo de xistos, sobretudo americanos, alteraram o mercado. Dito isto, Portugal perdeu definitivamente
a oportunidade que tinha de ficar ligado a uma empresa energética que,
devidamente gerida e projectada, poderia manter uma área de interesses globais
para Portugal. Uma pequena posição, mas uma posição.
Portugal perdeu de facto uma oportunidade. Não se aceita, mas percebe-se
que o governo não tenha querido aproveitar: tem outras prioridades, não tem
dinheiro, não sabe se a União Europeia deixa, já está a gastar de mais com
bancos falidos, não tem recursos para a dívida, prefere distribuir e reforçar o
Estado social... Em poucas palavras: o Estado não tem recursos. Nem sequer para
ficar com uma empresa a preços relativamente acessíveis. Como já não teve para
tantas outras.
Que também não tenha havido interesses privados que se adiantassem
parece estranho, mas, bem vistas as coisas, não é. Na verdade, com excepção de
dois grupos ligados ao retalho, já não há capital português a sério, já não
há grandes empresas ou grupos com recursos e boa gestão. As que conhecemos e
estão por aí encontram-se numa de várias situações: são estrangeiras,
preparam-se para ir embora, dependem de grupos internacionais, estão falidas,
são mal geridas, não têm ambição ou não têm recursos. É conveniente ser
realista: quase não há capital português e o que existe está desinteressado em
projectos de grande alcance, muito menos estratégicos e a longo prazo. Quase
não há capitalistas portugueses. Quase não há empresas portuguesas com nervo e
músculo.
Convém aliás recordar que, em muito pouco
tempo, Portugal se viu desprovido de autonomia, mesmo relativa, nas áreas das
comunicações, dos telefones, dos petróleos, da distribuição de energia, da
produção de electricidade, das celuloses, dos cimentos, do papel, da reparação
naval, da banca e dos seguros, e a comunicação social já vai a caminho.
Esta situação cria problemas muito interessantes aos portugueses,
ao governo e aos empresários. Que fazer com esta dependência? Se a esta
dependência se acrescentar a outra, tão ou mais grave, do endividamento,
ficamos em situação muito pouco confortável.
Sendo as coisas o que são, como agir? Que fazer? Gerir e diversificar as
dependências? Oferecer condições excepcionais a quem quiser vir para Portugal?
Conceder vantagens extravagantes a quem regresse a Portugal e traga capitais
entretanto fugidos? Deixar-se governar e acomodar-se o melhor possível? Aceitar
quem queira tomar conta e cuide do Estado social e de algum respeito pelos
cidadãos?
As hipóteses não são muito boas. As alternativas são poucas. Mas é
melhor irmo-nos habituando e não nos contentarmos com idiotias inúteis como cantar
a glória do investimento público ou da criação de riqueza que permita restaurar
um qualquer capitalismo com um importante contributo português.
A pertença à União Europeia tem uma vantagem:
disfarça a ausência de capital e de capitalistas, assim como a bancarrota e o
endividamento total. Sem a UE a tomar conta, teremos as aventuras
revolucionárias e solitárias de que os românticos, os déspotas e os
adolescentes tanto gostam.
As minhas fotografias
Fotografia de ANTÓNIO BARRETO
Cidade Proibida, com Mao e soldado, em Beijing Para o melhor e o pior, a
Cidade Proibida é um sítio quase sagrado. Para o império, o comunismo e o
turismo. Construída há 600 anos, é um dos locais mais visitados do mundo.
Apesar da ditadura, das dezenas de milhões de mortos, das crises de fome, das
revisões totais de Deng Xiaoping e dos seus sucessores, do capitalismo
avançado, da maior produção industrial do mundo, do crescimento urbano inimaginável
e da ascensão da China aos lugares cimeiros das potências mundiais, apesar
disso tudo, ou talvez por causa disso tudo, o retrato de Mao Tsé-tung,
inalterável, persiste e mantém-se à entrada daquela cidade. É provável que
dentro de alguns anos este retrato tenha finalmente companhia. Talvez o
presidente Xi, que fez mudar a Constituição para poder ser reeleito para lá do
legalmente admitido, queira ascender também um dia ao santuário. Antes disso, a
China ramifica pelo mundo inteiro o seu poder económico e financeiro. E
político.
Por Bagão Félix,
Francisco Louçã e Ricardo Cabral
2 de Março de 2018
Tudo Menos Economia: um adeus e um até já!
Chega
hoje formalmente ao fim o Tudo Menos Economia.
Um blog que,
para os seus co-autores – António Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral
– foi um conjunto livre, estimulante e ecléctico dos contributos de cada um
para o todo. Mas, porque o tempo está sempre a mudar ou, na expressão
camoniana, estamos diante da “mudança da mudança, tomando sempre novas
qualidades” (hoje diríamos, em economia, uma segunda derivada), decidimos
deixar o blog Tudo Menos Economia fluir
silenciosamente para a neblina do tempo que de presente se transforma em
passado.
Graças à Internet esperamos
que os 1715 posts que
escrevemos em conjunto – o equivalente a um livro com certamente mais de 2000
páginas – continuem transparentemente acessíveis aos leitores do PÚBLICO no
futuro.
É, aliás, interessante
perspectivar o que ocorrerá a todo este e outros repositórios digitais de
informação de jornais, como o PÚBLICO, ao longo do tempo futuro.
A memória de alguns dos
jornais do nosso passado, que, entretanto, desapareceram, continua disponível
fisicamente em algumas bibliotecas públicas. Mas o importante mesmo é que
jornais nacionais de referência como o PÚBLICO possam continuar a desenvolver a
sua actividade económica desempenhando o papel de informar o público e de
questionar o poder, tão importante em democracia, mas que, além disso, nesta
nova era da Internet, continuem a ser bibliotecas vivas e riquíssimas da vida e
da História das sociedades.
Voltando ao principal
propósito deste texto de despedida, queremos sublinhar o enorme prazer, honra e
desafio em termos participado neste blog ao longo de 3 anos, 7 meses
e 13 dias, sem interrupções. Tendo os três co-autores distintos caminhos
de vida e experiências, e diferentes perspectivas e visões do mundo, foi sempre
possível encontrar um entendimento e um trabalho conjunto que reflectiram a
liberdade, a independência, o questionamento e a convicção de cada um, o que,
julgamos, enriqueceu o percurso e o resultado global do blog. Se, quando Bárbara
Reis, nos convidou para escrever, nos tivesse dito quantos posts, palavras e caracteres
iríamos escrever, certamente teríamos tido fundadas reservas acerca do
empreendimento, pois não é de ânimo leve que alguém se compromete a escrever,
como referido acima, um tão espesso livro. Mas ex-post, tudo parece mais
acessível e ao mesmo tempo surpreendente.
Acreditamos ter
contribuído para a informação e para o debate público nacional não apenas na
esfera da economia nacional, europeia e internacional, mas também sobre outras
áreas da expressão política portuguesa e internacional, aspectos do quotidiano,
botânica, exploração espacial, língua portuguesa, livros e filmes, desporto e
tantos outros domínios da vida colectiva.
Agradecemos aos leitores
do blog Tudo Menos Economia, pois foram e
são a sua raison d’être.
Foram o tempo e o interesse que dedicaram a ler e a comentar os nossos textos
que verdadeiramente nos motivaram a escrever.
Uma palavra especial de
apreço a Bárbara Reis, que nos convidou, idealizou e lançou o blog Tudo Menos Economia.
Outra palavra especial de apreço a David Dinis e Vítor Costa, que nos apoiaram,
reconhecendo o contributo deste blog para
o PÚBLICO e que o tornaram muito mais visível e presente na sua edição
impressa. E finalmente, um agradecimento também especial aos editores e toda a restante
equipa do jornal, que connosco trabalharam e nos ajudaram ao longo destes anos.
Continuaremos a publicar
no PÚBLICO uma coluna de opinião semanal à segunda-feira (Ricardo Cabral) e à
sexta-feira (António Bagão Félix). Tudo faremos para continuar a merecer a
atenção dos leitores, na concordância ou na discordância.
O nosso obrigado e até à
próxima semana!
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