segunda-feira, 30 de abril de 2018

OS TRÊS CCC, consequência dos TRÊS DDD



Cornos, Corruptos, Criminosos, os três CCC, da designação de João Miguel Tavares, na sequência da Democratização, Descolonização, Desenvolvimento, os três DDD, da designação do 25 de Abril, corporizado na nata da cidadania portuguesa, que o fabricou ou se limitou a nele se incorporar, jubilosamente.
Parece que o primeiro C do conjunto CCC, tem a ver com um gesto feio de Manuel Pinho em pleno Parlamento, por alturas de 2009, dirigido a um tal do PCP, Bernardino Soares, gesto de que, veio a saber-se, o gesticulador dos dois indicadores na testa, pediu desculpa, mas que JMT ressuscitou, passados tantos anos, no seu artigo «Os corninhos de Manuel Pinho eram para nós», sentindo-se ele atingido e alargando a todos nós o seu alcance, descobertas as práticas desonestas do tal Manuel Pinho, que foi ministro, de corruptas ligações socráticas. Daí o ter eu escolhido esse primeiro C para fazer parte do conjunto a que pertencem os corruptos e os criminosos de um regime que proliferou, segundo o descritivo de JMT, que, sadiamente, não perdoa aos infractores.
Os três CCC vão continuar, temo-lo visto, e JMT o confirma, com dados perfeitamente demonstrativos dessa corrupção e criminalidade, desculpados, para já os cornos de Manuel Pinho, (mau grado o sentimento de receptividade alastrante de JMT), de que Manuel Pinho foi mero exemplo proliferativo, até aos dias de hoje e de continuidade imparável.
Um texto lavado, o de JMT, como já nos habituou, na sobriedade, saliência e saber (três SSS), da sua argumentação inteligente, incisiva, irrefutável, (três III), e mais tríades poderíamos agrupar, ainda que roufenhas, tais as de especificidade, estridência… estrumeira (três EEE), mas damos a palavra, tal como o fez o Público, na sua última página de 28/4/18 -  a emparelhar com o artigo de JMT - ao Bartoom Luís Afonso, como epígrafe ao texto do cronista, em exclusividade temática pertinentemente ilustrativa de uma última página.

I- BARTOOM LUÍS AFONSO:
«1ª Vinheta:
Pernas cruzadas do freguês no seu banco, em mostras de tensão e apreço, o pé direito pontiagudo um pouco erguido em  acompanhamento orquestrado, o jornal aberto em toda a sua extensão, as mãos a segurá-lo de um lado e outro, os olhos enormes assestados sobre a notícia que lê.
Os três pêlos da cabeça do barman, receptores da notícia, quais antenas eficientes, tal como o resto da cabeça, o seu braço esquerdo recolhido delicadamente, no balcão coberto pelo queixo enorme e as outras proeminências faciais, só a sua boca fechada num ponto, próprio da sua mudez atenta.

A NOTÍCIA: «A EURODEPUTADA ANA GOMES DIZ QUE O PRÓXIMO CONGRESSO DO PS É UMA OPORTUNIDADE…

2ª Vinheta:
Conclusão da notícia, sem mudanças perceptíveis nas figuras:

… PARA ANALISAR COMO O PARTIDO SE PRESTOU A SER UM INSTRUMENTO DE CORRUPTOS E CRIMINOSOS.»

3ª vinheta:
O jornal dobrado na mão esquerda do freguês, a cabeça erguida e os órgãos respectivos salientes, a parte direita do tronco visível, de branco engravatado, mais o braço direito aberto, mão espalmada e indicador saliente, a boca aberta para a pergunta pertinente ao barman:

Pergunta:
ACHA QUE SE IRÁ ANALISAR ISSO?

4ª Vinheta:
O jornal bem dobrado no banco seguinte, cumprida a sua função informativa, o braço esquerdo do freguês descansando no balcão, o direito descaído, cumprida a sua função informativa, a boca em ponto e o olhar atento fixo no experiente barman, este de boca aberta e o dedo em riste, próprios de um tom drástico e sabiamente pertinente:

Resposta:  
ACHO MAIS PROVÁVEL QUE SE ANALISEM EXOPLANETAS OU ONDAS QUÂNTICAS.»

II- O TEXTO DE JMT:
OPINIÃO
Os corninhos de Manuel Pinho eram para nós
Os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 28 de Abril de 2018
A partir do momento que descobrimos que Manuel Pinho é suspeito de ter continuado a receber 15 mil euros mensais do BES enquanto ocupou o cargo de ministro da Economia, aquilo que surge diante de nós é a primeira prova de algo que se adivinhava há muito – os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto, que envolveu as maiores figuras da política, da banca e da economia.
Aquelas pessoas não chegaram lá acima e depois tornaram-se corruptas; aquelas pessoas só chegaram lá acima porque já eram corruptas. A diferença entre uma coisa e outra é imensa. O que assistimos em Portugal não foi ao poder a deixar-se corromper (acontece em todo o lado), mas sim à corrupção a chegar ao poder (acontece apenas em ditaduras ou em simulacros de democracia). Apesar de tudo, são duas formas bem distintas de roubar um país. No primeiro caso, o problema resolve-se prendendo os corruptos. No segundo caso, é indispensável uma profunda reflexão sobre a natureza de um regime que se deixa dominar anos a fio por um conjunto de distintos malfeitores, e avaliar por que razão os quatro poderes fracassaram estrondosamente no exercício de vigilância mútua.
O que o novo caso Manuel Pinho demonstra é que os pesos e contrapesos do regime português se afundaram no pântano socrático. E perante isto há três tipos de reacção possível: 1) admitir o problema; 2) negar o problema; 3) relativizar o problema. Esta semana assistimos, por parte de membros destacados do Partido Socialista, aos três tipos de reacções.
1) Admitir o problemaCoube a Ana Gomes, mais uma vez, a única reacção decente perante tudo aquilo que vamos sabendo. Escreveu no Twitter: “O PS não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. O próximo congresso é uma oportunidade para escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da Política e do País.” Tudo dito e bem dito.
2) Negar o problema. A Arons de Carvalho coube esta semana o papel de porta-voz socrático. Em entrevista ao I disse que “a posição de Ana Gomes é um erro colossal”, considerou que uma pessoa viver “com dinheiro emprestado” não é “reprovável”, e apresentou o mantra dos actuais defensores de Sócrates, que não podendo mais continuar a jurar a sua inocência sem fazerem figura de parvos, optam por declarar: “Quer o Manuel Pinho, quer o José Sócrates, não foram ainda condenados. Temos de esperar sem intervir e sem comentar.” Portanto, já sabem: tudo caladinho até 2028.
3) Relativizar o problema. Como de costume, coube a Carlos César e a Jorge Coelho o papel de cucos do PS. Os paninhos quentes que têm tido em relação a Sócrates não tiverem em relação a Pinho. Carlos César: “Se isso aconteceu, é uma situação incompreensível e lamentável.” Jorge Coelho: “Acho essa questão tão grave, tão inédita, que nem quero acreditar que seja verdade.” Pinho, que nem sequer tem cartão de militante, dá jeito como bode expiatório de uma certa indignação socialista. O PS critica-o a ele e não ao outro, simula alguma virtude, assobia para o ar como se não fosse nada, e o país fica sentado à beira do caminho, aguardando que um dia lhe expliquem como foi isto possível.
A fórmula dessa possibilidade está à vista: foi possível porque poucos admitiram, muitos negaram e quase todos relativizaram. Assim aconteceu em 2009. Assim continua a acontecer em 2018.
Jornalista

Mas, na antepenúltima página do mesmo Público de 28/4, Jorge Wemans escreve longo artigo, condenando as reportagens esclarecedoras da Sic, que deram azo a tanto brado, de que a última página aqui citada  é exemplo. Dele só citarei o introito:

OPINIÃO
A insustentável leveza dos filmes do senhor procurador
Não me recordo de ter assistido, em democracia, a tão repugnante entrega do papel do jornalista a procuradores e juízes.
JORGE WEMANS
28 de Abril de 2018:
Só a impunidade soprada pelos ventos de populismo que assola a Europa pode explicar o que tenho ouvido e lido como defesa da “grande reportagem” da SIC construída com base nos filmes dos interrogatórios dos arguidos do processo Operação Marquês. Não encontro outra explicação. E o que vejo assusta-me.
Vamos por partes.
1. A tal “grande reportagem” que a SIC montou com a divulgação dos filmes dos interrogatórios tem zero de investigação própria e nada de factos novos. O seu roteiro segue o discurso da acusação e a dita reportagem não é mais do que a ilustração dos milhares de páginas em que aquela se deu a conhecer. Ou melhor dizendo: os milhares de páginas impressos como certificado de tudo quanto sobre o caso já tinha sido tornado público pela via de flagrantes e repetidos atropelos ao segredo de justiça. ….

Um comentário do contra, entre os muitos de apoio a este artigo de J W:
  28.04.2018: Mas a grande questão está mesmo no papel desempenhado pelos magistrados e, assim sendo, no pretendido com essa intervenção. Porque a questão da Ética e do Segredo de Justiça, essas já foram deitadas às malvas há muito tempo; precisamente por aquilo que os magistrados pretendem com tudo isto. Alguns dirão, preparar a opinião pública para a bondade - eles dizem verdade - dos seus argumentos e convicções; contudo, não é só por isso, é muito mais - visa instrumentalizar, pela contaminação, as outras áreas do poder, e assim reforçar o seu. Estamos perante um processo de judicialização da sociedade, nos quais o poder legislativo, por incúria e omissão, e o poder executivo, por demissão e indecisão, têm amplamente contribuído. Veja-se o caso da norma sobre o concurso para professores.


domingo, 29 de abril de 2018

Elisa ué, Elisa uá



Foi o que me lembrou este texto de António Barreto. Não lhe sei a letra, que a Internet não forneceu ainda, só lembro a música revoluteante do seu «gomara saia» a juntar ao estribilho: Elisa ué, Elisa uá, Elisa ué gomara saia.
Lembrei-me por analogia e por contraste, pois o texto de António Barreto também usa o mesmo processo definidor do nosso temperamento. Afinal temos tanto, que dantes não tínhamos, e, em vez do reconhecimento esperado, continuamos a lembrar os dados negativos da falta de condições hospitalares, num coro de protestos que lembra a Elisa ué, Elisa uá, repetitivo, contrastando, embora, com a beleza airosa da canção do Duo “Ouro Negro”. Não, os nossos protestos, embora revoluteantes sempre, graças à batuta mágica dos orquestradores sindicais em serviço permanente, não são belos assim, e nisso contrastam, protesto de povo mesquinho e ingrato que cospe na mão do benfeitor, Calimero insatisfeito e pipilante, desprotegido e ingrato.
Mas o avanço nos dados, em compasso orquestrado, por António Barreto, aí está, impecável de apuramento e de incompreensão, lembrando também, ressalvadas as distâncias e as intenções, o “sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra” de um intelectual argutamente derrotista e autodestruidor genial, como foi Álvaro de Campos, para além do seu "lagarto a quem cortam o rabo, e que é rabo para aquém do lagarto,  "remexidamente"....
Elisa remexida? Calimero pipilante? Entre danças e gemidos – ou rosnadelas - salva-nos sempre Pessoa.

Tentar perceber a saúde
ANTÓNIO BARRETO
DN, 29/4/2018
Na União Europeia, Portugal é o quinto país, à frente de vinte, com mais médicos por habitante! Muito acima da média! Quase o dobro do Reino Unido e do seu National Health Service!
Na UE e na OCDE, é o quarto país com menos habitantes por profissional de saúde, melhor do que a média! Na União Europeia, Portugal é o país com mais médicos de família por habitante. Mas é verdade que também é um dos países com menos enfermeiros por habitante.
Na Europa, Portugal é um dos países com menos camas hospitalares por habitante, está em sétimo lugar. Mas, abaixo, estão por exemplo a Dinamarca, a Espanha e o Reino Unido!
Os vencimentos dos médicos estão, em termos absolutos, entre os mais baixos da Europa. Em paridade de poder de compra, estão na primeira metade, acima da média. Como parte do PIB, o total dos vencimentos dos médicos está entre os mais elevados da OCDE. Isto é, os médicos têm uma das maiores fatias do PIB. Ganham pouco, mas o PIB é muito pequeno.
Em despesa pública e privada com a saúde, por habitante, Portugal fica ligeiramente abaixo da média, atrás de catorze países e à frente de onze. Mas em percentagem do PIB fica em sétimo lugar, acima da média e à frente de mais vinte.
Com todos estes dados, é difícil perceber por que razão há "falta de médicos" e filas de espera para consultas e cirurgias.
As organizações mais credíveis (UE, OCDE, OMS, INE) surpreendem-nos com observações favoráveis e elogiosas, mas os partidos denunciam um verdadeiro inferno e os utentes queixam-se. A esquerda diz que a direita "destruiu" o SNS. A direita garante que a esquerda nada fez de jeito em três anos.
Pelas más razões, a saúde está de novo no centro do debate político e das tensões sociais. O tempo e as filas de espera aumentam. Os custos sobem, os preços também. O orçamento não chega. O défice cresce. Há luta de classes no sector.
Tudo leva a crer que a saúde esteja em crise. Não se conhecem bem as causas, mas parece que tem havido menos investimento. Só que não se sabe se isso é realmente importante. A diminuição de investimento não parece ter sido assim tão grande. E convém não esquecer que a saúde é há muito considerado o sector de actividade em que há mais desperdício e pior gestão.
O debate político sobre a saúde e o Serviço Nacional de Saúde está a ficar insalubre. Com a aproximação de mais um orçamento, do ano eleitoral e da revisão das alianças, os nervos estão tensos. Os ânimos ficam exaltados e a reflexão simples.
Esquerda e direita pensam menos. A primeira é totalmente a favor do Estado e contra os privados. A segunda é o contrário. O que não parece ajudar muito. Este clima não é propício ao rigor dos factos e do diagnóstico. Concretamente, não se sabe por que razões o país tem tão bons indicadores quantitativos (médicos, hospitais, camas, equipamentos, consultas, urgências), alguns muito bons resultados (esperança de vida, mortalidade infantil, vacinações) e tão maus índices de qualidade (espera, acidentes, desigualdades, preços dos medicamentos, horrendas condições de espera e atendimento nos serviços públicos).
Será que um dia, como já aconteceu duas ou três vezes desde 1974, poderemos voltar a tratar da saúde sem fanatismo político? Será que se poderá olhar a sério para a organização dos hospitais? Para a exigência de condições decentes de atendimento? Para as horas de serviço dos médicos e dos enfermeiros? Para a necessidade de estabelecer a exclusividade de funções? Para os efeitos nefastos da acumulação de funções públicas e privadas de tantos profissionais? Para a inflação de custos de medicamentos e equipamentos? Para a diminuta prestação de cuidados continuados e paliativos e de cuidados aos idosos e doentes no domicílio? Para o facto de os blocos operatórios funcionarem poucas horas por dia, muito abaixo dos padrões de segurança e eficiência?
Sem a estupidez do fanatismo político, a saúde e o Serviço Nacional de Saúde poderiam ser a mais formidável realização da democracia portuguesa.

As minhas fotografias

Almoço em Alfama, com sardinha e turista. Na casbah lisboeta, ali para os lados de Santo Estêvão, duas senhoras, certamente turistas, mostram ao que vieram. Uma faz contas à vida, depois das sardinhas e da mousse de chocolate. Outra, com parceiro, preparara-se para atacar uma dúzia de sardinhas, o que revela fome e um estômago de respeito! O turismo já mudou as grandes cidades. Agora, a respectiva temporada é quase o ano todo. Há vinte anos, era no Algarve. Há dez, em Lisboa e no Porto, uma novidade. Há cinco, uma alegria. Hoje, já começa a ser motivo de insatisfação: tuk-tuks, enchentes, barulho, carteiristas, preços dos restaurantes, alojamentos, rendas de casa, despejos de inquilinos antigos... É o costume: há sempre alguém que aproveita, há sempre alguém a rosnar!


sábado, 28 de abril de 2018

Diversões de Abril



A palavra a alguns comentadores de ALBERTO GONÇALVES. Mas não esqueçamos o défice, que paira sobre os nossos destinos, nem a balança comercial periclitante, nem outros balanços, tantos, tontos, tintos de tanta angústia, de tanta depressão, de tanta previsão… como efeito do desequilíbrio, da sonsice, da cultura do empanturramento popular televisionado, que Abril nos trouxe, por conta da gaivota de uma modinha tonta…

Abril em Portugal, capítulo XLIV
OBSERVADOR, 28/4/2018
Descontado o folclore, e à semelhança do Natal, “Abril” é o que um homem quiser. E os homens que o fizeram, primeiro, e os homens que o tomaram, de seguida, quiseram imensas e contraditórias coisas.
São diversas as razões que me impedem de desfilar a cada 25 de Abril. A primeira é a aversão a manifestações públicas, para cúmulo colectivas. Se já é ridículo que uma pessoa se ache tão interessante a ponto de ter de expor os seus sentimentos ao resto da humanidade, é duplamente patético que se sinta obrigada a fazê-lo em bando. Um sujeito sozinho aos berros nos Aliados ou no Rossio ainda merece algum respeito (e a atenção do INEM). Acompanhado por milhares de ociosos idênticos, não merece respeito nenhum.
O segundo motivo é o absurdo de comemorar datas. Incluindo a do meu aniversário, não conheço qualquer data digna de festejos ou baderna. Desde o início dos tempos que, de acordo com os paladares, diariamente acontecem tremores, bons, maus, terríveis, desmesurados, ínfimos, incompreensíveis e polémicos. Se sairmos à rua a “assinalar” todos, acabaremos exaustos, resfriados e com a taxa de produtividade do sindicalista médio. Além disso, não haverá trânsito que resista.
O terceiro motivo pelo qual não celebro “Abril” prende-se com o próprio “Abril”. Serei picuinhas, mas causar-me-ia certa impressão passear em prol da democracia junto de criaturas que sempre a combateram. Não querendo generalizar, o tradicional cortejo lisboeta é das maiores concentrações de intolerantes que o país é capaz de agrupar. E a toponímia é tão irónica quanto os propósitos: boa parte daquela gente “desce” a Avenida da Liberdade em nome de um conceito que lhe é fundamentalmente estranho. Por regra, os rostos reconhecíveis na romaria do 25/4 oscilam entre fanáticos de proibições, na melhor das hipóteses, e devotos de totalitarismos, na pior. Mesmo os que não idolatram abertamente tiranos célebres e obscuros entretêm-se a conceber interditos e calar “blasfémias”. É peculiar, por exemplo, que candidatos a censores se congratulem com o fim da censura. Ou que prepotentes naturais recordem com rancor a prepotência alheia. No fundo, eles descem a Liberdade porque não saberiam subi-la nem que tentassem.
Por estas e por outras (estas chegavam), o meu contacto com o 25 de Abril de 2018 limitou-se às cerimónias oficiais. Por diligência minha? Não endoideci. Sucede que o carro viera da revisão e estava sintonizado numa estação de rádio, meio que sinceramente julgava extinto. De repente, apanhei com a voz de uma senhora que evocava “o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres”. O meu impulso foi mudar a engenhoca para um disco de John Lee Hooker em que me ando a viciar. Porém, o humor retorcido que Deus me deu viu-se seduzido pelo descaramento de alguém que, a fim de emitir uma trivialidade embaraçosa, cita a figura em causa. Citar Gandhi ou Mandela é apenas aborrecido: citar o eng. Guterres revela um talento burlesco que me transforma num ouvinte atento.
E atento ouvi a tal senhora falar no “tecto de vidro que impede as mulheres de chegarem aos lugares topo”, na “nova realidade” em que vivemos “porque decidimos [ela e os amigos] pôr fim à austeridade”, na dra. Pintasilgo (com um único “s”). A terminar, o cliché apoteótico: “Cumprir a democracia e viver a liberdade é evitar fraturas e conflitualidades entre jovens e idosos, entre empregados e desempregados, entre patrões e trabalhadores, entre o interior e o litoral. Cumprir a Democracia e viver a Liberdade é não deixar mais que nenhuma mulher seja agredida ou assassinada numa relação de intimidade”.
A senhora, soube depois, chama-se Elza (com “z”) Pais e é deputada do PS. Também soube depois que o portentoso vazio dessa retórica uniu a quase totalidade dos discursos, com a excepção do do dr. Ferro Rodrigues. O presidente do parlamento conseguiu ir além do vazio e aproveitou a oportunidade para defender os compinchas envolvidos em trafulhices demográficas. No final, alguns parlamentares, de florzinha ao peito, entoaram a “Grândola” fatal. Nas bancadas, os “capitães” abençoaram a eucaristia. Se se pudesse morrer de ridículo, teríamos tido uma chacina.
Aqui chegado, para evitar equívocos, esclareço não ser saudosista do salazarismo. Não aprecio regimes controlados por nacionalistas rústicos, inimigos do comércio livre, da propriedade privada, do direito à expressão, dos “desvios” à moral vigente e, em suma, da possibilidade de o indivíduo decidir estrafegar o seu destino conforme entender. Aliás, são esses os exactos motivos que me excluem da habitual discussão em volta da propriedade de “Abril”. Ano após ano, a nossa melancólica “direita” procura reivindicar uma herança de que a esquerda se apoderou e da qual me excluo sem remorsos. Por mim, podem ficar com os cravos, o “Zeca”, a gaivota, a aliança povo/MFA e restante folclore. Descontado o folclore, e à semelhança do Natal, “Abril” é o que um homem quiser. E os homens que o fizeram, primeiro, e os homens que o tomaram, de seguida, quiseram imensas e contraditórias coisas. Um protesto corporativo. Um golpe de Estado. Uma democracia à “europeia”. Um paraíso soviético. Um inferno cubano. Um manicómio. Somados os pesos e os contrapesos, sobrou-nos o meio termo. Se nos livrámos de trocar uma ditadura rançosa por uma ditadura sanguinária, não nos livrámos da propensão para o atraso de vida que nos tolhe há séculos.
Quarenta e quatro anos passados, estamos assim, dependentes, tolhidos, patriotas, tontos e entregues a uma casta renovável e sortida de burgessos com manha, cuja solitária habilidade é a de convencer-nos da justiça dos seus privilégios.
Celebrar isto? Vou ali e não volto, como diria o secretário-geral das Nações Unidas.

ALGUNS COMENTÁRIOS

Antonio Dâmaso: Hoje tenho uma PEQUENA discordância do Alberto. A certa altura diz o Aberto "INFERNO CUBANO" - O ALberto não conheceu Cuba. Vou tentar elucidar o Alberto: - Cuba do camarada Fidel viveu do turismo sexual, não tem petróleo como a Venezuela, as mulheres eram o seu "petróleo". Em cada hotel, havia um recepcionista, com poder, que tinha o portefólio das "guias pessoais". Eram mulheres muito bonitas, entre os 20 e os 40 anos (como na bola, a idade conta) que acompanhavam durante uns dias os homens, com algum dinheiro, que visitavam Cuba. Eram tratadas como "princesas", durante os dias "de serviço" tinham tudo nos hotéis, piscina, comida, tudo o que pedissem. A conta era para o "patrão" nesses dias, mas era barato para europeu com euros, libras ou francos no tempo deles. As mulheres "guias pessoais" gostavam deste parte-time, levam dinheiro para uma vida desafogada, tinham uma semana de férias de 2 em 2 meses + ou -, as mães ou amigas tomavam conta dos filhos, não aturavam os maridos ou namorados, com um pouco de sorte tinham sexo de alta qualidade. Contribuíam para o equilíbrio da revolução do camarada Fidel. 
O Alberto vem dizer que aquilo era um inferno. O Alberto nunca conheceu. Aquilo era um paraíso. Que confusão na cabeça do Alberto.
Paulo Carnaxide: O último parágrafo diz tudo: foi o que Ferro e César fizeram descaradamente perante a trafulhice. Isto para não falar dos inúmeros indivíduos que ao longo destes 44 anos se serviram do estado para ganhar milhões de euros, e compor as suas vidas e a dos seus à conta dos contribuintes.
Alexandre Barreira: .....mas o melhor que a "desmocracia"......me deu......foi da possibilidade....de levar o bobi.....à tasca.....e dar uma "gorjeta".....para apanharem.........o "suvenir".......!!!!!!
Jorge Marques: Antes do 25 de Abril, havia "Portugal" e "as Colónias". E havia "Lisboa" e "a Província". Também havia "os portugueses", e os "inimigos da Nação". Mas éramos todos portugueses (incluindo os das Colónias, apesar de serem "pretos" e "brancos"). 
 Hoje somos classificados e ordenados por escalões de IRS, há os L, G, B, e T mais os "hetero", os católicos e os IURD, mais os muçulmanos e não sei quantas outras confissões, os maiores e menores de várias idades para vários efeitos, quem vive no apartamento há mais ou menos de 25 anos, quem tem e não tem casa própria, as crianças com necessidades educativas especiais mais as hiperactivas e todas as outras crianças especiais, automobilistas, motociclistas, ciclistas e peões, mais os utilizadores de transportes públicos (cinco classes sociais com direitos diferentes), os diplomados de letras e de ciências mais os arquitectos, os engenheiros, os juristas, os informáticos, os nutricionistas, etc., quem tem "direitos" (que são vários, todos diferentes), os "europeus" e os "refugiados", os políticos e os outros, a esquerda, o PS e os "fascistas", etc. etc. Nem sei se ainda há portugueses ou se ainda é permitido sê-lo.
Jorge Marques: Uma nota em relação ao salazarismo: Salazar era nacionalista mas não era rústico, era católico; ele não era inimigo do comércio livre mas sim das multinacionais e dos défices da balança externa; e também não era inimigo da propriedade privada apesar de ser amigo do interesse público. Os “desvios” à moral vigente que são hoje tolerados não anulam a norma que é hoje imposta em termos ideológicos, nem as limitações que hoje existem à liberdade de expressão. E quanto à possibilidade de o indivíduo decidir estrafegar o seu destino conforme entender, a única coisa que não era permitida era estrafegar-se em público. Porque tirando isso, houve muita gente que se estrafegou de todas as maneiras possíveis e imaginárias naquele tempo. OK, havia duas coisas que você não referiu: a PIDE e a Guerra Colonial. Mas se hoje não temos guerra, pode crer que as nossas secretas e o fisco não ficam nada a dever à tradição pidesca. A diferença é que hoje já não são precisos calabouços para controlar as pessoas...
Maria Alva: Uma grande verdade, bem elucidativa do cinismo de algumas comemorações: "passear (na Avenida da Liberdade) em prol da democracia JUNTO DE CRIATURAS QUE SEMPRE A COMBATERAM". Tal como os inflamados discursos parlamentares sobre a Liberdade de representantes de partidos que, até ao 25 de Novembro, tudo fizeram para a combater.
Até prá semana, AG. 




Sensibilidade, uma ova!



Sim, a vida humana deixou de fazer sentido, apurados os meios para a destruir, e até o espectáculo mediático que tantas vezes proporciona, seduzindo, provavelmente, esses tais que se dizem compassivos dos seres que sofrem, desfeita a esperança de esses tais seres viverem “com dignidade”, isto é, sem dor e sem recuperação de saúde. Bagão Félix pronuncia-se sobre o tema “eutanásia”, com a qualidade da sua decência cultural e humana, facilmente ironizável nas puerilidades ostentadoras de leituras amenas de antigas e célebres escritoras, defensoras, em seu tempo, do feminismo igualitário, como a Jane Austen, criadora de figuras femininas de rebeldia provocatória das convenções, e a que a comentadora Jeine Ósten da Covilhã pretende equiparar-se, em liberdade reprodutora de novos chavões de sensibilidade e pseudo humanismo. 
Não vou alargar-me. BAGÃO FÉLIX se pronuncia com a qualidade devida, e bem assim um dos seus comentadores, JOÃO LOPES. Que os outros aplicam os chavões trocistas contra os católicos, como se só estes fossem contra a tal eutanásia, que a esquerda delirante quer erguer em lei, e talvez consiga, num país minúsculo e indefeso.
Não, não vejo presunção de amor, na eutanásia, mas impaciência, egoísmo, desejo de libertação, quantas vezes o desejo de antecipar a herança que se vai receber, embora haja casos de sabotagem, já o Padre Manuel Bernardes contava a história da velhinha que, para ser bem tratada pelo filho e pela nora, fazia tilintar aparentes moedas, no seu quarto solitário, que se revelaram apenas desprezíveis cacos, quando morreu, história que já reproduzi em “A Velhinha de Bernardes”, e de que transcrevo a parte final (in “Prosas Alegres e Não”, 1973): «Quando morreu, após mais uns anos em que viveu novamente acarinhada, em vez do dinheiro com que contavam, filho e nora descobriram cacos e um papel com significativos dizeres de prevenção contra a tolice de se desfazerem dos bens a favor dos filhos, antes de morrerem.»
Sei bem que não se trata apenas de velhos, nestes casos de “boa morte”, de libertação da dor impotente, mas não comparo com o meu “Fox”, que, por amor, não permiti que sofresse mais, chamando a veterinária que o sossegou, finalmente, e não assisti, fugindo, literalmente, a viver de longe os seus últimos momentos, de velho cão meigo e resistente. Mas eu não abandonaria a pessoa que eu amasse, não passaria a ninguém a responsabilidade da sua morte, sofreria com ela até ao fim, não por masoquismo, não por sadismo, mas por apego ao ser amado, por horror ao crime de matar. Tentaria, sim, diminuir-lhe as dores, com os anestesiantes receitados, que, afinal, lhe abreviariam a vida, mas acompanhá-lo-ia, certamente, com o sofrimento e o horror próprios.
Mas terminemos mais na desportiva, com um artigo de JOÃO MIGUEL TAVARES, para espairecermos… antes da machadada da aprovação da lei criminosa.

I TEXTO: OPINIÃO
A) No princípio (do fim) é a eutanásia... E depois?
Temos a figura do “testamento vital” ainda a dar os primeiros passos e quer acelerar-se tudo isto em nome de quê?
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 27 de Abril de 2018
O recente livro Reanimar?, da autoria de António Maia Gonçalves, especialista em Medicina Interna e em Cuidados Intensivos, é uma obra escrita com profundo humanismo e baseada numa rica experiência de situações concretas, envolvendo questões deontológicas e bioéticas perante a iminência da morte. Um notável livro de uma pessoa que se confessa “apaixonada pelo milagre da vida” e que me ajudou a reflectir sobre a eticidade da relação necessariamente assimétrica entre o médico e o doente, entendida como um modo de serviço e não de poder.
Vem isto a propósito da eutanásia, sobre a qual o autor também discorre, baseado no fundamento hipocrático de há 25 séculos e – cito – no “princípio da autonomia e respeito pela vontade do doente, que fazem parte da boa prática clínica, mas que não é uma autonomia que desresponsabiliza os médicos e que anula a relação de confiança com os seus doentes”.
O médico é, por essência, um mediador, cuja acção deve radicar na primazia do doente e na troca permanente de confiança, de humanidade, de competência, de generosidade, de disponibilidade. Em suma, de responsabilidade.
A eutanásia é um tema divisor, onde os absolutismos não são aconselháveis. Estamos diante do bem soberano que é a vida (não referendável) e da sua relação com a medicina, a bioética, a filosofia, a ciência, o direito, a religião.
O que mais confrange em alguns debates ou opiniões é o simplismo de pseudo truísmos, a superficialidade, a trivialização, a generalização abusiva. É necessário termos a humildade de perceber quão cómodo é discutir o sofrimento e a morte em abstracto face ao seu dramático enfrentamento em concreto. E nisso o livro citado é bem elucidativo.
Na moral cristã que é a minha, a vida é um dom de Deus. Somos usufrutuários, não donos do nosso corpo. A vida é para a pessoa, mas não pertence à pessoa. E, como disse Jean Guitton, “a maneira de preparar a morte é verdadeiramente uma virtude ou o seu contrário”.
Não se trata, todavia, de um assunto que se esgote ou que se deva impor apenas no plano religioso, a não ser na opção de cada um.
A eutanásia tem sido definida como “uma intervenção ou omissão deliberadas, com a intenção de terminar a vida de alguém, a seu pedido (informado, consciente e reiterado), quando este apresente sofrimento intolerável, estando em fim de vida”. Os defensores da sua legalização falam também de “evitar sofrer inutilmente” através de uma “morte digna e assistida (sublinhados meus).
São facilmente perceptíveis a sua inconstitucionalidade (“a vida humana é inviolável”, art.º 24 da CRP) e, sobretudo, a ambiguidade de conceitos, a ténue e perigosa linha entre o uso e o abuso da lei e a corrosão da ética e deontologia de cuidar quando não é possível curar. É que, na “morte clinicamente assistida”, não se trata só da liberdade de morrer, mas da necessidade de alguém que mate ou que para isso contribua, legalizada pelo Estado.
O que é “um sofrimento intolerável”? Como se mede? O que comporta, para além da dor? E como se define a fronteira do “sofrimento inútil”? É até um paradoxo um Estado legalizar a eutanásia quando a evolução científica, técnica e farmacológica oferece cuidados paliativos para uma morte digna.
Normativizar o sofrimento é uma insegura e perigosa estrada que vai da dor física ao sofrimento psíquico, senão mesmo existencial. E estará o legislador tão seguro de formular uma norma inatacável sobre a natureza livre, consciente e informada do pedido de eutanásia? A determinação da “vontade de morrer” de alguns doentes não exprime, necessariamente, o pedido para ser eutanasiado. Todos estes conceitos, aliás, podem resvalar danosamente, como o comprova o abuso da lei na Holanda, onde a eutanásia já atinge 3% dos óbitos anuais. 
Aliás, continua a haver muita confusão de conceitos, deliberada ou inconsciente, pondo tudo no mesmo saco: eutanásia activa e passiva, suicídio assistido, ortotanásia, obstinação terapêutica. E há actos e condutas conformes às exigências éticas e boas práticas clínicas que não configuram a prática da eutanásia. Por exemplo, a recusa de tratamentos objectivamente inúteis, o uso mais digno e humanista de cuidados continuados e sedação paliativa e a recusa da obstinação ou futilidade terapêuticas.
Sobre esta, cito a própria posição da Igreja Católica: “A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do ‘encarniçamento terapêutico’. Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o facto de a não poder impedir.
Temos a figura do “testamento vital” ainda a dar os primeiros passos e quer acelerar-se tudo isto em nome de quê? Face à “inutilidade do sofrimento” nesta “sociedade de cansaço”, quem garante que certas expressões eugénicas em torno do envelhecimento e da dependência não se seguirão, em nome de um pretenso “avanço civilizacional”?
Nestas matérias, sabe-se como as coisas começam, nunca se sabe como acabam...

B) Curiosidades linguísticas e científicas justificativas:
IPSIS VERBIS
CITAÇÃO: “A morte não melhora ninguém...” (Mário Quintana, 1906-1994)
EUFEMISMO: “Morte clinicamente assistida” em vez de eutanásia, ela própria etimologicamente um eufemismo grego (“boa morte”)
OXÍMORO: Um eterno instante
PALÍNDROMO (capicua de letras): REVIVER
PLEONASMO: A viúva do falecido
METÁFORA: “A morte é a curva da estrada” (Fernando Pessoa, 1888-1935)
«Originário do Mediterrâneo, o cipreste exibe uma silhueta recta, colunar e alta, culminando numa copa cónica, unida a um tronco fibroso, com uma ramificação fastigiada de um verde intensivo e profundo. Quando mutilado no tronco, jamais volta a crescer. Daí, talvez, uma das razões por que o ligam à ideia da morte. Em Portugal, é muito visto em cemitérios, por ter uma forma que lembra as velas junto das campas. Porém, não sabendo o que é a eutanásia arbórea, o cipreste poder viver um milhar de anos, visto como um símbolo de longevidade, imortalidade e espiritualidade associado não à morte, mas à vida, não à tristeza, mas ao júbilo, não ao vazio, mas à eternidade. Van Gogh imortalizou-o através da pintura. A sua madeira aromática é de uma resistência e durabilidade que a tornam quase imputrescível. Como tal, foi usada como sarcófago e consta que foi com ela que se construiu a bíblica Arca de Noé e o Templo de Salomão. A urna de São João Paulo II é de madeira de cipreste.»
C) COMENTÁRIOS
Jeine ÓstenCovilhã : A vida não é um milagre. É um facto. É um processo biológico. É inviolável? Não é. É "violada" diariamente, quando não há coisas tão simples como uma habitação digna desse nome, alimentação, emprego, etc. A minha vida não me pertence? O quê, nem a minha vida, o meu corpo me pertencem? Sou assim tão destituída? Não. Se há algo que é meu é o meu corpo e a vida dentro dele. Quanto a livros, sugiro um também da autoria da Doutora Laura Ferreira dos Santos: "Ajudas-me a morrer?". É um livro de uma investigadora que nele recolhe factos, não milagres, e se me afigura fundamental para o assunto em questão. Já agora, no princípio é a eutanásia. E no fim? É a morte para quem a pediu, é o fim do sofrimento.
Pedotec: Para os católicos a vida é um dom de Deus e por isso não é pertença individual. Mesmo quando é um dom horrível (ex. doenças genéticas incapacitantes; fim de vida altamente doloroso sob todas as formas)! Há que aguentar! Depois vem o paraíso (que nunca ninguém conseguiu descrever de forma minimamente atraente, mas parece envolver virgens ou "Virgem"). O poder da ilusão é tremendo e desfoca a razão: os católicos nas suas ânsias preocupam-se com a vida sobretudo até ao nascimento e depois da morte. A vida "vivida" passa-lhes um bocado ao lado porque estão sempre à espera das manifestações da vontade de Deus e a tentar influenciá-la com umas rezas (ou, mais poderosamente, com umas cadeia de oração, que podem incluir personagens já mortos - a "comunhão dos santos"). Estranha forma de viver!
JOÃO LOPES: A defesa da vida, em todas as circunstâncias, é a defesa da humanidade. Os promotores da cultura da morte - aborto e eutanásia - atentam contra a dignidade da pessoa humana: são os "bárbaros" e os "monstros" destes tempos… A eutanásia e o suicídio assistido são diferentes formas de matar. Os tribunais, os médicos e os enfermeiros existem para defender a vida humana e não para matar nem serem cúmplices do crime de outros...
João Rodrigues: O costume! Para os católicos romanos qualquer coisa que ponha em causa os seus dogmas é um crime! A vida de uma pessoa pertence ao próprio e não a um deus qualquer ou voltamos outra vez à idade média!!!!

II TEXTO: OPINIÃO
Com um jornalismo neutro, eu nunca me comprometo
Em Portugal, sempre que o jornalismo é incómodo torna-se rapidamente ilegítimo.
JOÃO MIGUEL TAVARES                  
PÚBLICO, 26 de Abril de 2018
Nos últimos 15 dias li duas entrevistas a António Mexia, por alturas da sua recondução como presidente da EDP. Uma no Jornal de Negócios, a outra na Visão. Li também declarações suas na Lusa. Essas entrevistas foram feitas em Washington. A EDP pagou as viagens. Segundo a Visão, António Mexia “escolheu os Estados Unidos da América – mercado cada vez mais relevante para a eléctrica – para inaugurar o novo mandato em que foi investido recentemente”. Contudo, quando lemos as quatro páginas que tanto o jornal como a revista lhe dedicam, verificamos que as entrevistas foram realizadas num hotel de Washington, tal como poderiam ter sido realizadas num hotel do Chiado.
Porque é que a EDP se dá ao luxo de pagar a vários jornalistas uma estada em Washington só para entrevistar um homem que trabalha diariamente em Lisboa? Porque as manobras de charme endinheiradas resultam sempre. Vai-se a ver, e ambas as entrevistas são sobre os grandes projectos da EDP, mais os clássicos “desafios para o futuro”, reservando-se duas modestas perguntas sobre o processo judicial em que António Mexia e João Manso Neto são arguidos, por suspeitas de corrupção. Pergunta da Visão: “Quanto à investigação judicial, aos CMEC, em que é arguido, já disse estar confiante de que as coisas se resolverão e explicarão. Mas o que fará se for deduzida acusação? Interrompe o mandato?” Pergunta do Jornal de Negócios: “Em relação ao processo dos CMEC, coloca a hipótese de alguma vez poder vir, eventualmente, a ser acusado?” A que se segue uma outra, talvez a minha favorita: “Sente-se perseguido pela justiça neste processo?”
Não é minha intenção apontar o dedo aos jornalistas que fizeram estas duas entrevistas, porque se outros estivessem no seu lugar provavelmente teriam feito o mesmo. A única coisa que quero sublinhar, e daí ter trazido para aqui um exemplo concreto, é que este sempre foi o tipo de jornalismo mais comum em Portugal. Conheço-o desde que leio jornais: perguntas muito abertas, cheias de alcatifas e almofadas, rodeadas de cuidadosos condicionais, e com a notável capacidade para juntar numa só frase, que termina com a arriscadíssima palavra “acusado”, as expressões “coloca a hipótese”, “poder vir a ser” e “eventualmente”, não vá António Mexia sentir-se ofendido com a pergunta. Hoje é assim com António Mexia, que continua todo-poderoso, como era assim com Ricardo Salgado nos tempos do DDT.
Este, claro está, é o jornalismo que toda a gente aprecia e acerca do qual nunca se ouvem críticas. Pessoas extremamente bem-educadas, em ambientes cordiais, a conversarem pacatamente, sem darem azo à erupção de questões deontológicas. O outro jornalismo, aquele que chateia, dói, confronta, escrutina e arrisca, é logo vilipendiado, que isto é um país de gente mansa e delicada. O respeitinho é muito bonito.
Ricardo Costa já escreveu no Expresso um óptimo texto (“Isto não é jornalismo) a justificar a exibição das imagens da SIC. Leiam-no, por favor. Eu quero apenas declarar que há duas coisas que me deixam abismado sempre que se discutem as ligações entre justiça, jornalismo, política e os todo-poderosos. A primeira é o fantasma da república dos juízes. A segunda é o fantasma do jornalismo justiceiro, destruidor de vidas e liberdades. São, de facto, patéticos fantasmas: nunca existiram, e contudo são invocados há décadas para impedir o escrutínio mais elementar. Em Portugal, sempre que o jornalismo é incómodo torna-se rapidamente ilegítimo.

Jornalista


sexta-feira, 27 de abril de 2018

O país emissor e o país receptor de Calouste Gulbenkian com noções químicas fortalecedoras


É sobre a Arménia e a sua história actual o primeiro texto, de José Milhazes, que informa sobre o conflito entre o povo arménio e o seu ministro, Serge Sarguissian, aliado de Putin. É sobre o nosso país, o segundo texto, de Paulo Almeida Sande, e sem especificidade de nomes, na nossa santa política de todos ao molho e fé em Deus, marca distintiva da nossa corrupção, também omissora do signo “pátria”.
 José Milhazes informa que Serge Sarguissian se recusou a demitir-se, a pretexto de estar a defender um enclave importante, contra o povo do Azerbeijão que igualmente o disputa – Nagorno Karabakh, mas que acabou por o fazer, pressionado pelo povo do Azarbeijão, que “não quer o “putinismo” no seu país”.
Todavia, logo os comentadores contra as “direitas” desvirtuantes surgiram, ferozes, e coloco-os escrupulosamente, como esclarecimentos úteis, de pontos de vista críticos sobre o ocidente e os seus defensores, que eles menosprezam, eliminando, contudo, os enxovalhos pessoais.

Calouste Gulbenkian, o arménio  trânsfuga, mecenas no nosso país… É altura de ler um pouco da sua história nacional…

Quanto à nossa, o texto de Paulo Almeita Sande explica bem as políticas de todos os quadrantes, de soma e segue, em compostura, de ligações iónicas ou metálicas, formando redes, boas condutoras de calor, de electricidade, de solidariedade, num ámen eterno ...

I TEXTO: Lá por fora
Arménios não querem “putinismo” no seu país
OBSERVADOR, José Milhazes
26/4/2018
A crise política na Arménia está longe do fim, mas já se pode tirar uma conclusão: os cidadãos desse país da Transcaucásia disseram não à rotatividade política copiada da Rússia pelos seus dirigentes.
Serge Sarguissian, que ocupou o cargo de Presidente da Arménia entre 2008 e 2018, após as funções de primeiro-ministro em 2007-2008, decidiu continuar a dirigir o país através de um truque constitucional já experimentado por Vladimir Putin na Rússia. Depois de rever a lei suprema do país, retirando grande parte dos poderes ao Presidente a favor do primeiro-ministro, Sarguissian, que, tal como Putin, fez carreira nos serviços secretos soviéticos, ocupou este último cargo há cerca de duas semanas.
Mais uma vez, Vladimir Putin precipitou-se ao dar os parabéns ao novo chefe do governo arménio, um dos seus mais fiéis aliados no antigo espaço soviético, ainda antes de ter entrado em funções. Porém, os concidadãos de Calouste Gulbenkian saíram para as ruas das cidades e vilas a fim de exigir a demissão de Sarguissian.
O “novo” primeiro-ministro recusou-se a pedir a demissão, justificando assim essa decisão: “Da minha parte, a tomada de posse como primeiro-ministro foi condicionada por uma circunstância simples. Nesta região com uma geopolítica complexa e num período cheio de desafios, devemos garantir o desenvolvimento seguro do país e continuar esforços com vista à normalização digna do problema de Karabakh”.
Nagorno-Karabakh é um enclave no território do Azerbaijão onde os arménios constituem a maioria esmagadora da população. A disputa armada entre arménios e azeris por esse território começou em 1987, sendo um dos primeiros conflitos que levou à desintegração da URSS em 1991. A Organização para a Cooperação e Segurança na Europeia tem tentado resolver este complexo problema, mas sem êxito, permitindo assim o reacendimento do conflito de tempos a tempos.
A julgar pelo ritmo a que está a ser resolvido este conflito, o mais provável é que ele garantisse a permanência no poder a Serge Sarguissian até á morte.
A oposição não aceitou essa justificação, criou-se uma situação muito perigosa, pois a sua primeira vitória presidencial ficou marcada por confrontos entre manifestantes e forças policiais que provocaram dez mortos. A tragédia poderia repetir-se em dimensões ainda mais sangrentas.
Quando o número de manifestantes nas ruas da capital arménia Erevan e noutras localidades não parava de aumentar e militares e polícias começaram a juntar-se aos protestos, Sarguissian foi sensato ao ponto de recuar e pedir a sua demissão.
“Cumpro a vossa exigência. Desejo paz, harmonia e lógica ao nosso país”, declarou ele ao anunciar a sua retirada.
Muitos milhares de pessoas saíram para as ruas a fim de festejarem esta vitória da oposição arménia, mas os mais de dez dias de protestos praticamente não mereceram a atenção dos canais de televisão russos controlados pelo Kremlin. As notícias começaram apenas a surgir após a demissão de Sarguissian, sendo sublinhado que não se tratava de “qualquer golpe anti-russo”.
É verdade que a oposição arménia não apresenta reivindicações anti-russas, nem a mudança da política externa do país (a Arménia é um dos mais fortes aliados da Rússia no antigo espaço soviético, mas, por outro lado, mantém boas relações com a União Europeia e os Estados Unidos). Porém, a televisão russa tenta esconder o facto de os arménios não terem permitido no seu país a “dança de cadeiras”, organizada por Putin com vista a garantir-lhe o poder pelo menos até 2024.  Claramente um “mau exemplo” a esconder dos cidadãos russos, não obstante a oposição russa estar completamente dividida e enfraquecida.
O exemplo arménio também não é “nada didáctico” para antigas repúblicas soviéticas onde os líderes eternizam o seu poder: Bielorrússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Azerbaijão, etc.
Todavia, a crise política não chegou ao fim, pois o dirigente da oposição arménia, Nikol Pachinian, exige o fim do monopólio do poder do Partido Republicano da Arménia e a realização de eleições parlamentares limpas e democráticas. Além disso, Pachinian pretende que o Presidente o nomeie primeiro-ministro interino até ao escrutínio para que seja garantida a sua legalidade e transparência.
Os actuais dirigentes do país recusam-se a aceitar novas reivindicações de Nikol Pachichian, que já conseguiu o apoio de importantes partidos políticos como “Arménia Próspera” e “Herança”.
A crise política continua e a sua agudização poderá ter sérias consequências não só no plano interno, mas também em toda a Transcaucásia. Por exemplo, o Azerbaijão poderá ser tentado a resolver pela força das armas o problema de Nagorno-Karabakh.
Talvez por isso, a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia não queiram permitir a agudização de mais uma crise numa região já complicada como a Transcaucásia.
Porém, a crise arménia deve ser um sério sinal para o Kremlin e não só pelo facto de ter sido posto em causa um dos principais postulados do “putinismo”: “hoje, Presidente; amanhã, primeiro-ministro; depois, novamente Presidente, etc.”. Vladimir Putin arrisca-se também a perder a Arménia, país onde existem bases militares russas, se tentar impor as suas regras de jogo aos vizinhos. Tal como já perdeu a Geórgia e a Ucrânia.

Dois comentários da esquerda amiga de Putin:
1 - De Diego Maradona:
1º- O Sr. Milhazes não percebe que foi mais um ataque do ocidente para desestabilizar mais um país amigo da Rússia? Se sentir necessidade de perceber o que se passou em vez de mais uma vez apenas colocar a culpa em Putin pode sempre ler aqui mais detalhes:
A guerra de que fala esteve parada sem qualquer conflito durante 20 anos, até que apareceram os americanos.

2º- Visto que não comentou, acrescento que os dois exemplos que mencionou, a Geórgia e Ucrânia são mais dois estados que sofreram o mesmo tipo de intervenção que agora acontece na Arménia.
A geopolítica americana joga sujo e sem qualquer problema de consciência.
Ainda tenho esperança que o Trump altere estas regras de confrontação. Não será fácil contrariar o poder do sistema.

2 - De fernando simoes
Putin surge como o único dirigente que não é funcionário da oligarquia financeira que comanda o mundo. Foi precisamente esta oligarquia que controla os EUA e o FMI, que quase destruiu a Rússia nos tempos de Yeltsin (um palhaço bêbado que ia destruindo a Rússia). Assim, contra toda a fúria ocidental e dos seus media, que tratando de controlar os povos ocidentais, também pensava controlar a Rússia, surge Putin como provavelmente a única defesa dos povos contra o imperialismo da finança. E já se viram os seus efeitos na Síria. Claro que tudo isto assusta a oligarquia, que tudo fará para minar a imagem de Putin. É exemplo disto esta crónica de Milhazes, que sabendo ou não, faz o jogo dos oligarcas.

II – Cá por casa
Traição à pátria
PAULO DE ALMEIDA SANDE
OBSERVADOR, 24/4/2018

Quando nos perguntamos por que razão Portugal se arrasta na cauda da Europa parte da resposta é o BES, os Vistos Gold, o Face Oculta, o BPN, a PT, a operação Marquês, a Moderna, o Freeport, etc., etc.
Há três maneiras principais, entre muitas outras menos óbvias, de reagir à catadupa de casos de corrupção, fraude fiscal, nepotismo, branqueamento de capitais ou apenas venalidade que tem caído sobre a cabeça dos portugueses nos últimos tempos:
Com indiferença. Com sobressalto, indignação e preocupação pelo futuro do país. Ou como se de um reality show se tratasse, envolvendo gente famosa, pagamentos (multi)milionários e contas e fundações secretas com nomes divertidos como “tartaruga”.
Portugal não é o primeiro nem será o último país a viver situações destas. Luvas e subornos, viciação de concursos públicos e privados, sonegação de capitais ao fisco, são práticas correntes em todas as geografias e por empresas, cidadãos, instituições reputadas (até deixarem de o ser). Os casos BAE System, Petrobrás, FIFA, KBR/Halliburton, Teodoro Obiang, o da empresa governamental chinesa de infraestruturas e tantos outros, são exemplos de um mundo corrupto ou suspeito de o ser.
A estes nomes juntaram-se nos últimos anos instituições e personalidades portuguesas como Ricardo, Zeinal, José, Henrique, Rui e Manuel. Empresas como o BES, o BPN, a PT. Ao longo de anos, percebe-se agora que de muitos anos, o país esteve a saque.
Como reagir? Com indiferença, sobressalto, gozo lúdico?
Mas afinal qual é o problema, dirão, indiferentes, os cépticos de serviço, para quem não vale a pena perder tempo com o assunto: o que lá vai lá vai e afinal os homens, e mulheres, que também há mas menos, já estão sob vigilância, arguidos ou acusados, com bens arrestados, alguns presos. Para quê perder tempo com eles? Dizem também, em contradição com o argumento anterior, que de nada serve indignarmo-nos pois vai continuar tudo na mesma, os suspeitos serão ilibados, os acusados absolvidos, os condenados perdoados. E se nada muda é também porque a grande corrupção não passa da imagem magnificada da sociedade das cunhas e dos compadrios, da prenda que abre a porta, das pequenas manigâncias, a aguardar a ocasião certa, a oportunidade para se fazerem grandes. É o país do “ele rouba como os outros, mas pelo menos faz…”.
O problema, como diria o meu amigo Lineu, são vários.
Em primeiro lugar, a corrupção (e os outros crimes) empobrecem um país. É impossível conhecer os valores exactos, mas são muitos milhões, continuamente: a corrupção distorce a correcta alocação dos recursos, subverte a boa gestão de empresas e negócios, torna a economia menos eficiente, com prejuízo para todos menos para os corrompidos e os corruptores. A corrupção e os outros crimes são por isso uma traição à pátria e ao interesse público.
Em segundo lugar, a corrupção aumenta a desigualdade. Enquanto alguns abusam dos seus cargos na administração pública ou nas empresas de que são donos ou administradores, em benefício exclusivamente privado, locupletando-se com ganhos indevidos, a generalidade da população, sem poder beneficiar desses ganhos, empobrece. O fosso aumenta. A corrupção e os outros crimes referidos são por isso um crime contra os portugueses, que à sua sombra empobrecem.
A corrupção, e esta é terceira consideração, acarreta a perda de credibilidade de um país, sempre que a percepção do fenómeno extravasa as suas fronteiras (caso do Brasil) ou de uma empresa, quando associada a actos dessa natureza. A corrupção e os outros crimes referidos são afinal um ataque ao país a que uma empresa pertence, aos seus accionistas ou ao público com que interage.
Finalmente, a corrupção e a venalidade das instituições políticas, os comportamentos duvidosos ou indignos, a apropriação indevida de dinheiros públicos, minam a confiança dos cidadãos no governo, no parlamento, nos partidos e nos políticos. A corrupção e a venalidade e os outros crimes referidos são pois um atentado directo à democracia.
Já este ano, a ONG Transparência Internacional considerou Portugal um país mais corrupto do que a média europeia. Somos mais pobres, mais desiguais, menos credíveis externamente e temos uma classe política mais desacreditada do que teríamos não fora o estigma da corrupção.
Quando nos perguntamos por que razão Portugal se arrasta há décadas – na verdade há séculos – na cauda da Europa, parte da resposta é o BES, os Vistos Gold, o Face Oculta, o BPN, a PT, a operação Marquês, a Moderna, o Freeport, a Fundação Caracol e tantos outros casos.
E embora haja cada vez mais manifestações de indignação com este atentado ao interesse público, ao país e à democracia, a maioria dos portugueses parece contemplar com deleite o espectáculo da justiça caída na rua e exposta, nua e crua, nos ecrãs de televisão. Crime com crime se paga, mas é “panem et circenses” e por isso está tudo bem.
Que fazer?
Assumir a gravidade das acções praticadas por políticos, empresários, banqueiros, juízes, dirigentes desportivos, militares. Separar o trigo do joio, antes que todo o trigo se confunda com joio.
Apelar à indignação colectiva, nunca tão justificada como agora. E exigir que a justiça actue em prazos razoáveis. Portugal é dos países da Europa com tempos de tramitação processual mais lentos. A mudança é necessária e urgente.
Finalmente, mudar a cultura e as mentalidades. A corrupção só tem no nosso país o peso e a importância que conhecemos porque desde sempre foi tolerada como pequeno vício de costumes para facilitar a vida ao cidadão comum. Ora nem o vício é pequeno nem a vida dos portugueses foi facilitada pela corrupção que explode.
Portugal deve tornar-se uma pessoa civilizada, tenho escrito várias vezes citando Almada Negreiros. É bom que se comece por aqui, antes que não haja nada para civilizar.
A corrupção é uma forma de traição. Ponto final.


quinta-feira, 26 de abril de 2018

Premonições, definições, alarme



Repoltreado na sua cadeira de inércia estudiosa, Pacheco Pereira adverte e condena, como sempre fez, e, também como já fez, vai orientando “este humano povo entre quem lida”, na sua missão de “enviado” de um demiurgo, se é que não se sente, ele próprio, o demiurgo. Pena que as suas análises, bafejadas, neste caso, por uma clareza que deveria surtir mais efeito, no que concerne, pelo menos, à reconstrução, às pressas, das cidades turísticas, ou à dispersão televisiva pelos futebóis e discussões sem tento consagradores da idiotia nacional, não surtam, de facto, esse efeito.
Serve, o seu texto, ao menos, para recordar o soneto XIII de Passos da Cruz, de Fernando Pessoa, que me lembrou, por deferência.

XIII (de Passos da Cruz)
Emissário de um rei desconhecido
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anómalo sentido...
Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...
Mas ah, eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...

OPINIÃO
Perguntas que não levam a parte nenhuma por causa das respostas
Centeno quer matar a “geringonça”? Quer. A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.
JOSÉ PACHECO PEREIRA,
PÚBLICO, 14 de Abril de 2018,
Centeno quer matar a “geringonça”? Quer.
Podia dizer-se de Centeno que está sentado em duas cadeiras ao mesmo tempo, mas não está. Quem está sentado em duas cadeiras, uma ao lado da outra, dividindo a sua anatomia pelas duas é António Costa e o PS. Parece que o espaço duplo é reconfortante, mas a prazo ver-se-á que não é. Centeno já está noutra, os resultados portugueses que vier a obter dentro da ortodoxia do Eurogrupo destinam-se essencialmente a reforçá-lo nas suas novas funções. Por isso está a ser excessivo com o défice, mesmo com o risco de ajudar a derrubar o Governo, e isso está a trazer-lhe vários apoios e não são dos socialistas.
A verdade é que alguns dos compromissos do acordo entre PS-BE-PCP não estão a ser cumpridos. Há alguns socialistas mais ingénuos e outros de má-fé que pensam que se o Governo cair o caminho para uma maioria absoluta está garantido. Não está e uma queda do Governo, mesmo por aquilo que alguns podem considerar benéfico com a nova ideologia do défice, é sempre má para o PS ir para eleições, e ainda pior, se depois delas ficar com maioria simples. Não se iludam que o caminho com o PSD é muito mais complicado do que se pode imaginar nestes dias, apesar de tudo, de calmaria antes da tempestade.
A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.
PCP e BE, se tivessem a campainha do mandarim, há muito a tinham tocado para pôr Centeno definitivamente em Bruxelas.
Quer o Presidente ver o Governo cair? Já estive mais certo de que não queria...
... e não lhe vão faltar pretextos. É que ele já está a definir casos que servem de pretextos, condições, para preparar o terreno. Não estou inteiramente certo, presumo que nem o Presidente, mas a tentação começa a ser muito visível. E ele é um homem de tentações.
Um dia o turismo diminui ou acaba. O que é que vai sobrar nas cidades de Lisboa e Porto? Imensos estragos.
Eu percebo que enquanto dura se aproveite a benesse. O boom do turismo é positivo em muitos aspectos para as duas cidades em que ele tem tido imenso impacto, Lisboa e Porto. Tem havido alguma remodelação urbana em centros que estavam degradados, e há alguma vida de dia e de noite em cidades que pareciam adormecidas.  
Mas se há casos em que a palavra conjuntura é bem aplicada é para o actual boom turístico. Tudo ajudou, a insegurança de muitos destinos, as qualidades do clima português, a facilidade de adaptação de muita gente que rapidamente criou empresas turísticas para responder à pressão, o efeito de “estar na moda” alimentado por operadores e por jornalistas de viagens, os preços baratos, mesmo quando subiram muito, a facilidade de acesso ao país, tudo mesmo. Só que “não há bem que sempre dure”.
Lembram-se do boom das lojas que compravam ouro? Convém lembrar.
Se passarmos os olhos sem qualquer ilusão e auto-engano, nem complacência escapistas, sobre o que realmente está a “mudar”, em particular nas cidades, deveríamos assustar-nos. Estão-se a fazer hotéis, hostels, restaurantes a mais e tudo isso vai ficar um dia, que pode não ser muito longínquo, vazio, falido, a estragar-se. Faz-me lembrar um outro boom dos anos da crise, quando abriam lojas de compra de ouro por tudo quanto é esquina. Vejam lá as que sobram.
E pelo caminho, por muito brilhantes que sejam as suas fachadas — e, se virem bem, poucas o são, e percebe-se que para andar depressa os projectos arquitectónicos, as obras de remodelação, os interiores são pouco cuidados e muito estereotipados, feitos para um turismo barato e pouco exigente —, estão a criar problemas na cidade a montante e a jusante que muitas vezes não ligamos directamente ao boom dos hotéis. Por exemplo, o crescente tráfego em ruas pouco preparadas de veículos de serviços e distribuição, que servem a qualquer hora lavandarias, bares, restaurantes, reparações, que a pressão hoteleira fez aumentar consideravelmente. Já para não falar dos tuk-tuk.
E não só, olhem para muitas lojas em pleno centro que substituíram o comércio mais antigo, acabando no centro das cidades, por exemplo, com livrarias, alfarrabistas, e outras indústrias “culturais”, para venderem literalmente pechisbeque e bugigangas para turistas que compram souvenirs, que não são eles mesmos muito qualificados. Alguém tem alguma dúvida que nada daquilo tem qualquer capacidade para sobreviver, nem sequer agora, quanto mais depois. Subam, por exemplo, a Rua 31 de Janeiro no Porto e olhem para as lojas. Ao lado daquilo prefiro mil vezes as mercearias paquistanesas, que são mais úteis e certamente mais sustentáveis.
As cidades vão ficar muito estragadas e não vai ser fácil recuperar. É verdade que já estavam, mas não é a mesma coisa, porque, entretanto, muita coisa foi destruída pelo caminho.
O que se passa no Sporting é divertido? É.
Porque não é sério. Não dou um átomo de interesse e relevância às cenas absurdas que se passam num clube desportivo, que são tão ridículas que não podem ser tomadas a sério. O que seria, se as tomássemos a sério? Um homem entre o vociferante e o esquisito preside ao clube. Alguém o pôs lá, alguém o mantém, e gente da mesma natureza dos dois “alguéns”, nalguns casos os mesmos, vai acabar por o tirar de lá. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?
Os jogadores protestam, são suspensos, são readmitidos. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?
Há mais duzentas perguntas destas que se podem fazer. Mas não vale a pena. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?
O que se passa na comunicação social com histórias como as do Sporting é sério? É.
O país encontra no futebol a sua fábrica de irrelevância e distracção barata, e também uma cultura de violência consentida e sobre a qual há enorme complacência. Não é bom. Mas encontra uma outra coisa mais séria — uma comunicação social em crise que se agarra ao futebol como tábua de salvação, varrendo todos os outros interesses, todas as outras preocupações, todos os outros temas. É bom para o poder, é mau para as pessoas e é péssimo para a comunicação social cuja degradação se acentua à medida que a tabloidização cresce e as notícias e o jornalismo perdem relevância.
Veja-se o caso do cabo. Os canais de cabo era suposto serem canais especializados em notícias e haver uma panóplia de canais dedicados a públicos muito especiais, a quem gosta de “memória”, de filmes e séries, quem gosta de touradas, de vida na natureza, antiguidades, certos desportos, religião, ocultismo, arranjos caseiros, culinária, etc. Estes últimos estão lá, mas são os canais de notícias, os que foram mais importantes no cabo, que estão a passar a ser canais de futebol. Era suposto haver canais específicos para futebol e há, só que todos os outros dedicam horas a jogos e à logomaquia que se lhes segue. E é isso que as farsas como a do Sporting mostram à evidência. Partilham com os crimes, as histórias de mães criminosas e filhos abandonados as luzes da ribalta, porque o nada tem um especial atracção pela televisão.