domingo, 1 de abril de 2018

Como peixes?



Nem por isso. Os peixes vêm aos milhares, de cambulhada, e são apanhados desprevenidos nas redes eficientes e traiçoeiras que os pescadores lançaram nas águas, ficando de emboscada, à espera, e nem sempre compensados nas suas démarches de recolha. O próprio Simão Pedro, num dia de pesca gorada, só acabou por arrecadar peixe com a ajuda de Jesus, já de regresso do seu deserto probatório, com Satanás a tentá-lo debalde. E Pedro até se deixou seduzir pela proposta de Jesus, para ser pescador de homens, tanto foi o espanto da sua pesca inusitada, que o fez converter-se à mesma fé de quem praticava tais milagres, que outros se lhe seguiram.
Mas o artigo de António Barreto revela um processo, para mim também do foro milagreiro, que é esse do Facebook a deixar escapar, mas também a colher cada vez mais aderentes, a ponto de contribuir para um sucessivo enrolamento de incautos que se deixam seduzir na exposição de dados biográficos menos discretos e talvez até comprometedores. Um Facebook vasculhando as vidas de cada um, de forma eficiente e aplicada, de uma coscuvilhice sórdida, que António Barreto denuncia, ao seu modo aprumado e progressivamente explicitador do fenómeno, que resulta da esperteza dos lançadores da rede, mas também da insanidade vaidosa e curiosa dos que se deixam apanhar nela. Não se trata de crime?
Mais um texto de grande beleza discursiva argumentadora, seguida pela foto impecável que o texto justificativo complementa.  

Apanhados nas redes
ANTÓNIO BARRETO
DN, 1/4/18
Primeiro, a terminologia. Rede social não é sujeito, é veículo. Sujeito é uma empresa, um Estado, uma agência de informações ou qualquer outro operador. Engana-se quem pensa que as redes sociais fazem e acontecem. Nada! Para o melhor e o pior, as empresas, os Estados e as organizações é que fazem e acontecem...
Depois, o drama. Em poucos dias, milhões de aderentes do Facebook abandonaram a rede. Mas centenas de milhões ficaram e até aumentaram o seu uso, a fim de ver o que se passava. Milhares de accionistas deixaram de o ser, mas muitos milhões continuaram e até houve uns tantos que compraram acções na expectativa de vir a ganhar qualquer coisa. O valor da empresa na Bolsa diminuiu dois ou três mil milhões de dólares, mas ainda se eleva a centenas de milhares de milhões, várias vezes o PIB português.
Sabia-se que empresas das redes inquiriam, agregavam informação, usavam o GPS, vigiavam pessoas e movimentos, interpretavam hábitos e costumes, detectavam preferências, construíam "narrativas" individuais e colectivas e finalmente vendiam. O que se passou foi uma confirmação, não uma novidade.
Os utilizadores dão voluntariamente os dados e até gostam de ser seguidos. Uns sentem-se importantes. Outros gostam de se exibir. Outros ainda querem coscuvilhar e têm gosto em espreitar. Poucos são os inocentes, os que não sabem que os dados se vendem. Todos sabem que as redes não são uma dádiva desinteressada dos Estados e dos capitalistas.
Toda a gente sabe que os dados dos cidadãos, crédulos e incrédulos, são comprados por quem tem dinheiro e interesses: comerciantes de tudo e fabricantes de qualquer coisa. Os publicitários e as agências de sondagens descobriram nestas redes fontes inesgotáveis de informação. Outras profissões e instituições se interessaram também: políticos, câmaras municipais, polícias, espiões e autoridades fiscais. Sem falar em máfias, seitas e clubes desportivos. Enfim! Quase toda a gente com poder. E quem não tem poder julga adquirir algum por esta via. Por isso, estas redes têm passado impunes sem que ninguém as incomode!
As redes deixam passar o que lá se coloca. O histórico da vida de cada um, as deslocações, os movimentos bancários, a navegação na net, tudo lá está e pode ser usado. Mas a vontade do próprio é o factor decisivo. Sem ela, nada a fazer. O indivíduo que se sente importante dá os seus dados. O que quer saber dos outros dá para a troca. O coscuvilheiro dá para receber. O curioso e o sôfrego querem estar ao corrente de tudo e dão o que têm para obter o que pretendem. As empresas que operam as redes perceberam estes instintos e fazem a colecta. Depois, articulam e fazem bases de dados. A partir de um certo momento, têm algo que vale milhões e é muito mais do que a soma das partes.
Mais uma vez: a vontade e as decisões do utilizador estão na base de tudo. Ora, os próprios gostam do exibicionismo ou não se importam. Os likes, por exemplo, dão a muitos a sensação de estarem a votar, a dar uma opinião e a contar para alguma coisa. E estão, na verdade, a dar o nome, a localidade, as preferências, os hábitos, os segredos, as deslocações, as relações sociais, tudo!
As revelações recentes sobre o Facebook, a maior de todas as redes, comoveram muita gente. Os concorrentes lançaram-se ao ataque. Os adversários juntaram-se para denunciar e tirar algum proveito. Depressa surgiram propostas para corrigir, proibir, censurar, taxar, forçar o escrutínio, evitar os abusos... Há mesmo quem pense em vigiar tudo, como os americanos, ou censurar, como os chineses e os norte-coreanos. Uma obsessão: controlar! Uma hipótese: censurar ou proibir! Uma sugestão: nacionalizar! Um voto piedoso: regular!
Comum a estas emoções, às propostas insensatas que se ouvem e aos gemidos de escândalo que nos chegam, um fio condutor: as culpas são das redes, os cidadãos estão inocentes e foram enganados! Nada mais errado, como se verá.

As minhas fotografias
A navegar na rede
Na Praça D. João I, no Porto, um grupo de jovens procura Pokémons... Ou Pokémons Go, como alguém me corrigiu logo. Ou lá o que seria! Verdade é que, em toda esta praça, umas dezenas de jovens passavam a sua tarde em grande animação.
Se procurassem gambozinos, seriam rapidamente considerados rústicos. Ou pior. Mas, sendo Pokémons, são vistos como pequenos génios, entretidos com jogos de elevado teor cerebral e com reminiscências culturais indiscutíveis. Alguns dos presentes contactavam directamente Snorlax e Picachu. Enquanto outros, mais sofisticados, preferiam Kabutops e Pinsir. Para um laico, qualquer tentativa de perceber o que ali se passava era inútil. Era como se falassem em aramaico. fotografia de antónio barreto
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