sábado, 28 de abril de 2018

Diversões de Abril



A palavra a alguns comentadores de ALBERTO GONÇALVES. Mas não esqueçamos o défice, que paira sobre os nossos destinos, nem a balança comercial periclitante, nem outros balanços, tantos, tontos, tintos de tanta angústia, de tanta depressão, de tanta previsão… como efeito do desequilíbrio, da sonsice, da cultura do empanturramento popular televisionado, que Abril nos trouxe, por conta da gaivota de uma modinha tonta…

Abril em Portugal, capítulo XLIV
OBSERVADOR, 28/4/2018
Descontado o folclore, e à semelhança do Natal, “Abril” é o que um homem quiser. E os homens que o fizeram, primeiro, e os homens que o tomaram, de seguida, quiseram imensas e contraditórias coisas.
São diversas as razões que me impedem de desfilar a cada 25 de Abril. A primeira é a aversão a manifestações públicas, para cúmulo colectivas. Se já é ridículo que uma pessoa se ache tão interessante a ponto de ter de expor os seus sentimentos ao resto da humanidade, é duplamente patético que se sinta obrigada a fazê-lo em bando. Um sujeito sozinho aos berros nos Aliados ou no Rossio ainda merece algum respeito (e a atenção do INEM). Acompanhado por milhares de ociosos idênticos, não merece respeito nenhum.
O segundo motivo é o absurdo de comemorar datas. Incluindo a do meu aniversário, não conheço qualquer data digna de festejos ou baderna. Desde o início dos tempos que, de acordo com os paladares, diariamente acontecem tremores, bons, maus, terríveis, desmesurados, ínfimos, incompreensíveis e polémicos. Se sairmos à rua a “assinalar” todos, acabaremos exaustos, resfriados e com a taxa de produtividade do sindicalista médio. Além disso, não haverá trânsito que resista.
O terceiro motivo pelo qual não celebro “Abril” prende-se com o próprio “Abril”. Serei picuinhas, mas causar-me-ia certa impressão passear em prol da democracia junto de criaturas que sempre a combateram. Não querendo generalizar, o tradicional cortejo lisboeta é das maiores concentrações de intolerantes que o país é capaz de agrupar. E a toponímia é tão irónica quanto os propósitos: boa parte daquela gente “desce” a Avenida da Liberdade em nome de um conceito que lhe é fundamentalmente estranho. Por regra, os rostos reconhecíveis na romaria do 25/4 oscilam entre fanáticos de proibições, na melhor das hipóteses, e devotos de totalitarismos, na pior. Mesmo os que não idolatram abertamente tiranos célebres e obscuros entretêm-se a conceber interditos e calar “blasfémias”. É peculiar, por exemplo, que candidatos a censores se congratulem com o fim da censura. Ou que prepotentes naturais recordem com rancor a prepotência alheia. No fundo, eles descem a Liberdade porque não saberiam subi-la nem que tentassem.
Por estas e por outras (estas chegavam), o meu contacto com o 25 de Abril de 2018 limitou-se às cerimónias oficiais. Por diligência minha? Não endoideci. Sucede que o carro viera da revisão e estava sintonizado numa estação de rádio, meio que sinceramente julgava extinto. De repente, apanhei com a voz de uma senhora que evocava “o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres”. O meu impulso foi mudar a engenhoca para um disco de John Lee Hooker em que me ando a viciar. Porém, o humor retorcido que Deus me deu viu-se seduzido pelo descaramento de alguém que, a fim de emitir uma trivialidade embaraçosa, cita a figura em causa. Citar Gandhi ou Mandela é apenas aborrecido: citar o eng. Guterres revela um talento burlesco que me transforma num ouvinte atento.
E atento ouvi a tal senhora falar no “tecto de vidro que impede as mulheres de chegarem aos lugares topo”, na “nova realidade” em que vivemos “porque decidimos [ela e os amigos] pôr fim à austeridade”, na dra. Pintasilgo (com um único “s”). A terminar, o cliché apoteótico: “Cumprir a democracia e viver a liberdade é evitar fraturas e conflitualidades entre jovens e idosos, entre empregados e desempregados, entre patrões e trabalhadores, entre o interior e o litoral. Cumprir a Democracia e viver a Liberdade é não deixar mais que nenhuma mulher seja agredida ou assassinada numa relação de intimidade”.
A senhora, soube depois, chama-se Elza (com “z”) Pais e é deputada do PS. Também soube depois que o portentoso vazio dessa retórica uniu a quase totalidade dos discursos, com a excepção do do dr. Ferro Rodrigues. O presidente do parlamento conseguiu ir além do vazio e aproveitou a oportunidade para defender os compinchas envolvidos em trafulhices demográficas. No final, alguns parlamentares, de florzinha ao peito, entoaram a “Grândola” fatal. Nas bancadas, os “capitães” abençoaram a eucaristia. Se se pudesse morrer de ridículo, teríamos tido uma chacina.
Aqui chegado, para evitar equívocos, esclareço não ser saudosista do salazarismo. Não aprecio regimes controlados por nacionalistas rústicos, inimigos do comércio livre, da propriedade privada, do direito à expressão, dos “desvios” à moral vigente e, em suma, da possibilidade de o indivíduo decidir estrafegar o seu destino conforme entender. Aliás, são esses os exactos motivos que me excluem da habitual discussão em volta da propriedade de “Abril”. Ano após ano, a nossa melancólica “direita” procura reivindicar uma herança de que a esquerda se apoderou e da qual me excluo sem remorsos. Por mim, podem ficar com os cravos, o “Zeca”, a gaivota, a aliança povo/MFA e restante folclore. Descontado o folclore, e à semelhança do Natal, “Abril” é o que um homem quiser. E os homens que o fizeram, primeiro, e os homens que o tomaram, de seguida, quiseram imensas e contraditórias coisas. Um protesto corporativo. Um golpe de Estado. Uma democracia à “europeia”. Um paraíso soviético. Um inferno cubano. Um manicómio. Somados os pesos e os contrapesos, sobrou-nos o meio termo. Se nos livrámos de trocar uma ditadura rançosa por uma ditadura sanguinária, não nos livrámos da propensão para o atraso de vida que nos tolhe há séculos.
Quarenta e quatro anos passados, estamos assim, dependentes, tolhidos, patriotas, tontos e entregues a uma casta renovável e sortida de burgessos com manha, cuja solitária habilidade é a de convencer-nos da justiça dos seus privilégios.
Celebrar isto? Vou ali e não volto, como diria o secretário-geral das Nações Unidas.

ALGUNS COMENTÁRIOS

Antonio Dâmaso: Hoje tenho uma PEQUENA discordância do Alberto. A certa altura diz o Aberto "INFERNO CUBANO" - O ALberto não conheceu Cuba. Vou tentar elucidar o Alberto: - Cuba do camarada Fidel viveu do turismo sexual, não tem petróleo como a Venezuela, as mulheres eram o seu "petróleo". Em cada hotel, havia um recepcionista, com poder, que tinha o portefólio das "guias pessoais". Eram mulheres muito bonitas, entre os 20 e os 40 anos (como na bola, a idade conta) que acompanhavam durante uns dias os homens, com algum dinheiro, que visitavam Cuba. Eram tratadas como "princesas", durante os dias "de serviço" tinham tudo nos hotéis, piscina, comida, tudo o que pedissem. A conta era para o "patrão" nesses dias, mas era barato para europeu com euros, libras ou francos no tempo deles. As mulheres "guias pessoais" gostavam deste parte-time, levam dinheiro para uma vida desafogada, tinham uma semana de férias de 2 em 2 meses + ou -, as mães ou amigas tomavam conta dos filhos, não aturavam os maridos ou namorados, com um pouco de sorte tinham sexo de alta qualidade. Contribuíam para o equilíbrio da revolução do camarada Fidel. 
O Alberto vem dizer que aquilo era um inferno. O Alberto nunca conheceu. Aquilo era um paraíso. Que confusão na cabeça do Alberto.
Paulo Carnaxide: O último parágrafo diz tudo: foi o que Ferro e César fizeram descaradamente perante a trafulhice. Isto para não falar dos inúmeros indivíduos que ao longo destes 44 anos se serviram do estado para ganhar milhões de euros, e compor as suas vidas e a dos seus à conta dos contribuintes.
Alexandre Barreira: .....mas o melhor que a "desmocracia"......me deu......foi da possibilidade....de levar o bobi.....à tasca.....e dar uma "gorjeta".....para apanharem.........o "suvenir".......!!!!!!
Jorge Marques: Antes do 25 de Abril, havia "Portugal" e "as Colónias". E havia "Lisboa" e "a Província". Também havia "os portugueses", e os "inimigos da Nação". Mas éramos todos portugueses (incluindo os das Colónias, apesar de serem "pretos" e "brancos"). 
 Hoje somos classificados e ordenados por escalões de IRS, há os L, G, B, e T mais os "hetero", os católicos e os IURD, mais os muçulmanos e não sei quantas outras confissões, os maiores e menores de várias idades para vários efeitos, quem vive no apartamento há mais ou menos de 25 anos, quem tem e não tem casa própria, as crianças com necessidades educativas especiais mais as hiperactivas e todas as outras crianças especiais, automobilistas, motociclistas, ciclistas e peões, mais os utilizadores de transportes públicos (cinco classes sociais com direitos diferentes), os diplomados de letras e de ciências mais os arquitectos, os engenheiros, os juristas, os informáticos, os nutricionistas, etc., quem tem "direitos" (que são vários, todos diferentes), os "europeus" e os "refugiados", os políticos e os outros, a esquerda, o PS e os "fascistas", etc. etc. Nem sei se ainda há portugueses ou se ainda é permitido sê-lo.
Jorge Marques: Uma nota em relação ao salazarismo: Salazar era nacionalista mas não era rústico, era católico; ele não era inimigo do comércio livre mas sim das multinacionais e dos défices da balança externa; e também não era inimigo da propriedade privada apesar de ser amigo do interesse público. Os “desvios” à moral vigente que são hoje tolerados não anulam a norma que é hoje imposta em termos ideológicos, nem as limitações que hoje existem à liberdade de expressão. E quanto à possibilidade de o indivíduo decidir estrafegar o seu destino conforme entender, a única coisa que não era permitida era estrafegar-se em público. Porque tirando isso, houve muita gente que se estrafegou de todas as maneiras possíveis e imaginárias naquele tempo. OK, havia duas coisas que você não referiu: a PIDE e a Guerra Colonial. Mas se hoje não temos guerra, pode crer que as nossas secretas e o fisco não ficam nada a dever à tradição pidesca. A diferença é que hoje já não são precisos calabouços para controlar as pessoas...
Maria Alva: Uma grande verdade, bem elucidativa do cinismo de algumas comemorações: "passear (na Avenida da Liberdade) em prol da democracia JUNTO DE CRIATURAS QUE SEMPRE A COMBATERAM". Tal como os inflamados discursos parlamentares sobre a Liberdade de representantes de partidos que, até ao 25 de Novembro, tudo fizeram para a combater.
Até prá semana, AG. 




Nenhum comentário: