sexta-feira, 20 de abril de 2018

EDITORIAIS PONTUAIS



Por cá – entre notícias dos jornais mais de mazelas do que de êxitos – na Educação, na Saúde, na penúria em vários níveis - o nosso Bloco abespinhado - na referência pontual de David Dinis na sua Editorial - a um Ministro das Finanças – Mário Centeno - irredutível e insensível aos doestos da sua esquerda recalcitrante, que DD equipara à zanga passada de Paulo Portas em tempo de Passos Coelho e de Vítor Gaspar. Rodam e mudam os tempos e as linhas ideológicas governativas - os sentimentos, nas suas impotências, se equiparam, mau grado a distanciação ideológica. Paralelo a merecer reacção de queda do Carmo e Trindade, dos visados, ou até de mão no nariz, as democracias que pregam o amor e as igualdades mais separando de que aproximando os homens.
Lá por fora, o mundo em revolução, na referência das três Editoriais seguintes: a de Nuno Pacheco sobre uma nova Cuba em previsão, talvez falaciosa, de alguma mudança, com a mudança de chefe partidário, embora do mesmo partido, mas mais jovem e mais sério, segundo informa o articulista. Não deixa de ser uma previsão simpática, para quem é do tempo dos descalabros que a revolução comunista trouxe a esse mundo cubano e a outros mundos em que ele se imiscuiu como porta-voz de uma nova bandeira tripudiante. As de Diogo Queiroz de Andrade, a mais recente sobre Trump e os seus escândalos, na denúncia perversa de James Camey, que o equipara maldosamente a um chefe da Máfia, num livro seu recente. A segunda Editorial de DQA, embora de execução anterior à primeira, é, todavia, a mais importante, pela denúncia dos maquiavelismos que tornam os povos joguetes dos seus governantes criminosos – caso da Síria – e os outros povos se envolvem em aparência de apoio ou desagravo de oportunismos sem consistência, enquanto a China vai minando firmemente, do Oriente ao Ocidente, em resposta liminar à “rota da seda”...
I – EDITORIAL: A montanha pariu um Bloco?
Se há pessoa que percebe pelo que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão a passar é Paulo Portas.
DAVID DINIS                             PÚBLICO, 16 de Abril de 2018
Se há pessoa que percebe o que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão a passar é Paulo Portas. Lá nos idos anos da troika, a luta era com outro ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Havia, também nessa altura, linhas vermelhas traçadas em público. Havia deputados do CDS a protestar, reclamando que era preciso mudar os orçamentos, para que se tornassem menos pesados para os portugueses.  A resposta, essa, era sempre igual. Paulo Portas poderá contar, por exemplo, como uma vez, num conselho de ministros, Gaspar fechou a reunião pedindo que cada um dos ministros enviassem para as Finanças ideias alternativas, que todos voltariam a discutir numa última sessão do conselho. Quando ela chegou, Gaspar explicou: as ideias não tinham sido incluídas, porque tinha acabado o prazo de entrega — os técnicos do ministério tinham de fechar as contas e não havia tempo para as refazer. Na verdade, Gaspar nunca mexia. Fingia, para a coreografia. 
Agora, o Gaspar é Centeno. Com a sorte de a Europa não estar em recessão, com a bênção de a devolução de rendimentos estar a sentir-se, com a vantagem de já ter acesso a financiamento. Mas com o azar de ser ministro das Finanças num país que ainda tem uma dívida insuportável, umas contas difíceis de gerir e um Estado a cair — fruto de muitos anos de desinvestimento. E Centeno, claro, faz como Gaspar: fixa os objectivos, traça as metas, não sai do rumo.
Catarina e Jerónimo estão, pois, como Paulo Portas. Cansados de Centeno, aumentam os protestos. E Centeno está como Gaspar, lembrando-nos como o pior já passou, mas como temos de fazer para que não volte.
No CDS, vimos como essa luta acabou: Portas demitiu-se, voltou atrás, assumindo um compromisso que se chama governação. A diferença para Catarina é que o Bloco ainda não chegou ao momento — mas está a ficar perto dele.
Na apresentação deste Programa de Estabilidade, Centeno empurrou o Bloco para uma decisão, tratando-o já como oposição e a sua alternativa como “pesadelo”. O Bloco respondeu com uma resolução que vai a votos, propondo um défice maior e que se usem os 800 milhões de “sobra” nos serviços públicos. 
Sabendo que a resolução será chumbada, pode parecer uma saída de sendeiro. Mas se nos lembrarmos que, nesse voto, ela pode juntar PS e PSD, pode ser bastante mais do que isso: o Bloco a empurrar o PS para uma clarificação, a devolvê-lo ao espaço onde antes esteve. Com consequências para os próximos meses, com um aviso para o último Orçamento. 
No fundo, pode ser Catarina a dizer que se lembra do que aconteceu com Paulo Portas. E o Bloco a dizer que não se vê como um CDS. Será? 
II – EDITORIAL:    Cuba, a leveza de uma transição anunciada
Aparentemente, em Cuba pouco ou nada mudará. Mas nem sempre as aparências correspondem ao que, por detrás delas, em silêncio germina.
NUNO PACHECO                     PÚBLICO, 18 de Abril de 2018
A era Castro terminou em Cuba? Só à superfície, embora essa “era Castro” já antes se dividisse em duas: aquela em que Fidel deteve directamente as rédeas do poder e a que, já com o seu irmão Raúl Castro a substituí-lo, foi encenando sinais de abertura, mais social que política. O que hoje sucederá é a substituição de Raul, já com 86 anos e a caminho dos 87 (que completará em Junho), por Miguel Díaz-Canel Bermúdez, que fará 58 anos logo após a posse, no dia 20 de Abril. Porém, a única surpresa deste processo foi a antecipação, para hoje, do arranque dos trabalhos parlamentares em que tal mudança se consumará. Porque tudo o resto era previsível. Díaz-Canel, membro do politburo do Partido Comunista de Cuba e, desde 1997, primeiro vice-presidente do Conselho de Estado, é um homem do aparelho (no qual foi ascendendo com segurança ao longo dos anos) e já era dado como “natural” sucessor de Raúl Castro, assim como este era visto como sucessor óbvio do irmão. Além disso, Raúl continua à frente do Partido Comunista, onde se decide o rumo das políticas estatais, pelo que Díaz-Canel, abaixo dele na hierarquia, certamente se lhe submeterá.
Há, apesar de tudo, sinais de que algo possa mudar de forma mais acelerada agora. O primeiro é a urgência numa série de medidas (entre as quais avulta a reforma monetária) adiadas por desleixo, perante a bonomia de Obama, mas que agora, perante a hostilidade de Trump, devem ser levadas mais a sério. O segundo é o carácter do novo presidente que, embora refém do Partido Comunista que co-lidera, já nasceu após a revolução cubana (um ano depois, em 1960), e, segundo os seus conterrâneos de Santa Clara, onde nasceu, “é um homem de palavra” e exibe os traços de carácter dos campesinos, bem diferente dos habaneros, ou seja, será simples e humilde, afável mas reservado, trabalhador, dedicado e solidário. Numa sociedade como a cubana, ainda fortemente presa aos ditames da política não-democrática (a própria “escolha” de Díaz-Canel é fictícia, os deputados do partido único só vão ratificar uma decisão já tomada por Raúl Castro), isto pode servir de pouco. Mas com a pressão social, há muito detectada, para que sejam feitas mudanças, o carácter de quem preside pode acabar por beneficiar novos rumos à história. A transição anunciada é, do ponto de vista político, de uma desmotivadora leveza. E aparentemente pouco ou nada mudará. Mas as aparências nem sempre correspondem ao que, por detrás delas, em silêncio germina.
III – EDITORIAL                      O CERCO A TRUMP
O presidente americano está num beco cada vez mais apertado e o livro do ex-director do FBI vem criar novos problemas
                         PÚBLICO,  17 de Abril de 2018 
Mesmo em tempos relativistas como estes que vivemos, comparar um presidente em exercício a um chefe da máfia não é de somenos. Mas foi exactamente isso que fez o ex-director do FBI James Comey, no livro que fica hoje à venda e nas entrevistas que tem vindo a dar.
James Comey será a testemunha-chave do processo que o procurador especial está a desenvolver contra o Presidente. Mas é importante esclarecer que Comey não é nenhum santo: com um ego de um tamanho quase comparável ao do actual Presidente, este é mesmo homem que não teve problemas em denunciar uma averiguação contra Hillary Clinton ao mesmo tempo que silenciou as investigações contra Trump a poucos dias das eleições. O antigo director do FBI escreveu este livro por despeito face à sua demissão – porque se essa não tivesse ocorrido o funcionário público continuaria seguramente calado no que toca a estas revelações.
E é alguém que não se consegue controlar ao ponto de evitar tecer considerações sobre a cor da pele de Trump, o tamanho das suas mãos ou o comprimento da gravata. A quebra de solidariedade institucional justificada pela megalomania e pelo ódio não fazem muito pela credibilidade do conteúdo, mas este continua a ser grave. E é o produto directo do estilo de poder que Donald Trump cultiva, em que fala mais alto quem mais pode – e em que nem os cinquenta milhões de seguidores no Twitter podem concorrer com milhares de notícias relacionadas com o livro polémico.
O presidente americano está num beco cada vez mais apertado: ou deixa que a investigação se arraste e ponha em causa todos os seus aliados e familiares e no limite o atire para uma prisão, ou despede o procurador especial e arrisca levantar uma onda de indignação que pode virar o próprio partido Republicano contra ele, à semelhança do que aconteceu com Richard Nixon. É uma escolha entre duas opções demasiado más, mas seja o que for que aconteça não haverá maneira de manter a experiência americana de democracia sem mácula. Seria sensato que algo mudasse nas lógicas de financiamento das campanhas e no sistema político, de forma a reduzir a extrema dominação bipartidária. a nível nacional. Afirmar que a coisa não está a correr bem é o mínimo. Este é mais um paradoxo dos extraordinários Estados Unidos, que se entregam a experiências extremas de democracia directa ao nível do poder local mas depois se colocam num modelo oligárquico
IV- EDITORIAL:    Uma guerra de aparências
Estes bombardeamentos servem para fazer os líderes ocidentais dormir melhor à noite, mas não ajudam ninguém.
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE               PÚBLICO, 15 de Abril de 2018,
Os 110 mísseis que caíram em Damasco serviram para marcar uma posição contida. O Presidente americano vai continuar a julgar que gere o planeta pela força dos tweets, os franceses e ingleses vão continuar a julgar-se importantes, mas, no fundo, nada vai realmente mudar: Moscovo vai manter a retórica firme, mas não vai fazer nada para retaliar; Assad vai continuar alegremente a massacrar quem lhe apetece, com a habitual tranquilidade soberana; os chefes de Estado ocidentais vão continuar a engrossar a voz sem que façam nada de substancial; e os cidadãos sírios vão continuar a ser assassinados pelo líder que os oprime.
A verdade é que o Médio Oriente se mantém como palco de conflitos alheios. E 30 anos depois do fim da Guerra Fria continuam a disputar-se guerras por procuração e por encomenda — sempre com preocupações de não afrontar demasiado os adversários do momento. Porque um conflito diplomático pode ser aceitável, uma guerra já não. O alerta de Guterres faz sentido: uma Guerra Fria sem mecanismos nem regras é um risco acrescido no caminho para um conflito mundial. A globalização que elimina fronteiras continua a acicatar medos e ódios antigos, forçando demonstrações de força mais ou menos bacocas. A Rússia vai tomando poder onde consegue, de acordo com as suas limitações, para aproveitar os restos de uma corrida ao armamento que já perdeu. A China domina o que lhe apetece e vai espalhando os seus interesses pelo planeta, sempre olhando muito mais para a frente e sem preocupações mesquinhas como essas coisas dos direitos humanos. A Europa ainda não tem, nem é, uma política coerente. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão enterrados até aos joelhos numa guerra que nem Bush, nem Obama nem Trump entenderam como travar. E os líderes do Ocidente vão-se congratulando com palmadinhas nas costas por atirarem mais uns mísseis para uma nação árabe, sem consequências reais para os poderes que vão vigorando. Assim até dizem que fazem alguma coisa, sem fazerem o suficiente que perturbe verdadeiramente Assad ou o amigo russo. Pois seria melhor que das duas uma: ou não fizessem nada, ou assumissem que o ditador sírio é um louco à escala de Pol Pot ou Idi Amin e que precisava de ser travado. Mas isso já seria pedir mesmo de mais. Por isso continuamos assim, com meias políticas que não servem a ninguém, muito menos aos povos que levam com estes déspotas.

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