É sobre a Arménia e a sua
história actual o primeiro texto, de José
Milhazes, que informa sobre o conflito entre o povo arménio e o seu
ministro, Serge Sarguissian, aliado de
Putin. É sobre o nosso país, o segundo texto, de Paulo Almeida Sande, e sem especificidade de nomes, na nossa
santa política de todos ao molho e fé em Deus, marca distintiva da nossa
corrupção, também omissora do signo “pátria”.
José Milhazes informa que Serge
Sarguissian se recusou a demitir-se, a pretexto de estar a defender um
enclave importante, contra o povo do Azerbeijão que igualmente o disputa – Nagorno
Karabakh, mas que acabou por o fazer, pressionado pelo povo do Azarbeijão,
que “não quer o “putinismo” no seu país”.
Todavia, logo os comentadores
contra as “direitas” desvirtuantes surgiram, ferozes, e coloco-os escrupulosamente,
como esclarecimentos úteis, de pontos de vista críticos sobre o ocidente e os seus
defensores, que eles menosprezam, eliminando, contudo, os enxovalhos pessoais.
Calouste Gulbenkian, o
arménio trânsfuga, mecenas no nosso
país… É altura de ler um pouco da sua história nacional…
Quanto à nossa, o texto de Paulo Almeita Sande explica bem as
políticas de todos os quadrantes, de soma e segue, em compostura, de ligações
iónicas ou metálicas, formando redes, boas condutoras de calor, de
electricidade, de solidariedade, num ámen eterno ...
I TEXTO: Lá por fora
Arménios não querem “putinismo” no seu país
26/4/2018
A crise política na
Arménia está longe do fim, mas já se pode tirar uma conclusão: os cidadãos
desse país da Transcaucásia disseram não à rotatividade política copiada da
Rússia pelos seus dirigentes.
Serge Sarguissian, que
ocupou o cargo de Presidente da Arménia entre 2008 e 2018, após as
funções de primeiro-ministro em 2007-2008, decidiu continuar a dirigir o país
através de um truque constitucional já experimentado por Vladimir Putin na
Rússia. Depois de rever a lei suprema do país, retirando grande parte dos
poderes ao Presidente a favor do primeiro-ministro, Sarguissian, que, tal como
Putin, fez carreira nos serviços secretos soviéticos, ocupou este último cargo
há cerca de duas semanas.
Mais uma vez, Vladimir
Putin precipitou-se ao dar os parabéns ao novo chefe do governo arménio, um
dos seus mais fiéis aliados no antigo espaço soviético, ainda antes de ter
entrado em funções. Porém, os concidadãos de Calouste Gulbenkian
saíram para as ruas das cidades e vilas a fim de exigir a demissão de
Sarguissian.
O “novo” primeiro-ministro
recusou-se a pedir a demissão, justificando assim essa decisão: “Da minha
parte, a tomada de posse como primeiro-ministro foi condicionada por uma
circunstância simples. Nesta região com uma geopolítica complexa e num período
cheio de desafios, devemos garantir o desenvolvimento seguro do país e
continuar esforços com vista à normalização digna do problema de Karabakh”.
Nagorno-Karabakh
é um enclave no território do Azerbaijão onde os arménios constituem a maioria
esmagadora da população. A disputa armada entre arménios e azeris por
esse território começou em 1987, sendo um dos primeiros conflitos que levou à
desintegração da URSS em 1991. A Organização para a Cooperação e
Segurança na Europeia tem tentado resolver este complexo problema, mas sem
êxito, permitindo assim o reacendimento do conflito de tempos a tempos.
A julgar pelo ritmo a que
está a ser resolvido este conflito, o mais provável é que ele garantisse a
permanência no poder a Serge Sarguissian até á morte.
A oposição não aceitou essa
justificação, criou-se uma situação muito perigosa, pois a sua primeira
vitória presidencial ficou marcada por confrontos entre manifestantes e forças
policiais que provocaram dez mortos. A tragédia poderia repetir-se em dimensões
ainda mais sangrentas.
Quando o número de
manifestantes nas ruas da capital arménia Erevan e noutras localidades
não parava de aumentar e militares e polícias começaram a juntar-se aos
protestos, Sarguissian foi sensato ao ponto de recuar e pedir a sua demissão.
“Cumpro a vossa exigência.
Desejo paz, harmonia e lógica ao nosso país”, declarou ele ao anunciar a sua
retirada.
Muitos milhares de pessoas saíram para as ruas a fim de festejarem esta
vitória da oposição arménia, mas os mais de dez dias de protestos praticamente
não mereceram a atenção dos canais de televisão russos controlados pelo
Kremlin. As notícias começaram apenas a surgir após a demissão de Sarguissian,
sendo sublinhado que não se tratava de “qualquer golpe anti-russo”.
É verdade que a oposição
arménia não apresenta reivindicações anti-russas, nem a mudança da política
externa do país (a Arménia é um dos mais fortes aliados da Rússia no antigo
espaço soviético, mas, por outro lado, mantém boas relações com a União
Europeia e os Estados Unidos). Porém, a televisão russa tenta
esconder o facto de os arménios não terem permitido no seu país a “dança de
cadeiras”, organizada por Putin com vista a garantir-lhe o poder pelo menos até
2024. Claramente um “mau exemplo” a esconder dos cidadãos russos, não
obstante a oposição russa estar completamente dividida e enfraquecida.
O exemplo arménio também
não é “nada didáctico” para antigas repúblicas soviéticas onde os líderes
eternizam o seu poder: Bielorrússia, Cazaquistão, Tadjiquistão,
Azerbaijão, etc.
Todavia, a crise
política não chegou ao fim, pois o dirigente da oposição arménia, Nikol
Pachinian, exige o fim do monopólio do poder do Partido
Republicano da Arménia e a realização de eleições parlamentares limpas e
democráticas. Além disso, Pachinian pretende que o Presidente o nomeie
primeiro-ministro interino até ao escrutínio para que seja garantida a sua
legalidade e transparência.
Os actuais dirigentes do
país recusam-se a aceitar novas reivindicações de Nikol Pachichian, que já
conseguiu o apoio de importantes partidos políticos como “Arménia Próspera” e
“Herança”.
A crise política
continua e a sua agudização poderá ter sérias consequências não só no plano
interno, mas também em toda a Transcaucásia. Por exemplo, o Azerbaijão poderá
ser tentado a resolver pela força das armas o problema de Nagorno-Karabakh.
Talvez por isso, a União
Europeia, os Estados Unidos e a Rússia não queiram permitir a agudização de
mais uma crise numa região já complicada como a Transcaucásia.
Porém, a crise arménia
deve ser um sério sinal para o Kremlin e não só pelo facto de ter sido posto em
causa um dos principais postulados do “putinismo”: “hoje, Presidente;
amanhã, primeiro-ministro; depois, novamente Presidente, etc.”. Vladimir Putin
arrisca-se também a perder a Arménia, país onde existem bases militares russas,
se tentar impor as suas regras de jogo aos vizinhos. Tal como já perdeu a
Geórgia e a Ucrânia.
1º-
O Sr. Milhazes não percebe que foi mais um ataque do ocidente para
desestabilizar mais um país amigo da Rússia? Se sentir necessidade de perceber o
que se passou em vez de mais uma vez apenas colocar a culpa em Putin pode
sempre ler aqui mais detalhes:
A guerra de que fala esteve
parada sem qualquer conflito durante 20 anos, até que apareceram os americanos.
2º- Visto que não comentou, acrescento que os dois
exemplos que mencionou, a Geórgia e Ucrânia são mais dois estados que
sofreram o mesmo tipo de intervenção que agora acontece na Arménia.
A geopolítica americana
joga sujo e sem qualquer problema de consciência.
Ainda tenho esperança que o
Trump altere estas regras de confrontação. Não será fácil contrariar o poder do
sistema.
Putin surge como o único
dirigente que não é funcionário da oligarquia financeira que comanda o mundo.
Foi precisamente esta oligarquia que controla os EUA e o FMI, que quase
destruiu a Rússia nos tempos de Yeltsin (um palhaço bêbado que ia destruindo a
Rússia). Assim, contra toda a fúria ocidental e dos seus media, que
tratando de controlar os povos ocidentais, também pensava controlar a Rússia,
surge Putin como provavelmente a única defesa dos povos contra o imperialismo
da finança. E já se viram os seus efeitos na Síria. Claro que tudo isto
assusta a oligarquia, que tudo fará para minar a imagem de Putin. É exemplo
disto esta crónica de Milhazes, que sabendo ou não, faz o jogo dos oligarcas.
II – Cá por casa
Traição à pátria
PAULO DE ALMEIDA SANDE
OBSERVADOR, 24/4/2018
Quando nos perguntamos
por que razão Portugal se arrasta na cauda da Europa parte da resposta é o BES,
os Vistos Gold, o Face Oculta, o BPN, a PT, a operação Marquês, a Moderna, o
Freeport, etc., etc.
Há três maneiras
principais, entre muitas outras menos óbvias, de reagir à catadupa de casos de
corrupção, fraude fiscal, nepotismo, branqueamento de capitais ou apenas
venalidade que tem caído sobre a cabeça dos portugueses nos últimos tempos:
Com indiferença. Com
sobressalto, indignação e preocupação pelo futuro do país. Ou como se de um
reality show se tratasse, envolvendo gente famosa, pagamentos
(multi)milionários e contas e fundações secretas com nomes divertidos como
“tartaruga”.
Portugal não é o primeiro
nem será o último país a viver situações destas. Luvas e subornos, viciação
de concursos públicos e privados, sonegação de capitais ao fisco, são práticas
correntes em todas as geografias e por empresas, cidadãos, instituições
reputadas (até deixarem de o ser). Os casos BAE System, Petrobrás, FIFA,
KBR/Halliburton, Teodoro Obiang, o da empresa governamental chinesa de
infraestruturas e tantos outros, são exemplos de um mundo corrupto ou suspeito
de o ser.
A estes nomes juntaram-se
nos últimos anos instituições e personalidades portuguesas como Ricardo,
Zeinal, José, Henrique, Rui e Manuel. Empresas como o BES, o BPN, a PT. Ao
longo de anos, percebe-se agora que de muitos anos, o país esteve a saque.
Como reagir? Com
indiferença, sobressalto, gozo lúdico?
Mas afinal qual é o problema,
dirão, indiferentes, os cépticos de serviço, para quem não vale a pena perder
tempo com o assunto: o que lá vai lá vai e afinal os homens, e mulheres, que
também há mas menos, já estão sob vigilância, arguidos ou acusados, com bens
arrestados, alguns presos. Para quê perder tempo com eles? Dizem também, em
contradição com o argumento anterior, que de nada serve indignarmo-nos pois vai
continuar tudo na mesma, os suspeitos serão ilibados, os acusados absolvidos,
os condenados perdoados. E se nada muda é também porque a grande corrupção
não passa da imagem magnificada da sociedade das cunhas e dos compadrios, da
prenda que abre a porta, das pequenas manigâncias, a aguardar a ocasião certa,
a oportunidade para se fazerem grandes. É o país do “ele rouba como os outros,
mas pelo menos faz…”.
O problema, como diria o
meu amigo Lineu, são vários.
Em primeiro lugar, a
corrupção (e os outros crimes) empobrecem um país. É impossível conhecer os
valores exactos, mas são muitos milhões, continuamente: a corrupção distorce a
correcta alocação dos recursos, subverte a boa gestão de empresas e negócios,
torna a economia menos eficiente, com prejuízo para todos menos para os
corrompidos e os corruptores. A corrupção e os outros crimes são por isso uma
traição à pátria e ao interesse público.
Em segundo lugar, a corrupção aumenta a desigualdade.
Enquanto alguns abusam dos seus cargos na administração pública ou nas
empresas de que são donos ou administradores, em benefício exclusivamente
privado, locupletando-se com ganhos indevidos, a generalidade da população, sem
poder beneficiar desses ganhos, empobrece. O fosso aumenta. A corrupção e os
outros crimes referidos são por isso um crime contra os portugueses, que à sua
sombra empobrecem.
A corrupção, e esta é
terceira consideração, acarreta a perda de credibilidade de um país, sempre que
a percepção do fenómeno extravasa as suas fronteiras (caso do Brasil) ou de uma
empresa, quando associada a actos dessa natureza. A corrupção e os outros
crimes referidos são afinal um ataque ao país a que uma empresa pertence, aos
seus accionistas ou ao público com que interage.
Finalmente, a corrupção
e a venalidade das instituições políticas, os comportamentos duvidosos ou
indignos, a apropriação indevida de dinheiros públicos, minam a confiança dos
cidadãos no governo, no parlamento, nos partidos e nos políticos. A corrupção e
a venalidade e os outros crimes referidos são pois um atentado directo à
democracia.
Já este ano, a
ONG Transparência Internacional considerou Portugal um país mais corrupto do
que a média europeia. Somos mais pobres, mais desiguais, menos credíveis
externamente e temos uma classe política mais desacreditada do que teríamos não
fora o estigma da corrupção.
Quando nos perguntamos
por que razão Portugal se arrasta há décadas – na verdade há séculos – na cauda
da Europa, parte da resposta é o BES, os Vistos Gold, o Face Oculta, o BPN, a
PT, a operação Marquês, a Moderna, o Freeport, a Fundação Caracol e tantos
outros casos.
E embora haja cada vez
mais manifestações de indignação com este atentado ao interesse público, ao
país e à democracia, a maioria dos portugueses parece contemplar com deleite o
espectáculo da justiça caída na rua e exposta, nua e crua, nos ecrãs de
televisão. Crime com crime se paga, mas é “panem et circenses” e por isso está
tudo bem.
Que fazer?
Assumir a gravidade das
acções praticadas por políticos, empresários, banqueiros, juízes, dirigentes
desportivos, militares. Separar o trigo do joio, antes que todo o trigo se
confunda com joio.
Apelar à indignação
colectiva, nunca tão justificada como agora. E exigir que a justiça actue em
prazos razoáveis. Portugal é dos países da Europa com tempos de tramitação
processual mais lentos. A mudança é necessária e urgente.
Finalmente, mudar a
cultura e as mentalidades. A corrupção só tem no nosso país o peso e a
importância que conhecemos porque desde sempre foi tolerada como pequeno vício
de costumes para facilitar a vida ao cidadão comum. Ora nem o vício é pequeno
nem a vida dos portugueses foi facilitada pela corrupção que explode.
Portugal deve tornar-se
uma pessoa civilizada, tenho escrito várias vezes citando Almada Negreiros. É
bom que se comece por aqui, antes que não haja nada para civilizar.
A corrupção é uma forma
de traição. Ponto final.
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