A ofuscação por umas tais
doutrinas de liberalismo social - e moral – além do económico da cartilha – eliminam
totalmente o raciocínio dos que, sem experiência da vida e com a prosápia própria
da juvenilidade alcandorada às suas cimeiras, por via de umas quantas leituras dos
estereótipos da moda, e da convicção de uma intelectualidade pretensamente mais
inteligente, por ser da esquerda, está visto, ainda hoje se denuncia sem pejo
nem medida, anões que somos, centrados no nosso ego ou na corrente mais em uso e
incapazes de analisar imparcialmente os factos.
Lembro-me do que contava uma
velha amiga dos tempos da sua juventude, numa Lisboa republicana em desordem e
tiroteio constantes, de que só com a nova ordem, imposta primeiro pela ditadura
militar e seguidamente pela mão apertada mas orgulhosa e cumpridora de Salazar,
conseguiu a acalmia. Não, não se podia sair à rua em tranquilidade, e a vinda
de Salazar fora uma bênção, era isto que lembrava a minha amiga. Poderia recordar
a minha experiência de vida, nos tempos de Salazar, de liberdade e mais ordem e
respeito por valores, poderia referir os receios de hoje, relativamente à
liberdade dos jovens, condicionada por inúmeros factores – o terrorismo, as
drogas, o abandono pela ausência dos pais no trabalho, a deformação trazida
pelo excesso de permissividade, o “encurralamento” em espaços fechados, desde
tenra infância, o isolamento e inércia proporcionados pela alienação mediática,
da comunicação a distância, e tanto desrespeito e criminalidade à solta, etc,
etc, mas prefiro, por diversão própria, transcrever alguns comentários mais ou
menos dialogados que o texto de Rui Tavares mereceu, uns não obnubilados
pela mesma arrogância de opinião do articulista, e mais sensatos e realistas - de
que ressalto os de amora.bruegas
Tomar
OPINIÃO
Quando Portugal fazia de Hungria da Europa
Nacionalismo: já lá estivemos, já vimos o que
implica e já perdemos 48 anos com ele. Num país como Portugal, as suas ilusões
só se conseguiram manter à custa de pobreza no interior e pilhagem no exterior.
PÚBLICO, 13 de Abril de 2018
O livrinho que tenho à frente dos olhos enquanto escrevo estas linhas
chama-se Principes et Institutions de l’État Nouveau Portugais (Princípios e
instituições do Estado Novo Português) e foi editado em 1935 pelo
Secretariado de Propaganda Nacional. O facto de se encontrar em francês
indica que se trata de um exemplar do esforço que o salazarismo fez para
divulgar no resto da Europa e do mundo a Constituição de 1933 com que inaugurou
o Estado Novo há 85 anos feitos esta quarta-feira (a constituição foi
“aprovada” a 19 de março de 1933 com um plebiscito onde as abstenções contaram
como votos a favor, mas entrou em vigor com a publicação no Diário da República
a 11 de abril do mesmo ano). Este gesto de vaidade é comum a muitos regimes
autoritários: quando em 2011 o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán
decidiu impor uma nova constituição em cuja redação não participaram os
deputados da oposição, logo seguida por uma lei eleitoral que lhe dá sempre
dois terços do parlamento com menos de 50% dos votos, também procedeu
imediatamente à edição de vários livros em língua estrangeira partilhando a boa
nova da sua “democracia iliberal” aos quatros ventos. Tenho uma prateleira
inteira desses livros, oferecidos a cada reunião com o governo húngaro, lá em
casa.
Nos meados dos anos 1930 era Portugal que estava na moda entre os
conservadores autoritários. Na primeira página do seu miolo, este livrinho explicando o
salazarismo aos estrangeiros de língua francesa tem à cabeça uma única palavra:
"NACIONALISMO". Os primeiros parágrafos constroem um caso contra
as ideias do iluminismo, acusando os enciclopedistas do século XVIII de terem
levado a humanidade a um “individualismo egoísta” no qual “uma multitude de
ideias contraditórias saem de cérebros exaltados” (a tradução é minha).
Para quem acha que o salazarismo não estava atento às modas do tempo ou não
sabia em que teclas tocar para ser apreciado pelos nazis e fascistas, note-se que
ainda a primeira página não terminou e o livrinho já se lança no
antissemitismo. Diz ele que “a divisa Liberdade, igualdade, fraternidade… criou
uma sociedade que se impregnou do espírito judaico do lucro… tornando-se quase
amoral e encarniçando-se em aumentar a miséria social para a oferecer em
holocausto a um progresso fingido”.
“O humanitarismo idealista do século XVIII”, diriam vocês, é uma coisa
boa? Pois saibam que,
segundo o livrinho, ele “rompeu com o equilíbrio moral da sociedade”. “O
nacionalismo português”, por outro lado, “renasce dos escombros de um século
inteiro de racionalismo subjetivista”. Isto não é um ensaio enviado por um
qualquer calouro a uma gazeta universitária. Isto era a doutrina que o Portugal
oficial do tempo dos nossos avós e pais pugnava por vender aos estrangeiros. “O
nacionalismo opõe-se ao internacionalismo”, conclui o curto capítulo de quatro
páginas, antes de se lançar o livrinho num novo tema, “VIDA E MORTE DO
LIBERALISMO”, a que se seguem capítulos como “DITADURA”, “UNIÃO
NACIONAL”, “A MOCIDADE NAS ESCOLAS” ou “A ALEGRIA NO TRABALHO”.
O mais interessante é saber, não a que se opunha, mas do que dependia o
nacionalismo salazarista.
A resposta é simples: austeridade permanente e colonialismo perpétuo. A
austeridade, embora não fosse essa a palavra usada, era entendida como a forma
de escapar à “desordem financeira, desordem política e desordem moral”
do mundo internacional moderno (o livrinho explica com muito brio a recusa de
empréstimos da Sociedade das Nações). No subcapítulo sobre “O Império Colonial”, os propagandistas do
Estado Novo declaram “que é da essência orgânica da Nação Portuguesa o
exercício da função histórica de possuir e colonizar territórios no ultramar e
de neles civilizar os povos indígenas” (com a Constituição de 1933 entrou
também em vigor um Ato Colonial).
Nacionalismo: já lá estivemos, já vimos o que implica e já perdemos 48
anos com ele. Num
país como Portugal, as suas ilusões só se conseguiram manter à custa de pobreza
no interior e pilhagem no exterior. Conversa sobre soberania não lhe faltou. O
resultado foi menos soberania para os portugueses e nenhuma soberania para os
colonizados.
Bom não esquecer.
COMENTÁRIOS
Jose 13.04.2018:
A autodeterminação dos povos foi um eixo fundamental e
decisivo da luta antifascista, pela liberdade, democracia, igualdade,
prosperidade e paz. O povo português conquistou a liberdade em simultâneo com
os povos colonizados pelo império colonial português. Hoje estamos nós na
posição de colonizados pela máfia da UE que tem por meta ser um Estado
supraestadual, o Estado imperial. A luta pela liberdade hoje é a luta pela
autodeterminação dos povos, Nações e Estados submetidos pela máfia da UE. A
cooperação internacionalista tem como primeira bandeira a recuperação da
soberania usurpada pela UE/BCE. Unidos venceremos.
Jonas Almeida
- Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 13.04.2018
: concordo José, Rui Tavares parece cada vez mais rebuscado
nas Histórias em que pega para justificar a ditadura europeia.
Minhoto Minho/Galiza Aqui o "camarada"
Tavares continua numa de omissões, de forma a justificar a sua visão
"monoteísta" e maniqueísta da Europa. A Europa não só pode, mas deve
ser um espaço de nações, de povos, solidária, democrática, de liberdade e
cosmopolita. E obviamente que existem muitas formas de nacionalismo, que vão
desde o perverso e autoritário ultranacionalismo, ao benigno, libertador e emancipador
nacionalismo anticolonial. O que o Tavares faz, de forma sonsa, é pôr tudo no
mesmo saco. Despreza e condena o nacionalismo pacífico e libertador da
Catalunha, e jamais disse uma palavra contra o ultranacionalismo
espanhol/castelhano. Alhos com bugalhos, a tentar fazer-nos de parvos,
portanto.
Remexido,
Lisboa 13.04.2018: Não festeja o 5 de Outubro? Quer mais
nacionalistas e colonialistas do que essas pessoas que o Sr. festeja, começando
pelo Norton de Matos, que o Sr. provavelmente também o inclui na "oposição
democrática", aliás com várias ditadurazecas dentro desse mesmo período.
Até entramos numa guerra, a 1ª, com medo de perder colónias. Foi aí que o estado
novo foi beber...
Zut Mut, Putinista Convicto™ Não havia
incêndios mas havia cheias que matavam centenas, esqueceu-se convenientemente o
amora.bruegas de referir... E ainda bem que sempre defendeu que é importante
ter opiniões: no Estado Novo também as podia ter, mas se fossem incómodas
convinha não as expressar demasiado, ou corria o risco de ter uma visitinha da
PIDE. Depois do 25 de Abril passou a poder dizer e escrever todos os disparates
- e são muitos - publicamente, como se verifica aqui na caixa de comentários,
já viu que sorte?
Zut Mut, Putinista Convicto™ : Também, e
mais uma vez muito convenientemente, se esquece de referir que a democracia pós
25 de Abril conseguiu descer a taxa de mortalidade infantil para cerca de 3 por
mil, uma das mais baixas do mundo, e o analfabetismo para 4%. Mas pronto, é uma
opinião "fundamentada e honesta" a que o amora.bruegas já nos
habituou.
Jorge Sm Portugal : É
preciso ter alguma lata para invocar o sistema de saúde, quando todos sabemos
que o acesso universal aos cuidados médicos só se deu com a Democracia. Quanto
à taxa de analfabetismo, no início do Estado Novo (1933) já estava abaixo de
60%. A descida em 40 anos foi muito lenta. E a taxa de analfabetismo do final
do Estado Novo tem esta particularidade: nas décadas de 50 e 60 emigraram mais
de 2 milhões de portugueses, incluindo uma alta percentagem de analfabetos.
Jorge Sm Portugal : "Sempre
defendi que é importante termos opiniões...". Diz isto uma sra. que
defende um regime (Estado Novo) que proibia as pessoas de o criticarem e que
punia (quando não liquidava) as pessoas por expressarem opiniões e ideias contrárias.
Pois minha cara, é graças à Democracia que tanto despreza que pode estar aqui a
opinar contra o regime.
amora.bruegas
Tomar Zut Mut, o seu comentário é a confirmação de que o
disparate e as "fake news" são uma conquista de Abril, mentiras mil.
O regime não tem culpa da cheia, mas construiu prédios para as vítimas..., de
que não se fala; descer a tx. de mortalidade, nas instalações que o regime
deixou, é mérito do Estadista... além de que esqueceu o mérito da medicina e da
baixa taxa de natalidade..., uns campeões. Quanto ao analfabetismo, ele está
nos 7%, mas na realidade, está acima dos 15%, pois há muita criança analfabeta
funcional, que não sabe interpretar um texto ou fazer contas de cabeça, a qual
está paralítica com tantas "facilidades" nas instalações que o E Novo
construiu..., sem esmolas ou endividamentos.
Jose 13.04.2018: Com o título "Tão felizes que nós éramos",
publicação de 27 de Março deste ano, Clara Ferreira Alves dá boa nota do
ambiente do fascismo de Salazar e Caetano. Não comete o desrespeito de
confundir pátria, nação, com o isolacionismo de Salazar e Caetano expresso no
conhecido "Orgulhosamente sós". Quando quiser defender o imperialismo
da UE faça-o com o desassombro com que Salazar defendia o imperialismo
português que a luta antifascista derrubou através do movimento das forças
armadas a 25 de Abril de 1974. Foram os povos e suas nações de Portugal, Guiné,
Angola, Moçambique e Timor quem animado pela sua identidade pátria ergueram a
liberdade nas suas nações e reduziram a passado da noite negra o imperialismo
colonial português. As nações derrubaram o império português, inglês,
francês,...
amora.bruegas
Tomar Zé, divertida propaganda lhe enfiaram na
cabeça..., cheia de inverdades. Não sabe que Portugal foi membro fundador da
NATO, EFTA e OCDE? Que pedimos a adesão à CEE em 1962? Que nesse tempo havia
uma liberdade que não há actualmente em virtude da elevada criminalidade e
bullingue que temos? Sabe em que foi no contexto das independências africanas
que foi dito o "orgulhosamente sós"? O que os honestos logo
extrapolaram conforme lhes convém? Que éramos um país muito visitado, com
liberdade, contrariamente aos socialistas, amordaçados pela cortina de ferro?
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