De um governo que, a meses de
distância, muda capciosamente a lei, para abater uma possuidora de um cargo
onde prestara bom serviço, mas incómodo para o tal governo. De um multimilionário
perverso que se arroga o direito de criar uma monstruosa e grosseira rede de
intervenção mediática destruidora da privacidade geral, saindo, certamente,
impune. De um homem profundamente manhoso, mas frustrado, que usa as suas
competências literatas para “tramar”, como condutor de opinião, alguém mais
nobre, certamente, e orientado não na destruição, como esse, mas na reconstrução
de um país submerso na indignidade de uma dívida vergonhosa. Três retratos, dos
quais um dista cerca de três anos dos dois primeiros, o qual encontrei por acaso,
na Internet. Farinha do mesmo saco, afinal, tratados por autores diferentes – António
Barreto, Diogo Queiroz de Andrade, João Marques Almeida.
Lembro “Les Caractères”
de La Bruyère, para comentar, mas é pecha antiga a crítica moralizante,
prova de que a humanidade sempre foi imperfeita e que houve nela sempre seres
capazes de esclarecer e orientar, segundo parâmetros de maior equidade. Como
vivemos em democracia e em liberdade, haverá sempre quem condene esta forma de
intervencionismo moralizador. Mas se há tantos professores com depressões, por
via da desestabilização geral no ensino, que muitos adultos se gabam de ter
contribuído para ela – arrogantes e desdenhosos – nos seus tempos escolares – significa
isso que a tal liberdade sem critério acabará por destruir o pouco que resta de
cordura social. Por isso me socorro de La Bruyère, escritor moralista do século
XVII, de que traduzo dois pequenos passos, do capítulo “Des Jugements” dos seus
“Les Caractères” :
… “O espírito de
moderação e uma certa sageza na conduta deixam os homens na obscuridade: necessitam
de grandes virtudes para serem conhecidos e admirados, ou talvez de grandes
vícios”.
…. “Num homem mau não há como fazer um grande
homem. Louvai os seus pareceres e os seus projectos, admirai a sua conduta, exagerai
a sua habilidade para se servir dos meios mais limpos e mais curtos para
atingir os seus fins: se os seus fins são maus, a prudência não faz parte
deles; e onde falta prudência, encontrai grandeza, se puderdes.”
Creio que sim, que se trata de
grandezas. De ordem vária. Mas o nosso parecer obscuro redu-las à expressão conhecida
da “Toada” do nosso José Régio, a “Coisas que terei
pudor de contar seja a quem for”.
I - A inocência perdida
ANTÓNIO BARRETO
DN, 15/4/2018
A nomeação, pelo Presidente da República e sob proposta do governo, do
procurador-geral da República é dos actos mais sérios do elenco de competências
dos titulares de órgãos de soberania. A seriedade deveria ser a regra, o que não exclui debate. Transformar
aquela designação, a quase um ano de distância dos prazos devidos, numa cena de
intriga não é próprio de uma República decente. Governantes, partidos,
jornalistas e gente avulsa já se encarregaram de estragar a próxima nomeação,
de que alguém sairá mal.
Como é evidente, há, em teoria, várias soluções para o problema. O mandato pode ser sem renovação. Ou só com
uma, ou duas ou três. Ou sem limite. Há em Portugal soluções para todos os
gostos: o Presidente da República, os presidentes de câmara e de junta de
freguesia, os juízes do Tribunal Constitucional, o procurador-geral da
República, o Provedor de Justiça, o presidente do Tribunal de Contas, o
governador do Banco de Portugal e outros. Quando o legislador quis estabelecer
limites, estes ficaram explícitos. Se não estão, é porque não há. Gostemos ou
não. Todas as soluções são legítimas e legais desde que expressas na lei.
Cada um pode gostar mais de uma ou de outra, é seu direito. O que não se pode é
divagar sobre as intenções do legislador conforme as conveniências pessoais.
Mas parece que é por causa disso, das divagações, que há tantos juristas e
gente que sabe tanto de direito!
Por mais legítima que seja, por mais racional e cuidada que venha a ser,
qualquer decisão ficará sempre marcada pela intriga. O próximo PGR nascerá
estigmatizado por uma espécie de reserva de desconfiança. A escolha ficará para
sempre sob suspeita. Para
salvar ou condenar Sócrates? Para liquidar ou ressuscitar Salgado e o Grupo
Espírito Santo? Para ocultar ou trazer à luz do dia administradores do BES e do
GES que se têm mantido na sombra? Para ajudar ou prejudicar os socialistas?
Para sentenciar ou poupar Granadeiro, Bava, Vara, Penedos, Vicente, Oliveira e
Costa, Lalanda, Macedo e outros? Para afastar do horizonte ou renovar a questão
da lista das 200 personalidades dos Panamá Papers de que tanto se fala? Para
arredar de uma vez por todas ou trazer à superfície o persistente rumor sobre
as gravações alegadamente nunca destruídas das escutas telefónicas de Sócrates
e de muitos políticos e empresários?
As razões para desconfiança são muitas. Mas uma coisa é certa: a próxima
nomeação não será inocente. A escolha será feita por causa dos boatos. Qualquer que seja a
decisão, haverá desautorização, cedência, recuo ou derrota de uma ou várias
figuras centrais do Estado: ministra, primeiro-ministro, procuradora e
Presidente da República. Não é muito saudável.
A renovação do mandato da actual procuradora (que parece ter feito
excelente trabalho) ou a sua substituição têm de resultar da vontade explícita
do governo e do Presidente da República. Creio que nunca saberemos o que pensam a
ministra, o primeiro-ministro, a procuradora e o Presidente da República. Só
sabemos que há gente interessada em liquidar o fim do mandato da actual
procuradora, em tornar ilegítima a nomeação futura, em fragilizar o Presidente
da República e em perturbar o curso de alguns dos mais difíceis processos da
história do país dos últimos cem anos!
Aliás, não passou despercebida a coincidência, no tempo, entre a
intenção de substituir a procuradora, a recordação dos "casos das adopções
da IURD" e a apresentação, ao Presidente da República, de um primeiro
rascunho para um Pacto de Justiça proposto pelos corpos e sindicatos.
É cada vez mais possível que nunca haja julgamento das figuras
importantes da política, do Estado, dos partidos, da economia e da banca. Que
nunca haja legislação eficaz sobre corrupção. Que a crise da Justiça se
desenvolva. Que o Pacto de Justiça, já hoje mal nascido, seja enterrado. Este
debate sobre a nomeação da procuradora é desnecessário, extemporâneo e muito
prejudicial, além de perversamente orientado. É um atentado à Justiça.
As minhas Fotografias
ANTÓNIO BARRETO
O Cristo das Trincheiras no mosteiro da Batalha. A estátua de Cristo
crucificado, com braço e pernas partidas, além de ferida de bala no peito, tem
o curioso nome de Cristo das Trincheiras. Veio da Flandres, onde, durante
meses, fez companhia aos soldados do Corpo Expedicionário Português. Faz agora,
no Ano Europeu do Património, um século que tudo isso aconteceu. E faz sessenta
anos que o Cristo veio para Portugal. Conhecem-se fotografias da estátua, ainda
intacta, no meio das trincheiras. São da autoria de um grande fotógrafo que
"cobriu" parte da campanha da Flandres, Arnaldo Garcez. A estátua
encontrava-se, em 1918, no cruzamento de estradas perto de Neuve-Chapelle.
Aquando da batalha de La Lys, em que os alemães destroçaram a força portuguesa,
o Cristo foi também bombardeado e quase destruído. Morreram nessa batalha
milhares de portugueses. Os que sobreviveram recordaram sempre o Cristo das
Trincheiras, que por ali ficou, mesmo quebrado, durante quarenta anos. Em 1958,
as autoridades francesas acederam aos pedidos do governo: a escultura foi
entregue ao exército português, viajou de avião para Lisboa e daí para a
Batalha, onde, a 9 de Abril de 1958, foi fazer companhia, na Sala do Capítulo,
ao túmulo do Soldado Desconhecido, que já ali se encontrava desde 1921.
fotografia de
antónio barreto
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II - EDITORIAL
O hipócrita tecnológico
Durante anos, o lema do Facebook foi “mexer com rapidez e partir
coisas”. É um dos lemas mais bem-sucedidos da história.
PÚBLICO. 11 de Abril de 2018
O espectáculo
hollywoodesco da audição de Mark Zuckerberg no Congresso americano foi
decadente. O líder do Facebook repetiu uma estafada filosofia bacoca sobre
“aproximar o mundo” e “fazer do planeta um lugar melhor” que já não serve para
disfarçar a arrogância em que está baseado um modelo de negócio que depende da
abdicação dos dados pessoais dos utilizadores.
Durante anos, o lema do
Facebook foi “mexer com rapidez e partir coisas”. É um dos lemas mais
bem-sucedidos da história. A empresa, acompanhada por muitas outras que seguem
o modelo de desenvolvimento aplicado em Silicon Valley, conseguiu partir muitas
coisas, a começar pelo direito à privacidade dos utilizadores.
A razão pela qual o
Facebook nunca foi transparente nas suas políticas de privacidade é porque sabe
que se o fosse, nunca teria o sucesso que teve. A empresa sempre se aproveitou
da ignorância dos utilizadores e da margem que a tecnologia lhe permitiu para
espiar os utilizadores quando estavam a usar a sua aplicação e também quando
não estavam.
Há quem julgue que não se
deve limitar a acção da empresa, simplesmente porque o bom mercado (os
utilizadores) a quer. Mas este é um argumento incompreensível. Qualquer
empresa que abuse do seu acesso ao mercado para vender um produto abusivo será
sancionada pelas autoridades. Se uma farmacêutica vendesse um comprimido
altamente eficaz para a gripe que incluísse uma qualquer droga que causasse uma
enorme dependência, seria imediatamente travada. E se um canal de televisão
programasse pornografia para um espaço de programação infantil, seria fechado
pelas autoridades no mesmo dia. Mas apesar de ser isto que empresas como o
Facebook e a Google fazem, aproveitando para promover práticas monopolistas e
fugir aos impostos de todas as maneiras possíveis e imaginárias, ainda há quem
pense que as autoridades não devem intervir.
Ainda ontem, nas
audições no Congresso americano, se elogiou o trabalho do Facebook como um
exemplo do “sonho americano”. Foi risível, mas compreensível: os legisladores
americanos sempre protegeram os empreendedores de Silicon Valley, em parte por
ignorância, em parte por vaidade, e essa é uma das poucas acções que Trump e
Obama partilharam. Só Margrethe Vestager, a comissária europeia da
Concorrência, teve coragem de afrontar os gigantes tecnológicos e de os multar
principescamente para os obrigar a cumprir a legislação europeia. Vai ser
preciso fazer muito mais.
Pacheco Pereira: Um político falhado
OBSERVADOR, 7/8/2015
Se tivesse sido a
primeira-ministra Ferreira Leite a aplicar o memorando de entendimento, Pacheco
teria sido o grande ideólogo da austeridade.
Por estes dias, no
quente de Agosto, retirado na Marmeleira, Pacheco Pereira deve passar grande
parte do seu tempo em “diálogo” com Sá Carneiro, queixando-se da sua solidão e
confessando, em conversas imaginárias com o antigo líder do PSD, que é o único
que verdadeiramente o entende. Pacheco resolveu competir com Santana Lopes pelo
estatuto do mais “devoto Sá-Carneirista.” Para Santana, conta mais o estilo e o
modo de fazer política. Pacheco privilegia o pensamento e a substância,
julgando-se o “herdeiro social-democrata” de Sá Carneiro.
Perdido no meio de
tantos livros, corre também ele o risco de se perder. Aliás, o seu último
artigo na Sábado é de um homem cego pelo ódio ao actual Primeiro Ministro, e
cheio de azedume. É raro ler um artigo com tanta desonestidade intelectual e
política. Sem o mínimo de respeito pelo contexto histórico, Pacheco andou a
procurar citações de Sá Carneiro para validar as suas opiniões. É um truque
baixo, indigno de um “historiador” – se há quem perceba devidamente a
importância de colocar as citações nos contextos históricos corretos são os
historiadores – e ofensivo da memória de Sá Carneiro. Nem Santana Lopes, nos
momentos de maior fervor populista dos Congressos do PSD, conseguiu instrumentalizar
de um modo tão grosseiro o fundador do partido. Pacheco quer reescrever
a história intelectual do PSD. Para demonstrar que o governo e a liderança do
partido pertencem à “direita radical”, está a construir um “novo Sá Carneiro”,
o “social-democrata de esquerda”, tal como o próprio Pacheco. O desespero e a
imaginação não conhecem limites na biblioteca da Marmeleira.
Pacheco Pereira
exibe, todas as semanas, com o seu radicalismo primário a dimensão do seu
fracasso como político. Nos anos de maior sucesso, durante o Cavaquismo, o seu
brilhantismo intelectual sobressaia e depressa se destacou no PSD.
No entanto, o brilho e a inteligência não são suficientes para uma carreira
política de sucesso. A humildade, a resistência, a capacidade de transformar
derrotas em vitórias, a inteligência emocional, a sabedoria social, são
igualmente importantes. Pacheco nunca mostrou possuir estas
qualidades. Não se destacou como legislador – e o papel de um parlamentar não
se esgota nos talentos oratórios -, nunca exerceu qualquer lugar executivo de
relevo. Por isso Pacheco nunca testou a sua capacidade de decisão, uma das
qualidades mais importantes num político. Ou seja, no seu melhor período,
Pacheco não passou de um bom tribuno. A sua folha de serviços nada mais tem para
apresentar.
Depois, com a liderança
de Durão Barroso, foi eleito para o Parlamento Europeu. Poderia ter sido uma
boa oportunidade para relançar a sua carreira de político. Mas, mais uma vez,
uma oportunidade perdida. E mais uma vez, por causa dos pecados que o
caracterizam, sobretudo a imensa vaidade. Pacheco chegou a Bruxelas julgando
que os seus colegas parlamentares se renderiam imediatamente à sua inteligência
e aos conhecimentos adquiridos com as suas leituras (que de resto exibe com um
zelo profissional). Claro que ninguém ligou ao Pacheco chegado de Lisboa. No
Parlamento Europeu, não basta ser inteligente e ter opiniões. Também é
necessário ler documentos maçadores, escrever relatórios sem interesse
literário ou mesmo analítico, preparar emendas legislativas, fazer alianças
políticas, saber sofrer, aceitar a derrota e trabalhar arduamente para a
vitória. Tudo isto é demasiado vulgar para quem gosta de subir ao seu
assento etéreo para discutir a “social-democracia com Sá Carneiro.”
No seu percurso político
europeu, não se destacou por reflexões sérias sobre os desafios e os problemas
do Euro – e foi na altura que se iniciou a união monetária – ou sobre os
perigos da hegemonia alemã, cuja natureza se começava a manifestar. Agora que é
popular criticar o Euro e atacar a Alemanha, é demasiado fácil. De novo,
Pacheco terminou um período político desanimado com a realidade, a julgar todos
os outros errados e ele, como sempre, solitariamente certo. Um dia um deputado
europeu definiu com acerto a passagem de Pacheco por Bruxelas: “Achava que
chegava, dizia umas coisas inteligentes e todos fariam vénias à sua sabedoria.
Como isso não aconteceu, passou a criticar a União Europeia.”
Pacheco Pereira ainda
teve mais um curto momento político, junto a Ferreira Leite, quando esta foi
líder do partido. Na altura, foi notada a sua defesa da “austeridade” antes das
políticas de “austeridade”. Estou mesmo convencido que se tivesse sido a PM
Ferreira Leite a aplicar o memorando de entendimento, Pacheco teria sido o
grande ideólogo da austeridade (e talvez passasse fins de semana na Marmeleira
à procura de citações de Sá Carneiro para a justificar). Mas a vida
partidária de Pacheco acabou com a triste prestação eleitoral da sua “líder”.
Mas o pior estaria para
vir com a vitória eleitoral de Passos Coelho e a sua elevação a PM; ainda por
cima aliado a Paulo Portas: os dois ódios de estimação de Pacheco. Este ódio
que o alimenta (e atormenta) tirou-lhe a lucidez que restava. Está há quatro
anos a escrever o mesmo artigo, e duas vezes por semana; além de o repetir uma
terceira vez na televisão. E aparentemente não percebe. Depois dos fracassos da
política, adoptou como cronista a política do ódio e do ressentimento. O oposto
de tudo o que foi Sá Carneiro. Pobre Pacheco.
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