Figuras de caricatura, como a
de Lula da Silva por lá – ou discussões sobre distribuição de dinheiro para as
artes e cultura, com apadrinhamentos, por cá, eis os temas dos textos
seguintes, um de Alberto Gonçalves sobre o primeiro, o de Rui Ramos
sobre o segundo.
Alberto Gonçalves, é
claro, traduz de forma altissonantemente divertida, pois sem mercê na
contundência incisiva, a sua impaciência de homem culto contra uma sociedade
soez e ignara que endeusa mitos que o sentimento e não a razão formulou.
Rui Ramos, ante o
espectáculo degradante de mais uma corrida ao erário público de todos os que se
consideram dignos do apodo de artistas, propõe que sejam o Presidente da
República e o Primeiro Ministro a assumir o papel de mecenas, neste país habituado
a depender do Estado financiador. Se o Reino Unido, a Itália e a França estão
entre os países que «em proporção da despesa, gastam menos com a cultura”, é
certamente porque o seu nível cultural tem raízes fortes que espalham em torno
ramos e frutos apelativos de um maior equilíbrio no julgamento dos valores
artísticos, sem tanta necessidade de apoios estatais para sobreviverem, porque
o público os reconhece e os procura.
Há um excelente programa na
RTP de talentos que concorrem para um júri que dá o seu parecer e um público
também julgador. A par de concorrentes que se prepararam convenientemente e que
revelam muito trabalho na sua preparação artística e sentido do que seja o
objectivo desse programa, de apurar competências, outros concorrentes há, de
patranha e puro exibicionismo, sem qualquer laivo de auto-crítica que o júri
logo exclui com consciência. É um pouco o espelho do que se passou com as
disputas em torno do subsídio para a cultura e as artes. A democratização da
nossa sociedade, obtida sem a exigência de um código promocional adequado, é
propícia a estes desvarios, na ânsia de uma sobrevivência natural, mas, tantas
vezes, bastante caricata.
Contudo, não me parece que o PR
e o PM alguma vez pudessem ser patronos ideais numa escolha de apoios
culturais, como os orgulhosos e prepotentes mecenas de outrora, que tanto
contribuíram para o progresso artístico que nos encanta hoje. Ainda que eles «se
esforçassem, por cálculo político, para ficarem associados a alguma qualidade.»
Tudo tão sem luz!
Crónica sobre uma crónica sobre o sr. Lula
OBSERVADOR, 14/4/2013
O apogeu da demência foi
atingido na lendária “missa” que precedeu a prisão: “Já não sou um ser humano.
Sou uma ideia.”, proclamou. É deste material que se fazem boa parte das
calamidades históricas.
O texto de hoje é a
história de um falhanço. Por dever profissional, espírito de sacrifício,
perversão ou simples contágio, convenci-me de que teria de escrever acerca do
sr. Lula, o herói sazonal da esquerda de cá e de lá. E, irresponsavelmente,
convenci-me de que teria de saber mais sobre a criatura. Já sabia, como as
pessoas que querem saber sabem, que o homem transformou um país pobre,
pouco instruído e violento num país pobre, sem qualquer instrução e
violentíssimo. E que é um trafulha de nível e um burgesso sem nível nenhum. E
que escolhe os amigos internacionais nas melhores ditaduras e organizações
terroristas. Mas não estava preparado para o que me atingiu. Ninguém, salvo
milhões de brasileiros que o sofreram na pele, estaria.
Nas duas longas madrugadas
que dediquei à contemplação de vídeos com intervenções da criatura e das
criaturas que a cercam, comecei a rir e acabei em farrapos. Aquilo – o sr.
Lula merece o tratamento – é literalmente indescritível. Não me refiro às
origens sociais do sujeito, pelo menos não no sentido repugnado com que certos
rústicos do Campo Grande se referiam ao apartamento de Pedro Passos Coelho em
Massamá. Lincoln nasceu pobre. Louis Armstrong nasceu pobre. Pelo amor de Deus:
julgo que o futebolista Quaresma nasceu pobre e, entre duas cuspidelas para o
relvado e uma nova tatuagem na nuca, ainda consegue parecer um cavalheiro por
contraste com o sr. Lula. Dizer que o sr. Lula é abaixo de cão é o
eufemismo do ano: em matéria de inteligência, carácter e lucidez, o sr. Lula
encontra-se bastante abaixo do bicho que lhe deu o nome, com ofensa para o
bicho. Em suma, o sr. Lula é menos que nada, o que torna redundantes os
esforços de avaliação ou mero comentário.
Vale a pena falar da
inteligência? Não vale. O sr. Lula exprime-se por grunhidos e algumas
sílabas talvez retiradas da língua portuguesa. A custo, consegue
perceber-se o orgulho dele ao confessar que não lê, alegadamente por ser
preguiçoso, provavelmente por ser incapaz. Não paira ali vestígio de
conhecimento, cultura com “m” minúsculo ou sequer a compreensão de duas ou três
informações básicas. O que ali abunda é o instinto primordial da manha, e o
único ponto abonatório é o pormenor, de resto miraculoso, de a sua sucessora na
presidência exibir uma ignorância superior. O sr. Lula e a dona Dilma não cabem
no conceito de homo sapiens (nem
no de “mulher sapiens”, para citar a senhora): somados, os cérebros de ambos
não alcançam a sofisticação de uma sandália.
Vale a pena falar do
carácter? Não vale. Temos por exemplo a ocasião em que, às
gargalhadas, o sr. Lula lembrou os exageros que, nos anos prévios ao Planalto,
espalhava no estrangeiro a propósito da quantidade de crianças famintas no
Brasil, cuja realidade ignorava com genuíno desprezo. Ou a ocasião em que, diante
das câmaras, descreveu os planos – consumados – para tomar o Estado de assalto.
Ou a ocasião, recente, em que se serviu da mulher morta para exaltar a sua
pessoa, e em que se serviu dos devotos para exaltar a polícia. Antes de perder
os dedos, o sr. Lula perdeu a vergonha.
Vale a pena falar da
lucidez? Não vale. Algures no seu deplorável caminho, o sr. Lula
desatou a acreditar no “mito” que oportunistas ou doidos varridos garantiam que
ele era. Mesmo descontadas as comparações com Jesus Cristo, são incontáveis os
momentos registados em que o espécime não se distingue da vítima de possessão
média. O apogeu desta curiosa demência foi atingido na lendária “missa” que
precedeu a prisão: “Já não sou um ser humano. Sou uma ideia.”, proclamou, agora
sem se rir. É deste material que se fazem boa parte das calamidades históricas.
Perante isto, muitos,
estupefactos, perguntam o que leva
a esquerda, a nossa e a deles, a idolatrar tão monstruoso vazio. Provavelmente,
nasceram ontem. O que os estupefactos podiam estranhar era uma esquerda não
venerasse o sr. Lula, o qual, do intelecto às credenciais democráticas, cumpre
escrupulosamente os critérios essenciais aos santos que a fé marxista não cessa
de consagrar.
Não há engano ou confusão: a esquerda baba-se pelo sr. Lula porque o sr.
Lula adequa-se aos apetites hagiográficos da seita e, afinal, porque a seita
não se distingue dele. Salvo pelos cinco livrinhos na prateleira e o possível
verniz “social”, o camarada padrão padece do primitivismo e da desonestidade,
da cegueira e da prepotência que definem o “filho do Brasil”, não por acaso
título de um filme de propaganda financiado pelas vias expectáveis. Aliás, em
prol do progresso dos povos, a esquerda está habituadíssima a cultivar
psicopatas que chacinam pedagogicamente os súbditos. Sob que pretexto se
maçaria com um carroceiro que se limitou a roubá-los?
Agora chega. Se não se importam, rebater as opiniões de vultos com o
cadastro de Chico Buarque, Boaventura Sousa Santos ou outras figuras do
espectáculo é um exercício pateta. Os “argumentos” dessa gente são argumento
suficiente: vamos realmente discutir se os horrores da Venezuela ou de Cuba
escondem um lado louvável? Vamos realmente levar o sr. Lula a sério? Vamos
descer ao chiqueiro de criminosos ou colaboracionistas? Vamos ponderar a
importância do comunismo, hoje? É preciso paciência, e a minha esgotou-se há
dias, a amanhar uma crónica em volta de um assunto sem assunto. Só por isso, o
sr. Lula devia ir preso.
Uma proposta radical para a cultura
OBSERVADOR, 13/4/2018
Porque não
responsabilizar pessoalmente o presidente da república ou o primeiro-ministro,
enquanto mecenas por conta do Estado, pela despesa pública no subsídio às
artes? Tudo seria mais transparente.
O processo
revolucionário em curso contra Mário Centeno e o seu défice começou, a semana
passada, pela “Cultura”. Houve manifestações a exigir 1% do Orçamento de
Estado. As maiores fúrias, porém, não foram soltas por causa disso, mas pelos concursos
das Artes: de repente, parecia que toda a gente tinha ficado de fora, e ninguém
percebia porquê. Em suma, como nunca haverá todo o dinheiro do mundo, mesmo
mais dinheiro nunca resolverá o problema de o distribuir.
Quanto à questão de
quanto se deve gastar, bastará talvez dizer isto: de acordo com o Eurostat, entre os países que, em proporção da
despesa, gastam menos com a “cultura” estão o Reino Unido, a Itália e a
França. O país que mais gasta é a Hungria do muito deplorado
Viktor Orban. Em suma, ninguém sabe bem qual a relação entre despesa
pública e cultura, e entre a cultura e outras coisas, como o populismo. Mas
vamos admitir que Portugal não é o Reino Unido, e precisamos do Orçamento ou de
taxas para haver “cultura”, e que também não é a Hungria, e que portanto a
nossa cultura subsidiada contribuirá sempre para o progresso da humanidade. Como
repartir?
Na cultura, o chamado
património está geralmente salvaguardado pela tradição nacional, a mística da
“conservação” ou o turismo. A “criação artística e literária”,
para usar o português da administração fiscal, é que inspira discórdias.
Antigamente, as artes
serviram a príncipes, bispos ou corporações urbanas para se entreterem ou
celebrarem a sua grandeza. O gosto do mecenas era o critério. Se o rei gostava
de Hieronymus Bosch, hoje o museu nacional que herdou as colecções reais tem
uma grande selecção de Bosch, como o Prado graças a Filipe II. Se o rei adorava
Wagner, a cidade tem hoje um teatro para as suas óperas, como Bayreuth graças a
Luís II.
Ora bem, talvez estejam à
espera que eu agora diga que tudo mudou. Mas nem tudo mudou. O maior
argumento a favor da despesa pública na criação cultural, sobretudo nas áreas
mais dependentes de subsídio, é imaginar o país sem, por exemplo, cinema ou
teatro. Que iriam pensar os ingleses? Ou os alemães? Tem, portanto, de haver
cinema e teatro. Mas como escolher quem deve fazer filmes ou subir ao palco?
Não ajuda que na criação
cultural, os “critérios objectivos” – audiências, por exemplo — sejam motivo de
escárnio. Por mais escolhido que tenha sido o júri ou mais escrupuloso o
concurso, a injustiça reina sempre. Ora bem, há uma solução. Admitindo
que o fim da despesa pública nas artes é a mesma de antigamente, isto é, o
prestígio do poder, porque não admitir também que essa despesa deve ser,
como antes, da responsabilidade pessoal dos titulares dos cargos
públicos, enquanto mecenas por conta do Estado?
Sim, leram bem. Estou a
propor que o presidente da república possa ser um Filipe II, ou o primeiro
ministro um Luís da Baviera. O dinheiro das artes ser-lhes-ia confiado para
gastarem no que quisessem, como quisessem. Para quê continuar a acreditar na
burocracia supostamente imparcial? Porque não dar um rosto às
escolhas? Dir-me-ão: mas seria o arbítrio, talvez a partidarização da
“cultura”! Mas não é já disso que se queixam? Esta solução, por exemplo,
poderia acabar com a ideia de que a “cultura” é de esquerda, porque talvez
presidentes ou primeiros-ministros da direita descobrissem algum cinema ou
teatro cujo fim não fosse destruir o capitalismo. A vantagem principal,
porém, é esta: uma maior transparência. O presidente e o
primeiro-ministro seriam pessoalmente responsáveis pelas obras subsidiadas.
Para que filmes deu Marcelo Rebelo de Sousa dinheiro? Que companhias de teatro
ajudou António Costa a salvar? Talvez se esforçassem, por cálculo
político, para ficarem associados a alguma qualidade. Mas mesmo que não, é
provável que os resultados não fossem piores do que agora com os concursos. E
tudo seria mais divertido — e revelador.
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