sábado, 14 de abril de 2018

TREVAS? LUZES?

Figuras de caricatura, como a de Lula da Silva por lá – ou discussões sobre distribuição de dinheiro para as artes e cultura, com apadrinhamentos, por cá, eis os temas dos textos seguintes, um de Alberto Gonçalves sobre o primeiro, o de Rui Ramos sobre o segundo.
Alberto Gonçalves, é claro, traduz de forma altissonantemente divertida, pois sem mercê na contundência incisiva, a sua impaciência de homem culto contra uma sociedade soez e ignara que endeusa mitos que o sentimento e não a razão formulou.
Rui Ramos, ante o espectáculo degradante de mais uma corrida ao erário público de todos os que se consideram dignos do apodo de artistas, propõe que sejam o Presidente da República e o Primeiro Ministro a assumir o papel de mecenas, neste país habituado a depender do Estado financiador. Se o Reino Unido, a Itália e a França estão entre os países que «em proporção da despesa, gastam menos com a cultura”, é certamente porque o seu nível cultural tem raízes fortes que espalham em torno ramos e frutos apelativos de um maior equilíbrio no julgamento dos valores artísticos, sem tanta necessidade de apoios estatais para sobreviverem, porque o público os reconhece e os procura.
Há um excelente programa na RTP de talentos que concorrem para um júri que dá o seu parecer e um público também julgador. A par de concorrentes que se prepararam convenientemente e que revelam muito trabalho na sua preparação artística e sentido do que seja o objectivo desse programa, de apurar competências, outros concorrentes há, de patranha e puro exibicionismo, sem qualquer laivo de auto-crítica que o júri logo exclui com consciência. É um pouco o espelho do que se passou com as disputas em torno do subsídio para a cultura e as artes. A democratização da nossa sociedade, obtida sem a exigência de um código promocional adequado, é propícia a estes desvarios, na ânsia de uma sobrevivência natural, mas, tantas vezes, bastante caricata.

Contudo, não me parece que o PR e o PM alguma vez pudessem ser patronos ideais numa escolha de apoios culturais, como os orgulhosos e prepotentes mecenas de outrora, que tanto contribuíram para o progresso artístico que nos encanta hoje. Ainda que eles «se esforçassem, por cálculo político, para ficarem associados a alguma qualidade.» Tudo tão sem luz!
Crónica sobre uma crónica sobre o sr. Lula
OBSERVADOR, 14/4/2013
O apogeu da demência foi atingido na lendária “missa” que precedeu a prisão: “Já não sou um ser humano. Sou uma ideia.”, proclamou. É deste material que se fazem boa parte das calamidades históricas.
O texto de hoje é a história de um falhanço. Por dever profissional, espírito de sacrifício, perversão ou simples contágio, convenci-me de que teria de escrever acerca do sr. Lula, o herói sazonal da esquerda de cá e de lá. E, irresponsavelmente, convenci-me de que teria de saber mais sobre a criatura. Já sabia, como as pessoas que querem saber sabem, que o homem transformou um país pobre, pouco instruído e violento num país pobre, sem qualquer instrução e violentíssimo. E que é um trafulha de nível e um burgesso sem nível nenhum. E que escolhe os amigos internacionais nas melhores ditaduras e organizações terroristas. Mas não estava preparado para o que me atingiu. Ninguém, salvo milhões de brasileiros que o sofreram na pele, estaria.
Nas duas longas madrugadas que dediquei à contemplação de vídeos com intervenções da criatura e das criaturas que a cercam, comecei a rir e acabei em farrapos. Aquilo – o sr. Lula merece o tratamento – é literalmente indescritível. Não me refiro às origens sociais do sujeito, pelo menos não no sentido repugnado com que certos rústicos do Campo Grande se referiam ao apartamento de Pedro Passos Coelho em Massamá. Lincoln nasceu pobre. Louis Armstrong nasceu pobre. Pelo amor de Deus: julgo que o futebolista Quaresma nasceu pobre e, entre duas cuspidelas para o relvado e uma nova tatuagem na nuca, ainda consegue parecer um cavalheiro por contraste com o sr. Lula. Dizer que o sr. Lula é abaixo de cão é o eufemismo do ano: em matéria de inteligência, carácter e lucidez, o sr. Lula encontra-se bastante abaixo do bicho que lhe deu o nome, com ofensa para o bicho. Em suma, o sr. Lula é menos que nada, o que torna redundantes os esforços de avaliação ou mero comentário.
Vale a pena falar da inteligência? Não vale. O sr. Lula exprime-se por grunhidos e algumas sílabas talvez retiradas da língua portuguesa. A custo, consegue perceber-se o orgulho dele ao confessar que não lê, alegadamente por ser preguiçoso, provavelmente por ser incapaz. Não paira ali vestígio de conhecimento, cultura com “m” minúsculo ou sequer a compreensão de duas ou três informações básicas. O que ali abunda é o instinto primordial da manha, e o único ponto abonatório é o pormenor, de resto miraculoso, de a sua sucessora na presidência exibir uma ignorância superior. O sr. Lula e a dona Dilma não cabem no conceito de homo sapiens (nem no de “mulher sapiens”, para citar a senhora): somados, os cérebros de ambos não alcançam a sofisticação de uma sandália.
Vale a pena falar do carácter? Não vale. Temos por exemplo a ocasião em que, às gargalhadas, o sr. Lula lembrou os exageros que, nos anos prévios ao Planalto, espalhava no estrangeiro a propósito da quantidade de crianças famintas no Brasil, cuja realidade ignorava com genuíno desprezo. Ou a ocasião em que, diante das câmaras, descreveu os planos – consumados – para tomar o Estado de assalto. Ou a ocasião, recente, em que se serviu da mulher morta para exaltar a sua pessoa, e em que se serviu dos devotos para exaltar a polícia. Antes de perder os dedos, o sr. Lula perdeu a vergonha.
Vale a pena falar da lucidez? Não vale. Algures no seu deplorável caminho, o sr. Lula desatou a acreditar no “mito” que oportunistas ou doidos varridos garantiam que ele era. Mesmo descontadas as comparações com Jesus Cristo, são incontáveis os momentos registados em que o espécime não se distingue da vítima de possessão média. O apogeu desta curiosa demência foi atingido na lendária “missa” que precedeu a prisão: “Já não sou um ser humano. Sou uma ideia.”, proclamou, agora sem se rir. É deste material que se fazem boa parte das calamidades históricas.
Perante isto, muitos, estupefactos, perguntam o que leva a esquerda, a nossa e a deles, a idolatrar tão monstruoso vazio. Provavelmente, nasceram ontem. O que os estupefactos podiam estranhar era uma esquerda não venerasse o sr. Lula, o qual, do intelecto às credenciais democráticas, cumpre escrupulosamente os critérios essenciais aos santos que a fé marxista não cessa de consagrar.
Não há engano ou confusão: a esquerda baba-se pelo sr. Lula porque o sr. Lula adequa-se aos apetites hagiográficos da seita e, afinal, porque a seita não se distingue dele. Salvo pelos cinco livrinhos na prateleira e o possível verniz “social”, o camarada padrão padece do primitivismo e da desonestidade, da cegueira e da prepotência que definem o “filho do Brasil”, não por acaso título de um filme de propaganda financiado pelas vias expectáveis. Aliás, em prol do progresso dos povos, a esquerda está habituadíssima a cultivar psicopatas que chacinam pedagogicamente os súbditos. Sob que pretexto se maçaria com um carroceiro que se limitou a roubá-los?
Agora chega. Se não se importam, rebater as opiniões de vultos com o cadastro de Chico Buarque, Boaventura Sousa Santos ou outras figuras do espectáculo é um exercício pateta. Os “argumentos” dessa gente são argumento suficiente: vamos realmente discutir se os horrores da Venezuela ou de Cuba escondem um lado louvável? Vamos realmente levar o sr. Lula a sério? Vamos descer ao chiqueiro de criminosos ou colaboracionistas? Vamos ponderar a importância do comunismo, hoje? É preciso paciência, e a minha esgotou-se há dias, a amanhar uma crónica em volta de um assunto sem assunto. Só por isso, o sr. Lula devia ir preso.

Uma proposta radical para a cultura
OBSERVADOR, 13/4/2018
Porque não responsabilizar pessoalmente o presidente da república ou o primeiro-ministro, enquanto mecenas por conta do Estado, pela despesa pública no subsídio às artes? Tudo seria mais transparente.
O processo revolucionário em curso contra Mário Centeno e o seu défice começou, a semana passada, pela “Cultura”. Houve manifestações a exigir 1% do Orçamento de Estado. As maiores fúrias, porém, não foram soltas por causa disso, mas pelos concursos das Artes: de repente, parecia que toda a gente tinha ficado de fora, e ninguém percebia porquê. Em suma, como nunca haverá todo o dinheiro do mundo, mesmo mais dinheiro nunca resolverá o problema de o distribuir.
Quanto à questão de quanto se deve gastar, bastará talvez dizer isto: de acordo com o Eurostat, entre os países que, em proporção da despesa, gastam menos com a “cultura” estão o Reino Unido, a Itália e a França. O país que mais gasta é a Hungria do muito deplorado Viktor Orban. Em suma, ninguém sabe bem qual a relação entre despesa pública e cultura, e entre a cultura e outras coisas, como o populismo. Mas vamos admitir que Portugal não é o Reino Unido, e precisamos do Orçamento ou de taxas para haver “cultura”, e que também não é a Hungria, e que portanto a nossa cultura subsidiada contribuirá sempre para o progresso da humanidade. Como repartir?
Na cultura, o chamado património está geralmente salvaguardado pela tradição nacional, a mística da “conservação” ou o turismo. A “criação artística e literária”, para usar o português da administração fiscal, é que inspira discórdias.
Antigamente, as artes serviram a príncipes, bispos ou corporações urbanas para se entreterem ou celebrarem a sua grandeza. O gosto do mecenas era o critério. Se o rei gostava de Hieronymus Bosch, hoje o museu nacional que herdou as colecções reais tem uma grande selecção de Bosch, como o Prado graças a Filipe II. Se o rei adorava Wagner, a cidade tem hoje um teatro para as suas óperas, como Bayreuth graças a Luís II.
Ora bem, talvez estejam à espera que eu agora diga que tudo mudou. Mas nem tudo mudou. O maior argumento a favor da despesa pública na criação cultural, sobretudo nas áreas mais dependentes de subsídio, é imaginar o país sem, por exemplo, cinema ou teatro. Que iriam pensar os ingleses? Ou os alemães? Tem, portanto, de haver cinema e teatro. Mas como escolher quem deve fazer filmes ou subir ao palco?
Não ajuda que na criação cultural, os “critérios objectivos” – audiências, por exemplo — sejam motivo de escárnio. Por mais escolhido que tenha sido o júri ou mais escrupuloso o concurso, a injustiça reina sempre. Ora bem, há uma solução. Admitindo que o fim da despesa pública nas artes é a mesma de antigamente, isto é, o prestígio do poder, porque não admitir também que essa despesa deve ser, como antes, da responsabilidade pessoal dos titulares dos cargos públicos, enquanto mecenas por conta do Estado?
Sim, leram bem. Estou a propor que o presidente da república possa ser um Filipe II, ou o primeiro ministro um Luís da Baviera. O dinheiro das artes ser-lhes-ia confiado para gastarem no que quisessem, como quisessem. Para quê continuar a acreditar na burocracia supostamente imparcial? Porque não dar um rosto às escolhas? Dir-me-ão: mas seria o arbítrio, talvez a partidarização da “cultura”! Mas não é já disso que se queixam? Esta solução, por exemplo, poderia acabar com a ideia de que a “cultura” é de esquerda, porque talvez presidentes ou primeiros-ministros da direita descobrissem algum cinema ou teatro cujo fim não fosse destruir o capitalismo. A vantagem principal, porém, é esta: uma maior transparência. O presidente e o primeiro-ministro seriam pessoalmente responsáveis pelas obras subsidiadas. Para que filmes deu Marcelo Rebelo de Sousa dinheiro? Que companhias de teatro ajudou António Costa a salvar? Talvez se esforçassem, por cálculo político, para ficarem associados a alguma qualidade. Mas mesmo que não, é provável que os resultados não fossem piores do que agora com os concursos. E tudo seria mais divertido — e revelador.

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