terça-feira, 3 de abril de 2018

Um título snob



Talvez Manuel Loff tenha razão na sua crítica ao governo espanhol e aos governos europeus (o nosso incluso), que apoiam aquele, na sua recusa do movimento independentista catalão. Eu admiro o governo espanhol e os governos europeus (o nosso incluso), que apoiam aquele, apesar da vaga democrática que estabeleceu liberdades de vária ordem, mas julgo que não a liberdade de atraiçoar a pátria, berço do povo que uma história comum uniu. A Catalunha foi uma zona de Espanha que sempre defendeu a sua independência, mas não acredito que todo o seu povo, mau grado a riqueza que a enaltece, não sinta o mesmo orgulho que sente a maioria dos espanhóis pelo espaço que lhes deu projecção, alicerçado na epopeia comum. Orgulho pátrio, eis um sentimento nobre, a defender sempre. Tinha-o Salazar, mas o povo que ele governou era demasiado débil, culturalmente como temperamentalmente, de que resultou, após a mudança política, uma debandada de valores, imposta pelos que desprezaram essa pátria, conquistada a poder de esforços e valentias comuns, a que, é certo, uma velha aliança inglesa ajudaria sempre a solidificar, ainda que com impertinência quantas vezes contestada.
Julgo que o ideal democrático não se reflecte sobre os territórios da maioria das nações, daí que os seus governos condenem as traições com a necessária ponderação e uma maior ou menor aspereza – que Manuel Loff, de democracia mais recente e desvirtuadora de princípios nobres, naturalmente repudia.
Miguel Torga, sendo um defensor dos ideais chamados democráticos, em todo o caso, comparando os seus compatriotas pusilânimes aos espanhóis, admira estes no seu destemor e acutilância, quando descreve a sua passagem por Espanha, em tempos de guerra civil espanhola:
«Durante a viagem, quer à ida, quer à volta, apesar de horrorizado pela luta fratricida que o via travar, não me cansara de admirar a força afirmativa do povo espanhol, em todas as circunstâncias seguro da sua singularidade e grandeza. O mais humilde salamantino ou soriano, quando declarava a origem, como que atirava sobranceiramente um punhado de barro da meseta à cara do interlocutor. Sem falar no desvanecimento com que um francês condecorado exibe a França na lapela, simbolizada na roseta da Legião de Honra. O desgraçado lusíada, pelo contrário, sempre que se via forçado a nomear a terra de nascimento, tinha a sensação de que se denunciava.» («A Criação do Mundo IV»)
Não, não somos parecidos, brandos e moles. Hipócritas e traiçoeiros, também. Por isso estamos aqui. No fundo.
Quanto ao texto de Manuel Loff, acabo de ler um comentário de um espanhol, que o critica severamente. Segue-se ao texto “O Curdistão espanhol”, de ML, a dar razão ao meu protesto contra o articulista pedante.

O Curdistão espanhol
Se a Turquia de Erdogan é um exemplo evidente da regressão autoritária dos últimos anos, recordemos que a Espanha tem presos nove deputados catalães
MANUEL LOFF
PÚBLICO, 31 de Março de 2018
Nove deputados do Parlamento da Catalunha estão presos. O último é o próprio  Carles Puigdemont, presidente da Generalitat da Catalunha suspenso das suas funções pelo Governo espanhol, preso desde domingo na Alemanha por ordem da justiça espanhola, aguardando decisão sobre pedido de extradição. Se a Turquia de Erdogan é um exemplo evidente da regressão autoritária dos últimos anos (regimes que assumem procedimentos ditatoriais fingindo manter a aparência de formalidade democrática), recordemos que a Espanha tem presos nove deputados catalães (de um total de 135), a todos tendo retirado, sem sequer os haver julgado, os direitos políticos (nenhum deles pode comparecer no Parlamento para qualquer votação ou candidatar-se ao cargo de presidente); e que Erdogan mantém presos há um ano exatamente o mesmo número de deputados curdos (de um total de 550)! A Turquia tem sido repetidamente condenada por organismos internacionais e pelos vários Estados da UE; a Espanha tem sido repetidamente advertida pela ONU e pelo Conselho da Europa, mas nenhum governo da UE se tem atrevido a condenar esta atuação completamente indigna e ilegítima!
A estes deputados (sete homens, duas mulheres) soma-se Jordi Cuixart, presidente da associação Ómnium Cultural, preso desde 17 de outubro com Jordi Sánchez, presidente da maior associação catalã. Por terem convocado, antes ainda do referendo de 1 de outubro, uma manifestação que contestava a invasão policial do Departamento de Economia e a detenção de funcionários que estava a decorrer, foram acusados de "sedição" e de "rebelião". Pouco importa que não tivesse havido violência, e menos ainda que tenham sido os próprios Jordis a pedir aos manifestantes que desmobilizassem para permitir a retirada das forças policiais. Duas semanas depois, a polícia prendeu oito membros do governo catalão; ao fim de um mês, seis foram libertados com fianças de centenas de milhar de euros (reunidos em coleta cívica); quatro voltaram a ser presos há uma semana. Dois outros mantêm-se presos há cinco meses. Um deles, já na prisão, deu positivo no teste da tuberculina, o que não fez demover o juiz: a sua libertação poderia dar origem a manifestações que poriam em causa a "ordem pública" pelo que o melhor é mantê-lo preso! Qualquer semelhança com uma banal ditadura deve ser pura coincidência...
Além de Puigdemont, seis outros ativistas políticos catalães partiram para o exílio. Emitido em novembro um primeiro mandado de detenção europeu, a justiça belga deixou claro que não aceitaria extraditar nenhum deles pelo crime de "rebelião", o qual, no próprio Código Penal espanhol, implica ter-se recorrido à violência. A justiça espanhola decidiu retirar o mandado para evitar a humilhação de ter de aceitar abandonar a acusação que lhe permite prender incondicionalmente toda esta gente e os tratar publicamente (magistrados, governo, oposição socialista, media...) como "golpistas" ou como se fossem "terroristas". Em fevereiro passado, a Espanha recebeu outra lição: por ter uma "natureza política", a Suíça advertiu que rejeitaria o pedido de extradição de uma antiga deputada da CUP, Anna Gabriel, que se recusou a acatar a convocação do Supremo Tribunal e fugira do país. Outra das exiladas, Clara Ponsatí, ministra da Educação do governo Puigdemont e professora numa universidade de Edimburgo, foi convocada por um juiz escocês para dar cumprimento ao mandado emitido pela Espanha, e saiu em liberdade ao fim de uma hora para aguardar a decisão definitiva sobre a extradição. A imprensa britânica tem, de resto, assumido a mesma atitude da alemã a propósito de Pugdemont, refletindo a opinião maioritária fora ou dentro das coligações de poder: o Estado espanhol passou todas as marcas na sua campanha punitiva do independentismo catalão, especialmente desde que o nacionallismo espanhol foi tão claramente derrotado nas eleições que Rajoy convocou na Catalunha depois de ter suspendido a autonomia, na esperança, perfeitamente explícita, de "decapitar" (expressão da vice-presidente do Governo) o movimento independentista. Não é coincidência que, uma vez renovada a vitória independentista, as prisões se encham.
Um funcionário numa das prisões onde estão detidos estes presos políticos, escreveu há dias "[sentir] uma vergonha democrática tal por ter que sofrer o espetáculo de cinco homens fechados numa prisão por 'crimes' políticos que me é insuportável ir todos os dias cumprir o meu horário de trabalho” (José Ángel Hidalgo, ctxt, 27.3.2018). Eu, por mim,
sinto vergonha pela solidariedade dos governos europeus (a começar pelo português) com semelhante indignidade.
Historiador

COMENTÁRIO

HONESTO RUBÍN
  13:02
El PIB per capita medio en España fue en 2016 de 24100 euros. El PIB per capita de Cataluña en el mismo año fue de 28590 euros. Comparar la situación de Cataluña, una de las regiones más ricas de la Unión Europea, con la del Kurdistán solo puede deberse a una inmensa mala fe, a un enorme sectarismo o a una profunda ignorancia. Posiblemente a las 3 causas juntas. Pero lo peor es que la comparación minimiza y desprecia la situación de los kurdos. ¿Les parecería normal un titular sobre el Algarve que dijera; el Kurdistán portugués?
HONESTO RUBÍN
 02.04.2018 19:30
En España no hay presos políticos sino políticos presos por sus delitos: la abolición de la Constitución y del Estatuto de Autonomía en contra del 52% de los votantes catalanes. Unos 2 millones de votantes catalanes pretenden decidir sobre España sin contar con los otros 34 millones de votantes españoles (y a eso le llaman democracia). Ándense con cuidado con los nacionalismos populistas y supremacistas no vaya a ser que cualquier día el presidente de Madeira o de Azores o de Padania o de Baviera empiecen a declarar independencias. Sería una maravillosa Europa de unos 350 estados según los independentistas catalanes. Si el presidente de Madeira declarara la independencia sin contar con el resto de los portugueses y violando la Constitución, ¿los tribunales portugueses no actuarían?

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