quinta-feira, 31 de maio de 2018

Bem pode Bagão Félix esforçar-se


Dois artigos de António Bagão Félix, o mais recente, sobre um assunto que vai estar na ordem do dia, como ameaça sobre um povo desvitalizado a quem a cobardia há muito rege, (salvo a coragem do atacar na sombra – do grupo ou do anonimato) assunto que se retoma por pertencer a uma mente suficientemente humana e digna que nos serve de lição. Li alguns comentários a si feitos, no texto sobre a eutanásia, e mais uma vez encontrei gente cuja desaprovação se limita à grosseria das invectivas despeitadas, como a de chamar “avozinho” a quem lhes é muito superior em inteligência e disciplina, para já não utilizar a Ética, fundamental na definição de “Ser Humano”, posta em causa pelos actuais seres do pseudo progresso, que não querem saber de humanidade para nada, os quais, em perfeita emancipação progressista,  mais e mais se reflectem nas leis que gerem o resto da SELVA, ou seja, na clareza dos instintos, sem peias e sem susceptibilidades de escrúpulos ou vergonhas que se disse distinguirem os seres racionais, que, para mais, articulam os sons, em argumentos a acompanhar os pensamentos, contrariamente aos da selva, que não articulam e se limitam às respectivas vozes e ruídos dos seus apetites ou indignações de poder ou dor.

Mas o “avozinho” Bagão Félix não se comove com a pretensa desfeita. Apresenta os seus argumentos de racionalidade, próprios da sua qualidade humana, e, para mais, de calibre superior, tanto na questão da eutanásia como na questão das línguas e as suas traves-mestras, com a competência e sanidade mental e a subtil ironia do costume. Só que, hélas! o seu saber e inteligência e, mais ainda, a sua ironia, não atingem os tais da harmonia silvícola, ou, de preferência, selvícola, de ruído e instinto e de rugido específico.
I - OPINIÃO
Eutanásia: um modo totalitário travestido de liberdade
PÚBLICO, 25 de Maio de 2018
Não há mal de que provenha bem (São Paulo, Carta aos Romanos)
Volto às iniciativas legislativas sobre a legalização da eutanásia que, na próxima semana, vão ser discutidas na Assembleia da República.
Diz o artigo 24º nº 1 da Constituição da República Portuguesa: “A vida humana é inviolável”. Disposição votada por unanimidade na Assembleia Constituinte e jamais alterada nas sucessivas revisões constitucionais.
É caso para perguntar aos deputados proponentes qual destas palavras é que não entendem: VIDA? HUMANA? INVIOLÁVEL? Quanto a este último vocábulo, dizem os dicionários que significa “que não se deve ou não se pode violar”, “sagrado”, “invulnerável”. Há dúvidas? Quanto à vida humana, será que a vida de uma pessoa, mesmo que em situação de grande dor e sofrimento, deixou de ser vida? Ou que passaremos a ter a noção de vida humana, não como um conceito absoluto, mas moldável e relativizado com fronteira (?) definida pelo mutável e circunstancial direito positivo? Será que os deputados proponentes acham que se podem arrogar o direito de definir por nós todos o que sendo vida pode deixar de ter valor de vida, qual algoritmo infalível? Curiosamente foi este bem soberano da lei natural – a vida -  que muitos dos mesmos deputados invocaram na discussão da legislação sobre o aborto, dizendo então que até às x semanas (x em função das conveniências) não se tratava ainda de vida, para, assim, disfarçarem a violação daquele preceito constitucional. Pois agora, nem essa enganosa argumentação colhe. Vida é vida, mesmo que em circunstâncias dramáticas. Vida é vida que não pode ser terminada legalizando a morte através de terceiros e por actos ditos clínicos.
E porquê tanta pressa em querer aprovar estes projectos? Onde estavam estas intenções nos propósitos eleitorais dos partidos proponentes nas últimas eleições? Como, numa matéria tão sensível e disruptiva, podem deputados fazer aprovar uma lei para a qual não foram mandatados democraticamente? Ou será que eutanásia não sufragada nos seus programas partidários é o mesmo que uma qualquer outra lei avulsa sobre um qualquer outro tema? Ou será que a insuficiência ética pode ser substituída pela suficiência jurídica, como se o direito positivo pudesse contrapor-se ao direito natural? Acharão os deputados proponentes que podem legiferar sem sequer se terem preocupado em proporcionar um amplo debate sobre a matéria? Acharão que as pessoas estão esclarecidas devidamente e que sabem distinguir, por exemplo, a eutanásia de legitimas práticas de “encarniçamento terapêutico”?
Dizem-nos que o Estado apenas se limitaria a salvaguardar a sua neutralidade (!) em nome dos direitos de liberdade e de autonomia individuais. Uma completa falácia. A eutanásia não representa um exercício de liberdade, mas a supressão da própria raiz da liberdade. O direito à morte é tão absurdo como dizer que temos o “direito à doença”, no entanto, com a diferença da irreversibilidade no primeiro caso. O Estado, ao permitir a prática da eutanásia, está a decretar que o direito à vida é disponível e renunciável. Onde paramos?
Dizem-nos também que a pessoa a eutanasiar tem de dar o seu consentimento livre e consciente. O homicídio a pedido não deixa de ser homicídio por ser autorizado e pedido por uma pessoa. A inviolabilidade da vida humana não cessa com o consentimento do seu titular. Aliás, a anuência nunca será, só por si, condição suficiente para justificar situações de violação dos direitos humanos inalienáveis da pessoa. Por exemplo, a escravatura é sempre um vil e inaceitável atentado à dignidade da pessoa, mesmo que alguém a possa ter aceitado em situações de coacção. Tal como outras formas ignóbeis de exploração do trabalho.
Hoje e cada vez mais, há meios clínicos e farmacológicos para, através de cuidados paliativos, aliviar situações extremadas de dor e sofrimento, mesmo que assim sendo até se venha a diminuir o tempo restante de vida do doente. Não se compreende que com o ineludível e crescente avanço nesta matéria, se venha a querer legalizar a eutanásia. Ela nunca se justificaria, mas ao menos é lógico pensar que alguém a pudesse melhor compreender há décadas quando quase não havia meios de cuidar e ajudar as pessoas em situações extremas.
Perante esta realidade a mensagem perversa que se está a transmitir à Sociedade é a de que a legalização da eutanásia é um meio alternativo e, sub-repticiamente, se está a deixar construir a ideia de um Estado-Pôncio Pilatos que, da escassez de meios paliativos, lava as suas mãos. O que é mais conforme a dignidade da pessoa: uma “morte digna” provocada por via da eutanásia ou um “fim de vida digno” em nome da ética de cuidar?
Numa sociedade cada vez mais envelhecida, perante a dor e sofrimento, a prioridade das prioridades deverá ser o desenvolvimento de uma rede alargada de tratamento da dor, de cuidados geriátricos e continuados e de cuidados paliativos. Sim, alargada até para estar disponível para os mais pobres, os mais sós e as pessoas que vivem fora dos grandes centros (que já sofrem no corpo e na alma a “eutanásia social” a que vão sendo sujeitos). A legalização da eutanásia contribuiria para esbater a consciência social da necessidade e urgência de criar uma verdadeira rede. Transmite-se a ideia de que, face ao “fardo” da velhice e da doença e aos nunca resolvidos défices do sistema público de saúde, para quê gastar tantos recursos com doentes terminais quando o tempo final das suas vidas pode ser encurtado.
Importa alertar para a rampa deslizante que se seguiu, abastarda e levianamente, em alguns dos poucos países que legalizaram a prática de eutanásia. Neles, tudo começou com muitas restrições. Mas hoje, na Holanda, Bélgica e Suíça (aqui apenas no “suicídio assistido”), já há muitos casos abrangendo derivas eugénicas com bebés e crianças com deficiências graves, adultos com grave deficiência, doentes psiquiátricos (para 25% destes, os pareceres dos médicos psiquiatras não foram sequer no sentido de justificar o pedido de eutanásia) e outros doentes por pressão subtil de familiares. E já se discute até o direito à eutanásia por cansaço de viver!
Enfim, certa esquerda (cá e lá fora) sabendo que não é capaz de proteger e aprofundar os direitos sociais como sempre proclamou, vira-se para criar pretensos direitos de cidadania, mais baratos ou sem custo, mediaticamente mais apelativos e para os quais bastam uma lei e umas assinaturas. A legalização da eutanásia é um desses apregoados direitos. Uma expressão neototalitária através de um relativismo ético pelo qual cada desejo se arrisca a transformar num direito. Neste caso, através de terceiros a quem se pede que a tal direito não contraponham o seu dever e a sua deontologia!
Estamos perante um retrocesso civilizacional e o perigo de desestruturar a sociedade no seu pilar fundamental. Atrasados em tantos aspectos da nossa vida colectiva, queremos ser pioneiros nesta insondável cultura da morte, apresentada eufemisticamente como avanço social.  É a nossa triste dianteira!
P.S. O Primeiro-ministro de Portugal não quis dizer na AR qual a sua posição sobre a eutanásia, apesar de sempre nos brindar com a sua opinião sobre todas as minudências. Pura arte de fazer política…

II - OPINIÃO
O inglês… mesmo que sem acordos ortográficos
Na Eurovisão tivemos a busca efémera do sucesso a sobrepor-se à soberania da língua. Sinal dos tempos...
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 18 de Maio de 2018
Lisboa recebeu o Festival da Eurovisão 2018. Fê-lo com inegável brilho. Não costumo acompanhar, em detalhe, estes eventos. Porém, desta vez, e por ser cá, fi-lo mais de perto. Anotei a hegemonia da língua inglesa, mesmo num concurso por países. Senão vejamos: num total de 42 países, cantaram em inglês 28 (incluindo Rússia e Alemanha!), embora só em três seja a primeira língua (Reino Unido, Irlanda e Austrália). Os países que se exprimiram na sua língua oficial foram quase todos do Sul da Europa e de influência mediterrânica: além de Portugal, França, Itália, Espanha, Grécia, Albânia, Sérvia, Montenegro, Eslovénia, a que se juntaram Arménia, Geórgia, Hungria. Enfim, a busca efémera do sucesso a sobrepor-se à soberania da língua. Sinal dos tempos...
Apesar de ser apenas o terceiro idioma em número de falantes nativos (cerca de 380 milhões de pessoas, atrás do chinês mandarim e do espanhol), o inglês deixou de ser uma "linguagem inglesa" para ser global. É a língua franca da globalização, uma espécie de latim hodierno.
Começou por ser a primeira língua de expansão colonial. Hoje é o idioma base da informática, tecnologias, gestão, economia, negócios, Internet e redes sociais, telecomunicações, ciência, comércio internacional, diplomacia, aviação, medicina, entretenimento. E também de um pretenso elitismo profissional de “Zeinal Bavas”, para ver quem mais não consegue dizer em português o que em inglês exprime majestaticamente.
As jovens gerações são cada vez mais educadas na expressão generalizada do bilinguismo: a língua materna e inglês.
Na Internet, o inglês ultrapassa mesmo as línguas faladas na China, sendo Portugal aqui o 5.º idioma mais representado:
Curiosamente, com a consumação do "Brexit", o inglês fica numa posição algo estranha. Só a Irlanda, e vá lá, Malta, o terão como idioma oficial, ainda que a par do gaélico e do maltês.
A União Europeia tem 24 línguas oficiais e de trabalho: cinco românicas (português, francês, espanhol, italiano e romeno), cinco germânicas (inglês, alemão, neerlandês, sueco e dinamarquês), oito eslavas (polaco, checo, eslovaco, búlgaro, lituano, letão, croata e esloveno), três fino-úgricas (húngaro, finlandês e estoniano), uma céltica (gaélico irlandês), uma helénica (grego) e uma semita próxima do árabe, mas escrita em caracteres latinos (maltês).
Se a estes 24 idiomas oficiais juntarmos outras expressões com algum peso histórico, étnico, político ou regional, a “torre de Babel” ainda mais se complica. Citando apenas algumas das mais conhecidas: catalão e galês (consideradas línguas co-oficiais), corso, sardo, bretão, gaélico escocês, basco, luxemburguês, albanês, língua cigana (romani).
Com a saída do Reino Unido, só quatro línguas se repetirão: o alemão (Alemanha e Áustria), o francês (França, Bélgica na Valónia e Luxemburgo), o neerlandês (Holanda e Bélgica na Flandres) e o grego (Grécia e Chipre).
Por curiosidade, em termos populacionais, o “pódio linguístico” da União passará a ser o seguinte: em 1.º lugar, o alemão (90 milhões de pessoas), em 2.º lugar, o francês (72 milhões) e em 3.º lugar, o italiano (61 milhões). O inglês, representado apenas (e parcialmente) pela Irlanda e Malta, surge em 18.º lugar (4,5 milhões)!
Segundo o sitio da União Europeia, há nos serviços da Comissão cerca de 1750 linguistas e 600 membros de pessoal de apoio, 600 intérpretes a tempo inteiro e 3000 intérpretes externos. Feitas as contas, os possíveis arranjos entre as línguas, para efeitos de tradução e de interpretação, são 552!
Lembro-me de, em algumas reuniões em que participei, como no Ecofin, a diferença de tempo entre a intervenção original e a tradução (às vezes, imperfeita, senão mesmo errada) ser longuíssima e de muito se perder nesse ínterim. Por exemplo, passar de lituano para português ou de finlandês para grego implica passar por uma língua intermédia (em geral, o inglês) para, por fim, chegar ao destino dos receptores.
A pluralidade e diversidade linguísticas na União são uma riqueza, ao mesmo tempo que ainda constituem uma barreira para o seu entrosamento. Talvez a solução esteja na imagem das faces do poliedro dada pelo Papa Francisco: “a união de todas as parcialidades que, na unidade, mantém a originalidade das parcialidades individuais. Nele (poliedro), nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra.
Bom seria que, na União Europeia, houvesse uma efectiva política linguística que, embora admitindo a hegemonia do idioma inglês, não transformasse todas as outras em meras adjacências linguísticas.


quarta-feira, 30 de maio de 2018

E admirei a manifestação contra, em frente ao Parlamento.



Não pude – nem quis – assistir ao debate, encordoada na repugnância por uma tal falta de dignidade, que só um grande atraso espiritual e moral pôde possibilitar. Sempre nos meus contactos docentes, verifiquei que os alunos mais mal-comportados eram os que tinham lido um ou dois livros na sua vida, de êxito suficiente para se julgarem acima da maralha que os rodeava, incluindo o professor que do lado fronteiro tentava justificar as funções para que fora destinado, certamente que por mérito próprio. “Ignorância atrevida” era a minha designação, em chamadas de atenção que nunca receei fazer, nem mesmo já após o libertário 25 de Abril, criador de situações perfeitamente anedóticas, tal a sua irracionalidade, num país de repente destituído de valores, e gradualmente mais propenso a comportamentos de irrisória vacuidade, se não criminalidade. No caso presente, o pretender despenalizar um crime, ou cobardemente imputar ao médico o seu cometimento, não passa de aberração proveniente de figuras DDT, de uma arrogância inqualificável na decisão de despenalização que propõem. Só porque ouviram dizer que houve quem o tivesse feito lá fora. Mas gente de bem não o faz. Os médicos convidados a matar devem ganhar bom dinheiro, é certo, e fá-lo-ão, talvez, por isso, na mesma linha de corrupção dos que o ganham ilicitamente, como “serventuários do capital”, que tantos são neste país da cauda. Não, não assisti ao debate e bati palmas  de felicidade, quando o meu marido me disse o resultado da votação, que a medo inquiri. Entretanto, à noite, ouvi um debate sobre o assunto e admirei o calor e sensatez da deputada do CDS, de quem fui procurar a biografia. Isabel Galriça Neto, uma Mulher, uma argumentadora honesta, não deslumbrada como outros dois entrevistados, parece que igualmente médicos, de estrutura sanguínea, que debitaram os seus argumentos da falsa caridade em moda. Ressalvo ainda um jovem também racional e sério, dos não deslumbrados pela ideia de modernidade, como os tais parceiros que, se estivessem num país a sério, nem se atreveriam a erguer a voz apalhaçada, que se sobrepunha e mal deixava ouvir, coisa muito dos nossos hábitos de saliência pessoal, ou de obstáculo à saliência alheia.
Eis o que captei sobre Isabel Galriça:
«Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto ComM (10 de Julho de 1961) é uma médica e política portuguesa. É Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Mestre em Cuidados Paliativos pela mesma Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.  Foi Fundadora e Coordenadora da Equipa de Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Odivelas (1997-2006) e Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e é Directora da Unidade de Cuidados Paliativos e Continuados do Hospital da Luz e Membro da sua Direcção Clínica e Ex-Presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.
A 8 de Março de 2004 foi feita Comendadora da Ordem do Mérito.
Publicou as seguintes obras: [1]
A Dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência (co-autora)[1]
Manual de Cuidados Paliativos (editora e co-autora)[1]
Cuidados Paliativos - Testemunhos[1]
Foi Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.[1]
Foi eleita Deputada pelo Centro Democrático Social - Partido Popular, sempre pelo Círculo Eleitoral do Porto, na XI Legislatura, de 15 de Outubro de 2009 a 19 de Junho de 2011, na XII Legislatura, de 20 de Junho de 2011 a 22 de Outubro de 2015 e na XIII Legislatura, desde 23 de Outubro de 2015. Faz parte das Comissões Parlamentares de Educação e Ciência como Suplente e de Saúde como Coordenadora do Grupo Parlamentar, e dos Grupos de Trabalho para o Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida e Hepatites, para o Acompanhamento das Doenças Oncológicas como Coordenadora, para a Qualidade e Segurança dos Tecidos e Células (PPL N.º 32/XIII/2.ª), para o Registo Oncológico Nacional (PPL N.º 33/XIII/2.ª), para Atos de Profissionais da Área da Saúde (PPL N.º 34/XIII/2.ª), de Avaliação das PPP-Parcerias Público Privadas da Saúde como Coordenadora, da Petição N.º 250/XIII/2.ª - Toda a vida tem dignidade e de Saúde Pública sobre a PPL 49/XIII/2.ª.»

Quanto a Rui Rio, que deu liberdade de voto aos do seu partido, não, não vou gastar palavras. É desprezo, o que sinto. Certamente que Passos Coelho agiria de forma diferente. E Santana Lopes, afinal, também, da velha guarda, e que eu escutei a seguir, no canal 5 da SIC. Mas leiamos JMT, e o desassombro dos seus considerandos válidos e decentes:
OPINIÃO      Eutanásia: somos péssimos a debater coisas sérias
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura liberal.
JOÃO MIGUEL TAVARES                                PÚBLICO, 29 de Maio de 2018
Poucos assuntos são mais importantes do que o aborto ou a eutanásia, e o maior erro que muitas pessoas cometem quando se começa a discutir estes temas é achar que as suas convicções individuais devem estar reflectidas na legislação nacional. Ou seja, se eu sou pessoalmente contra o aborto, é óbvio que a pátria deve proibir o aborto; se eu sou contra a eutanásia, então a pátria só pode proibir a eutanásia. E vice-versa: se eu sou a favor do “sim” ao aborto, então o Estado deve passar a pagar abortos a todas as mulheres que o pedirem, sem exigências nem limites; se eu sou a favor do “sim” à eutanásia, o SNS deve assumir o encargo de facilitar a morte a quem a requisita. Entre uma trincheira e outra é a terra de ninguém.
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura liberal. Meus senhores: não tem de ser assim. Eu sou pessoalmente contra o aborto e contra a eutanásia, mas se para a maioria dos portugueses ambas as práticas forem aceitáveis, não vejo como pode o Estado punir criminalmente acções em que quem as comete está a dispor somente da sua vida (o caso do aborto é mais complexo, mas considero que a discussão sobre o início da vida humana é cientificamente irresolúvel, e por isso entendo que aos direitos do feto se sobrepõe o direito da mulher dispor do seu próprio corpo). Em temas como estes, de uma enorme complexidade, onde há argumentos válidos de ambos os lados e nenhuma forma de atingir uma só verdade, aquilo que deve prevalecer, numa perspectiva liberal, é o respeito do Estado pelas vontades individuais.
O problema num país que vive há séculos na dependência física e mental do Estado-Papá, é que quase ninguém separa aquilo que pode ser feito daquilo que é obrigação do Estado fazer. E quando a despenalização criminal resvala para a intervenção estatal (nem é bem resvalar – ninguém sequer coloca a hipótese de separar uma coisa da outra), exigindo-se a intervenção do SNS, o assunto ganha logo uma complexidade extra, a meu ver totalmente desnecessária e contraproducente. Há para mim uma diferença radical entre saber se o Estado deve permitir a eutanásia e se o Estado deve praticar a eutanásia. Estou disponível para aceitar a primeira, porque quando olhamos para casos tão extremos quanto o do galego tetraplégico Ramón Sampedro (que deu origem ao filme Mar Adentro) seria uma barbaridade estar a prender a mulher que o ajudou a matar-se (aliás, mesmo sendo a eutanásia proibida em Espanha, ela não foi sequer julgada, por falta de provas). Mas estou contra a prática da eutanásia no SNS, porque considero não existir qualquer direito à morte, nem ser competência do Estado aliviar – ou sequer avaliar – o sofrimento interior dos seus cidadãos.
Numa entrevista ao Expresso, Paulo Teixeira Pinto, que sofre de doença de Parkinson, afirmou: “Extinguimos a pena de morte, mas mantemos uma pena de vida.” Pergunto: é dever do Estado aliviar “penas de vida”? Devem as suas funções ser extensíveis à aplicação da morte a pedido, financiada pelo Orçamento de Estado? A resposta a esta pergunta até pode ser “sim” – mas então eu quero ouvi-la em referendo. Ela não pode certamente ser dada por 230 deputados que não foram mandatados para o efeito, e que sobre as questões deste texto até agora disseram nada. Se nem a eutanásia merece ser amplamente debatida, vale a pena debater o quê, afinal?

terça-feira, 29 de maio de 2018

Quanto sofisma, quanta presunção!



Daqueles que ergueram o tema - discutido hoje, na Assembleia - porque lhes dá jeito, no seu objectivo anarquista, escondido por trás dos jeitos pudibundos de falsa humanidade e de falsa virtude piedosa. Mas as razões, deixo-as para os excelentes articulistas do OBSERVADOR, que seguem –HELENA MATOS, MARIA LUÍS ALBUQUERQUE, PEDRO NUNO PIMENTA BRAZ :
I - EUTANÁSIA         I- O bioprogressismo /premium
HELENA MATOS 27/5/2018
O ódio ao heteropatriarcado substituiu o ódio ao capitalismo. O sexo passou a género, os pais a progenitores, a maternidade a procriação, a morte a direito. Tudo de preferência medicamente assistido.
Depois do direito à maternidade através das barrigas de aluguer temos a eutanásia como expressão do direito à morte: “Despenalizar a eutanásia não chega. Morrer é um direito, uma liberdade” – declara Paula Teixeira da Cruz. Mariana Mortágua a propósito da eutanásia  fala  d’A derradeira liberdade.
Por outras palavras, a biologia tornou-se o campo da ideologia. E o progressismo passou a bioprogressismo. Como não se actualizou o habitual argumentário da libertação o resultado é no mínimo grotesco: fala-se em direito à morte e em última liberdade como se a morte fosse algo que podemos conquistar ou a que podemos renunciar.
Inevitavelmente o mundo bioprogressista concebe a sua intervenção como crucial para corrigir o erro (o delírio é tal que num primeiro momento quase somos levados a crer que em Portugal ou não se morre ou se morre de forma indigna). Desenham-se cenários redentores para a maravilhosa legislação que o legislador-bioprogressista se apressa a fazer, faltando apenas dizer que desse dia em diante morreremos felizes para sempre.
A pressa para regular a morte é tanta que alguns dos projectos apresentados na Assembleia da República parecem inacabados: o PEV nem se deu ao trabalho de especificar os procedimentos a adoptar se o pedido for negado ou quando o paciente fica inconsciente. Já o BE não definiu quem fica automaticamente de fora.
Na verdade, nada disto conta porque, como a prática da eutanásia noutros países tem mostrado, rapidamente se alarga o âmbito das pessoas a quem se pratica eutanásia dos doentes lúcidos em sofrimento insuportável para crianças, pessoas que até tinham mudado de vontade, jovens deprimidos, velhos senis ou nem tanto…
Provavelmente a eutanásia não será aprovada. Por agora, claro. Porque uma das coisas que caracteriza o bioprogressismo é que ele nunca se dá por derrotado. A sociedade é que não estava preparada para as suas propostas! Assim enquanto outro assunto não lhes captar as energias lá os teremos a quererem libertar-nos da morte! E nós, claro, a reboque das suas agendas libertadoras que mais não são que decálogos tirânicos. Porque o objectivo esse mantém-se inalterado: controlar a sociedade. Apenas muda o objecto: onde antes estava o burguês está agora o homem branco. O heteropatriarcado substituiu o capitalismo. A família já não é para destruir, mas sim para instrumentalizar: o sexo passou a género, os pais a progenitores, a maternidade a procriação, a morte a direito. Tudo de preferência medicamente assistido que é o mesmo que dizer que estatizado. (Ah, já me esquecia, deixou de se falar de família quando se referem os cuidados aos mais velhos: agora a expressão correcta é cuidador. Mais uns tempos e teremos a carreira de cuidador, o regulamento do cuidador, os procedimentos do cuidador, a certificação do cuidador, o certificado de cuidador…)
Na verdade, ou nos libertamos do fatalismo quase biológico com que temos dado como adquirida esta superioridade do progressismo ou acabaremos todos a discutir dentro de alguns anos (não muitos) como foi possível termos pactuado com um crime como são as barrigas de aluguer. Ou não termos percebido que a eutanásia enquanto direito à morte reivindicado por uma minoria mediatica e socialmente poderosa se podia transformar no dever de morrer em momento considerado oportuno para uma multidão de pessoas mediaticamente invisíveis e socialmente frágeis.
PS. Dois anos e dois meses depois de deixar a Presidência da República, Cavaco Silva voltou à política. Não me estou a referir à sua mais que esperada posição contra a eutanásia mas sim àquele aviso: “Como cidadão, sem responsabilidades políticas, o que posso fazer para manifestar a minha discordância é fazer uso do meu direito ao voto contra aquelas que votarem a favor da eutanásia. Nas eleições legislativas de 2019 não votar nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia e procurar explicar àqueles que me são próximos para fazer a mesma coisa”. Cavaco está a gozar a maior liberdade que um político pode ter: já ocupou todos os cargos que ambicionou logo pode dizer o que pensa e fazer o que quer. Até apelar ao voto no CDS. Em conclusão: quanto vale hoje Cavaco no PSD?
II- Vou votar contra a despenalização da eutanásia
MARIA LUÍS ALBUQUERQUE         28/5/2018
Rui Rio criticou as “pressões de fora para dentro”. Parece-me que a livre expressão dos cidadãos sobre um tema para o qual não foram consultados não pode ser considerada uma pressão sobre o Parlamento
Na próxima terça-feira, dia 29 de maio, os deputados à Assembleia da República serão chamados a votar quatro projetos de lei de despenalização da eutanásia, da autoria de toda a esquerda parlamentar, com “exceção” do PCP, que ainda assim usa a sua barriga de aluguer, o PEV, para alinhar com os parceiros de Governo. Tenho lido muito sobre a matéria e avaliado os argumentos apresentados por quem está a favor e por quem está contra, mas a minha decisão está tomada e com profunda convicção.
A minha consciência dita-me o voto contra. Acredito que a vida humana é um valor supremo em quaisquer circunstâncias e que o sofrimento não nos torna menos dignos. Acho da maior importância ter em consideração que a ordem dos médicos e a ordem dos enfermeiros, aqueles que lidam mais de perto com as situações de fim de vida e os profundos dramas humanos associados, são contra a eutanásia. Tenho muito orgulho em que Portugal tenha sido um dos primeiros países a abolir a pena de morte, porque vale mais deixar viver criminosos que matar um inocente, e não consigo conciliar esse orgulho e esse respeito pela vida humana com uma lei que sabemos, porque tem sido assim em todos os países que legalizaram a eutanásia, acabará a tirar a vida de quem não o decidiu. E porque a vida humana é inviolável.
Respeito os que defendem honestamente a despenalização da eutanásia, entre os quais o atual líder do meu partido. E não considero de modo algum que a livre expressão da sua posição e dos seus argumentos seja uma pressão no sentido de mudar o meu voto. Por isso, fiquei chocada e preocupada com as declarações do Dr. Rui Rio ontem à comunicação social, dizendo que “aquilo que tenho notado um pouco na sociedade portuguesa, em particular por parte de quem defende ‘não’, é que há uma excessiva pressão sobre outros que possam estar no ‘sim’ ou que possam estar com dúvidas no sentido de tentar trazê-los para a sua posição”. Tanto mais que no seu testemunho sobre a eutanásia no livro “Morrer com dignidade – a decisão de cada um”, coordenado por João Semedo, ex-dirigente do Bloco de Esquerda, divulgado na revista Sábado de 20 de maio de 2018, o mesmo Dr. Rui Rio dizia que “esta é, pela sua natureza, uma questão de consciência individual. E se não é tolerável impor orientações de voto neste caso, também não é tolerável impor o silêncio ou o veto à discussão de uma temática que atravessa todas as sociedades civilizadas, de oriente a ocidente.” Desta última frase, eu deduziria que o Dr. Rui Rio defende que todos têm o direito de se pronunciar sobre o tema e que seria favorável a uma discussão alargada, pelo que achei incompreensível a afirmação de que os projetos de lei “não são muito difíceis de perceber” pelos portugueses, e que nem é preciso “ter muitos estudos”. O Dr. Rui Rio disse ainda à comunicação social que “também há pressões de fora para dentro”, por parte de quem quer “condicionar a Assembleia da República”. Parece-me que a livre expressão de vontade de cidadãos a respeito de um assunto sobre o qual nunca foram sequer consultados dificilmente pode ser considerada uma forma de condicionamento do parlamento. Pelo menos na minha conceção de democracia.
O Dr. Rui Rio é o atual líder do PSD e decidiu dar liberdade de voto ao grupo parlamentar. Expressou a sua posição pessoal. Precisamente porque é líder do PSD e porque deu liberdade de voto devia ter-se ficado por aí.
Uma nota final para elogiar o Prof. Cavaco Silva por ter vindo a terreiro apresentar a sua posição e lembrar que todos os cidadãos têm voz e poder através do voto.
III -EUTANÁSIA               Viva a vida
PEDRO NUNO PIMENTA BRAZ           29/5/18
Cada um faz da sua vida o que entender, embora dentro das regras da convivência coletiva. Mas isso na sua esfera íntima, não pedindo a terceiros que, entrando nessa intimidade, terminem com a sua vida.
A polémica acerca da eutanásia tem como pano de fundo a alteração substancial da escala de valores que deveria reger qualquer sociedade humana. Vivemos, no mundo acidental, claramente um final dos tempos, que propiciará a chegada de outros que nos substituirão. Degradação semelhante ao final do império romano do ocidente. Todavia, tal como nesses tempos, outros “bárbaros” chegarão – e felizmente estão a chegar – e a vida continuará. Outros tomarão o testemunho dos valores inquebrantáveis da vida. Sem dramas. Além do mais, a humanidade é muito mais – é cada vez mais – que o denominado ocidente civilizacional.
A eutanásia é a ruptura final no dique humanista que ainda sustentava a barbárie do hedonismo e do relativismo ético, que tudo permite. Confunde-se, propositadamente, liberdade com anarquismo. Tem-se vergonha do sofrimento, dos velhos, dos doentes e não se suporta o que não é politicamente correto. A eutanásia destrói a dignidade da vida humana, a celebração do quotidiano, a busca incessante da saúde corporal e espiritual e inverte a supremacia da vida sobre o negrume da morte. Permite, não apenas antecipar a morte física, mas abre as portas ao desânimo e à morte espiritual. Morrer com dignidade – como defendem os apologistas da eutanásia – só se atinge quando se vive com dignidade. E viver com dignidade tem sido, desde sempre, o motivo para as grandes movimentações humanas de massas, para as grandes revoluções que marcaram a história das civilizações, das enormes convulsões sociais, de guerras, de nascimento e morte de ideologias, etc. Viver com dignidade tem conduzido pois aos grandes sobressaltos da humanidade, que fizeram com que hoje se viva melhor do que no passado. Inverter esta luta, é um caminho de morte, de desistência, de egoísmo e de rendição. É um sinal de “fin d’époque”. É baixar os braços. O alargamento dos cuidados continuados e dos cuidados paliativos a todos tem — e deve — fazer parte do património humano das grandes lutas sociais. Lutar, uma vez mais, por viver com dignidade. Por outro lado e de facto, o Estado não tem nada de se meter na vida das pessoas. Esse é mais um dos motivos pelos quais sou frontalmente contra a eutanásia: cada um faz da sua vida o que bem entender, embora também dentro das regras da convivência coletiva. Mas dentro da sua esfera íntima, não pedindo a terceiros que, entrando nessa intimidade, terminem com a sua vida. Abomino o suicídio, mas não se peça a outros que operacionalizem essas convicções de morte. Estando frontalmente contra actos de auto destruição – as pessoas têm de ter todas, um acompanhamento que as salvaguarde de atitudes terminais -, não posso concordar que todos aqueles que têm ideias absurdas sobre a morte, obriguem outros a fazer aquilo para o qual não têm coragem – e não têm coragem, porque são precisamente acções antinaturais. Se o suicídio é doentio, obrigar o Estado a fazer aquilo que um proto suicida não quer fazer, ainda mais doentio se torna. É meter-se na esfera privada de quem quer morrer. Mais absurdo é obrigar profissionais de saúde – pagos pelos impostos de todos -, que têm como sublime missão a salvaguarda da vida, matarem a pedido, metendo-se, assim, na vida pessoal de cada um. Finalmente, o Estado Português – que foi dos primeiros a abolir a pena de morte –, antes de tudo o mais, tem sim o dever de cuidar de todos os seus cidadãos mais frágeis, garantindo o mínimo de dignidade de vida para todos, não podendo, mesmo que sibilinamente, convidar à morte, ao desânimo, à derrota e à desistência. Vida até ao fim!
 Militante do PS, antigo dirigente distrital (Santarém)

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Um perfil desconhecido: KADHAFI



O texto veio por email, enviado por João Sena. É sobre as políticas sociais de Khadafi, no seu país. Kadhafi sempre me pareceu, por leveza de conhecimento meu, um homem assustadoramente mau e feio, que, quando cá veio para uma cimeira política, exigiu acampar em frente ao forte de S. Julião da Barra com o seu séquito e isso foi sinal de uma prepotência escandalosa e fútil, aceite por Sócrates. Mas este texto enviado por João Sena é de tal modo maravilhoso, que me fez reviver os contos de encantar da minha infância, propícios ao milagre das transformações imediatas, tão distantes da vida, e por isso maravilhando e seduzindo as mentes infantis. De facto, eu jamais vi tal profusão de obras e regras propiciando o bem-estar no seu país, a transformação de uma Líbia canhestra, num país onde os direitos universais, que nos outros são propostos em documento, mas geralmente atropelados na prática, pareciam ser efectivos. Ei-los, segundo o email recebido:

Ele há coisas, bem CONTRADITÓRIAS!!!!!!!!!
Khadafi
A bem conceituada revista suiça "Schweiz Magazin" publicou um artigo enumerando as "crueldades" de Muamar Kadhafi para com o seu povo.
"So grausam war Gaddafi" -  Kadhafi foi assim tão cruel?    
 Eis alguns dos "sofrimentos" que o tirano (segundo os media ocidentais) provocou durante 4 décadas:
01. Não havia conta de luz na Líbia, porque a electricidade era gratuita para todos. 
02. Créditos bancários, dos bancos estatais, eram sem juros (para todos, por lei expressa).
03. Casa própria era considerada direito humano, universal, e o governo fornecia uma casa ou apartamento para cada família. 
04. Recém-casados recebiam US$ 50.000,00 para comprar casa e iniciar a vida familiar.
05. Educação e saúde eram gratuitas, da pré-escola à universidade. Antes de Kadafi: 25% dos líbios eram alfabetizados. Até o ano de 2010, 83% eram alfabetizados.
06. Agricultores iniciantes recebiam terra, casa, equipamentos, sementes e gado gratuitamente.
07. Quem não encontrou formação ou tratamento desejados recebia financiamento para ir ao exterior, adicionalmente US$ 2.300,00 mensais para moradia e carro.
08. Na compra de automóvel, o Estado contribui com subvenção de 50%.
09. O preço de gasolina, o litro: 0,10 Euro = R$ 0,23.
10. Faltando emprego após a formação profissional, o Estado pagava salário médio da classe até conseguir a vaga desejada.
11. A Líbia não tinha dívida externa - as reservas de U$ 150 bilhões. Após a ocupação, os valores foram retidos ou desviados pelos bancos estrangeiros, incluindo investimentos em bancos estrangeiros e reservas em ouro. 
12. Parte de toda venda de petróleo era directamente creditada na conta de cada cidadão.
13. Mãe que dava à luz, recebia US$ 5.000,00.
14. 25 % da população líbia tem curso superior. 
15. Kadhafi construiu o projecto GMMR (O Grande Rio Artificial), transportando água dos lençóis subterrâneos do Rio Nilo para as cidades e agricultura, irrigando as principais cidades do país e parte do deserto.
 A Líbia sofrerá um atraso de muitas décadas mas, olá!, os desinteressados governos dos EUA, da França e da Inglaterra agora vendem muito mais armas e vão passar a sugar o petróleo e o gás natural da tal Líbia por mais algumas boas décadas.
Tudo boa gente! 

Em resultado desta história maravilhosa, transformada, ao que se afirma, em pesadelo, graças à “generosa” intervenção do Ocidente, especificamente dos EUA, procurei na Internet textos antigos sobre a figura de Kadhafi, que me parecera repelente, no resguardo do seu traje branco oficial, brancura que agora me parece compatível com as tais leis impostas, de perfeita humanidade. E transcrevo:
I
13:37 20.10.2016(atualizado 13:38 20.10.2016) URL curta
Faz hoje cinco anos desde que o líder líbio foi morto a sangue frio perante câmaras de celulares e com o consentimento dos países que participaram da campanha antilíbia de 2011.
© SPUTNIK / MICHAEL KLIMENTYEV
O coronel Muammar Kadhafi liderou o país por 42 anos. A guerra civil que se iniciou no momento de sua morte continua há já cinco anos. Todas as tentativas de criar órgãos de governação fracassaram, a economia está arruinada. A crise foi substituída pelo caos, que ameaça toda a região, e isso se tornou no resultado da tentativa das potências ocidentais para alterar a organização política dos países africanos.
Sputnik Árabe falou com o jornalista favorito do líder líbio, Abdel Baset bin Hamel.
"A experiência líbia, que continuou por 42 anos sob o governo de Muammar Kadhafi, permanecerá como parte incomparável da história do país. O país passou de forma regular por reformas, porque de vez em quando surgiam problemas na educação, saúde ou infraestrutura. Entretanto, a razão da crise de hoje foi provocada por o país ter começado realizando mudanças (depois dos acontecimentos de 2011), mas não pelas mãos líbias, impostas do exterior com o consentimento internacional. O que aconteceu no país pode ser descrito como a realização dos objetivos individuais das grandes potências", disse.
© AFP 2018 / MAHMUD TURKIA
Segundo ele, em 2011 todos falavam sobre a proteção dos civis. Foi aprovada uma resolução que permitiu a 43 países usarem seus arsenais contra infraestruturas para derrotar o regime de Kadhafi.
"O facto de a operação em grande escala contra a Líbia não ter visado resolver a crise é evidente, pois os líbios são mortos em Sirte e Benghazi como vacas. Além disso, depois dessa operação militar o povo líbio foi privado de bilhões de dólares."
O jornalista afirmou que Kadhafi foi o único homem que propôs unir a África e criar um exército africano único. Ninguém queria prestar atenção ao facto de que no país havia jovens que se manifestaram de forma pacífica nas ruas da Líbia. Foram usados nos interesses dos países ocidentais para desencadear o conflito. Hillary Clinton, a atual presidenciável norte-americana, esteve envolvida no mecanismo que visava derrotar Kadhafi.
"O que aconteceu não foi uma revolução, mas uma catástrofe para os líbios por causa da qual eles continuam sendo mortos. A Líbia se tornou o Estado mais fracassado em todas as áreas", afirmou o favorito de Kadhafi.
© REUTERS / STRINGER
Entretanto, o ex-embaixador soviético na Líbia, Oleg Peresypkin, destacou que a morte de Kadhafi não foi uma execução por decisão do tribunal, mas um crime, e é pouco provável que ele seja investigado no futuro.
"Muammar Kadhafi foi capturado em resultado de uma operação especial da OTAN, depois foi revendido de um grupo de bandidos a outro, competindo eles pelo direito de matá-lo. Não saberemos a verdade durante muito tempo, mas mais cedo ou mais tarde ela será apresentada ao mundo", disse Sergei Baburin, presidente do Comitê russo de solidariedade com os povos da Líbia e Síria.
Peresypkin afirmou que a razão para a intervenção na Líbia teve caráter económico. Segundo fontes diversas, disse ele, cerca de $ 180 bilhões de Kadhafi estavam investidos em acções na Europa Ocidental e nos EUA.
"É claro que agora todo o dinheiro foi confiscado, bem como numerosos bens imóveis", disse o diplomata.
© REUTERS / STRINGER
Uma das razões para a eliminação de Kadhafi foi o medo perante uma alternativa social de jamahiriya pouco compreensível para o Ocidente. Ela não correspondia ao modelo de democracia ocidental porque se baseava em tradições populares árabes com muitos anos.
"Kadhafi conhecia aspetos específicos do seu país, conhecia a estrutura de relações entre as tribos. Não tínhamos divergências na comunidade, entre as tribos e os blocos políticos", disse Abdel Baset bin Hamel, acrescentando que o líder líbio foi capaz de encontrar compromissos, tinha qualidades de líder, era um "fenômeno".
O especialista em estudos árabes afirmou que o país precisa de um governo forte para se salvar da desintegração completa. Talvez o melhor governo para a Líbia seja um governo militar.
II
O caso de Kadhafi: O implacável coronel carrasco dos americanos
 
Khadafi o jovem coronel que aos 27 anos assumiu a presidência da Líbia, por via de um golpe militar idealizado e realizado pelo “clube dos coronéis líbios”, não demorou muito para se tornar no maior carrasco dos americanos em África.
O mesmo Khadafi que hoje enfrenta a pior insurreição popular já vista na Líbia, ontem, já foi amado, aclamado e venerado pela população de seu país. Definitivamente a política está cheia de factos e caminhos imprevisíveis. Se resistir às manifestações populares, Khadafi, de 68 anos de idade, no poder há mais de 41 anos, continuará sendo o presidente africano e do mundo árabe há mais tempo no poder. Será que Khadafi resistirá às manifestações do seu povo e as pressões externas vindas da comunidade internacional?
III
Leia o perfil do ditador líbio Muammar El  Khadafi escrito pela jornalista Carllile Alegre.
O coronel Khadafi de ontem, definitivamente não é  mais o mesmo. Enfrentando uma grave crise de impopularidade encarnada na “revolução verde” que levou milhares de jovens líbios às ruas pedindo em uníssono a destituição de Khadafi, transformou o ditador no principal inimigo do povo líbio. Quase inacreditável! Ontem Khadafi era o principal guardião de seu povo, que nele enxergavam o ideólogo e líder incontestável.
Consta oficialmente que Muammar Khadafi nasceu no dia 7 de Junho de 1942. Há quem especule que Khadafi tenha nascido em 1941, dúvida nunca esclarecida pelo próprio. Ele mantém a sua idade em segredo e detesta quem pergunta sobre o assunto.  O coronel tem um gosto peculiar em se instalar em tendas luxuosas, cercado de mulheres. Toda sua guarda presidencial é formada por mulheres. O que pouca gente sabe é que Khadafi nasceu numa tenda no meio do deserto nas adjacências da cidade de Sirt, situada ao norte da Líbia.  Sirt, o berço natal de Khadafi, também aderiu às manifestações populares para impugnar o poder do ditador.
Khadafi veio de uma família com boa condição familiar. Estudou num dos melhores colégios Líbios.  Ao contrário de outros estadistas africanos que se formaram no exterior, ele fez toda sua formação acadêmica em seu país. No ensino secundário foi excelente aluno nas disciplinas de matemática, literatura e geografia. Aos 17 anos entrou para a universidade. Ingressou no curso superior da Academia Militar de Benghazi, vinculada a Universidade da Líbia. Teve uma curta passagem pela Real Academia Militar do país de sua majestade Elizabeth II, Inglaterra.  Admirador fanático de Gamal Abdel Nasser, estadista  Egípcio que também chegara à presidência do Egipto por meio de um golpe militar. Há quem diz que Gamal é o principal mentor de Khadafi. Não por acaso, durante muito tempo Khadafi foi chamado de  “filho espiritual de Gamal” quando este esteve em vida, e, o órfão inconformado quando Gamal morreu, vítima de ataque cardíaco.
As semelhanças entre Gamal Nasser e Khadafi, não são meras coincidências. Ambos estão associados a trajetórias de vida comum.  Gamal também era militar. Formou-se na Academia Real Militar. Gamal para chegar ao poder no Egipto, ostentando a patente de capitão, liderou o movimento dos oficiais que derrubou o Rei Faruk I.  Por sua vez, Khadafi para chegar ao poder, integrou o grupo dos coronéis líbios que marcharam até Tripoli para atropelar o Rei da Líbia Idris I.  Kadafi e Gamal, ambos eram a mesma imagem e semelhança de um ideal  anti-americano.
A longa discórdia com os EUA
Khadafi sempre foi inimigo de estimação dos EUA. Quando o Rei Idris I governava a líbia, os americanos controlavam parte do principal recurso natural da Líbia, o petróleo, também chamado de ouro negro.  Os motores da economia americana foram movidos durante muitos anos com o petróleo líbio explorado e adquirido pelos americanos a preço de banana.  Quando Khadafi chegou ao poder desfez o pacto que o Rei Idris I fizera com americanos. Os americanos criaram várias danceterias e casas de prostituição em toda Líbia.  O coronel mandou fechar todas as danceterias e casas de prostituição. Chamou os americanos de “imorais incuráveis”. Expulsou-os do país, nacionalizou as grandes empresas e companhias petrolíferas  estrangeiras que operavam na Líbia.
Daí em diante, os americanos sempre guardaram ressalvas e rancores por Khadafi. Um ano depois de Khadafi chegar ao poder,  Gamal seu principal padrinho, faleceu vítima de ataque do coração, quando concluía uma reunião de Estado. Khadafi não se conformou. Sempre atribuiu a morte de Gamal aos EUA. Naquele ano Khadafi ainda sofria emocionalmente a derrota da guerra dos seis dias onde o Egipto  de Gamal, foi esmagado  por Israel que contava com o apoio do todo poderoso EUA. Khadafi prometia em privado que iria vingar-se da morte de seu mentor político.
Inconformado, Khadafi começou a fazer alianças com países e grupos que nutriam um sentimento de ódio em relação aos EUA e Israel. Apoiou e patrocinou grupos terroristas extremistas, entre eles os Panteras Negras, Fatah, Setembro Negro e alguns países árabes auto-declarados como inimigos dos EUA.  Tudo para se vingar da morte de Gamal Abdel Nasser, que tanto admirava.
Em 1986, os EUA bombardearam a cidade de Trípoli, capital da Líbia, em resposta a uma explosão orquestrada por Khadafi que mandou para os ares uma discoteca na Alemanha freqüentada por soldados americanos. O foco dos bombardeios dos EUA era a região onde se situava o palácio presidencial, a residência oficial do presidente Líbio. Khadafi saiu ileso dos ataques, mas perdeu a esposa e uma filha (adotiva), que era o xodó dele. O líder Líbio entrou em depressão profunda, chorava amargamente pela perda da indefesa  esposa e da inocente  filha.
A resposta de Khadafi aos EUA não se fez esperar. Em 21  de dezembro de 1988, ele mandou explodir, em pleno ar, o vôo 103 da Pan Air, do tipo Boeing 747-121 que fazia a ponte aérea Londres-Nova York. Momentos depois de decolar, o avião explodiu  na cidade inglesa de Lockerbie. O saldo de 270 mortos chocou o mundo. Dos mortos, 189 eram cidadãos americanos. Os restantes 81 eram nacionais de outros 21 países. Aquele atentado deixou os americanos de rastos. Khadafi estufou o peito de orgulho por desafiar a maior potência do mundo.
Analistas reconhecem que Khadafi sempre teve um serviço de inteligência atuante. Lockerbie não foi o único palco fora da líbia onde o ditador fez derramar sangue de civis inocentes.  Financiou golpes de estados na Libéria e Uganda. Paga milícias para desestabilizarem a região de Darfu no Sudão. Eliminou fisicamente opositores, dentro e fora de seu país. Em Setembro de 1972, Khadafi esteve associado ao massacre de atletas de Israel em Munique, que iriam participar nos jogos olímpicos daquela cidade alemã. O massacre de Munique foi inclusive, eternizado no cinema com o filme “Munique”, dirigido pelo cineasta Steven Spielberg, em 2005.
Khadafi é caracterizado pelos aliados e inimigos como um homem de pulso firme, determinado, teimoso, inteligente e hábil. Resta saber se estes atributos serão suficientes para Khadafi hipnotizar os manifestantes e convencer a comunidade internacional para continuar se mantendo no poder.
Por enquanto, o coronel mais famoso do mundo enfrenta um verdadeiro teste de fogo.  O desfecho não exige estimativas, é pragmático – Em causa está a queda ou a manutenção do poder do clã Khadafi.  Se o ditador conseguir a manutenção do poder sairá ainda mais fortalecido, caso contrário será o fim de uma era iniciada há 41 anos atrás. E não seria surpresa, se no fim do seu consulado, ao invés de um exílio dourado na terra de seus amigos xeiques e aiatolás, Khadafi fosse directo para o banco dos réus do Tribunal Internacional de Haia (corte penal transnacional que julga crimes contra a humanidade) para explicar-se sobre as motivações de seu instinto sanguinário.
IV
Alguns comentários
Daniel
MM Deus Afonso
3 de Março de 2011
‘O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se
um covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e
enfrenta todos os perigos, torna-se temerário.’ ass: MM DEUS AFONSO
Estados Unidos está atrás do petróleo, Guiné Bissau assim como outros países da África, com conflitos políticos e militares graves que merecia uma intervenção da famosa comunidade internacional (USA), como nesses países não tem petróleo eles nem falam!

4 de Março
Deus Afonso
Concordo exactamente com as suas palavras, a Líbia há coisa de 48 anos atrás era um desastre, um dos mais pobres do mundo, com mais de metade da população analfabeta e, que vivia uma situação idêntica da Guiné-Bissau (o tribalismo). O Khadafi, após assumir o poder, tudo isso tornou-se numa utopia, ou seja, eliminou esses fantasmas da pobreza extrema e do tribalismo, hoje a Líbia é um dos que países espelho de África, quase todos sabem ler e escrever, é um dos únicos países Árabes em que as mulheres têm oportunidades de trabalhar, estudar e as populações líbias têm um nível de vida estável. E agora eu pergunto: o Zimbabwe e Sudão vivem situações de penúria, de escravidão, feitas pelos regimes do senhor Robert Mugabe e do Omar Al-bashir , os E.U.A, N.A.T.O, E.U, alguns deles interessaram de lá ir tirar do poder esses ditadores? Não. Porquê? Porque certamente não há recursos naturais que lhes interessem. Cuidado com os americanos e europeus, são espertos, não dão nenhum ponto sem nó.


domingo, 27 de maio de 2018

“E foi assim que em Portugal nasceu o fado”



Lembro-me deste verso conclusivo de um fado qualquer, antigo, mas a Internet não me esclarece, e terei que acreditar na minha memória em razão do título que veio ao caso, ou por acaso. De facto, às designações do conceito “indivíduo”, tais que “individualismo” e outras categorias morfológicas, expressivas de velhos tempos que distinguiam classes e entronizavam alguns seres, como sempre, de resto, se fez, até mesmo na selva, e já Sá de Miranda explicava:  - “Forças e condição boa / deram ao leão coroa / da sua grei montesinha” – nos tempos do meu passado antigo, à parte esses individualismos, que tantos seres distinguiu, havia o pormenor da “nação” que sobretudo se valorizava, e se colocava acima do indivíduo que foi denominado até, “carne para canhão”, não tendo nós, contudo, outros meios de ataque e defesa mais expressivos, como agora se vê, cruzando os céus, para gáudio ameaçador de alguns - outros que não nós, todavia, naturalmente mais afeitos à guerra do Solnado, da bala atada com a guita e assim sucessivamente recuperada.
Tudo isto vem a propósito – ou a despropósito, no tanto faz da nossa incapacidade de solução - do termo socialismo, dos artigos que seguem, palavra não admitida nesses meus velhos tempos, só conhecida de alguns, mais letrados e desobedientes, embora as raízes do tal socialismo, como sócios ou sociedades, fossem bem conhecidas e aplicadas, mesmo com certa largueza tecidual, pois eram necessárias para a obtenção de riqueza. Mas hoje faz-se finca-pé na doutrina, que aponta para a melhoria da nossa condição humana, avessa a discrepâncias sociais, e por isso distintivo de todo o democrata que se preze. Que são todos, aliás, os que nos governam. São gente do “povo que lavas no rio”, a pretender também a máquina de lavar roupa, e a sua democracia socializante começou naturalmente por si próprios, que não os há, dir-se-ia, doutra espécie, desde há quarenta e tal anos de bons sentimentos, a puxar para o sentimento do nosso fado, que, para mais, como é pobrezinho, esbanja os dinheiros alheios.
Mas, enfim, as histórias das encruzilhadas de hoje, de geringonças e alianças, outros as sabem contar bem, António Barreto em “O socialismo Português”, como sempre aprumado e esclarecido, João Marques de Almeida em “A caminho do bloco central?”, com dados argumentativos que poderão ser certos, “sabe-se lá”?

O socialismo português
ANTÓNIO BARRETO
DN. 27/5/18
O socialismo português é coisa que não existe. E ainda bem. Se existisse, seria qualquer coisa má, como o soviético, ou risível, como o venezuelano. Existem, isso sim, socialistas. E um partido que faz anos, 45, dirige o actual governo e está em congresso. Já se sabe que só vai discutir o futuro, não o que está para trás. Não se vai falar de Sócrates, muito menos do seu governo, que nunca existiram. Não se vai debater a corrupção, obra da direita ou de gente que não existiu. Vai falar-se de grandes problemas, de questões de estratégia a longo prazo e do futuro, entidades com as quais se reduz qualquer congresso à insignificância litúrgica. As tentativas (e vai haver algumas) de debater problemas reais produzirão efeitos às duas da manhã numa sala vazia. Mais uma vez se verá como a separação entre eleição e debate foi, para a maior parte dos partidos, solução para esvaziar os congressos e entronizar a demagogia.
No século passado, houve quem julgasse que existia um socialismo português. Uns tantos militantes, alguns militares e pouco mais. Foi-se aprendendo que o melhor socialismo era o adjectivo, não o substantivo. Este é um despotismo, aquele é uma inspiração. Curiosamente, com as crises na globalização, no euro e na União, o substantivo voltou a estimular alguns espíritos. Isso também aconteceu no PS, por causa dos aliados de esquerda que tão bem fizeram ao PS e que tão mal se preparam para lhe fazer. Só que já se percebeu que o debate sobre o socialismo em Portugal é conversa para entreter congressistas.
De qualquer modo, é verdade que o PS está num momento excepcional da sua vida. O PS vai refazer a sua identidade e definir o seu papel na sociedade. Na verdade, hoje, o PS existe por um acaso estatístico e um golpe de sorte irrepetível. Não fora o período de austeridade, talvez o PS não fosse hoje mais do que uma colecção de cromos. Aqueles quatro anos criaram um descontentamento de que o PS teve a sorte de beneficiar.
O que será, então, o PS do futuro? Para que servirá? Como resistente ao fascismo, trave mestra do pensamento da esquerda, já fez o que pôde, mas nem sequer foi o principal. Já a resistência ao comunismo fez a sua glória, em Portugal e na Europa, foram os anos de ouro. É a sua principal identidade histórica, mas não haverá, felizmente, segunda oportunidade. Fundador da democracia, com certeza, mas não foi o único. Responsável pela integração europeia, sem qualquer dúvida, mas não esteve sozinho. Foi co-autor do Serviço Nacional de Saúde, teve o talento de ter feito a primeira lei, mas o desenvolvimento foi obra de vários. Na criação de riqueza, a sua autoria é quase nula. Já no endividamento, a sua responsabilidade é maior. Reformas da Educação e da Segurança Social: para o bem e o mal, andou por lá, sem originalidade, foram muitos os autores. Na Justiça, o seu envolvimento foi profundo, mas inútil, quem sabe se nefasto. No combate à desigualdade, na descentralização, nas autonomias regionais, nas privatizações, nas revisões da Constituição, no euro, nas auto-estradas e nas parcerias público privadas, o PS esteve em todas, no melhor e no pior, no activismo e na inutilidade, com outros, sem marcas especiais nem currículo digno desse nome.
As promessas que o PS vai deixar no fim deste congresso são conhecidas e pertencem à galeria dos lugares-comuns imortais. Igualdade social, de género, de etnias e de origens! Segurança! Descentralização! A cultura! O mar! Estamos conversados. Onde o esclarecimento falta é naquela que poderia ser a mais profunda marca do PS nas próximas décadas: a luta contra a corrupção! Contra os negócios do Estado, os favores e o nepotismo. Contra as cunhas e a promiscuidade. Contra a ocupação partidária do Estado. Contra a dependência dos plutocratas e dos sindicatos.
Com o seu currículo recente, é difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas da corrupção e de barrar os caminhos que a ela conduzem. Mais uma razão para fazer desse desígnio o mais importante do seu futuro próximo. Com liberdade e justiça, é aquilo de que Portugal mais precisa.
As minhas fotografias
Expo, Oceanário em construção, Lisboa. Um ou dois anos antes da inauguração da Expo de 1998, este Oceanário, que agora comemora os seus 20 anos, estava em construção. Foi certamente uma das melhores iniciativas da grande feira. Ficou para sempre. Ensina-se e aprende-se. É bonito, ou pelo menos atraente, e desperta a curiosidade. Dá para ver coisas nunca vistas, desde peixes horrorosos e tubarões a lontras e raias gigantes. Pode até ver-se especialistas a dar de comer a algumas espécies quase à mão. Nesta imagem, vêem-se trabalhadores em andaimes numa zona que virá a fazer parte das grutas e dos tanques. Eles construíram, mobilaram, decoraram e pintaram tudo aquilo que hoje nos parece natural e genuíno, incluindo algas, flores e corais. Estas artes de encenação são formidáveis. Ao contrário de tantas outras disciplinas, em que a encenação é mentira e propaganda! Fotografia de António Barreto

A caminho do bloco central? /premium
OBSERVADOR, 27/5/18
Costa quer lavar a imagem do PS perante o eleitorado e Rio é o melhor aliado para o fazer. Já Rio precisa de poder para se manter na liderança do PSD após 2019 e, como PM, Costa pode ajudar.
1. Um governo entre o PS e o Bloco de Esquerda é ainda o cenário mais provável para depois das eleições de 2019, mas menos do que até há um mês atrás. Um bloco central (ou um entendimento parlamentar entre o PS e o PSD) é um cenário possível, desde a eleição de Rui Rio para a liderança dos sociais democratas, mas a possibilidade aumentou desde há um mês. O que aconteceu há um mês foi a decisão do PS para acabar politicamente com Sócrates.
A maioria do país político está neste momento unido no que poderíamos chamar o ‘momento Leopardo’ da política nacional. Na seu famoso livro, O Leopardo, Tomasi Di Lampedusa coloca a personagem principal, Dom Fabrizio, o Príncipe de Salina, a afirmar, no meio das revoluções que levaram à unificação de Itália, “é necessário que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.“ Neste momento, em Portugal, já se percebeu que a ‘condenação’ de Sócrates (e talvez de mais alguns dos seus antigos ministros) permitirá a ilusão de que muito mudou para que fique (quase) tudo na mesma.
António Costa percebeu que seria necessário terminar de vez com a herança de Sócrates cerca de um ano antes das eleições. Ao contrário do PS de Sócrates, o PS de Costa sabe gerir as finanças públicas, de tal maneira que o seu ministro das Finanças foi escolhido para presidir o Eurogrupo. O PS de Costa lidera o combate à corrupção, de tal modo que os seus principais dirigentes sentem “vergonha” pelos actos praticados por Sócrates. Para chegar de cara lavada às eleições de 2019, o PS tem que deixar cair Sócrates e o seu segundo governo, entre 2009 e 2011.
Também já se percebeu que a oposição não pretende atrapalhar a estratégia do PS e de Costa. A recusa da liderança de Rio para aproveitar politicamente o problema Sócrates sugere que há um acordo entre o líder do PSD e o PM. Aliás, Rio parece empenhado em fazer o contrário do que sempre disse. No passado, defendeu, e com empenho, o combate à corrupção, mas agora como líder do PSD facilita a estratégia socialista de se libertar do caso mais embaraçoso da sua história.
O CDS, quase sempre agressivo no combate ao governo, também não quer capitalizar com o caso Sócrates, e o seu silêncio até chega a ser perturbador. O BE e o PCP também estão calados, mas com estes já nada espanta. A verdade é que fica a ideia de que se sabe como começaram as investigações a Sócrates e a Salgado mas ninguém sabe como poderão acabar. O receio exige prudência. Se o PS não deixa que a investigação a Sócrates o destrua, os outros partidos também não permitem que as investigações a Sócrates e a Salgado enfraqueçam a democracia portuguesa (ou os seus partidos para ser mais rigoroso).
O que está em causa não é pouco. Não sabemos como vai progredir a investigação a Sócrates e a Salgado. Também desconhecemos como será o combate de Sócrates pela “sua verdade”, mas a entrevista que deu à Visão mostra um homem convencido que está certo e preparado para a luta. Tendo em conta o desenvolvimento das investigações judiciais e a luta de Sócrates, a questão que se colocará em 2019 é a seguinte: será uma aliança com o BE ou mesmo uma nova geringonça suficiente para concluir a estratégia Leopardo ou será necessário um entendimento político mais alargado entre PS e PSD? A verdade é que Costa quer lavar a imagem do PS perante o eleitorado e Rio é o melhor aliado para o fazer. Por outro lado, Rio precisa de poder para se manter na liderança do PSD após 2019 e, como PM, Costa pode ajudar.
2. A evolução da situação política europeia também poderá favorecer um entendimento entre o PS e o PSD. As incertezas do Brexit (em Março) e as crises políticas em Itália e em Espanha vão fazer de 2019 um ano complicado e instável. Em 2019, a Itália estará em conflito com a União Europeia, por causa das regras do Euro, ou a preparar-se para novas eleições. E a Espanha continuará entre eleições, governos minoritários e o conflito entre Madrid e a Catalunha. Neste ambiente político, Portugal terá que mostrar que é o país mais estável no sul da zona Euro e isso poderá exigir mesmo um bloco central.


sábado, 26 de maio de 2018

Nos antípodas, e no entanto



Dois escritores portugueses que parecem situar-se em pontos opostos de verve literária: um – ALBERTO GONÇALVES - vibrátil, espirituoso, de olhar percuciente, desferindo contínuos clarões de mordacidade sobre um status de miséria espiritual em derrame, numa amplitude de que somos tristes joguetes, se não mesmo participantes, na trama de sordidez que o conceito de liberdade sem peias, instalado, teria, forçosamente, que fazer progredir, imparavelmente. Outro – NUNO CRATO – sereno, claro, directo, arguto, conceituoso, delicado, e, no entanto, incisivo, tal como o primeiro, o seu espírito matemático impondo-se na enumeração dos seus pontos de vista claros e eficientes, luminosos também, pela clareza, forma bem didáctica de transmitir e educar, seriamente.
Dois escritores que parecem opostos, e o são, de facto, ao nível do seu discurso, mas que se igualam na inteligência argumentativa e no objectivo orientador, mau grado a contínua zanga que a verve maliciosa do primeiro implica. Lendo o primeiro, tornamo-nos mais argutos. Lendo o segundo, tornamo-nos mais sabedores.
Dois belos espíritos portugueses que nos encantam e merecem um contínuo galardão do seu país.

Uma semana portuguesa, com certeza /premium
OBSERVADOR, 25/5/2018
É impressionante como os socialistas exibem uma ignorância tão vasta em todos os domínios terrestres e, não obstante, conseguem acumular pequenas fortunas pessoais e, para cúmulo, governar tão bem.
Sábado
Segundo o presidente do Sporting, só os que se fazem de malucos alcançam o sucesso. Caso a tese se confirme, o indivíduo obterá mais êxito do que as batatas fritas. Um destes dias, numa das múltiplas intervenções com que regularmente brinda o público, o sr. Bruno de Carvalho confessava desconhecer o paradeiro da filha, tragédia que o levou a tomar medidas imediatas: uma conferência onde divagou, durante duas horas e meia, sobre fragmentos incompreensíveis de assuntos insondáveis – nenhum relacionado com a criança. Quando descer a rua em pelota e com uma galinha ao ombro, as pessoas acharão tratar-se de um momento particularmente lúcido.
Domingo
Os organizadores de um almoço “celebrativo” do “eng.” Sócrates esperavam 300 convivas. Apareceram 100. É fácil gozar com o desesperado empenho dos presentes, mas será mais útil lembrar a coerência dos ausentes, as incontáveis criaturas que em incontáveis ocasiões recusaram ver o saque público e particular de que o país era alvo. Hoje, essa recomendável gente continua a contestar as evidências, agora ao lado de quem distribui os brindes materiais ou simbólicos que o “eng.” Sócrates lhe proporcionou um dia. Não é por acaso que o largo é do Rato. E é larguíssimo.
Segunda-feira
Segundo o Observador noticiou e a generalidade dos “media” omitiu, o dr. Costa anda a contar patranhas a velhinhos para ganhar uns trocos na especulação imobiliária. Nada contra. Pior, muito pior, são as patranhas que ele conta ao eleitorado em peso. Não sei avaliar o que ele ganha com isso, mas um dia alguém fará as contas daquilo que nós perdemos.
Terça-feira
Camus dizia que a única questão filosófica séria é o suicídio. O pobre de certeza não imaginava que um dia a eutanásia seria discutida – e, provavelmente, decretada – no parlamento português. Parece-me um local adequado, repleto de esclarecidíssimos sujeitos que ora veneram o sr. Maduro ora oferecem beberetes a dirigentes da bola. Entregar uma fábrica de pirotecnia a um bando de chimpanzés não daria melhor resultado.
Se sou contra o suicídio em versão “assistida”? Não. Sou a favor? Também não. Qualquer pessoa capaz de pronunciar “institucional” sem cuspir percebe que a questão não se presta à habitual infantilidade das “causas”, ou a pretexto para berreiro em “debates” televisivos em registo sim ou sopas. Ao invés das questões de “género” e pechisbeques similares, a decisão acerca da morte acaba por ser um assunto um bocadinho relevante e avesso a “combates” de ociosos. Os deputados deviam poupar os clichés que lhes iluminam as cabeças para matérias ao alcance das mesmas.
Entretanto, registo com curiosidade dois factos. O primeiro é a invocação da liberdade individual para impor o que, afinal, é um processo de nacionalização e legitimação burocrática. O segundo é a circunstância de o PCP se opor à eutanásia como nunca se opôs ao estalinismo: em vez de despachar doentes, os comunistas preferem tratar da saúde aos restantes.
Quarta-feira
Para Sua Excelência, o Presidente da República, “devemos a Júlio Pomar a abertura de Portugal ao mundo e a entrada do mundo em Portugal”. O perigo de se produzir cerca de oitocentos obituários semanais é o de esgotar rapidamente os elogios de circunstância e ter de descambar para hipérboles sem rédea. Além disso, toda a gente sabe que o responsável por abrir Portugal ao mundo e tal foi um senhor que tinha uma boîte no Bairro Alto e faleceu há tempos.
Quinta-feira
Entre dois aumentos nos preços dos combustíveis, lá irrompe um ministrozinho qualquer metido em trapalhadas, perdão, “lapsos”, perdão, “percalços”. Desta vez, foi um tal Pedro Vieira, que alegadamente é jurista, a desconhecer as “incompatibilidades” do cargo e da praxe. É impressionante como os socialistas exibem uma ignorância tão vasta em todos os domínios terrestres e, não obstante, conseguem acumular pequenas fortunas pessoais e, para cúmulo, governar tão bem. Têm muita sorte, é o que é. E nós também.
Sexta-feira
É claro que o sr. Bruno de Carvalho, proverbial espectáculo de um homem só, não dispõe de relevância fora do exíguo universo do vaudeville. Infelizmente, as televisões discordam e há dias que não tratam de outra coisa. Sempre que espreito, apanho com “imagens exclusivas” do já trágico Campo de Alcochete ou, sobretudo, com “painéis” de sábios a discutir o futuro do Sporting. Ao que apurei, temos os sábios apaixonados, que “pensam Sporting”, “sentem Sporting” e “vivem Sporting”, e temos os sábios isentos, que dizem frases como: “Ainda por cima isto sucede num momento em que devíamos estar preocupados com o ‘Mundial’”. Todos exalam pertinência, mas ainda assim aguardo o dia em que um “painel” debata o futuro de um país cujos “media” foram colonizados pela idiotia terminal. Na verdade, o debate é escusado.

O meu vizinho Philip Roth /premium
OBSERVADOR, 26/5/2018
Morreu um dos maiores romancistas das últimas décadas. A emigração portuguesa em Newark conhece bem o ambiente dos seus romances. Mas talvez o sentido de tolerância nos leve bem mais perto do escritor
O escritor italiano de origem judaica Alessandro Piperno dizia que Philip Roth é o indivíduo que não conheço com quem passei mais tempo em toda a minha vida”. Não sei se posso dizer o mesmo, pois desde que descobri este grande escritor que o leio vagarosamente e com imensa contenção. Passei muitos e muitos dias lendo as suas obras. Mas cada dos seus livros é um tremendo soco no estômago. Começa por nos envolver aos poucos, com a descrição das personagens, com as voltas da história, que parece cronológica e linear, mas se vai completando aqui e ali. Lentamente, Roth vai dando significado à narrativa, explicando o seu contexto e adensando o retrato das personagens. A meio, sempre com uma escrita calma e contida, o sentido de tragédia começa a dominar-nos. Vamos percebendo o conflito gigantesco de todo o romance. Ou as grandes contradições da história. Acabo sempre os seus livros com uma sensação de peso, mas também de esperança. Penso sempre que acabei por perceber mais sobre a vida.
Comecei a ouvir falar de Philip Roth e a interessar-me por ele apenas em 1997, quando publicou “Pastoral Americana” e o seu romance foi recebido com estrondoso aplauso pela crítica norte-americana. Obteve o prémio Pulitzer e foi considerado pela Time um dos 100 livros mais importantes publicados desde o aparecimento da revista, em 1923.
Vivia na altura na área metropolitana de Nova Iorque e muitos dos meus colegas, muitos de cultura hebraica, falavam de Roth como um dos mais extraordinários escritores contemporâneos. Conheciam todos os seus romances e liam-nos à medida que iam aparecendo. Quando comecei a segui-los, embora a um ritmo mais lento, comecei a percebê-los.
A cultura judaica é um pano de fundo de toda a sua obra. Muitas das personagens são hebreus refugiados, ou descendentes de refugiados, como o próprio Roth, que lutam para se integrar na América urbana e suburbana. Newark, a cidade natal de Roth, situada na zona metropolitana de Nova Iorque, as suas avenidas, as suas escolas e as suas lojas são a paisagem dos seus romances.
Para mim, esta paisagem urbana foi também marcante. Como se sabe, mas é difícil perceber para quem visite hoje a cidade, Newark era um centro urbano próspero, com um porto que rivalizava com o de Manhattan, com indústria pesada e muito comércio. A zona baixa estava semeada de lojas, na sua maioria, ao que se diz, de judeus. A sua Broad Street era uma enorme avenida, pacífica e sofisticada. Um pouco fora do centro ficavam as casas da classe média, como a de Summit Street, em que Roth viveu. Um pouco mais acima, havia ruas muito elegantes, semeadas de mansões.
Depois das revoltas de 1967, em seguida a um episódio de violência policial contra um taxista negro, a baixa de Newark foi destruída e as famílias judaicas e outras de origem europeia largaram a cidade, que entrou num período de destruição, violência, crime, abandono e pobreza.
Um bairro menos visível da cidade, o chamado Ironbound, começou a ser ocupado por emigrantes portugueses, que aí se estabeleceram, com as suas lojas, pastelarias, oficinas e restaurantes. Era uma zona de habitação menos degradada, mas mesmo assim económica, e em frente à estação de comboios, a célebre Penn Station de Newark, ponto de chegada e de partida para o centro de Nova Iorque, para a zona suburbana rica de Nova Jérsia, para a Pensilvânia e, mais longe, para Baltimore e Washington.
Os portugueses revitalizaram o Ironbound e começaram a criar um bairro de gente trabalhadora que, em grande parte, ajudou e continua a ajudar a recuperação de Newark.
A minha ligação com Newark vem, como a de muitos outros portugueses, das idas frequentes ao Ironbound, ao supermercado Seabra, à Marisqueira, ao Talho Lopes e a tantas outras lojas. Atravessei inúmeras vezes a baixa de Newark e zonas menos calmas da cidade. Fui a escolas, trabalhei como orientador de estudantes portugueses em Newark, colaborei com o Clube de Estudantes “Os Lusíadas”, ajudei a organizar sessões públicas no Museu, colaborei na programação cultural do novo “Performing Arts Center”. Trabalhei perto, numa universidade. Foram anos bons.
Ao ler Roth reconhecia a cidade, as ruas, a Biblioteca Pública, o Museu, e imaginava as lojas e a prosperidade passada. Sentia-me vizinho de Philip Roth.
Sentia-me vizinho também na atitude moral perante o fanatismo e a intolerância. O ponto de vista de Roth perante a sua cidade destruída pelos conflitos raciais é paradigmático: não condena a fonte da indignação que cresceu ao ponto de a sua cidade ser destruída, prefere falar da cidade. Nunca há nele uma réstia de racismo, mas há uma tristeza profunda pela intolerância. No seu extraordinário “Casei com um Comunista”, uma das personagens recusa-se a abandonar Newark depois das revoltas e é morta com um tiro na cabeça, gratuitamente disparado por um dos novos habitantes da cidade. No seu igualmente extraordinário “A Mancha Humana” há uma vida destruída pelo extremismo académico intolerante, pelo controlo policiesco das expressões consideradas politicamente incorretas. Mas o leitor verá (é melhor não estragar a surpresa a quem não leu o romance!) a ironia desse controlo ao perceber quem era, afinal, o “manchado” perseguido.
Resta dizer que Roth não é apenas um grande narrador de histórias – essa arte extraordinária que fez de nós humanos, contradizendo o desprezo pós-moderno pelo amor às narrativas, no sentido clássico do termo (não, nem tudo é apenas texto!). Roth é um grande escritor. Ao lê-lo percebe-se que há uma história, mas percebe-se também que há literatura, que há palavras, que há frases, que há parágrafos belos, que por detrás de tudo há o trabalho subtil e meticuloso de um grande artesão da escrita. Lendo-o, ficamos em boa companhia.