segunda-feira, 14 de maio de 2018

Formiguinhas, ao trabalho



Entre os trabalhos de Psique, que a curiosidade castigou – curiosidade, de resto, instigada pela inveja das suas irmãs, de fazê-la espreitar o rosto do seu marido Eros, o que lhe fora, por este, expressamente proibido (para a proteger dos ciúmes de Afrodite), conta-se a separação de um monte de diferentes cereais misturados, ordenada pela severa sogra. Grãos que teria de separar por espécies, durante a tarde, tarefa de que previu a impossibilidade, mas que, afinal, foi levada a bom cabo com o auxílio prestimoso de formiguinhas solidariamente habituadas a esses mesteres. Serve a alegoria, contada por Apuleio no seu “Burro de Ouro” para aplicar a esta proposta de António Barreto, no seu assombroso texto de percepção da nossa realidade judicial, de não misturar processos para que se possa extirpar o mal de vez, dessa corrupção que a generalização a todos do seu apodo, por conveniência própria, transforma em tarefa inextricável.
Quanto ao texto de Rui Tavares, sobre coisas da história universal, de paralelo entre actuações de vários presidentes estadunidenses, achei-o curioso, e recolho igualmente comentários curiosos, formiguinhas que somos todos, no celeiro das perspectivas ideológicas.
I- O Anjo Exterminador
ANTÓNIO BARRETO                    DN, 13/4/18
As últimas histórias confirmam a sensação, por tantos partilhada, de que o PS de José Sócrates foi responsável pelo mais negro período de mau governo das últimas décadas. Antes dele, outros também fizeram das suas e não foram poucas. Mas não andaremos longe da ideia de aquele ter sido o zénite da corrupção em Portugal. Por isso, assistimos a uma tentativa desesperada deste governo do PS de se distanciar do outro governo do PS, mesmo sabendo que muitas pessoas pertenceram aos dois. Talvez até por isso mesmo foram enormes os esforços. Primeiro, a hipocrisia da visita de solidariedade, a acompanhar o expediente da separação entre justiça e política. Depois, o silêncio culpado. A seguir, a indiferença. Finalmente, a lavagem de mãos, a terminar na indignação encenada. Um melodrama em quatro actos.
Até 2015, durante as últimas quatro décadas, três partidos exerceram poderes de governo: o PS, o PSD e o CDS. Não são partidos corruptos. Dizer o contrário não faria sentido. E teria o efeito de prejudicar o apuramento de responsabilidades. "São todos corruptos" é a melhor maneira de esconder os verdadeiros. Mas se o PS, o PSD e o CDS não são partidos corruptos, a verdade é que acolheram corruptos e deixaram que alguma corrupção (pelos vistos, muita...) se instalasse, a favor do partido e em benefício de alguns dirigentes.
Da energia às telecomunicações, das PPP aos créditos públicos para especulação privada, dos submarinos aos helicópteros, são conhecidos muitos exemplos que deram luvas, comissões, descontos, pagamentos directos, pensões absurdas e transferências de dinheiro vivo... A que se acrescentam estranhas operações em bolsa, licenças de construção, investimentos turísticos, negócios imobiliários, regimes fiscais privilegiados, adjudicações duvidosas, exportações mancomunadas e ajustes directos maquilhados.
Apesar do ruído gerado nos últimos dias, não parece que o PS tenha uma robusta tradição de luta contra a corrupção. Alguns dos seus dirigentes, por interesse pessoal ou partidário, aproveitaram-se do clima de corrupção e favores ou foram protagonistas criativos. Mas não se pode dizer que o único partido da esquerda democrática, o PS, tenha um comportamento diferente dos dois partidos da direita democrática, CDS e PSD, que também acolheram e conviveram com dirigentes intocáveis, interesses inconfessáveis e procedimentos menos lícitos.
O PS não é um partido corrupto, embora não haja dúvidas de que há lá gente corrupta. Mas, no PS, também há gente honesta. Tal como no PSD, no CDS e certamente nos partidos mais da esquerda, BE e PCP. Como também há deputados honestos na Assembleia da República. Ou entre os presidentes de câmara e vereadores. É injusto e errado afirmar que são todos corruptos. Mas já ninguém duvida de que há sinais indeléveis de actividades ilícitas na administração pública, na política partidária, nos governos e nas empresas privadas próximas do Estado.
Todavia, apesar de parcialmente verdadeira, esta ideia de que a República está corrompida corre o risco de dissolver cada caso e cada responsável. Todas as tentativas feitas no sentido de agregar processos, juntar responsáveis, conglomerar crimes, acumular ministros e governos num esforço de criar megaprocessos destinam-se sobretudo a uma coisa: fazer que seja impossível terminar um processo, julgar um suspeito e condenar um arguido. Em poucas palavras, apurar responsabilidades. Quando se diz "Sócrates, sim, mas há os outros", está a tentar-se diluir e desculpar. Sob a aparência de severidade, a estratégia da fusão dos casos e dos processos mais não é do que uma tentativa de impedir que se chegue ao fim de qualquer caso ou processo. E de dizer à população "olhem que são todos corruptos", o que, dito por outras palavras, quer dizer "não há corruptos". Já se sabe: quanto mais mega for o processo, menos hipótese haverá de chegar a um resultado. Quanto menos concreta for uma comissão de inquérito, maiores serão as probabilidades de não se chegar a sítio nenhum. Quem defender, em vez de vários, um só processo, está a tentar "afogar o peixe". Na corrupção, a democracia portuguesa encontrou a sua Némesis. Pode ser o seu Anjo Exterminador.
As minhas fotografias            ANTÓNIO BARRETO
Pagadora de promessas, em Fátima. Hoje é 13 de Maio. Talvez não haja muitas imagens parecidas com esta, até porque tal género de fervor é menos frequente nos dias grandes, 13 de Maio ou 13 de Outubro, e habitual, com algum recato, fora destas datas. Com mais ou menos conforto debaixo dos joelhos, com um piso mais ou menos suave ou pedregoso, é assim há dezenas de anos. É assim que se pagam promessas, em Fátima, nem sempre com esta dureza, às vezes com menos sacrifício, mas quase sempre com especial devoção. O que é preciso de fé para se chegar a este gesto de sofrimento! O que é necessário de amor por alguém para assim pedir pela sua saúde, pelo seu regresso e pela sua vida! O que é preciso de desespero para cumprir uma promessa deste modo violento! O que é preciso de gratidão para desta maneira pagar uma dívida só conhecida pela própria! O que é necessário de impotência para assim se entregar à dor, sem a sentir, para compensar a dor que se sente!
Ii- OPINIÃO
Trump não é uma anomalia, é um sintoma
A questão é saber que deve a União Europeia fazer num mundo em que os EUA são mais vezes fonte de instabilidade do que de estabilidade. Ter uma política externa que se visse já seria um bom começo.
RUI TAVARES , Historiador                       PÚBLICO, 9 de Maio de 2018
Os EUA têm um presidente que mente, insulta e gosta de alardear a sua ignorância. Que é misógino, xenófobo e zomba em público de pessoas com deficiência. Que se associou a mafiosos, empregou criminosos e louva tiranos e ditadores. Que despreza o estado de direito, a liberdade de imprensa e a separação de poderes.
E no entanto, mesmo com isso tudo, o atual presidente dos EUA ainda não conseguiu ser tão mau como George W. Bush. Quem tenha memória sabe como George W. Bush e a sua corte de políticos e intelectuais neoconservadores manipularam a opinião pública para invadir o Iraque, numa guerra que fez centenas de milhares de mortos, milhões de refugiados e até hoje desestabilizou uma região do globo e descredibilizou o sistema internacional. Por muito que Trump nos desgoste — e sabem os leitores o quanto ele me desgosta — a verdade é que ele ainda não conseguiu fazer tanto mal ao mundo como George W. Bush.
Ontem, porém, Trump deu um grande passo para se aproximar do legado de Bush jr. O que vimos foi uma declaração de Trump a retirar os EUA do acordo para congelar o programa nuclear iraniano que foi assinado entre o Irão, os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a Alemanha e a UE (os outros signatários do acordo dizem que ele se vai manter e que vão respeitar as suas condições). O que não vimos foi o homem que, na sombra, teve mais influência sobre a decisão de Trump. Esse homem é John Bolton, que há quinze anos estava junto de Bush jr. a incitá-lo a invadir o Irão logo a seguir à invasão do Iraque. Pelo menos desde essa altura que John Bolton ganha muito dinheiro para defender as posições do Mujahedin-E-Khalk (MEK), um bizarro grupo oposicionista iraniano no exílio desde os anos 80, que se comporta como uma seita e é conhecido por comprar políticos na Europa e nos EUA com ofertas generosas de dinheiro para aparecer nas suas conferências. Numa dessas conferências, que teve lugar no ano passado em Paris, John Bolton fez um discurso no qual defendeu que “como o regime iraniano não vai mudar, vai ser necessário mudar o regime” e terminou prometendo que as pessoas presentes naquela sala iriam “comemorar em Teerão, em 2019” a queda dos aiatolás.
John Bolton é o Conselheiro Nacional de Segurança de Trump. Até os seus correligionários o descrevem como um fanático, mas é importante notar que Bolton não é uma aberração. Em pouco mais de uma década, Bolton conseguiu ser uma das vozes mais ouvidas na Casa Branca de dois presidentes americanos. E tal como Bolton não é uma aberração, também Trump deve cada vez menos ser considerado como uma anomalia, e mais como um sintoma. Trump representa, embora com um estilo diferente do de George W. Bush, a mesma atitude predominante na direita americana em relação ao declínio do seu país como super-potência global. Bush e Trump, ao contrário de Obama, não são presidentes dos EUA que consigam pelo exemplo ou pela palavra concitar a admiração das opiniões públicas mundiais. Para provar que os EUA ainda valem, o método que escolhem é o de uma confrontação com um poder regional — não a Rússia ou a China, mas um poder intermédio como o Iraque ou o Irão — com grande probabilidade de levar à guerra.
No século XXI já levamos dois presidentes dos EUA assim. A questão é saber que deve a União Europeia fazer num mundo em que os EUA são mais vezes fonte de instabilidade do que de estabilidade. Ter uma política externa que se visse já seria um bom começo.
COMENTÁRIOS
Bento Caeiro,  09.05.2018: Os EUA têm o presidente que merecem, tal como nós temos os políticos que merecemos; assim como os gestores públicos e privados que depois de, também, medalhados, se acaba por saber - algo que muitos já suspeitavam e alguns já sabiam - que eram umas autênticas burlas, com capacidade apenas de gerir a riqueza. Falo dos Zeinais, Granadeiros, Pinhos, Espíritos Santo e outros que por aí andam ou Mexem. Também é esse o nosso caso. Temos os políticos e partidos que merecemos: como os do PCP e BE que, mal detectam uma aparente folga, desatam a querer compensar o seu putativo eleitorado: função pública e professores, como se estes fossem os reais merecedores do esforço colectivo - ainda mais porque não fazem parte do sector que cria riqueza ao País, porque esses estão no privado.
Pelayo, Covadonga 09.05.2018: Faltou ao Rui Tavares acrescentar outra verdade: Trump ainda não conseguiu fazer tanto mal ao mundo como Barack Obama. Mais concretamente: a reacção da administração Obama à "Primavera Árabe" teve consequências mais trágicas do que tudo o que Trump fez e provavelmente fará neste mandato. Jose 09.05.2018: Trump foi eleito no que nos dizem ser a melhor democracia do mundo, Busch também foi eleito. Esses presidentes dos EUA e os outros são a cara da democracia e do pensamento Americano. Eles andam há séculos a exportar essa democracia a tiro, bomba, napalm... Os Presidentes dos EUA não agem sós, eles são aconselhados e acompanhados pela elite da América e também pelas do que eles chamam os seus aliados. O bombardeamento recente da Síria violou o Direito Internacional e teve o aplauso da chamada UE e seus capatazes. A Europa está militarmente ocupada desde a última grande guerra. A resposta que a Europa dá às brutais decisões deste Presidente Americano não é devolver a presença americana na Europa sob o disfarce da NATO, mas apoiar à sua maneira e com a sua hipocrisia. Pelayo, Covadonga 09.05.2018: Oh caro amigo, qualquer país europeu é livre de sair da NATO e/ou não querer bases americanos no seu território. Em última instância essa decisão é do povo desse país (através do voto). Ocupação é mais aquilo que a URSS fazia com a Polónia, Hungria, Checoslováquia, etc. Jose  09.05.2018: Está equivocado! Pelayo, Covadonga:  09.05.2018:  Estarei?... Áustria, Suiça, Irlanda, Finlândia e Suécia não fazem parte da NATO, nem têm bases dos EUA (ou de outro país da NATO) nos seus territórios. Como vê, há países europeus que não estão "ocupados".


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