segunda-feira, 4 de junho de 2018

Lição de História contemporânea, em disputa monologada


Estive a ler os jornais que a minha irmã me trouxe ontem, e, entre as várias crónicas, uma vez mais me detive nesta lição de História, que, naturalmente, os da esquerda generosa contestam. Entretive-me, pois, a ler os comentários e assim os coloco, democraticamente. A outros, a obrigação de descortinar a verdade dos factos, já que
OPINIÃO               A Nakba
Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em qualificar de antissemita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
                   
PÚBLICO, 31 de Maio de 2018
Para quem tenha estado desatento, principalmente no momento em que tanto se fala de Gaza e do “massacre” por parte de Israel, a palavra Nakba significa tragédia, catástrofe, em árabe. É a designação associada à partilha da Palestina pelas Nações Unidas em 1947, seguida pela criação do Estado de Israel e ao subsequente êxodo de cerca de 700 mil árabes da Palestina. Mas para além do qualificativo, importa perceber quais as razões deste êxodo massivo.
Para certos comentadores, tratou-se muito simplesmente de uma expulsão, de “uma limpeza étnica” programada de antemão pelo sionismo “racista e colonialista”. Mas na realidade, depois da recusa árabe da partilha da Palestina decidida pela ONU, as populações árabes palestinianas privadas de uma direcção política e militar remetem-se nas mãos dos exércitos dos Estados árabes. Com efeito, na época não existe nenhuma instituição representativa dos árabes da Palestina.
A razão é simples: durante todo o período do Mandato Britânico, é o pan-arabismo que está no centro da luta contra o sionismo. Para o movimento nacionalista árabe, a Palestina é a parte sul da Síria. Em nenhum momento se coloca a questão de um Estado palestiniano. Em nenhum momento os dirigentes árabes, apesar de largamente maioritários no quadro das fronteiras do Mandato Britânico na Palestina, tentam criar estruturas de um futuro Estado árabe na Palestina. Em 1947, na ONU, opondo-se à formação dos dois Estados, o delegado do Alto Comité Árabe dirá: “A Palestina faz parte da Província da Síria (...) politicamente, os Árabes da Palestina não são independentes ao ponto de formar uma entidade politicamente separada.” Esta convicção é tão profunda que ainda em 1956, Ahmed Choukeiry, que fundará a OLP em 1964, declara: “É do conhecimento público que a Palestina mais não é do que a Síria do Sul.”
Assim, será a própria guerra que tinha como fim impedir a formação do Estado judaico que acabará por levar ao êxodo de centenas de milhares de árabes. Este começa em Dezembro de 1947 e, em Março de 1948, escreve o historiador Benny Morris:Com a fuga de uma parte das classes superiores e médias de cidades como Haifa e Jafa destinadas a fazer parte do futuro Estado judaico (...). Esta fuga das elites contagia e atinge as comunidades rurais.”
A imprensa da época comprova-o: o jornal jordano Filastin escreve a 19.5.1949: “Os Estados árabes encorajaram os árabes da Palestina a deixar temporariamente as suas casas para não perturbar o avanço dos exércitos árabes.” Mahmud Darwich, poeta nacional palestiniano, também confirma esta versão dos factos: “Para os meus pais, a nossa estadia no Líbano era temporária; estávamos de visita ou em passeio. Na época tinham recomendado aos palestinianos que deixassem a sua pátria para não atrapalhar o desenvolvimento das operações militares árabes que deviam durar apenas alguns dias e permitir o nosso rápido regresso. Os meus pais descobriram rapidamente que essas promessas não passavam de sonhos ou ilusões.”
O abandono da Palestina pelas elites árabes e o incitamento dos Estados árabes junto das populações árabes da Palestina para saírem temporariamente do país são factos históricos. Mas não esgotam as suas causas: o Exército israelita também levou a cabo a expulsão de árabes da Palestina em zonas consideradas estratégicas do ponto de vista militar, nomeadamente vias essenciais de comunicação e zonas fronteiriças. Segundo Benny Morris, estas expulsões atingem 5% do total de refugiados.
Em 1949, Ben-Gurion aceita o regresso de 100.000 pessoas, mas é confrontado com a recusa lapidar dos Estados árabes que, mesmo depois da sua estrondosa derrota na guerra por eles próprios desencadeada, continuam a proclamar a ilegalidade fundamental do Estado judaico e a sua total destruição ao mesmo tempo que exigem a readmissão total e incondicional de todos os refugiados. Pressionado por todos os lados, incluindo pelos americanos, Ben-Gurion clama que no limite poderão destruir Israel, mas não obrigar o país ao suicídio... porque é disso que se trata. A Resolução da Conferência dos Refugiados Árabes em Homs, na Síria, a 11 de Julho de 1957, é cristalina:Qualquer discussão para uma solução do problema palestiniano que não seja baseada sobre o direito dos refugiados de destruir Israel será considerada como uma profanação do povo árabe e como um acto de traição.” Em 1960, o Presidente Nasser dirá: “Se os refugiados regressarem a Israel, Israel deixará de existir”...
Esta será a essência da política dos Estados árabes para quem os refugiados serão a arma ideal contra Israel, impedindo a sua integração nos seus próprios países e bloqueando sistematicamente todos os projectos da UNRWA escalonados entre 1949 e 1959 destinados a conferir uma base económica própria aos refugiados. É o próprio director da organização, Ralph Galloway, quem o afirma cruamente em Amã, em 1951: “Os Estados árabes não desejam resolver o problema dos refugiados. Querem mantê-lo como ferida aberta, uma afronta às Nações Unidas e uma arma contra Israel. Que os refugiados vivam ou morram, é a última das preocupações dos líderes árabes.” As consequências desta politica far-se-ão sentir duas décadas mais tarde: nos campos em que são mantidos como párias, vivendo da caridade internacional e onde se multiplicam com estatuto de refugiados por gerações sucessivas, nascerá um nacionalismo palestiniano alimentado pelo ressentimento e pelo ódio...
No quadro da vitória fulminante na Guerra dos Seis Dias, guerra que nunca desejou, Israel conquistou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que desde 1949 estavam nas mãos da Jordânia, e Gaza, até então pertencente ao Egipto. É bom lembrar que na resolução 242 das Nações Unidas aprovada em Novembro de 1967, pedindo a Israel para se retirar de territórios recentemente ocupados, as palavras “Palestina” e “Palestinianos” não constam do texto da resolução. Os territórios a devolver tinham como destinatários os países aos quais tinham sido conquistados e não a um eventual Estado palestiniano...
Devia Israel ter saído unilateralmente dos territórios árabes? Talvez com isso tivesse conquistado a simpatia da opinião pública mundial, mas não certamente a dos países árabes nem da OLP, cujo ódio e ressentimento duplicaram com a humilhante derrota. Logo no primeiro dia de Setembro teve lugar a cimeira de Karthoum, na qual é reafirmada a posição dos países árabes e da OLP fundada em 1964: “Não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel, não à negociação com Israel.” Face a este impasse, Israel foi-se habituando progressivamente a um status quo que de provisório se tornou permanente. Começa assim lentamente a instalação judaica nos territórios para além da “linha verde”, alimentada pela radicalização árabe e palestiniana, pelo sentimento de insegurança israelita e pelo despontar de um nacionalismo messiânico apologista da instalação judaica no berço do judaísmo bíblico: a Judeia-Samaria. Enquanto estes três ingredientes não forem ultrapassados por ambas as partes, as tragédias como a que acaba de acontecer em Gaza continuarão.
Mas para todos os que criminalizam Israel é preciso relembrar que a retirada unilateral de Gaza em 2005 decidida por Ariel Sharon teve apenas uma consequência: a vitória do grupo terrorista Hamas nas eleições para o parlamento palestiniano em 2006, que depois de expulsar a Autoridade Palestiniana do território mantém a sua população refém do seu ódio e determinação em aniquilar Israel. Uma organização terrorista que não hesita em utilizar a sua população como alvo para deslegitimar Israel aos olhos do mundo.
A morte de vidas humanas causada pela resposta do Exército israelita à provocação do Hamas indignou a “comunidade internacional”. Mas estranhamente esta não se questiona como é possível uma mãe levar um bebé de dois meses a manifestações violentas mesmo depois dos sucessivos alertas do Exército israelita. Uma União Europeia que não tem uma palavra contra o Hamas e que, em nome de um processo de paz inexistente, prefere o status quo que eterniza o conflito entre as partes. Que não entende que a vitimização que dura há 70 anos apenas prejudica as suas “vítimas” e que não há reconhecimento internacional capaz por si só de edificar um país. E, finalmente, que a pior arma escolhida pelas boas consciências sempre em paz consigo próprias é o boicote absurdo precisamente à consciência mais crítica de Israel, como são os seus académicos, escritores, artistas e pensadores.
Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em qualificar de anti-semita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
Estudiosa de temas judaicos

COMENTÁRIOS:
- luiz rechtman,  02.06.2018: Os contestadores da história em prol dos mitos e narrativas da propaganda árabe palestina têm uma nostalgia das épocas em que os judeus eram expulsos dos países em que viviam, tornando-se errantes ao sabor das vontades, ódios e ganâncias de governantes e religiosos. A última grande expulsão judaica dos países muçulmanos, gerou um número igual ou maior ao dos árabes palestinos saídos por vontade dos árabes que invadiram o recém-criado Estado de Israel ou foram expulsos de áreas estratégicas, não deu ensejo a milhares de refugiados vivendo às custas da UNRWA, países variados, ONGS e verbas milionárias de fontes diversas. Em 70 anos os israelenses buscaram o desenvolvimento, infelizmente, os árabes palestinos preferiram o atraso. Para júbilo dos seus simpatizantes e detratores de Israel.
- pabandeira75, 01.06.2018 : Em 1945 no espaço destinado a Israel há 55% de judeus e 45% de árabes e outros; o território alocado à parte israelita é 56%; à parte árabe 43%; Jerusalém será cidade franca. Depois da criação de Israel, em 1949 Israel fica com 78% do território, a população judaica é de 86% e árabe de 14%. É isto a Nakba: a destruição de aprox 500 povoações árabes, massacres, o empurrar de 700 a 750 mil árabes para a condição de refugiados. É mesmo de limpeza étnica que se trata. Já em 1937 o pai de Israel Ben Gurion escreve que é preciso conquistar a terra dos "árabes", pois isto é condição para construir um estado "judaico". Em 1937 está em curso o Holocausto judaico; neste mesmo ano os fundadores do Estado judaico projetam um crime contra a humanidade, que perpetrarão - ignominiosos atos, ambos!
- MCA.  Cidadã da finis terræ: 01.06.2018: Cada vez que Israel massacra lá vem o chorrilho de mentiras e o apontar do dedo: “se nos criticam são anti-judeus!”. Tenha vergonha!
- José Manuel Martins,  évora 01.06.2018: De longe a sua melhor e mais esclarecedora peça de propaganda. Talvez seja até plenamente verdadeira. Mas, por muito de acordo que estejamos acerca da instrumentalização árabe dos palestinianos e da sua escorregadia duplicidade relativamente ao estatuto da própria Palestina, província Síria ou Estado legítimo, a raiz única do problema é, do lado de Israel, a sua súbita implantação em território bíblico (único 'direito' invocável para resolver expeditamente o problema judaico europeu), que inteiramente legitima e explica a recusa árabe em aceitar essa invasão (que aliás prolonga o colonialismo britânico e a influência americana e ocidental na região). Do outro lado, a pergunta é simples: qual a diferença entre fugir da sua casa na Palestina sul da Síria e fugir da sua casa na Palestina? -  Este segundo lado da questão - o lado árabe e palestiniano - depende da raiz única de tudo, a territorialização 'bíblica' de Israel: qual a diferença entre fugir da sua casa na Palestina sul da Síria e fugir da sua casa na Palestina? É a mesma diferença que há entre o pastor do êxodo ser árabe e a razão para o êxodo ser judaica. Não se confunda causa (os judeus, Israel) e agente (os exércitos árabes). Todos os caminhos da questão vão dar à fundação de Israel. Tudo o mais é corolário. estou a sugerir que o estado de Israel é ilegítimo? É evidente que é. E o estado palestiniano, é uma invenção oportunista da absoluta hipocrisia árabe e do esquerdismo bem-pensante mundial? É evidente que é. Entre os dois, venha o diabo e escolha.
- pabandeira75, 01.06.2018: A declaração de 1947 da ONU pressupunha que no Estado de Israel coexistiriam as populações então no interior das suas fronteiras, com uma minoria de judeus e uma maioria árabe. A guerra que já então se desenvolvia de forma larvar ganha uma dimensão de guerra internacional, com os Estados vizinhos, e civil. Os fundadores do novo estado consideraram que este deveria ser "judeu"… assim havia que anular a maioria "árabe". Fizeram-no massacrando a população civil árabe, assustando, expulsando entre 700 e 750.000 árabes. Tratou-se mesmo de "limpeza étnica", crime contra a humanidade. É certo que povo judeu foi vítima de crime desta natureza, mas aqui o perpetrador foi judeu. Mucznik cita de forma distorcida e incompleta; agita o espantalho do anti-semitismo; procura justificar o indesculpável!
- mário borges, 31.05.2018: Nunca entenderei porque tem a religião judaica tempo de antena no jornal Público. Não vejo nada de sequer parecido com o islamismo, ou o hinduísmo. A "cronista" teima vezes sem conta alterar a ordem dos factos. Portugal agora era a Palestina (ou o oeste de Espanha como a "cronista" gosta de chamar). E a ONU decidia pegar nos refugiados islâmicos de toda a Europa e fazer um Estado em Portugal. Ocupava o Alentejo e corria com os portugueses de lá. Aos poucos e com um forte armamento pago pelos árabes o Estado Islâmico do Alentejo ocupava as Beiras o Algarve e matava os portugueses por tuta e meia. Isto seria um escândalo mundial tenebroso? Não, se Portugal se chamasse Palestina e se o Estado Islâmico do Alentejo se chamasse Israel. Israel é o estado do holocausto palestino.
- Filipe Sousa, 31.05.2018: Sempre os mauzões do Hamas...! É caso para perguntar: porque andou Israel a financiar e a apoiar o Hamas? É pena que na sua pequena lição de história, não tenha deixado um espacinho para esse episódio tão irónico.
- José Teixeira GomesPorto 31.05.2018: A Srª Esther Mucznik rebusca nos seus vastos conhecimentos da história recente de Israel para encontrar citações que justifiquem o imperialismo israelita. No entanto, omite deliberadamente que a resolução da ONU definiu fronteiras claras que Israel se recusa a respeitar. Admito que os palestinianos, em desespero, cometam o erro de enviar as suas crianças para a linha da frente, mas um dos mais poderosos exércitos do mundo como o de Israel, ao atirar mortalmente contra manifestantes pacíficos, comete um crime de genocídio a que a ONU fecha os olhos. Não sou anti-semita. Admiro o povo de Israel mas também o critico pelo seu silêncio quanto à ocupação vergonhosa da Cisjordânia e à ocupação de Gaza como se fosse uma prisão
- Indalécio Avelino NascimentoMem Martins31.05.2018: A Sra. Esther não nos explica o porquê da criação da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e que por pressão internacional de Israel passou a designar-se de Autoridade Palestiniana. Fala no Hamas, mas também não diz que foi Israel, como forma de criar e alimentar divisões entre os Palestinianos, quem fomentou o seu crudescimento. Em momento algum nos explica os esforços de Yasser Arafat (Camp David, Oslo, etc) no processo de paz, sistematicamente boicotados por Israel, com vista à criação do Estado Palestiniano. Não fala nos colonatos e da sistemática violação do Direito Internacional por parte de Israel. Pena a Sra. não se ter oferecido para tomar conta das crianças, enquanto as suas mães manifestavam a sua indignação pela ocupação, ilegítima, das suas terras. Vergonhoso!
- C F,31.05.2018: Fazer tábula rasa quando se está encurralado porque afinal não era o bom trilho. Equilíbrios avalizados, mas onde é que hoje isso existe? Será mais promissor uma assimetria ou uma triangulação? Planos não são predições, custa tanto a entender?
P Galvao,  Lisboa 31.05.2018: Quando a ONU determina que Israel deve abandonar os "colonatos", que mais não são do que uma forma asquerosa de invasão territorial, em clara violação das convenções internacionais, nesse caso já não é para levar à letra. Não imaginava que um judeu pudesse alguma vez reconhecer a legitimidade dos povos alemães para terem invadido os Sudetas, e a Polónia, naquelas que eram - à data - as suas terras prometidas.  - A sua versão da história. Interessante prosa de quem se queixa tanto dos revisionistas. Ah, e a propósito, não há "terras prometidas": a Terra é de todos.


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