terça-feira, 17 de julho de 2018

CIDADE PROIBIDA



Da Colectânea “Biblioteca de Verão” do DN retiro “Cidade Proibida”, de Eduardo Pitta, que me transportou a espaços e tempos por mim vividos, em Lourenço Marques, cujas referências toponímicas, além de outras de identificação temporal, naturalmente, me causaram a empatia de uma evocação a desejar esvair-se, contudo, como trapo de velha roupa desusada a servir de esfregão. Uma das referências é à Rua Belegarde da Silva onde também vivi, onde viviam os pais de Rui Knopfli, onde brincaram os meus dois primeiros filhos e chegou a viver o terceiro, antes da nossa mudança para uma casa maior, no bairro da Coop, este não referenciado no livro de E.P.
Também a temática da homossexualidade, nele abordada sem preconceitos, me levou a essa cidade, onde nasci e leccionei nos anos sessenta, e onde aprendi a conviver com o tema através das referências livrescas, de autores que me encantavam – Reinaldo Ferreira, António Botto, Sá Carneiro, Rimbaud – e, afinal, também o Satiricon de Petrónio, cuja edição foi lá que adquiri. São, pois, estes, bons motivos para me encantar com o livro de Eduardo Pitta, da colecção adquirida, de livros sintéticos, que apetece ler ou reler por serem leves e expressivos.
Este, de Eduardo Pitta, em 22 mini capítulos apenas assinalados por breve símbolo tipográfico, é uma história de gente portuguesa e uma família inglesa, as famílias com um ou mais homossexuais em destaque na Tábua de personagens introdutória – os Moncada (Martim, protagonista); os Lemos Fortunato, com um Nuno, avô de Martim, que contará posteriormente a sua história ao neto, do seu casamento convencional, mas não inibitório de idêntico desvio sexual, quando mais novo; os Davies, com Rupert, o futuro companheiro de Martim, em Portugal, e Mark seu tio e iniciador, que adoecerá com sida, em Londres. Os Ravara, com Vasco, o homossexual, professor em Londres, os respectivos pais representantes das famílias portuguesas mais ou menos protocolares.
Uma história que avança em torno, pois, dos novos heróis das sociedades actuais, os casais homossexuais, que, com o 25 de Abril conquistaram, por cá o seu espaço de liberdade, embora, no conceito de Rupert, na carta final de rompimento com Martim, este se refira à tacanhez do ambiente português de pedantismo e hipocrisia, carta que funciona como remate moral da história contada: “Não vale a pena dourar a pílula: não sou do teu meio, nunca fui, não pretendo vir a ser, faço cerimónia com a tua mãe…”
Uma história bem contada, num estilo chão e directo, mas de uma literariedade indiscutível nos seus efeitos sintéticos de uma ironia crítica adequada, ou na crueza de uma linguagem em calão impúdico, história que tem subjacente um conhecimento bastante amplo do nosso tempo e de um tempo moçambicano também de perversões que eu desconhecia, por defeito de educação primária, de pais burgueses com preceitos morais, inibidores dos excessos que a progressão tecnológica, não tão rápida como a de hoje, ainda permitia encobrir.

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