quarta-feira, 4 de julho de 2018

Duas crónicas, dois comentários



Crónicas de gente que lê e se preocupa, sobre um presente que vai evoluindo, ao sabor dos percalços que as mudanças ideológicas e outras trazem, até ver - de Paulo Rangel, de Teresa de Sousa. Dois comentários – o segundo - de Bento Caeiro - numa linha de pensamento oposta à das crónicas, refractário a uma invasão de povos desordeira e ruinosa; o primeiro de João Portugalnitidamente troçando de valores antigos e destes modernos que pretendem uma linha de conduta consensual no sentido de uma garantia de estabilidade e de princípios de interajuda, em vias de ruir, com a imposição dos novos nacionalismos, esquecidos estes da ajuda financeira que representou a proposta de união de Estados Europeus, sobretudo para os países da insegurança económica. Um Joao Portugal comentador, que retira ilações do passado, céptico e trocista, descrendo de uma Nato e de um Ocidente que vai contribuindo para o desmantelar das Uniões, criticando o pensamento ponderado de Teresa de Sousa, e naturalmente o pensamento cediço de Marcelo Caetano, mas nada mostrando, no seu prognóstico severo, do que seria para ele a verdadeira reconstrução dos países. Provavelmente a mesma ainda dos Cunhais, Mao tse Tungs ou Estalines passados, de resquícios cada vez mais fortes no presente, pelo menos entre nós cá.
Mas as sombras que pairavam sobre Angela Merkel estão em vias de se dissipar. Continuemos a esperar, por mais uns tempos. Na UE.

OPINIÃO
Trump, migrações e a política europeia em migração (II)
É absolutamente redutor e basicamente insuficiente “culpar” a União Europeia pela situação a que chegámos.
PÚBLICO, 26 de Junho de 2018
1. Assinalaram-se no sábado 23 de Junho dois anos sobre o referendo britânico que nos ofereceu essa verdadeira tragédia ocidental que tomou o nome de “Brexit”. Imediatamente antes e depois disso, escrevi um punhado de artigos sobre o sentido político e social e até político-social do “Brexit”. Uma das principais ideias expendidas nesses artigos é de que o “Brexit” não representava nenhuma singularidade britânica, mas que denunciava um movimento profundo, quiçá tectónico, das sociedades ocidentais. A crise das migrações de 2015 na União Europeia ou a erupção fulgurante do vulcão Trump estavam em clara sintonia com o sentido – na dupla acepção de razão de ser e de destino – do “Brexit”. Foram muitos, especialmente entre os que gostam de acreditar na excepcionalidade (e, já agora, superioridade) britânica, aqueles que discordaram desta visão “unitária” dos desenvolvimentos políticos ocidentais, mas cada vez mais me convenço do acerto dessa visão.
Vem tudo isto a propósito da coincidência temporal entre a crise migratória norte-americana, hipostasiada no escandaloso caso da separação das crianças, e a profunda dissensão europeia a propósito da questão migratória. Esta coincidência temporal não é casual. Ela é um sintoma, ela reflecte um estádio da evolução política das sociedades ocidentais. Não se trata, por isso, de um problema europeu; não se cura, portanto, de um problema britânico; não se postula, afinal, como um problema americano. É um problema comum às sociedades ocidentais que, com diferenças muito assinaláveis, ainda têm enormes margens de conforto e de prosperidade e que, mercê da sua sofisticação política, revelaram uma abertura e uma tolerância sem paralelo geográfico ou até histórico. É um problema comum às sociedades ocidentais que vêem agora emergir com sucesso tonitruante modelos alternativos de governação e governança que prometem prosperidade, mas negam liberdade e sonegam tolerância. As sociedades ocidentais, pressionadas por essa nova competição e incapazes de satisfazer as altas expectativas inscritas nas suas cartas de marear, sentem-se pois tentadas a seguir as pisadas musculadas e restritivas dos competidores emergentes. São essencial e infelizmente sociedades na defensiva.  
2. Este ponto que quer aqui marcar-se, o de que a crise é ocidental e não especificamente “europeia”, tem sequelas políticas evidentes. A primeira delas é que é absolutamente redutor e basicamente insuficiente “culpar” a União Europeia pela situação a que chegámos. Se os Estados Unidos, país tradicionalmente acolhedor de imigração, fazem das migrações o principal polo de tensão política, como considerar que esta é uma questão puramente europeia? Se a razão mais visível para o voto pela saída no referendo britânico foi a questão do controlo de fronteiras, como confinar esta questão à política da União Europeia? Ninguém nega, bem pelo contrário, que este é um problema europeu, porventura o mais dilacerante. Mas é preciso ter consciência de que a formulação exacta é matizada: este é um problema “também” europeu. A retórica antieuropeia, sempre muito acarinhada na opinião publicada, procura esconder e secundarizar a evidência: não se cura de um problema intrinsecamente europeu, criado e exponenciado pela malévola União Europeia; trata-se isso sim de um problema comum aos países ocidentais, aí incluídos os Estados Unidos (e, claro está, o glamoroso Reino Unido). De modo algo diverso, mas bem presente, as realidades políticas australiana e canadiana também o comprovam.
3. A segunda ilação a tirar, aquela a que verdadeiramente queria chegar, é decerto mais ousada e diz respeito àquilo a que poderíamos chamar o efeito Trump. A eleição de Trump, já o disse há muito, foi extremamente negativa para o Ocidente, para o seu peso na equação global e, bem assim, para o desenvolvimento político interno dos vários parceiros da aliança ocidental. Basta ver a forma como encara a NATO e como trata os aliados para o perceber. Basta atentar na guerra comercial que acaba de atiçar para o compreender. Mas mais grave do que isso tudo e, de resto, em corte com a tradição política americana vem a ser a sua afeição à democracia iliberal. O desprezo pelos tribunais, pela independência dos juízes e imparcialidade dos procuradores e, além disso, a hostilidade para com as funções de controlo e de balanço do Congresso são sinais inequívocos da sua falta de escrúpulo constitucional e liberal. Para já não falar do apreço pela Rússia e por Putin, bem como por todos os tipos de autocracia. O despeito para com a democracia representativa e a afinidade com as ideias de uma ligação orgânica e directa entre o chefe e o povo são ostensivos. Esta atitude e esta cartilha dão imensa força a todos os que do lado de cá do Atlântico são adeptos confessos da chamada “democracia iliberal”. Foi assim com Farage na Grã-Bretanha. Mas é evidente com Kaczynski na Polónia, com Órban na Hungria, com Salvini na Itália. Muito do que estes políticos fazem não seria viável se não encontrassem em Trump o colo e o conforto. Esta observação não é do mundo da imaginação ou do delírio: atente-se tão-somente no que já fez o embaixador americano em Berlim. Bastará, aliás, ler os tweets que esta semana o próprio Trump escreveu sobre a situação política alemã (a respeito da crise entre CDU e CSU, Merkel e Seehofer) para ver como ele instiga e ampara as forças iliberais em toda a Europa. O que Putin faz, mais ou menos discretamente, por meio de hackers, Trump quer fazer, em modo manifesto, nas redes sociais.
4. É necessário que se reconheça: a voz grossa, o braço musculado e o punho em riste de muitos dirigentes europeus não seriam os mesmos se não tivessem a almofada de Trump e dos seus instintos. É por isso que, sempre que se encontram com Trump, é mais avisada a circunspecção de Merkel do que o afago jovial de Macron.
II-  ANÁLISE
A Europa não está preparada para o fim do Ocidente
Trump significa uma ruptura com o que estava adquirido na relação transatlântica desde o pós-guerra. A Europa não está preparada para ele.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 28 de Junho de 2018
1. Na sua habitual carta aos líderes europeus, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, avisou-os de que têm de encarar de forma realista “o pior dos cenários”, lembrando que as tensões transatlânticas vão muito para além da guerra comercial.
O “pior dos cenários” é, evidentemente, a mudança de 180 graus da política do Presidente americano relativamente à Europa. “Enquanto discutimos as migrações ou a reforma do euro, é preciso termos consciência do contexto geopolítico que se seguiu ao G7”, diz a carta. “Apesar dos nossos esforços para manter a unidade do Ocidente, as relações transatlânticas estão sob imensa pressão devido às politicas de Donald Trump”. 
A carta de Tusk tem a virtude de colocar o dedo na ferida, numa altura em que Angela Merkel, o alvo principal da “guerra” do Presidente americano contra a Europa, parece estar mais enfraquecida do que nunca. Trump será hoje, em Bruxelas, o elefante na sala. O problema maior é que estarão sentados à mesa alguns dos seus novos aliados do lado de cá do Atlântico.
O efeito Trump é hoje incontornável. A Economist citava um diplomata europeu para descrever a nova realidade: “Os meus colegas regressaram da cimeira do G7 como se tivessem colocado as mãos numa torradeira”. pânico instalou-se nas principais capitais europeias, a começar por Berlim. Ninguém sabe o que esperar da próxima cimeira da NATO, a 11 e 12 de Julho. “A Europa não está preparada para o fim do Ocidente”, diz um conselheiro da chanceler, citado pelo Politico. Em matéria de segurança e defesa, acrescenta, “não há plano B”.
Os principais responsáveis políticos europeus caíram em si, depois de um período em que foram acalentando algumas ilusões. Trump significa uma ruptura com o que estava adquirido na relação transatlântica desde o pós-guerra. A Europa não está preparada para ele.
2. A América foi a força motora da integração europeia. Com três objectivos estratégicos: garantir a paz, resolver a questão alemã e defender o mundo livre da ameaça soviética. A NATO, fundada em 1949, foi a mais longa e bem sucedida aliança militar do século XX. A União Soviética implodiu sem que tivesse de disparar um tiro. Sobreviveu ao fim da divisão da Europa, transformando-se num produtor de segurança à escala global. Alargou-se quase até às fronteiras da Rússia, acompanhando o alargamento da UE. Enfrentou crises. Accionou pela primeira vez o Artigo 5 na resposta ao 11 de Setembro. Esteve e está no Afeganistão. Desempenha missões de treino no Iraque. Franceses e britânicos participaram com os EUA no combate ao Daesh. Garante a segurança na fronteira europeia com a Rússia, desde que a crise ucraniana e a ocupação da Crimeia puseram fim às dúvidas sobre o revisionismo expansionista de Moscovo.
Durante algum tempo, os aliados europeus, ainda acreditaram que o hábito acabaria por fazer o monge. O Presidente da America First, que declarara a NATO obsoleta, "partiu a loiça" na primeira cimeira da NATO em que participou, em Maio do ano passado, recusando qualquer referência ao Artigo 5, garante da defesa colectiva. Mas as sucessivas visitas a Bruxelas de Mike Pence, Rex Tillerson ou James Mattis tentaram apagar o fogo, reafirmando o compromisso transatlântico. A ilusão perdurou. Hoje, já não existe. Como disse a chanceler, “a Europa está, pelo menos em parte, por conta própria”. O outro lado da moeda é que ninguém tem ilusões  sobre a capacidade europeia de garantir a sua própria segurança nem do longo caminho para criar uma capacidade militar autónoma, suficientemente dissuasora.
A chanceler alemã foi sempre o alvo principal de Trump. “Os seus constantes ataques verbais a Merkel são perigosos”, diz Judy Dempsey, do Carnegie Europe. E não apenas por causa do excedente comercial, dos Mercedes e BMW que “poluem” as estradas americanas, ou dos gastos, curtos, com a defesa. Merkel encarna os valores fundamentais que estão na base da relação transatlântica e que garantiram a sua solidez. Os mesmos que Trump pura e simplesmente despreza. “É quase como se quisesse uma mudança de regime em Berlim”, diz ainda a analista do Carnegie.
O Presidente francês ainda tentou a “lisonja” para dissuadir o seu homólogo americano de rasgar o acordo nuclear com Teerão. O resultado foi nulo. O problema é que, sem os EUA, não há motivos para que o regime de Teerão o respeite. Apenas os EUA poderiam garantir que não haveria “mudança de regime”.
3. Contra as expectativas, Merkel conseguiu manter a Europa unida, quando foi preciso enfrentar a Rússia. Putin subestimou-a. Trump revela-se uma arma muito mais poderosa. Como escreve o New York Times em editorial, o Presidente “afasta os aliados, cancela acordos, ignora tratados de comércio, elogia os déspotas e aplaude os demagogos populistas”. Na Europa, é hoje o principal aliado dos partidos anti-europeus, xenófobos e identitários. Continua a diário americano: “Houve um tempo em que uma Europa unida politica, económica e militarmente era uma prioridade estratégica dos EUA”. Durou 70 anos. Esse tempo acabou?
Ainda parece haver em Washington alguma resistência. Enquanto, na semana passada, Trump invectivava a chanceler, dizendo que os alemães se tinham finalmente virado contra ela, James Mattis recebia no Pentágono a sua homóloga alemã num ambiente cordial, insistindo embora em que a Alemanha tinha de aumentar significativamente os seus gastos com a defesa. Numa entrevista ao Wall Street Journal, Mike Pompeo garantia que o seu Presidente estava apenas a adaptar a política externa às condições do pós-Guerra Fria. Não vê a constante tensão com Berlim como uma mudança “permanente”. Desde que a Alemanha reduza o excedente e pague o que deve pela sua defesa. A questão politica fica de fora. Trump apoia as forças europeias que são contra a UE, contra os imigrantes e contra a globalização. Um pormenor.
4. É tudo isto que está à prova em Bruxelas. Não é apenas uma cimeira com um conjunto de temas difíceis ou “impossíveis”. Merkel precisa de um entendimento europeu que lhe permita a sobrevivência do Governo. A Europa precisa de uma estratégia de longo prazo para a questão da imigração, que vai durar muito tempo, enquanto o Mediterrâneo for a fronteira entre os países mais desenvolvidos do mundo e os mais pobres. O eixo franco-alemão tornou-se ainda mais indispensável para combater a crescente fragmentação da Europa. O problema é que os “inimigos” já estão dentro das muralhas.
Dois comentários
Joao Portugal 28.06.2018
Ao ler o texto vieram-me à memória os óculos do Marcelo Caetano no pequeno écran, dirigindo-se a mim, a mim mesmo, nas suas conversas em família como eu nunca tinha ouvido alguém, e que bem falava! Que bem explicava! Quase chorava eu ao ouvir as ameaças à honra das mulheres portugueses que insurrectos comunistas queriam praticar em Angola ou na Guiné, o espírito do Albuquerque entrava em mim e só ansiava estar lá na África, na Índia, na Ásia a defender Portugal e a Democracia.
Também o texto da Teresa é inspirador, nos inspira a defender por todos os meios a Nato único garante de defesa contra os comunistas e ortodoxos que querem atentar contra a honra das mulheres europeias e a sua democracia. A Nato, que empurrou até às suas fronteiras os “comunistas maléficos”, já cercados de mísseis e bombas atómicas do Mar Branco ao Mar do Japão passando pelo Mar Negro, de vitória em vitória, com golpes, com ocupações e golpadas nos parlamentos, com bombardeamentos abrindo caminho à vitória dos jihadistas, no centro da Europa, na Líbia, Afeganistão, Iraque, Síria, Iémen, etc etc onde houver um resquício de comunismo ou socialismo, ou houver um resquício de petróleo ou riquezas minerais, aí está a Nato a bombardear, invadir, enviar terroristas jihadistas, nazis ou mafiosos.
Também o Marcelo enquanto falava e se gabava do crescimento da economia em quase dois dígitos e na segurança e democracia que o governo nos assegurava, não se apercebia (ou recusava perceber) que o sistema estava a ruir e esboroar…. Também a Teresa continua e insiste nesta lenga lenga de terror e do perigo de invasão de Leste, dos comunistas ou dos russos tanto faz é tudo o mesmo para a lenga lenga surtir o efeito desejado, lenga lenga que tem dado resultados claro já desde o tempo do Salazar, e insiste a Teresa , ou por hábito, ou por convicção, ou por ser isso que tem sempre feito … enquanto o sistema já está a ruir e esboroar … com a “invasão” vinda afinal do Norte de África e Médio Oriente, onde a trupe bombista da Nato tem destruído com guerras, bombardeamentos e invasões.
Não se mude a lenga lenga e isto não tem mesmo retorno, não se diga a verdade, não sejam os líderes verdadeiros líderes esclarecendo claramente e com verdade, e apontando soluções alternativas... isto vai de mal a pior... depois talvez venha a Teresa lamentar-se como o Marcelo "Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se transformar numa Suíça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa."
  28.06.2018
Não o fim do Ocidente, mas um Ocidente mais autónomo e consciente dos seus valores e das suas fronteiras. O que inclui a sua relação, algo doentia, com os EUA. Não permeável a quereres e desejos provenientes do exterior, nomeadamente às vagas de populações com valores e interesses contrários aos nossos e que se acham no direito de aqui entrar, permanecer e impor os seus valores e culturas.



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