quinta-feira, 12 de julho de 2018

Que sais-je?


Que sais-je?
Mas gosto de saber. Por isso transcrevo os textos que nos ilustram sobre o mundo otomano em geral e Ergogan em particular.
Mas Erdogan venceu as eleições de 2018

I - ANÁLISE
É difícil ser turco
Apesar da completa hegemonia do Presidente Tayyip Erdogan, que acumula todos os poderes e asfixia a informação livre, a política turca não morreu. Os inquéritos confirmam o reforço do nacionalismo mas também uma clara defesa da democracia e das liberdades. As eleições deste domingo são mais um desafio ao regime autoritário.
PÚBLICO, 23 de Junho de 2018
A política não morreu, a história não acabou. As eleições presidenciais e legislativas turcas deste domingo são mais um teste ao poder autocrático do Presidente Recep Tayyip Erdogan e à resistência da democracia política. Um estudo recente confirma a força do nacionalismo, com uma “crescente obsessão pela soberania nacional” e mais desconfiança perante o Ocidente. Mas também revela “um profundo orgulho pelas reformas democráticas”. Este misto de sentimentos contraditórios e as fundas divisões perante Erdogan sugerem que “a política turca permanecerá incerta e crescentemente agitada nos próximos anos”.
A história política turca é marcada por grandes viragens. O ciclo democrático e europeísta aberto em 2002 é hoje perfeitamente explicável, mas foi uma surpresa. A primeira década de poder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) e do seu líder, Recep Tayyip Erdogan, foi deslumbrante — “o melhor Governo que a Turquia jamais teve”. A partir de 2011, Erdogan decide ser Presidente e mudar o regime. Começa uma deriva autoritária. A pergunta passou a ser: sobreviverá a democracia turca a Erdogan?
Como se chegou aqui?
Quando o autoritarismo está no apogeu, convém olhar para as fissuras do regime. E lembrar como “se chegou aqui”. A conversão à democracia dos islamistas que fundaram o AKP foi uma necessidade. A sua aposta na Europa foi uma alavanca decisiva para a democratização e para a demolição de uma democracia submetida à tutela militar. Para lá da democratização e do sucesso económico, a Turquia tornou-se um modelo para o mundo muçulmano.
A derrapagem começa após a esmagadora vitória eleitoral do AKP em 2011. Erdogan decide mudar o regime e estabelecer o seu poder pessoal. Um momento-chave na viragem é o conflito com o movimento Hizmet, do religioso sufi Fethullah Gülen. Este é acusado de tentar um “golpe de Estado” através dos seus membros na polícia e na magistratura. O “golpe” era uma investigação judicial à corrupção no AKP, incluindo membros do Governo e os filhos de Erdogan. Foi o pretexto para uma vaga de repressão. Milhares de magistrados, polícias são demitidos e a liberdade de informação é cerceada.
Em Agosto de 2014, Erdogan é eleito Presidente da República, na primeira volta, com 51,2% dos votos. Mesmo sem revisão constitucional, impõe “um presidencialismo sem contrapesos”, em que o Presidente controla os outros poderes: o legislativo, o executivo, o judicial — e o mediático. Nascia o “sultão Erdogan”.
Após o estranho “golpe de Estado” militar de Julho de 2016, Erdogan conclui a depuração do Estado e de instituições privadas, dos professores aos jornalistas. As eleições deste domingo decorrem com mais de cem jornalistas presos e com 90% dos jornais e dos canais de televisão encerrados ou nas mãos de “amigos” de Erdogan. A Turquia vive desde 2016 em “estado de urgência”.
A revisão constitucional que institui o presidencialismo é aprovada no referendo de Abril de 2017 por 51,4% dos votos, muito abaixo do que Erdogan desejava. Mas só entrará em vigor após novas eleições. Entre as inovações, está a eliminação do cargo de primeiro-ministro. O Presidente da República concentrará todo o poder executivo.
Que pensam os turcos?
Para acelerar a completa concentração do poder, Erdogan anunciou, a 18 de Abril, a antecipação do voto previsto para Novembro de 2019. O novo texto constitucional permite-lhe exercer dois mandatos de cinco anos. Tenciona ser Presidente até 2028?
Outra razão terá sido a vontade de favorecer a reeleição à primeira volta, aproveitando a dispersão da oposição e antes que a instável situação económica se degrade. E precisa de garantir a maioria absoluta no Parlamento. São “eleições vitais” para Erdogan. Mas terá sido surpreendido. Enfrenta cinco concorrentes, um dos quais, Muharrem Ince, do Partido Republicano do Povo (CHP, herdeiro da tradição kemalista), se revelou uma alternativa credível, com trunfos para o forçar a uma segunda volta, em que contaria com o voto de quase todos os outros concorrentes.
As eleições deste domingo serão tratadas noutro texto. Aqui interessa referir alguns dados do estudo acima citado, do think-tank liberal Center for American Progress, publicado em Fevereiro, com base numa amostra nacional de 2453 pessoas, inquiridas em Novembro de 2017.
A primeira constatação é que “os turcos estão profundamente divididos segundo linhas partidárias e ideológicas”, mas também sob outros critérios menos evidentes.
Para começar, 45% dos inquiridos pensam que a situação na Turquia está a caminhar “para pior”, contra 34% que acham que está a caminhar “para melhor”, e, para 17%, “nem melhor nem pior”. É entre os simpatizantes do AKP que o optimismo domina (63% contra 17%). Não se tirem conclusões precipitadas. Quantos aprovam e quantos desaprovam o “modo como Erdogan exerce o seu cargo presidencial”? A aprovação é de 48% (91% entre os votantes do AKP) contra 42%, que têm uma opinião negativa. A repressão após o “golpe de Estado” de 2016 divide ao meio a opinião: “apropriada” para 44%, “desapropriada” para 44%. A aprovação domina nas categorias de ensino mais baixas e a condenação nas mais altas.
No relativo ao nacionalismo, manifestamente fortalecido pela guerra síria, há algumas respostas interessantes. É a Turquia “um líder natural do mundo muçulmano”? Sim, respondem 72%. “As elites económicas e políticas globais têm excessivo poder na Turquia e devem ser limitadas?” Sim, dizem 84%. Orgulho no passado otomano? “É muito importante” para 53% e algo importante para 79%. Um Erdogan “forte é necessário para proteger os interesses turcos”? Sim, na opinião de 55%. Ser muçulmano faz parte da identidade da Turquia?: sim e “muito importante” para 67% ou “importante” para 91%.
Qual a atitude perante os “outros”? Merecem uma opinião “desfavorável” a Rússia (63%), a Europa (73%) ou os EUA (83%). E também os cristãos (69%), os judeus (78%) ou os refugiados sírios (79%).
Há mais dois pontos relevantes. “Os direitos democráticos, como a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, o direito de emitir as próprias opiniões são vitais e não devem ser sacrificados por nenhuma razão.” Esta afirmação merece a concordância de 70% dos inquiridos. Tal como “a defesa dos valores democráticos” é “muito importante” para 59% e “importante” para 86%.
É difícil ser turco.

COMENTÁRIOS:
Luís Miguel terra alheia 23.06.2018: Muharrem Ince. Candidato do CHP, partido herdeiro da tradição republicana laica de Mustafa Kemal Ataturk. Comícios gigantescos em Esmirna e Ancara e hoje na parte asiática de Istambul. Anunciaram 5 milhões de pessoas. Provavelmente exagero, mas as imagens são impressionantes. Talvez Erdogan tenha calculado mal. Oxalá. Hoje no comício: «Se for eleito, reabro a embaixada em Damasco e resolveremos os nossos problemas com o governo sírio.» Já seria tempo
Joao Portugal 24.06.2018: Oxalá. É difícil, mas mesmo que acontecesse decerto não se atreveria a fazer nada do que prometeu pois teria logo uma mensagem de Washington a lembrar-lhe que se deve comportar ou levaria logo com um golpe em cima.
23 Junho 2018
II
II- Na Turquia de Erdoğan vive-se um "medo constante" do homem que mudou o país à sua medida à força de prisões arbitrárias e despedimentos em massa. Domingo há eleições — e a oposição pode surpreender.
JOÃO DE ALMEIDA DIAS, OBSRERVADOR
OBSERVADOR
Quando passamos em revista tudo o que se passou nos últimos anos na Turquia de Recep Tayyip Erdoğan, o jornalista turco Ahmet Dönmez suspira em iguais doses de cansaço e exasperação. Está em Estocolmo, na Suécia, onde vive com o estatuto de refugiado após ter sido perseguido pelo regime quando publicou uma série de artigos que tinham o nome de Erdoğan no centro de um esquema de corrupção.
“Os últimos anos foram de loucos”, diz. E, como os últimos anos deixaram na psique dos cidadãos turcos que a espiral de Erdoğan é longa e tortuosa, Ahmet Dönmez antevê também um futuro complicado: “A Turquia tem pela frente dias e dias de caos e turbulência”.
Este domingo, os turcos vão a eleições gerais, que se dividem em duas partes: as eleições legislativas e as eleições presidenciais. Nas presidenciais, se quiser vencer, Erdoğan terá de conquistar mais de 50% dos votos. Caso contrário, haverá uma segunda volta, a 8 de julho. Porém, antes de olhar para o futuro, é preciso olhar para o passado recente da Turquia. (…)

 “Erdoğan está a tornar-se num sultão otomano”, diz ao Observador Ilhan Tanir, analista turco que vive atualmente em Washington D.C. e cujos tweets lhe valeram uma acusação de fazer parte de um grupo terrorista. “Ele anda a emitir decretos como se fosse um sultão, na cabeça dele não há diferença.”


Nenhum comentário: