quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Petite prose en “poème”



Foi este um tema – “Liberdade” – proposto para uma Antologia. Este, mesmo em verso macarrónico – 30, no seu máximo – foi aceite, e ponho-o no meu blog, por me parecer desafiante contra as gaivotas do nosso lirismo que dispararam em catadupa aquando da revolução “libertadora” – condicionante, pelo contrário, do homem, nas grilhetas tortuosas de uma falsa demagogia.

Liberdade
Tudo no universo é prova
De quanto a liberdade é utopia:
As plantas, que se prendem à terra,
Os animais circunscritos aos espaços da sua manutenção,
As próprias ondas que no areal se espraiam
Em alegre fuga ao mar dominador,
Retomando o mar logo a seguir,
Tudo isso testemunha
Que há regras e prisão em toda a condição.
E os próprios rochedos inflexíveis na sua coesão contestam
O fervilhar de liberdade
Que move o homem com ironia,
Enquanto o universo vai girando
Nas suas atracções e repulsas
Gravitacionais,
Na rigidez do seu trajecto a cumprir
Sem fantasia.
Só mesmo as nuvens e os ventos são livres de prosseguir,
Em volteios ou mesuras que acabarão por perder.
Se o homem transgredir
As premissas da postura
- Premissas da compostura -
Na ambição dos desvios,
Na ficção da liberdade,
Tudo dará confusão,
Tudo será convulsão, de retorno ao caos primeiro.
Liberdade que se preze só existe a racional:
Só pode ser livre o Homem que a si se respeitar
- Apesar das contingências fatais
Do seu cais.


Tragicomédia com muitas personagens



Todas elas vítimas, é certo, como todos nós, mais ou menos atentos à conjuntura, mas acrescentando em dados e argumentos ao historial de Rui Ramos, sério e aplicado, tentando alertar, afinal para a costumeira imprevidência de um povo amodorrado de egoísmo e inércia, preso a uma conjuntura governativa feita de traição e engodo. Comentários que por vezes entram em despique, e que lemos como se fosse uma peça dramática que nos dá prazer e faz ponderar.
 O nosso regime ainda é deste mundo? /premium
RUI RAMOS OBSERVADOR, 26/2/2019
O nosso regime assenta, desde 1976, na premissa da solidariedade do Ocidente, tal como existiu durante a Guerra Fria e nos anos 90. Num mundo menos internacionalista, que poderá acontecer ao regime?
Depois da bancarrota de 2011, imposta ao país pelas mesmas famílias socialistas que hoje ainda nos regem, o medo em Portugal passou a ter uma cara: a do programa da troika. Sempre que a economia desacelera, as bolsas caem, ou os juros sobem na América, é isso que vagamente se receia: o regresso da troika. Este medo tem duas faces. A primeira é realista, a segunda é uma ilusão. A face realista tem a ver com a consciência de que, embora a conjuntura tenha mudado, pouco mudou estruturalmente: os turistas desembarcam, mas a nossa dívida cresce e o Estado continua a constranger-nos com a sua burocracia e os seus impostos. A ilusão tem a ver com outra coisa: a ideia de que, se tudo correr mal, não será pior do que da última vez. Como se, durante estes oito anos, nada tivesse acontecido e o mundo continuasse na mesma.
O facto, porém, é que aconteceu muita coisa: o Brexit, o Syriza, Donald Trump, Matteo Salvini, a Alternativ fur Deutschland, etc. Sim, Angela Merkel ainda lá está, mas derrotada e com sucessor à vista. Podemos tratar tudo isso como uma mão cheia de episódios avulsos. Ou podemos ver nessa sequência o princípio do fim daquele mundo em que, durante anos, fizemos défices e dívidas sem outra preocupação senão a de receber um puxão de orelhas da Comissão Europeia ou, no pior cenário, uma visita da troika, a pedir-nos que moderássemos os gastos em troca de mais empréstimos.
O mundo está hoje menos “internacionalista” do que há oito anos. Com Trump, mas já antes dele com Obama, os EUA deixaram de esconder a impaciência com o papel de polícia do planeta. Com o referendo do Syriza na Grécia, a crise migratória de 2015, o Brexit, o desafio de Salvini em Itália ou os coletes amarelos em França, algo se deslassou na maionese integracionista europeia. É verdade: o euro continua a existir, o Syriza acabou por cumprir os tratados, Salvini recuou nas provocações, e ainda nem sabemos se o Reino Unido vai mesmo sair. Mas parece muito óbvio que não será fácil um governo europeu pôr os seus cidadãos a fazerem sacrifícios pela Europa, mesmo que o interesse do país seja esse. Os “populistas” disciplinaram o integracionismo ilimitado dos anos 90, quando o governo de Kohl pôde obrigar os alemães a renunciar à sua moeda ou quando, sempre que um país votava contra Bruxelas, bastava obrigá-lo a votar outra vez. Ora, o resgate português de 2011 pertence a esse mundo pré-Brexit e pré-AfD. E se da próxima vez não houver troika como em 2011?
O nosso regime assenta, desde 1976, na premissa da solidariedade e unidade do Ocidente, tal como existiu durante a Guerra Fria e ainda nos anos 90. Era um mundo em que também havia egoísmo e impaciência, mas em que a causa da coesão prevalecia sempre. Em 1975, talvez Kissinger não se tivesse importado de usar Portugal como vacina contra o eurocomunismo, mas Carlucci não deixou um aliado da NATO tornar-se uma Cuba europeia. Os dez países da CEE demoraram muito tempo a integrar Portugal, mas nunca houve dúvidas de que o fariam. A nossa oligarquia habituou-se a confiar no enquadramento internacional para se dispensar de garantir o regular funcionamento das instituições ou o crescimento sustentado da economia. Ainda se lembram de quando nos explicavam que, com o euro, o défice externo já não tinha importância? Afinal tinha. Bastará, para estarmos descansados, a expectativa de que a “Europa” intervirá sempre que houver dificuldades? Que será do regime se o 112 da integração internacional falhar ou não funcionar como esperado? Estamos na mesma num mundo que já não é o mesmo: eis o que pode, um dia, ser o princípio de um grande sarilho.
COMENTÁRIOS:
Maria Narciso Os Pilares de uma Sociedade Saudável assentam na Mobilidade que o Estado Social Proporciona . Os EUA e alguns Países da UE estão a Sobrepor o Poder Económico ao Poder Politico e enquanto Não Perceberem que é o Poder Político que Tem de Prevalecer -, A Democracia está em Perigo. É Preciso ter em conta que o  Enquadramento Internacional é Fundamental . Numa Europa Global os Cofres Cheios têm Sempre Condicionantes :  Existir Sempre o Perigo de Contágio e um Desequilíbrio que é Necessário Corrigir Rapidamente. Em Portugal as coisas estão a correr bem. A Agência de Gestão da Dívida Pública tem uma Reserva à qual pode Recorrer Sem haver necessidade de ir aos Mercados em condições Desfavoráveis. Com a Redução e até mesmo a eliminação do Défice - Reduz --se o ' Stock ' como o Rácio da Dívida em Percentagem    Os Riscos vêm de fora do País , nomeadamente dos EUA em que tudo o que Acontece lá  - Leva o Resto do Mundo atrás - É na Loucura dos outros que tudo pode acontecer.
Lew Perry:: O problema de que RR se esquece, é que para muitos comunistas derrotados, a NATO e a UE se tornaram na continuação do eurocomunismo por outros meios. (vide. Teresa de Sousa).
Quinto Império: Sabem qual é o cúmulo da insanidade? È continuar a fazer sempre a mesma coisa (neste caso erros) e esperar um resultado diferente.
Alexandre AC: Sério aviso à navegação imprudente em curso. Oxalá sirva pelo menos para provocar uma reflexão. Excelente artigo como é habitual 
Maria Narciso: Um dos Problemas Sérios da Europa é o Défice Democrático : Não se sabe quem toma as Decisões Político - Financeiras. -  Não Têm de Prestar Contas a um Parlamento - Estão á Parte do Debate Politico . A liderança Política foi Substituída por uma Máquina Burocrática que Não Responde a Ninguém. Este Nobre Povo e Esta Nação Valente à qual me Orgulho de Pertencer, já Demonstrou que Honra os seus Compromissos . Os Portugueses Hoje Mais do que Antes - Precisam de Ter Esperança - Confiança e Expectativa de Vida.
Helder Vaz Pereira: Os esquerdalhas não se importam nada com isso; O tacho para já está garantido; é vê-los pelas tascas do Bairro Alto e Cais-de-Sodré  todos pimpones e lampeiros com as meninas a tiracolo  a gozar os proveitos da mesa do Orçamento. Este regime é do "outro" mundo.
Maria Narciso: Portugal faz parte da UE..  É na EU que se tem de encontrar as Alternativas . A UE Não pode repetir o mesmo Erro do Passado Recente em que respondeu Muito Mal á Crise : - Violando os Tratados e Expondo os Estados Membros com Economias Frágeis a comportamentos Especulativos dos Mercados Financeiros.
Antonio Fonseca > Maria Narciso: Podemos ser irresponsáveis à vontade que a UE alinha em todas as nossas loucuras!
Maria Narciso > Maria Narciso: O Papel do BCE deve ir para além da Estabilização de Preços e os Tratados Europeus Devem de ser Alterados de Forma a Permitir ao BCE de Emitir Moeda em Semelhança á Reserva Federal da América.
Os Países Precisam de Receita - Sendo Necessário Criar Medidas Eficazes no Combate á Evasão Fiscal.
Quinto Império > Maria Narciso: OH maria narcisa sempre a mesma ideologia cega. Você aposto que tem a melhor das intenções mas na prática está longe da verdade.
Maria Narciso > Quinto Império: Fundamente essa Opinião. 
josé Maria: ...mas a nossa dívida cresce.. Rui Ramos não lê o Observador ? Ou lê e passa por cima ? Dívida pública baixa para 125,8% do PIB no primeiro semestre
Antonio Fonseca >josé maria: Vê se logo que não passas de um xuxa ignorante. A nossa divida cresceu. Devemos mais milhões de euros que no ano passado por esta altura. 
josé Maria >Antonio Fonseca: Dívida Pública em percentagem do PIB para um tótó: Quando analisamos dívida em percentagem do PIB, o cenário é muito diferente. Esse é o método utilizado por todas as instituições internacionais, é para ela que olham os mercados financeiros e é essa métrica que vale para efeitos de cumprimento de regras comunitárias.
Antonio Fonseca: josé maria: Tótó és tu. Devemos mais milhões de euros que no ano passado por esta altura.  Vai ver ao PORDATA se não é assim.
josé Maria > Antonio Fonseca: Os tótós, como você, não conseguem perceber que, para efeitos de  dívida pública, o que mais importa é a capacidade de pagá-la, como decorre do conceito de dívida em função da percentagem do PIB. Mas isso é muita areia para as camionetas de seres tão básicos. Para eles, o melhor país é a Líbia, que tem a dívida pública mais baixa. O pior é o Japão, que detém a mais alta.
Quinto Império > josé maria: Aprendeste bem com o Costa a encapotar os números. A dívida aumentou ponto. Se a dívida aumenta é porque tens menos capacidade de cumprir compromissos logo tens menos capacidade de pagá-la e quanto mais aumenta menos capacidade tens, porque tens mais juros que fazem aumentar mais a dívida. dica: pela tua lógica porque é não vais morar para a Líbia?
dragone, Pedro: Evitar mais bancarrotas e Troikas não é uma questão de direitas ou de esquerdas. É uma questão de cultura de rigor, competência e sentido de responsabilidade. E, nos tempos que correm, arrumar a ideologia junto ao rolo de papel higiénico também ajuda. Seja ela ideologia de direita, de esquerda, de "esguelha", a fazer o pino ou de pernas para o ar.  De qualquer forma não vale a pena assustar as hostes, como se fossem criancinhas porque, ainda que a UE desaparecesse do mapa, em caso de dificuldades há sempre o FMI. Como aconteceu nos anos 80. 
Francisca Anacleta Mortágua: Qual sarilho ? Quem disse que o povo não Aguenta mais ??? Foram as 3 Famiglias troykistas de esquerda ( FAMIGLIA Costa cativações e taxas, FAMIGLIA Mortágua,Anacleto&Robles gestão de imóveis , FAMIGLIA Arménio,Jerônimo Loures Electricidade e Eventos ) quando elas não estavam no poleiro.  Agora dizem:   Ai aguenta, aguenta !!! Continuamos a avançar de vitória em vitória em direcção à Venezuela do N. Maduro, As milícias armadas destas Famiglias encarregar-se-ão de manter o prosseguimento desta luta patriótica e de esquerda.
Liberal Impenitente: Desde 2011 o mundo não mudou assim tanto, mas isso não é preciso para que devamos saber que o segundo resgate a Portugal, que Wolfgang Schauble afirmou categoricamente que seria necessário, não será como o de 2011. Há múltiplas razões para que assim seja, e deveria bastar-nos o conhecimento do caso grego para o saber. Quem admite que poderá acontecer uma segunda Troika benevolente, quase condescendente, como a primeira, vive, de facto, na ilusão. Para quem não gosta desse estupefaciente socialista, como é o meu caso, ver de novo os altos funcionários do FMI a saírem do avião na Portela deveria fazer-nos tremer. Como é óbvio, a esmagadora maioria dos portugueses está-se nas tintas, e basta ver como votam para o saber. Esse é um erro que lamentarão amargamente. "O défice externo já não tem importância" é soberba em estado puro. São soberbos, os nossos xuxalistas!
Anabela Faisca: Trump segue as políticas de Obama? Oh Rui, Rui...o Obama andava a dar dinheiro aos palestinianos, rebeldes sírios, paquistaneses, iranianos - não era já polícia do mundo, era sequestrado pelo mundo & terroristas. Já o Trump retomou a global  liderança dos EUA, enfrentou a China, a Rússia, o Irão e a Coreia do Norte; não queima o dinheiro dos americanos lutando as intermináveis guerras dos outros, mas lidera as negociações e faz guerra com objectivos de curto e médio prazo como foi com a que levou à derrota do Estado Islâmico.  O Obama não tinha liderança nem políticas, só garganta. Quem não se lembra de o ver sair pela escada de emergência do airforce one quando aterrou na China ou a maneira displicente como foi recebido na Arábia Saudita?
Joao MA: Excelente artigo como costume. 
David Fernandes: O nosso primeiro-ministro já fala castelhano em Espanha.
Alberto Rei: quando não cuidarem de nós olha, vendemo-nos aos russos e ou aos árabes, aos chineses seria melhor. 
Marco Silva: Não sei quem pensa que se houver outra crise, não será pior que a anterior... Portugal tem mais dívida, mais despesa, mais impostos que antes...a quarta bancarrota será bem pior que a terceira, tal qual a terceira foi bem pior que a segunda... E pior, tem precedentes, já que qualquer corte de despesa é recebido como "inconstitucional", portanto sim, será pior, mas MUITO pior que a terceira (de 2011). Quanto ao não haver Troika, há sempre o FMI, que é financiado por países como os EUA (que os portugueses tanto criticam). De resto os portugueses são exímios em atacar as consequências e nunca as causas...e como são péssimos a aprender lições, bem como a ler história, vão continuar a repetir os mesmos erros vezes sem conta, e sempre com aquela altivez que "eles e elas é que sabem".

Pedro Alves: O futuro deste regime está umbilicalmente ligado ao futuro da integração europeia. Foi sempre assim, o que garantiu a viabilidade da partidocracia par(a)lamentar portuguesa pós-1976 foi a integração no espaço económico e político europeu, sem isso isto já nem estava como a Venezuela, apostem mais em algo tipo Somália. Quando e se a UE se desagregar ou deixar de pagar o "pão para malucos", este paradigma político ruirá como um castelo de cartas. O que virá a seguir? Seguramente nada de bom, mas talvez os portugueses finalmente (?) se apercebam de que sem produção de riqueza, sem rigor e sem trabalho, não há milagres.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

“Boa, João!”



Mais uma crónica honrada de MST, que mereceu muitos doestos de gente, suponho, que pouco o será. Por isso não coloquei esses comentários, bem ao jeito de perfídia própria nossa.
OPINIÃO
O “fantasma do socratismo despesista”
O socratismo despesista existiu mesmo e é imperdoável negá-lo, ou andar a fazer ironia com a página política mais dramática de toda a nossa democracia.
JOÃO MIGUEL TAVARES           PÚBLICO, 21 de Fevereiro de 2019
A expressão que dá título a este texto foi utilizada na quarta-feira por António Costa na Assembleia da República, durante o debate da moção de censura apresentada pelo CDS. Em resposta a uma intervenção do PSD sobre os baixos níveis de investimento em Portugal, o primeiro-ministro invocou o “fantasma do socratismo despesista”. Mais precisamente, saudou com ironia o PSD por hoje em dia considerar o investimento público “algo que é essencial ao desenvolvimento da nossa economia, à cidadania dos portugueses e à coesão territorial”, em vez de adoptar a posição de antigamente, quando tinha a mania de implicar com o despesismo socrático – esse diáfano “fantasma”.
Se por acaso algum leitor estiver, neste momento, a pensar utilizar o argumento “lá vai ele falar outra vez do Sócrates”, espero que antes de proferir tais palavras conclua que não sou eu que estou em modo de repetição, mas António Costa que continua em modo de negação. Sócrates e o seu legado têm de ser falados e falados e falados enquanto houver um primeiro-ministro em exercício que se atreva a formular a frase “fantasma do socratismo despesista”. Não é admissível. Não é desculpável. Não é sério. Não houve fantasma nenhum – o socratismo despesista existiu mesmo, teve implicações catastróficas para o país, e é imperdoável negá-lo, ou andar a fazer ironia com a página política mais dramática de toda a nossa democracia.
A dívida pública portuguesa passou de 96 mil milhões no primeiro trimestre de 2005 para 195 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2011. Em apenas seis anos, o governo de José Sócrates agravou a dívida em 100 mil milhões de euros, cerca de 44 pontos percentuais do PIB (de 67,4% em 2005 para 111,4% em 2011). São números estratosféricos. Na verdade, nem sequer foi bem em seis anos – foi em pouco mais de três, porque entre 2005 e 2008 a dívida nem sequer cresceu por aí além. O descalabro total das contas ocorreu a partir de 2008, o tempo da famosa “crise internacional”, à qual Sócrates respondeu com aumentos de 2,9% na função pública (em 2009), mais as obras da Parque Escolar, o TGV e negociatas sem fim.
Justiça lhe seja feita: José Sócrates dispunha do dinheiro do país com o mesmo cuidado que dispunha do seu próprio dinheiro – nenhum. Era gastar e gastar, independentemente dos rendimentos e do saldo da conta. Só que Portugal, tristemente, nunca pôde contar com um amigo tão dedicado como Carlos Santos Silva. Quando chegou a hora de pedir emprestado aos amigos foi preciso pagar com juros altos, pois a troika nunca perdoou, nem apontava os empréstimos em papéis de deitar fora. Ainda hoje estamos a pagar por isso, e vamos continuar a pagar durante décadas, porque com um crescimento miserável ninguém consegue prever quando a dívida irá regressar aos números de 2005.
A inconsciência de José Sócrates, e a incompetência do seu governo, comprometeu a vida dos portugueses durante pelo menos uma geração. Pode fazer-se piadinhas com isto e dar bicadas no PSD enquanto se ironiza com o “fantasma do socratismo despesista”? Poder pode-se, com certeza. Mas eu fico absolutamente estupefacto. É evidente que António Costa tem perfeita consciência de quem José Sócrates foi – o caminho das cativações que tem seguido não pode estar mais distante das políticas do PS socrático. Mas a retórica baixa e a defesa do clube insistem em vir ao de cima nas piores ocasiões. Não pode ser. Costa fartou-se de defender Sócrates entre 2005 e 2014. Já chega, não?
Jornalista
COMENTÁRIOS
jose.escoval, Alcochete 21.02.2019: Boa João !!!
Liberal, assinante do Observador desde 18 de Dezembro21.02.2019 : Oh João Miguel Tavares, se dá votos, por que haveria de chegar?! Essas pessoas que receberam os votos que lhes permitiram, ardilosamente, tomar o poder executivo de novo, são não só as mesmas que deixaram a cada português 10.000 euros de dívida nova no sapatinho, como ainda por cima passaram quatro anos a sabotar, literalmente, os esforços do país para voltar à tona de água. Tal como Adolf Hitler, eles sabem que nada lhes será realmente cobrado. A diferença é que Hitler sabia que só escaparia morrendo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O dedo espetado de Ricardo Araújo Pereira


Estou a ler o artigo “Fast Fashion”de Clara Ferreira Alves (E, 9/2/19) sobre a poderosa expressão do capitalismo hodierno associado à exploração, a merecer-lhe uma crítica feroz a este sistema mais do que nunca subjugado à arrogância e desprezo absolutos pelo ser humano. Figuras que nos passam defronte, da nossa simpatia ou conhecimento, da aura sua, nos tablados nacionais e estrangeiros, vendendo a sua banha da cobra publicitária a troco de espórtulas que mais acrescentam em trocos aos seus vencimentos – na realidade a favorecerem sobretudo o capitalismo que os contratou para tal, conhecedor astuto das vaidades humanas pateticamente absorvidas pelo fascínio das modas. No caso português, nunca esquecerei um dos primeiros a abrir-me a curiosidade e a tristeza – António Silva, canhestro, “vendido”, a anunciar um qualquer produto da moda, ele, o melhor actor que tivemos, obrigado a pactuar com o sistema, mas, no seu caso, talvez menos por avidez que por necessidade, por não ganhar o suficiente, que é o que acontece por cá, com esses actores ou outros artistas não respeitados nas suas reformas míseras, e forçados, por vezes, a participar nesses truques publicitários a troco de uns trocos irrisórios. Caso, talvez, desse outro político de expressão triste, Gorbatchov, que tanto respeitamos, citado por Clara F. A. a figurar entre outros ilustres, que a sua ferocidade crítica reproduz: “O CAPITALISMO RECRUTA DOIS TIPOS DE PESSOAS. AS INFLUENTES E FAMOSAS, QUE GOSTAM DE DINHEIRO E OS INIMIGOS, OS QUE PODEM PREJUDICAR O SISTEMA.” E segue-se o caso ridículo do jogo apelativo das vaidades gerais, a massa humana mais e mais arrebanhada no fascínio das roupas ou das marcas, que os macabros capitalistas da psicologia humana semeiam, na exploração e na poluição do planeta. Vale a pena transcrever:

«Até ao colapso do edifício de Rana Plaza no Bangladesh, seguido de outros desastres onde morreram milhares de trabalhadores, as condições de produção de roupa em série eram um segredo bem guardado. As grandes marcas europeias e americanas, como a H&M, subcontratam fabricantes locais e impõem preços ridículos, ameaçando retirar-lhes o negócio se não os mantiverem. Os preços só se conseguem manter se mulheres pobres, destituídas de qualquer protecção laboral ou outra, aceitarem trabalhar nas usinas por dez ou vinte dólares por mês, no máximo dois dólares por dia. A competição é tão brutal que sucessivamente foram eliminados países como a China ou o Vietname, ou a Turquia e Marrocos, por terem trabalhadores, trabalhadoras, demasiado caros. Ou sindicatos e reivindicações. Portugal faz parte dos países baratos das fábricas de moda, no segmento de luxo que antes era ocupado pela Itália. (…)
Uma segunda consequência da “fast fashion” , além da exploração laboral digna dos romances de Dickens, é a poluição do planeta devida ao excesso de inventário. Lixeiras em África e na Ásia não conseguem absorver todos os trapos descartados, não recicláveis, não biodegradáveis, dos conglomerados… Há milhões de toneladas de trapos nas lixeiras, há demasiados recursos consumidos para a sua produção, sobretudo água, demasiadas substâncias químicas que envenenam os rios e os mares que recebem os detritos industriais. A Índia ou o Vietname, a Indonésia ou o Cambodja, estão sobrecarregados, cidades inteiras onde as pessoas são vítimas de doenças ambientais. Um subdesenvolvimento de que ninguém quer saber, muito menos os consumidores. ….»

Denunciar essas misérias e disparidades sociais, na avidez e vaidade humanas que os psicólogos do capital tão bem sabem difundir, indiferentes ao mundo do trabalho pecaminosamente explorado, que lhe subjaz, eu compreendo. Texto, este de CFA, rigoroso e sério, de informação e revolta, contra a crueldade e o desdém cobardemente obscenos da arrogância capitalista poderosa.
Também compreendo a ironia, o humor caricatural de obras que destacam a esperteza malandra de uns – geralmente os de posicionamento inferior – e a parlapatice de outros – geralmente os de posicionamento superior, caso do “Sim, Sr. Ministro”, sadio de graça mordaz, que irmana uns e outros na denúncia das fraquezas gerais – ingenuidades dos mais poderosos, astúcias dos que os servem – e que a todos fazem rir, confraternizando na comicidade generalizante do “errare humanum est”.
Não é o caso do nosso humor por cá, demasiado directo e sem ética, apontando a dedo, numa troça desbragada e pouco caridosa, de poluição sonora e ataque pessoal, a partir de imagens, destruidoras das reputações. Se o humor desconstrutivo de Herman José, tirante algumas figuras que criou, de graça irresistível, acaba por cansar, no seu empenhamento em desrespeitar convenções, o mesmo – e menos ético ainda – me parece ser o humor de Ricardo de Araújo Pereira, na sua troça desbragada, de sorriso composto e olhar inteligente e feroz, descarregando argumentos requintadamente trabalhados, após a denúncia de imagens do ridículo humano. São políticos, na sua maioria, os denunciados, mas só os que figuram no parti pris dos seus interesses ideológicos, ou dos dos orientadores do programa.
Não, não acho enriquecedores estes programas, pelo contrário, ao emporcalharem pela troça directa e a caricatura deformadora, no acentuar das imagens, que as fotografias do ridículo favorecem, como é o caso deste "Gente que não sabe estar”. Pelo contrário, são meios de semear mais atraso, no país atrasado que já somos, pese embora tanta deficiência de comportamentos num Portugal sem maneiras, que a “intelectualidade” libertária ajudou ferozmente a “promover”. E continua.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

“ISTO É QUE VAI UMA CRISE!”



Três tristes textos de Miguel Coelho. Como ninguém comenta?
Eu só posso fazer um apelo, parafraseando António Nobre em “A Purinha”:  Meninas, lindas meninas! Qual de vós é o meu ideal? Meninas, lindas meninas Do Reino de Portugal! : “Economistas, Economistas, Quem de vós segue um ideal, Oh! Economistas de Portugal?”
I - OPINIÃO:  Com a verdade me enganas

Na Caixa Geral de Aposentações, as idiossincrasias contabilísticas escondem uma realidade devastadora.
MIGUEL COELHO      PÚBLICO, 2 de Outubro de 2018
Em 1993, Herman José lançou um concurso televisivo de grande sucesso denominado “Com a Verdade M´Enganas” onde, num jogo de verdade e mentira, os concorrentes diziam a verdade para enganar os concorrentes adversários.
Vem isto a propósito do Relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) de setembro de 2018 que analisa a execução orçamental da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) no 1.º semestre de 2018. É aí referido que “o saldo orçamental da CGA atingiu um excedente de 78 milhões de euros no 1.º semestre de 2018, inferior ao alcançado no período homólogo mas que contrasta com o défice previsto para o conjunto do ano” (-42 milhões de euros previsto no OE2018).
Para os menos atentos, incluindo-se aqui alguns órgãos de comunicação social que divulgaram a informação, estes dados parecem indiciar que o problema financeiro da CGA está ultrapassado e que o seu anunciado colapso resultava apenas de um pessimismo desmesurado.
Para analisarmos com mais detalhe as conclusões do CFP consideremos os dados históricos da execução orçamental da CGA. Conforme se observa, o saldo orçamental apresenta valores positivos desde 2015, depois de um período de dois anos de saldos negativos.
Conforme se constata, na óptica da execução orçamental, a situação da CGA parece não merecer qualquer preocupação, uma vez que o saldo acumulado desde 2013 situa-se em valores próximos dos 140 milhões de euros. Isso significa que a CGA é sustentável. Infelizmente não?
Na realidade, as idiossincrasias contabilísticas associadas à sua natureza de “fundo autónomo” escondem por detrás uma realidade devastadora.
Com efeito, cerca de 50% da receita resulta de transferências do Orçamento do Estado e não de receitas das contribuições dos trabalhadores!
Daqui resulta que em 2018, apesar da execução orçamental se apresentar favorável, como refere o Conselho das Finanças Públicas, as transferências do Orçamento do Estado (financiadas por impostos) situar-se-ão em valores próximos dos 5.000 milhões de euros.
Este desequilíbrio financeiro extremo tem uma explicação muito simples. A CGA foi encerrada a novos subscritores a partir de 2006, o que significa que o número de trabalhadores contribuintes tenderá a diminuir enquanto o de aposentados aumentará. Com efeito, o número de subscritores (pensões) desceu (aumentou) de 588 mil (577 mil) em 2010 para 453 mil (646 mil) em 2017, passando o rácio entre subscritores e pensões de 1,02 em 2010 para 0,70 em 2017.
Estou convicto que a forma como a situação da CGA relatada no Relatório do Conselho das Finanças Públicas foi interpretada por alguns não teve como quadro de fundo o saudoso concurso do Herman José. Contudo, importaria que estas matérias fossem analisadas tendo por base não apenas princípios de exactidão financeira (que não estão obviamente em causa, uma vez que o saldo orçamental é inequivocamente positivo), mas também princípios pedagógicos de educação financeira, garantindo-se desta forma que o leitor possa ter uma visão global e completa da realidade.
A este propósito, recordaria apenas uma pequena história muito ilustrativ:
Há alguns anos, uma senhora fez a seguinte pergunta a um amigo meu que passeava um cão no jardim: “O seu cão morde?” Esse meu amigo respondeu com a exactidão e verdade que lhe é conhecida: “Não, o meu cão não morde.” A senhora tentou fazer uma festa ao cão e este reagiu agressivamente. Indignada, a senhora perguntou: “Mas não me disse que o seu cão não mordia?!?” O meu amigo respondeu rápida e energicamente: “Disse sim, mas este cão não é o meu!” 
COMENTÁRIO:
Eliseu Saraiva, Loures 02.10.2018: Excelente artigo! Parabéns.

II -OPINIÃO: A Quadratura do Círculo
Apesar da taxa de desemprego e do número de desempregados se situar em linha com os níveis pré-troika, a verdade é que a população ativa e a população empregada permanece em níveis historicamente baixos.
MIGUEL COELHO     PÚBLICO, 4 de Setembro de 2018
Um dos enigmas matemáticos mais interessantes que durante séculos mereceu a atenção de ilustres matemáticos é a denominada “quadratura do círculo”.
Trata-se de um problema proposto pelos antigos geómetras gregos e que consiste na construção de um quadrado com a mesma área de um dado círculo tendo por base o uso de uma régua e de um compasso e considerando um número finito de etapas.
O problema era considerado pelos gregos como muito difícil, mas não impossível de resolver.
Vem isto a propósito da recente divulgação dos dados do emprego e de receitas da segurança social (i.e. quotizações dos trabalhadores e contribuições das empresas - TSU) os quais parecem apontar para uma relação linearmente evidente: menor taxa de desemprego; mais população empregada; mais receitas da segurança social.
Será, no entanto, que essa relação é tão linear e evidente?
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego em Portugal ter-se-á situado em junho de 2018 nos 6,7%, ou seja o valor mais baixo dos últimos 16 anos.
Apesar desta evolução muito favorável, o certo é que, quando analisamos a taxa de desemprego nas suas diversas componentes, os resultados são claramente distintos. Com efeito, apesar da taxa de desemprego e do número de desempregados se situar em linha com os níveis pré-troika, a verdade é que a população ativa e a população empregada permanece em níveis historicamente baixos.
Assim, no primeiro trimestre de 2018, resultado do envelhecimento da população e dos fluxos migratórios, a população ativa situava-se nos 5,2 milhões, face aos 5,6 milhões registados em igual período de 2010 (- 374,8 mil, ou seja, -6,7%). Por outro lado, a população empregada no primeiro trimestre de 2018 era de 4,87 milhões, valor que compara com os 5 milhões observados no primeiro trimestre de 2010 (- 134,6 mil, ou seja, -2,7%).  
No que respeita às remunerações dos trabalhadores, constata-se que a média da remuneração mensal base (média do ganho mensal) dos trabalhadores por conta de outrem subiu apenas 2,8% (2,9%) entre 2010 e 2016, passando de 900€ por mês (1076€) para os 925€ (1108€).
Em face do anterior, e uma vez que as receitas da segurança social são função da população empregada, da respetiva remuneração e da TSU, seria de esperar que uma evolução negativa da população empregada e um aumento do ganho médio mensal de dimensão semelhante em valor absoluto, ceteris paribus, tivesse um efeito aproximadamente nulo sobre evolução das receitas da segurança social.
Surpreendentemente tal não aconteceu, tendo as receitas da segurança social com contribuições e quotizações crescido cerca de 16,5% entre 2010 e 2017.Aumentar
Ao contrário do enigma da quadratura do círculo proposto pelos gregos, cuja impossibilidade de resolução foi apenas demonstrada no século XIX, esperemos que este “enigma” possa ser esclarecido mais rapidamente e, de preferência, que tenha uma solução.      
Professor auxiliar na Universidade Lusíada
III - OPINIÃO: 2019 – O ano de todos os perigos?
Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019, vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia
MIGUEL COELHO    PÚBLICO, 2 de Janeiro de 2019
No dia 3 de abril de 2018, num artigo que publiquei neste jornal (“À espera da próxima crise?”), chamei à atenção para os riscos que a economia mundial enfrentava e para a possibilidade de assistirmos, a curto prazo, a uma nova crise económico-financeira com dimensão global.
Os últimos meses parecem ter reforçado as preocupações manifestadas nesse artigo, em particular no que respeita à situação europeia: os principiais índices accionistas europeus registaram fortes quedas nos últimos oito meses (o Eurostoxx50, PSI20 e IBEX 35 caíram, entre final de abril e 24 de dezembro de 2018, mais de 15%); a crise da divida italiana agravou-se (yield da dívida pública italiana a dez anos subiu de 1,79%, em final de abril, para 2,83% em 24 de dezembro de 2018); e as criptomoedas atingiram mínimos dos últimos 15 meses (o valor da Bitcoin caiu cerca de 57% desde final de abril)
De igual forma, as sucessivas revisões em baixa das previsões de crescimento económico reforçam as perspectivas de abrandamento da economia europeia. De acordo com a OCDE, o crescimento da zona euro cairá de 2,5%, em 2017, para 1,9% em 2018, 1,8% em 2019 e 1,6% em 2020.
Em complemento às preocupações anteriores, a Europa enfrentará neste ano de 2019 inúmeros desafios político-económicos-sociais que importa não esquecer (destacaria apenas alguns deles).
Em primeiro lugar, apesar de assistirmos a níveis de desemprego relativamente baixos face ao histórico da última década, o certo é que as mudanças que se observam no mercado de trabalho, em particular com o surgimento de novas tecnologias (ver “Disrupção Tecnológica e Trabalho: Uma Dupla (In)Conciliável?”, PÚBLICO de 7 de agosto de 2018), agravadas pelo crescente desfasamento entre o “tempo” da decisão política e o “tempo” da realidade económica, perspectivam, a curto prazo, uma inversão da trajectória favorável do emprego com consequente pressão acrescida sobre as contas públicas.   
Em segundo lugar, as tensões geradas pela “guerra comercial” desencadeada pelo Presidente norte-americano (ver “Sr. Donald, por favor, não feche a janela”, PÚBLICO de 1 de Maio de 2018) não estão ultrapassadas e afectarão negativamente o relacionamento entre os países e, consequentemente, o crescimento da economia mundial (isto apesar de se reconhecerem as limitações actuais à existência de comércio “verdadeiramente livre e justo”).
De igual forma, é expectável que este novo ano seja também caracterizado por um crescimento dos movimentos de contestação popular. Na realidade, a dificuldade em traduzir crescimento económico (ainda que moderado) em ganhos efectivos no nível de vida dos cidadãos (em particular das classes médias) conduziu à ascensão de movimentos populares de contestação dos “poderes instituídos” e que terão ganho uma dinâmica irreversível com o surgimento do “Mouvement des Gilets Jaunes”. Apesar de defenderem muitas vezes o inconciliável (i.e., inscrire dans la constituition l'impossibilité pour l'État de prélever plus de 25% de la richesse des citoyens; augmentation immédiate du SMIC, des retraites et des mínima social de 40%; annuler la dette; etc.), o surgimento destes movimentos não foi entendido pelos políticos como uma oportunidade para se iniciar uma reflexão profunda sobre o funcionamento da Europa tendo-se, ao invés, optado pela adopção das tradicionais respostas políticas de prometer a “quadratura do círculo”.
Por fim, 2019 será o ano em que o processo político iniciado em 2016 – "Brexit" – terá de estar concluído. Na realidade, caracterizada por enormes dificuldades processuais, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico e social, a saída do Reino Unido da União Europeia, que inevitavelmente enfraquecerá a Europa, será ainda mais negativa num quadro de “transição desordenada”, na medida em que, para além de não beneficiar nenhuma das partes, reforçará, a médio prazo, os movimentos divisionistas (ao contrário da opinião de alguns que gostariam de ver esta situação como “um caso exemplar”).
Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019 (O ano de todos os perigos?), vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia.
Em alguns leilões, devido a razões emocionais ou de informação incompleta, o vencedor do leilão tende a pagar mais pelo bem leiloado do que o seu valor real (ou o valor real do bem leiloado é menor do que o anteriormente antecipado), conduzindo a que o “vencedor” seja, na realidade, um perdedor (winner’s curse/maldição do vencedor).
Esperemos que nos processos eleitorais que irão ocorrer em 2019 (e em que, normalmente, tudo é prometido aos eleitores), as questões emocionais não sejam preponderantes no processo de tomada de decisão e que a discussão assente na verdade e transparência (minimizando-se a assimetria de informação), evitando-se, desta forma, que a “maldição” caia sobre o “vencedor” (e, consequentemente, sobre os eleitores). 

NOTA: MIGUEL COELHO: PROFESSOR AUXILIAR NA UNIVERSIDADE LUSÍADA


João de Deus andou por lá dez anos



Mas teve amigos que lhe reconheceram o valor e o ajudaram, vendendo-lhe os versos para se poder formar. E o que hoje dele perdura é o “Campo de Flores” e a “Cartilha Maternal”, com o encanto e o génio próprios .Também o Vasquinho da “Canção de Lisboa” foi boémio e cantor, mas isso é outra história, e teve tias que lhe pagavam os estudos de mentirinha, até ganhar juízo..
No tempo de Salazar, as bolsas de estudo universitário, além da isenção do pagamento de propinas, eram obtidas por mérito – acima de 13 valores tanto na média das disciplinas como nas cadeiras específicas do curso liceal ou técnico, desde que o pater famílias não ganhasse acima de determinada média. Sei-o, porque, sendo a bolsa a que eu teria direito, de 1000$00 mensais, quando vim estudar para cá, ela foi-me cortada para 500$00, por o meu pai ganhar uns trocos mais do que o estipulado para esse efeito. O meu espanto foi quando, no meu 2º ano, tive por companheira na mesma casa onde me hospedei, uma colega de África, visivelmente mais rica, cuja bolsa era de 1000$00 – o seu pai não declarara os seus proventos resultantes da actividade de construtor de casas – entre as quais as suas - e só declarara a actividade de funcionário dos Caminhos de Ferro. Julgo que já contei esta história. Em todo o caso, a isenção de propinas, no ensino estatal, deveria resultar de mérito, julgo que Salazar estava certo, e António Barreto parece apoiá-lo. Mas outros comentadores dirão da sua justiça, com mais saber, muitos com parti pris, que ignorei, até contra António Barreto, o que é nosso hábito conspurcador dos talentos. É claro que com um governo de gente generosa que temos, destinado a massificar e a rebaixar pretensões capitalistas e outras, o ensino universitário estatal será gratuito. Como não há indústria nem dinheiro que chegue para tal, o cidadão comum pagará isso nos seus impostos. Leia-se o que resume António Barreto, como retrato eficiente: «As políticas sociais mal concebidas têm resultados perversos. Ajudar quem menos necessita, por exemplo. Apoiar quem já tem que chegue. Castigar quem tem mérito. Penalizar quem se esforça. E ignorar os que precisam.»
OPINIÃO
Propinas: justiça e mérito
ANTÓNIO BARRETO,
PÚBLICO, 24 de Fevereiro de 2019,
É natural que em ano de eleições certos debates aumentem de tom. É um bom momento para criticar radicalmente e prometer sem limites. A gratuitidade de muitos bens e serviços é um favorito. Este ano, já tivemos alarido com as propinas do ensino superior. Atingem hoje, em estabelecimento público, para a licenciatura e para Portugueses, pouco mais de mil euros. A partir de Outubro, diminuirão duzentos euros, por iniciativa do Bloco e cedência do Governo. Já as propinas dos mestrados e doutoramentos, de livre fixação em estabelecimento público, podem variar muito, entre cursos, faculdades e universidades. Isto faz com que os montantes anuais possam oscilar entre dois e oito mil euros. Ao que se acrescentam inúmeras taxas, custos burocráticos, emolumentos e o que mais se inventa. Em poucas palavras, os antigos ciclos de sete a dez anos desdobraram-se em três, um relativamente barato e dois muito caros.
Faz sentido discutir hoje estes preços? Faz sempre. Há todavia dois problemas sérios. O primeiro é o da definição do que se discute e dos objectivos a atingir. O segundo é o dos argumentos e da experiência.
Primeiro, o objectivo. O que se pretende com o pagamento de propinas? Rentabilizar o ensino? Restringir o acesso? Seleccionar os melhores? Seleccionar os mais ricos? Financiar as instituições? Aliviar o orçamento de Estado? Gerar receitas suplementares para a despesa corrente das universidades? Confirmar a ideia de que tudo tem o seu preço e que nada é gratuito? Permitir o recrutamento de professores em tempos de congelamento? Como se pode imaginar, há de tudo um pouco. Mas seria essencial, para o esclarecimento público, que se diga ao que se vem. Até porque as políticas sociais (isenção, bolsas, subsídios…) não se fazem com receitas e custos.
Quanto ao segundo, as coisas são mais delicadas. Não é verdade que a formação superior desencadeie, por si só, desenvolvimento e igualdade, dois dos principais argumentos dos que propõem o permanente alargamento do ensino superior, até mesmo o direito de todos ao acesso. Mas é verdade que o desenvolvimento económico e social fica mais bem servido com uma formação superior e que o desenvolvimento humano é favorecido por superiores capacidades técnicas, intelectuais e profissionais. De qualquer modo, não vale a pena inverter a ordem dos factores: é o desenvolvimento económico e social que conduz ao progresso da educação, da ciência e da cultura, não o inverso. Importante, realmente importante, é que não haja obstáculos artificiais ao desenvolvimento humano, que o mérito seja recompensado e que quem não merece não seja gratificado.
As perguntas são simples. Todos os que merecem estão na universidade? Os que mais trabalham conseguem entrar? O rendimento económico e a fortuna favorecem alguns e prejudicam outros? A falta de meios é um real obstáculo? Há desperdício com os estudantes que chegam à universidade e abandonam? Há muita injustiça, isto é, os favorecidos retiram os lugares aos desfavorecidos? A isenção de propinas favorece o mérito? A gratuitidade recompensa o mérito? Ou há outros factores económicos que são obstáculos muito mais poderosos ao acesso à universidade? Em poucas palavras: as propinas são obstáculo ao acesso?
Uma política de financiamento do ensino superior e de regulação do acesso tem de responder a estas perguntas. Caso contrário, trata-se de políticas baseadas em “consta que” e ”acho que…”. Ora, nas actuais discussões, sejam quais forem os intervenientes, partidos e Governo, docentes e estudantes, a argumentação empírica está totalmente ausente.
Acontece que Portugal tem uma excelente experiência que poderia fundamentar decisões justas e racionais. Nos últimos trinta ou quarenta anos, o país já conheceu vários modelos: com e sem propinas, com muitas ou poucas bolsas e isenções, com restrições quantitativas ásperas ou suaves, com e sem provas de acesso. Temos, além disso, hábitos de concorrência entre ensinos caros e baratos e entre privados e públicos. Toda esta experiência permitiria saber o que estamos a fazer e conhecer os resultados de cada opção.
Não é isso que se faz. Ninguém sabe se as propinas são realmente o obstáculo. Nem se os montantes são aceitáveis ou proibitivos. Ninguém sabe onde estudam os mais desfavorecidos, se nas instituições públicas se nas privadas. Ninguém sabe se o que realmente constitui obstáculo não será a deslocação, o alojamento, a ausência de rendimento e os custos gerais de manutenção. Ninguém sabe se a isenção de propinas ajuda quem precisa ou se é mais um subsídio à classe média. Ninguém sabe quem realmente beneficia com as bolsas de estudo, se são os pobres, os remediados ou os ricos. Ninguém sabe simplesmente porque ninguém estuda. É perfeitamente possível que os contribuintes estejam a subsidiar e beneficiar as classes altas e médias. Como é possível que as propinas não tenham qualquer efeito no acesso, e sirvam apenas para aliviar o orçamento do Governo.
Uma política de financiamento do ensino superior e qualquer acção social deveriam conhecer algo essencial: a origem social e os rendimentos económicos dos estudantes e das suas famílias. Também aqui a cegueira das autoridades é total. Esta informação deveria ser conhecida durante anos a fio, o que permitiria saber quem é beneficiado e quem é prejudicado. Mas não! Não se sabe, porque não se estuda. Fazem-se leis às cegas e elaboram-se políticas sociais com “acho que”.
As políticas sociais mal concebidas têm resultados perversos. Ajudar quem menos necessita, por exemplo. Apoiar quem já tem que chegue. Castigar quem tem mérito. Penalizar quem se esforça. E ignorar os que precisam.
A última questão é talvez a mais difícil. Todos têm direito ao ensino superior? Evidentemente que não. Quem não merece, quem não quer, quem não se esforça, quem não cumpre os mínimos e quem não faz o que é necessário não tem esse direito. Parece evidente que só o tem quem merece e faz por isso. É injusto dar o mesmo direito de aceder à Universidade a um estudante que tudo fez para lá chegar e a outro que não se interessa.
É verdade que as coisas não são assim tão simples. Além do interesse, do talento e do mérito, ainda teríamos de falar da região, do meio social e da família. Não há mistérios: todos esses factores são conhecidos, devem estar incluídos nos critérios das políticas públicas. É necessário, todavia, conhecer e estudar. As intuições e a ideologia não chegam.
COMENTÁRIOS
Pedro Viana, Porto: Uma opinião ideológica, enviesada, de alguém que é um político de corpo inteiro (e que já teve vários cargos em governos). "Ninguém sabe se as propinas são realmente o obstáculo." São, obviamente UM obstáculo. "Ninguém sabe onde estudam os mais desfavorecidos(...)". Não é nas privadas de certeza. "Ninguém sabe se o que realmente constitui obstáculo(...)" Obviamente, tudo que envolve gasto de recursos é obstáculo. A isenção de propinas TAMBEM ajuda quem precisa. "Ninguém sabe quem realmente beneficia com as bolsas de estudo (...)". Sim, são os ricos, pois.... "A última questão é talvez a mais difícil. Todos têm direito ao ensino superior? Evidentemente que não." Boa, vamos então proibir os filhos burros e mandriões de papás ricos de aceder ao ensino superior privado?
Carlos Diogo: A austeridade não acaba por decreto. Apenas equilibrando as contas. O Pedro é que te uma visão ideológica pois como o autor escreve tira as suas conclusões sem ser baseado em dados reais . O autor não responde às questões apenas refere que sem se estudar a fundo as opções são apenas ideológicas , e por ventura sem qq efeito prático
Rui Ribeiro, Aveiro : Uma opinião bem pertinente, pensada, fundamentada, Obviamente de alguém que não é político. Poderiam os políticos aprender com opiniões deste teor? Poder podiam, mas a política já mão seria a mesma coisa...
Nuno Silva, 24.02.2019: Mas qual mérito, se a maioria dos portugueses ou são pobres, ou são remediados que remédio? Eu até acho natural como a natureza haver isenção de propinas para todos, mas não sem antes meter na cadeia directores de escolas que criminalmente especulam as notas internas dos alunos em relação aos exames finais (a maior parte escolas privadas, mas também algumas públicas)....
FzD, Almada 24.02.2019: Depois de ler o colunista, pareceu-me que António Barreto, sociólogo e político, com a honestidade intelectual que o caracteriza, faz notar que pouco se sabe sobre o efeito de determinadas políticas no ensino, nomeadamente sobre o efeito das propinas e das bolsas de estudo no acesso das várias classes sociais à universidade. Ao ler os "comentaristas", pareceu-me que há pouca gente interessada em discutir o problema e muita gente interessada em ganhar vantagens políticas (eleitorais), com o assunto...
Fowler Fowler, 24.02.2019 20: Não seja ingénuo, FzD. Há muita discussão e trabalho feito sobre o assunto, mas parece óbvio que ninguém se lembrou de pedir a opinião do sr. Barreto. Não lha pediram, mas levam com ela aos domingos.
Manuel Dias, Lisboa 24.02.2019: O trabalho de António Barreto é vastíssimo mas permitam-me destacar o Pordata. Pela primeira vez toda a gente tem acesso fácil a dados objectivos sobre a realidade social e económica do país, de uma fonte independente, fácil e gratuita. Ora, isso irritou muita gente que não lhe perdoa tal façanha. Como se atreve a impedir os aldrabões de fazer vida impunemente e sem contraditório!
Fowler Fowler, 24.02.2019 : Eu “acho que” o sr. Barreto, enquanto sociólogo pago pelo Orçamento de Estado, não estudou o problema, nem se interessou por ele. Mas agora, atrás do seu monitor, usa o teclado para fazer declarações e apontar o dedo a outros, como se tivesse a verdade do seu lado e moral para o fazer. Também “acho” que o autor conhece, ou deve conhecer, os critérios de acesso ao ensino superior. Por isso, só há uma razão para este seu discurso: dar recados e fazer ecoar o pensamento de gente elitista e classista com a qual há muito se parece identificar.
Eliseu Saraiva, Loures 24.02.2019 : Uma péssima análise, cheia de preconceitos e vontade de “matar o pai”. O dr. Barreto esteve a vida toda sentado “à mesa do orçamento”, para no fim da carreira arranjar uma sinecura privada. Só nesta altura está incomodado com a isenção de propinas para a classe média? A classe média paga tudo a triplicar, casa, escola, transportes, saúde, paga a sua e a dos outros. A isenção de propinas para os bons alunos e para os não repetentes é uma medida de elementar justiça.
Manuel Dias, Lisboa 24.02.2019: Uma excelente análise da questão. Infelizmente, como disse, ninguém estuda e estas políticas são mesmo baseadas no "acho que" e eu acrescentaria mesmo que são baseadas no "acho que assim ganharemos mais votos". Seja lá o que seja o "assim" , dependendo das circunstâncias. António Barreto é efectivamente "alguém que é um político de corpo inteiro" e não um badameco ignorante, à espreita do próximo cargo que o "chefe" lhe vai conceder se se portar bem, como a maioria dos políticos actuais. O trabalho de António Barreto é conhecido e de grande qualidade. Se não o conhece o demérito é seu. Quanto ao seu trabalho, até ver é por aqui como o meu: ninguém sabe qual é. Uma opinião bem pertinente, pensada, fundamentada, Obviamente de alguém que não é político. Poderiam os políticos aprender com opiniões deste teor? Poder podiam, mas a política já não seria a mesma coisa..
FPS, Vale de Santarém 24.02.2019 14:03: "Obviamente de alguém que não é político"? Não é ele outra coisa... desde tenra idade. Leia a sua obra e veja o seu curriculum.


domingo, 24 de fevereiro de 2019

Também me pareceu



Como Teresa de Sousa o descreve: jovem, corajoso, condescendente e cedendo por vezes, por inteligência orientadora, mas jamais desistindo, suportando os enxovalhos de um povo que, porque teve uma pátria de filósofos da liberdade, se arroga o direito de, de tempos a tempos, descer à rua a aniquilar as bastilhas do poder. Pareceu temível, e nós logo os imitámos, os franceses, no folclore vistoso do amarelo em colete, com escassez de filósofos mas não de gosto folgazão. Mas isto é só um aparte inócuo, pois que de Macron se trata. Como sempre, Teresa de Sousa revela seriedade e precisão na análise, não só das políticas mas dos comportamentos políticos. Parece-me uma excelente síntese das motivações para estes movimentos de protesto, que uma globalização económica desregulada provocou, além de uma serena análise de um presidente jovem e dinâmico, que também admiro.
ANÁLISE
A coragem política de Emmanuel Macron
Nos mais diversos lugares da França, o Presidente foi capaz de aguentar aquilo que pouca gente conseguiria.
24 de Fevereiro de 2019
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 24/2/17
1. É relativamente fácil teorizar o fenómeno dos gilets jaunes. É muito mais difícil enfrentá-los e combater as causas que levaram à sua erupção violenta e inorgânica na sociedade francesa. Durante anos, escreveu-se na melhor imprensa e nas melhores academias sobre as consequências sociais e políticas de uma globalização económica desregulada, permitida pela revolução tecnológica. Sobretudo nas sociedades democráticas e desenvolvidas, essa globalização provocou a estagnação dos rendimentos das classes médias – a esmagadora maioria da população, como sabemos –, compensada em grande medida pela facilidade de acesso ao crédito, que foi permitindo manter o seu relativo conforto durante muito tempo. A crise financeira de 2008 e as suas duras consequências económicas puseram cobro a este estado de coisas, fechando o crédito, acentuando as desigualdades ou deixando-as à vista desarmada, aumentando a distância entre uma camada da população com maior acesso ao conhecimento e à informação, que singrava sem dificuldade neste novo mundo globalizado, e aqueles que foram deixados para trás, ainda presos nas malhas das velhas indústrias produtivas, com menos acesso ao conhecimento e mais distantes dos centros de poder onde as decisões políticas se tomam.
Assistimos hoje, um pouco por toda a Europa desenvolvida e democrática, à erupção política dessas realidades sociais e económicas, precisamente quando os efeitos mais dramáticos da crise financeira nas economias começaram a ser superados. É quase sempre assim, mesmo que nos consiga apanhar sempre de surpresa. A explosão deste forte mal-estar social faz-se sentir das mais diversas formas. Pode gerar movimentos nacionalistas ou populistas, que cultivam os valores da nação protectora contra os outros, da cristandade, da etnia ou as emoções de quem pura e simplesmente se revolta contra o facto de ter sido deixado para trás. Atinge uma parte significativa das classes médias, aliás, muito mais do que as camadas que são consideradas estatisticamente pobres.
Em França, traduziu-se num forte movimento inorgânico, que ultrapassa as fronteiras partidárias, que aponta o dedo às elites que governam para si próprias, que fez da violência de massas a sua arma preferencial para obrigar a sociedade a olhar para ele. A sua raiva encontrou um alvo preferencial na figura do Presidente – o representante perfeito de uma elite jovem, arrogante, indiferente à vida das pessoas normais, que tinha decidido quebrar o molde da velha política francesa e reformar o país mais irreformável do mundo. Compreende-se. Foi o primeiro grande revés de Emmanuel Macron, que, com 39 anos, chegou à ribalta, viu e venceu de uma forma que deixou as elites políticas europeias de boca aberta. Sem entender exactamente aquilo que representava, fascinadas pelas suas qualidades, atraídas pela sua ambição e pela sua capacidade de se afirmar como a prova viva de que era possível vencer, negando qualquer cedência às tentações nacionalistas, xenófobas, antieuropeias, retrógradas, que desafiavam os partidos do mainstream europeu. Passou a ser uma referência política, tal como Tony Blair já tinha sido para toda a Europa no final do século passado e no início deste. Macron era o anti-Marine, o anti-Orbán, o anti-Salvini e uma espécie de vacina contra o europessimismo. Tinha anunciado ao que vinha: romper com o molde da velha esquerda contra a velha direita e substituí-lo por uma nova oposição entre fechamento e abertura – aos outros ou à Europa. Não foi certamente por acaso que, nas eleições presidenciais de 2017, Marine Le Pen se definiu como a sua antítese, nem que Viktor Orbán ou Matteo Salvini o tenham elegido como o seu verdadeiro “inimigo”.
2. Quando os gilets jaunes irromperam nas ruas de Paris, desafiando abertamente o seu poder e voltando a baralhar o jogo político francês, a primeira tentação das elites mais instaladas foi de um indisfarçável regozijo, com um leve sabor a vingança. A imprensa deu-o como politicamente morto. A tentação de colagem ao movimento foi inicialmente, ainda que brevemente, irresistível. De Jen-Luc Mélenchon a Le Pen, passando pela liderança de “Os Republicanos”. A violência sistemática e a rejeição de qualquer aproximação política levou-os a arrepiar caminho. Não nos discursos a denunciar os erros de Macron, mas na aproximação ao movimento. As sondagens comprovaram que não valia a pena. Socialistas, radicais de esquerda ou centro-direita capitalizaram zero. Le Pen capitalizou sem ter de sujar as mãos. A “República em Marcha” do Presidente aguentou os resultados, mesmo que a popularidade de Macron tenha descido aos confins da tabela habitual dos ocupantes do Eliseu. Provisoriamente. Como se começa agora a ver.
A imprensa, incluindo a de centro-esquerda, lançou-se igualmente numa série de diatribes contra o Presidente, algumas justas, outras já muito gastas, elegendo, mais do que as suas políticas, o seu estilo como o primeiro responsável pela violência social. Conhecemos essas críticas. O Presidente Júpiter, solitário no seu castelo de ameias douradas, distante do povo, arrogante. Verdade? Talvez. Mas foram exactamente algumas dessas características que acabaram por permitir-lhe dar a volta. Já a deu. “Macron recuperou a iniciativa política”, é o que escrevem hoje muitos analistas. Se vai ser capaz de retomar o controlo da política francesa e europeia, ainda ninguém sabe. Mas esse é o mundo em que vivemos: incerto.
3. Apenas alguém com a extrema juventude dos seus 40 anos, com a segurança de quem se acha o “primeiro da classe” e de quem acredita com enorme convicção no caminho que escolheu para restituir à França e à Europa a sua glória perdida, podia fazer o que ele fez. Os mais cínicos diriam – e disseram – que o “grande debate nacional” que resolveu lançar no início de Janeiro era apenas uma saída política muito mais de forma do que de conteúdo. Uma artimanha. Hoje, há já um balanço possível. Em primeiro lugar sobre o próprio. Nos mais diversos lugares da França, o Presidente foi capaz de aguentar aquilo que pouca gente conseguiria: seis ou sete horas de pé, sem intermediários, de mangas arregaçadas, a responder ininterruptamente às críticas, aos insultos, aos problemas, às questões, aos desesperos, expressos das mais variadas formas por muita gente que respondeu ao seu desafio. É preciso ser-se jovem e ser-se mesmo o “primeiro da classe” para aguentar. E é preciso dispor da qualidade que hoje está mais ausente das lideranças europeias: a coragem política. Por ele, já realizou oito debates. No país, já foram organizados 2500 e recolhidas 850 mil sugestões e perguntas. O processo continua até 15 de Março.
4. O veredicto ainda não chegou. A natureza do movimento dos gilets jaunes veio ao de cima, começando a decantar as águas – no movimento e na sociedade. A violência praticada, não como um incidente, mas como um modo de expressão, começa a afastar muita gente. Os ataques anti-semitismo das últimas semanas, que visaram o filósofo judeu Alain Finkielkraut ou cobriram de cruzes suásticas o rosto de Simone Veil, levaram a França a reagir como quase sempre reage: ocupando a rua. Falta saber o que Macron vai retirar do “grande debate nacional” para tentar renovar a sua agenda política. Não se imagina que abandone as reformas, mesmo que algumas se adivinhem ainda mais difíceis num ambiente mais polarizado. Finalmente, as sondagens começaram a subir de forma sustentada.
5. António Costa tem toda a razão quando, na convenção socialista do último fim-de-semana, escolheu três líderes europeus para simbolizar a agenda “progressista” que defende para a Europa. Alexis Tsipras, que converteu um “Bloco de Esquerda” grego numa força política responsável e que foi capaz de ser o primeiro governo europeu a anunciar o seu apoio à adesão da Macedónia do Norte à NATO. Leu bem. O primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, social-democrata, que quer unir uma tradição de boa gestão das contas públicas à recuperação de uma agenda social europeia. Finalmente, Emmanuel Macron que, com todos os seus defeitos e qualidades, é aquilo que mais se aproxima de um líder com uma agenda aberta, ambiciosa e europeia.