terça-feira, 30 de abril de 2019

Copains



Sobre estas lições de mestre de AB só nos cabe ler e meditar, tão perfeitamente delineadas se apresentam. Parece que no nosso país há pano para mangas para estas sínteses analíticas e é por isso que tão bons retratistas têm surgido, no repisar monocórdico e lúcido da nossa inconsciência nacional, de subserviências, trafulhices e amiguismos. AB não pretende satirizar mas, com seriedade, todo ele se rebela numa análise feroz, a pretender correcção. Quem dera que aprendêssemos!
CRÓNICA: Uma lei absurda
Parece então estarmos entendidos: a direita e o PSD serão especialistas na porta giratória, enquanto o PS e a esquerda são peritos em nepotismo. Só falta saber quem é mais qualificado em roubo.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 28 de Abril de 2019,
A imaginação prodigiosa da raça humana não tem limites. Nas áreas ilegais, semilegais, quase legais e paralelas parece literatura de ficção. Infelizmente, não pertence só ao reino da fantasia. Num domínio em particular, no das ligações entre público e privado, ou entre política e negócios, os expedientes conhecidos são de uma variedade fascinante. Admita-se que há três grandes grupos de situações.
Primeiro: roubar, exigir luvas e comissões, arranjar uns primos que recebem e uns amigos que transferem, ter contas offshore e pagar por serviços jamais prestados. É um sem fim de dispositivos. Chama-se a isto corrupção e venalidade. É próprio dos gangsters.
Segundo: colocar os políticos em cargos importantes nas empresas públicas, nos órgãos reguladores, nas empresas privadas que fazem negócios com o Governo e nos grupos que beneficiaram do Estado. Chama-se a isto porta giratória. É a conhecida promiscuidade.
Terceiro: colocar a família em cargos relevantes nos órgãos políticos, nas direcções da Administração Pública e nas públicas, assim como empregar familiares e dependentes ou trocar de parentes (uma espécie de “swap Job”, “eu emprego os teus, tu empregas os meus”). Chama-se a isto nepotismo. É a famosa República dos Amigos.
Para a primeira categoria, a solução é conhecida: lei geral e tribunais. Sabe-se que há depois advogados, meios dilatórios, garantias e a ineficácia da justiça, mas o método é clássico. Para a segunda, começa a haver dispositivos legais que criam períodos de nojo para refazer, não uma virgindade, mas pelo menos uma virtude. Já se tem alguma experiência em vários países. Os resultados são duvidosos, há sempre maneira de tornear as proibições. Para a terceira, não se vê facilmente a possibilidade de aprovar regimes legais. Sobram os códigos éticos e deontológicos, a censura moral e pública, a informação livre, o bom jornalismo e a declaração de interesses.
O recente caso das famílias teve larga repercussão. O Governo e o Partido Socialista foram justamente acusados de exagero e de nepotismo flagrante na Administração Pública e até nos órgãos de soberania. O motivo pelo qual se revelaram estes factos deve ser a proximidade das campanhas eleitorais. Mas a verdade é que não se trata só de “casos”: os factos são verdadeiros e as situações aberrantes. O PS ultrapassou os limites da contenção e da razoabilidade.
O Governo reagiu mal. Mostrou-se chocado. É habitual. Mas António Costa, em declaração às televisões, prestou um serviço ao país: garantiu que a direita era mais culpada, pois entregava-se à promiscuidade entre cargos políticos e empresas económicas. Ao afirmar que “outros” faziam pior, utilizando a “porta giratória”, reconheceu que o seu Governo fazia aquilo de que era acusado. Parece então estarmos entendidos: a direita e o PSD serão especialistas na porta giratória, enquanto o PS e a esquerda são peritos em nepotismo. Só falta saber quem é mais qualificado em roubo.
O Governo e o PS deixaram-se apanhar. Negaram qualquer culpa, mas já se dispuseram a elaborar uma lei sobre o assunto. Alguns deputados da oposição aceitaram a ideia. Com surpresa, o Presidente da República terá dito que é a favor. Parece assim que vamos ter uma lei sobre nepotismo e graus de parentesco admitidos na Administração Pública, nos governos e respectivos gabinetes!
Que absurdo será este? Uma lei que proíba nomeações directas ou indirectas de familiares, pelos próprios e pelos correligionários? Até que grau? Quanto tempo? Em que área? No mesmo órgão colegial, no mesmo serviço? Quem é visado nessa hipotética lei? Quem nomeia, quem pede para nomear ou quem é nomeado? Basta esta incógnita para afastar qualquer hipótese de lei justa. Mas há mais. Qual a nomeação visada? Governo, Administração, órgãos de soberania, candidatos dos partidos, autarquias, empresas públicas, embaixadores, directores de hospitais e escolas, gabinetes, assessores, consultores, conselheiros, secretários e adjuntos? Qual o grau de parentesco admitido ou proibido? Maridos, pais, filhos, netos, irmãos, genros, sobrinhos, cunhados, primos, cônjuges em união de facto e namorados, em todos os géneros, masculino, feminino e outros? E os primos: até que grau?
E se estivermos perante um carrossel: A nomeia B, que nomeia a mulher de C, que designa o marido de D, que contrata a mulher de A, que recruta E, que emprega D e o marido de B, que indigitou C, que tem como secretário o marido de E?
Esta hipótese de lei viola direitos fundamentais, é discriminatória e traduz uma ideia despótica da vida em colectivo. Acredita que uma lei evita o nepotismo e a cunha. Não é prática nem realista. Submete ao poder dos partidos e do Estado o que deve depender dos cidadãos, da moral aceite, dos códigos de ética formais ou informais, da decência da sociedade, da informação pública e da clareza dos procedimentos políticos.Esta lei é mais um destes produtos que proíbe comportamentos de tal maneira destemperada que cria os “contra venenos”, isto é, as maneiras ao alcance dos corruptos e dos “nepotes” para que possam prosseguir a sua vida sem serem incomodados e com a aparência de terem feito o que era necessário para assegurar a honestidade. O que se passou, por exemplo, com o estatuto dos advogados e deputados, é boa ilustração deste velho costume que consiste nesta verdade simples: os ratos legisladores são os que mais bem conhecem os buracos das leis que eles fizeram.Pode parecer inocente, mas a verdade é que os melhores mecanismos para tratar do nepotismo são conhecidos. A informação, a imprensa livre, o jornalismo competente e a isenção dos meios de comunicação. O debate público permanente. A opinião pública. O voto. Finalmente, a moral e os códigos de ética comuns e aceites.
Se os cidadãos não se importam com o nepotismo, se até agradecem desde que sejam eles os beneficiados, se fazem as vistas grossas às nomeações políticas, se entendem que quem ganha eleições tem o direito de empregar quem lhe apetecer, se aceitam que certos cargos exigem pessoas de confiança e que a máxima confiança se obtém com os graus de parentesco, então muito bem, vivamos numa sociedade de nepotismo e de famílias ocultas, de consanguinidade política e de dinastias familiares partidárias. Se é isso que os Portugueses querem, é isso que devem ter. Mas tudo leva a crer que não é isso que querem. E que talvez acabem por querer o contrário.
COMENTÁRIOS
Carlos Brígida, Alges 29.04.2019: Muito bom. Excelente. Do melhor que António Barreto já aqui publicou. Responder
P Galvao, Lisboa 29.04.2019: Também deveríamos ficar incomodados com o nepotismo existente no mercado laboral, onde os apelidos se repetem em áreas tão diversas como o jornalismo, a gestão de empresas, a banca, o comércio e a prestação de serviços. Como dizia um governante de outros tempos, o 25 de Abril mudou muita coisa por forma a garantir que nada mudava (para os donos disto tudo). Responder
OldVic, Música do dia: "La vida breve" (Emiliano Pardo Tristán) Liberdade para a Venezuela! 29.04.2019: Se os cidadãos não se importam com o nepotismo…..,. Se é isso que os Portugueses querem, é isso que devem ter. Mas tudo leva a crer que não é isso que querem. E que talvez acabem por querer o contrário”: gostaria imenso de poder concordar sem reservas com o tom esperançoso das suas 2 últimas frases. No entanto, o que a minha pequena experiência pessoal e a nossa história de séculos me diz é que o sistema político que temos é a “Só podemos ler e meditarnata” do nosso “leite”. “Se os cidadãos não se importam com o nepotismo, se até agradecem desde que sejam eles os beneficiados…”: acho que acaba de pôr o dedo na ferida.
Jose, 29.04.2019: Os cidadãos portugueses em geral usam o poder que alcançam no Estado ou fora dele em benefício próprio, amigos e familiares de confiança para aumentar e consolidar o poder alcançado. PS, PSD, CDS são quem ao longo de mais de 40 anos colocou, coloca e colocará correligionários, amigos e familiares no topo do poder das empresas e instituições privadas e públicas. Esses partidos perdem votos desde que há eleições, mas recolhem nas urnas mais de 80% dos votos válidos. Esse poder e o modo como é exercido está consonante com os desejos expressos pela generalidade dos portugueses. A excepção é óbvia. PCP, BE, PEV, PAN não têm dirigentes de topo na TAP, CGD, Santa Casa da Misericórdia, BPN, GALP, ERC, SNS, etc. Talvez estejam aí os portugueses em quem António Barreto vê mãos livres e limpas. Responder
OldVic, Música do dia: "La vida breve" (Emiliano Pardo Tristán) Liberdade para a Venezuela!29.04.2019 : O PC e satélites têm "provas dadas" no PREC e no sindicalismo "CGTP", já para não falar do apoio a regimes obscenos. Há muitas formas de poder e de favorecimento para além das que implicam cargos de governo e empresariais.
mpro, Ovar 28.04.2019 20:03: A imaginação prodigiosa de António Barreto não tem limites, ou então a falta de seriedade é monumental. A esquerda não é o PS. Por muito que custe a A.B., há milhões de pessoas representadas por partidos de esquerda na AR, que se sentem livres destes epítetos, coisa que mais uma vez A.B., não consegue. Responder
Helena Duarte, 28.04.2019: É por estes artigos que eu subscrevo o Público. Por favor continue. Obrigada. Responder
JORGE COSTA,: Terras do Norte... 28.04.2019 10:02: Excelente artigo que deveria receber a atenção de todos. Objectivo e que expõe a nu a actualidade deste nosso rectângulo à beira-mar plantado! Parabéns!!

E todos - menos um - ignoraram a Catalunha



Julgo que a Catalunha deve estar no pensamento de todos, mas ninguém se atreve, por enquanto, a sequer alvitrar, excepto JMT com indiferença, parece-me. Mas agora é que a Catalunha vai ao ar e a Espanha não será mais aquela. Dos mapas. E da História.
I -OPINIÃO: As eleições espanholas e a estabilidade
Podemos estar a assistir ao regresso da política na verdadeira acepção da palavra, na arte de realizar compromissos com forças que se enquadram num dado campo político – ideológico.
DOMINGOS LOPES
PÚBLICO, 29 DE ABRIL DE 2019, 22:12
Em Espanha os resultados eleitorais das eleições legislativas de vinte e oito de abril apresentam um horizonte com uma nova paisagem política.
Na verdade, a rotatividade das maiorias absolutas entre o PSOE e o PP finou. Os eleitores, numa grande afirmação cívica, deram uma maioria relativa ao PSOE e uma maioria absoluta ao PSOE, ao Podemos e aos partidos representativos das autonomias e independentistas.
O PP, o Cidadãos e o VOX escolheram como eixo político colocar o PSOE num cordão sanitário. Falharam redondamente. O campo do PSOE, do Podemos e autonómico reforçou as suas posições.
É interessante que muitas das análises se centram na instabilidade gerada com estes resultados, tentando passar por cima da opção clara dos espanhóis que rejeitaram entregar a qualquer partido o poder de por si só constituir governo. Sendo o povo o soberano escolheu e só há que respeitar essa sua soberania.
Parece claro que as experiências de maiorias absolutas de PP e PSOE conduziram a Espanha a sucessivos e monumentais escândalos de corrupção que abalaram toda a sociedade de modo profundo.
Ao obrigar o PSOE a negociar compromete-o com acordos com outros partidos, impedindo-o de gerir a vida pública a seu bel-prazer.
A estabilidade gerada por uma maioria absoluta foi responsabilizada pelos espanhóis como causa desse clima de um poder quase absoluto com que o PSOE e o PP arrasaram a Espanha, levando ao descrédito do próprio regime, dado o grau de envolvimento de ambos em processos de corrupção e incapacidade de gerar consensos, provavelmente por terem maioria absoluta.
Esta “estabilidade” foi tacitamente rejeitada pelos espanhóis, criando uma nova situação. O PSOE vai ter de assumir compromissos com os partidos à sua esquerda ou à sua direita. A lógica que decorre da queda do governo de Sanchez, os eixos da campanha eleitoral, apontam para um entendimento à esquerda e com os autonomistas.
Um acordo é sempre o resultado de vontades que nele se materializam e podem dar a possibilidade de levar a cabo a legislatura até ao fim, ou seja, com estabilidade.
Falta esperar para ver se o PSOE se compromete desde já com uma saída ou prefere manter uma certa ambiguidade para tentar reforçar a votação nas eleições para o parlamento europeu.
A estabilidade da governação não decorre tout court de uma maioria absoluta, mas de uma política que responda às grandes aspirações dos espanhóis.
O exemplo português é claro. O facto de o PS não ter uma maioria (nem relativa) não impediu de governar os quatro anos e de operar uma certa viragem na política portuguesa, aliás com sucesso.
Podemos estar a assistir ao regresso da política na verdadeira acepção da palavra, na arte de realizar compromissos com forças que se enquadram num dado campo político – ideológico. O que poderá significar o fim de um rotativismo entre duas formações para tudo ficar na mesma.
A democracia é a possibilidade de encontrar saídas reais e diferentes para os impasses que o regime gera. Apresenta-se uma nova possibilidade no nosso vizinho continental. Há saídas para assegurar a estabilidade governativa.

II - A pulverização eleitoral espanhola /premium
OBSERVADOR, 30/4/19
Em Espanha, como em Portugal, o «centro» transformou-se numa pretensa «linha vermelha» que nenhum partido quer atravessar com medo de ser acusado de «direitista» ou de «esquerdista».
Ao contrário do que se poderia supor, no caso de Portugal e Espanha a proximidade geográfica presta-se menos à mútua compreensão do que às seculares confusões geradas pelas rivalidades nacionais e pelas narrativas históricas. Com efeito, a situação a que Espanha chegou ao termo de eleições que já deviam ter tido lugar há tempos, mas às quais o partido socialista espanhol (PSOE) fugira até agora, não é tão diferente da portuguesa como parece. Com excepção, claro, da pressão cisionista de uma parte significativa, embora provavelmente minoritária, da opinião pública catalã, que não nos deve porém obnubilar, pois esta explosão independentista não é apenas local!
Em Espanha, com um sistema eleitoral baseado no método de Hondt mas bastante menos proporcional do que as regras aplicadas em Portugal, as coisas estão de tal modo distorcidas que um deputado custou ao PSOE apenas 60.000 votos em média enquanto ao Ciudadanos (C’s) custou mais de 72.000 votos e ao Podemos quase 90.000, enquanto o novo partido Vox precisou de 110.000, ou seja, praticamente o dobro do PSOE: de tal modo que o Vox necessitou de mais de 2,6 milhões de votos para eleger 24 deputados enquanto os seus inimigos independentistas precisaram apenas de 1,5 milhões para eleger 22. Em suma, um deputado devia ter custado em média cerca de 85.000 votos mas variou dessa maneira que se está a ver…
As fortes discrepâncias que se verificam em Espanha resultam das escolhas consecutivas ao fim da Ditadura, em benefício dos dois grandes partidos que então se formaram e se apoderaram do espaço público até há pouco tempo; pior do que isso, criaram-se desigualdades crescentes que acabaram por estilhaçar o leque partidário em mais de uma dúzia de partidos com representação parlamentar. Quando o partido mais votado tem menos de 29% dos votos e 123 deputados, e os quatro partidos seguintes têm, juntos, o dobro dos votos mas apenas 189 deputados, a única coisa que uma pessoa séria pode fazer é procurar aquilo que o antigo presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, chama o «centro radical».
O que vem a ser isso? Basicamente, seria a cooperação entre todos os partidos que rejeitam as ideologias extremas, sejam de direita ou de esquerda, as quais sempre se multiplicam com este tipo de fragmentação, acabando por reduzir os partidos políticos, não a agentes da governação conjunta, como seria de desejar, mas sim a redutos cada vez mais pequenos de famílias ideológicas que lutam entre si pelos despojos do Estado nacional ou comunitário! Irão então os partidos procurar identificar aquele «centro radical»? Não!
Em Espanha, como em Portugal e como sucede cada vez mais onde prevalece a fragmentação eleitoral, o «centro» transformou-se numa pretensa «linha vermelha» que nenhum partido quer atravessar com medo de ser acusado de «direitista» ou de «esquerdista». No caso de ontem, já que nenhum partido está perto da maioria parlamentar, o natural seria a aliança dos dois partidos que a própria geografia parlamentar coloca no centro do hemiciclo: o PSOE vencedor precisa de 53 deputados para atingir essa maioria e Ciudadanos – à sua direita no parlamento – tem os suficientes para isso, perfazendo 180. Para cada lado, segundo a geografia eleitoral, ficariam 90 deputados à direita e 80 à esquerda, incluindo populistas, nacionalista e cisionistas. Mas não, repito.
O PSOE diz preferir governar sozinho piscando o olho à esquerda ou à direita, conforme as necessidades, mas na realidade está a preparar-se para se unir à presumível esquerda, exceptuando em princípio os cisionistas catalães. Isso dar-lhe-á os 42 populistas do Podemos e mais alguns deputados até chegar, penosamente, a 175 votos que ainda não fazem uma maioria para passar a legislação e que só por oportunismo é que o Podemos poderá – estou a jogar com as palavras – engolir.
Quando vigoram, simultaneamente, a fragmentação partidária e a ideologia da Esquerda vs Direita está encontrada a receita para a paralisia das políticas económico-financeiras e das políticas públicas, desde o envelhecimento, a saúde e a segurança social até ao atoleiro em que caiu na maioria dos países a escola da pré-primária à pós-graduada. Não é para outra coisa que se preparam, infelizmente, os partidos saídos das eleições de ontem em Espanha. Entre nós, onde as eleições legislativas já estão ao virar da porta, o actual partido central – o PS – prepara-se para imitar o PSOE (ou este imitar aquele) e tentar governar sozinho enquanto dá uma mão à esquerda e outra à direita, conforme já anunciou que irá fazer – nada mais, nada menos – no caso da chamada Lei de Bases da Saúde. O oportunismo eleitoral actualmente dominante faz-me lembrar uma imagem televisiva em que o actual primeiro-ministro português, pouco antes das eleições de 2015, confessava ao jornalista que lhe perguntara se iria aliar-se ao PSD: «Ainda se o líder fosse Rui Rio»…
III - OPINIÃO: Espanha, Vox e os benefícios dos extremismos
E se os chamados “extremismos” não fossem necessariamente um ataque à democracia, mas antes uma válvula de escape dos próprios sistemas democráticos?
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 30 de Abril de 2019
Praticamente não há alma que hoje em dia não suspire ou lacrimeje pelo estado deplorável a que chegou a democracia mundial, com o crescimento generalizado daquilo a que se chama “os extremismos”. E logo de seguida vem a lista que todos conhecemos, com Trump à cabeça, seguido de Bolsonaro, e depois Órban, Salvini, Farage, a antiga Frente Nacional ou o Vox, e, à esquerda, Tsipras ou o Podemos. Longe de mim querer impedir o queixume, no qual também participo amiúde, mas gostaria de propor uma interpretação alternativa: e se os chamados “extremismos”, tanto à esquerda como à direita, não fossem necessariamente um ataque à democracia, mas antes uma válvula de escape dos próprios sistemas democráticos, que vai permitindo integrar na sua dinâmica o cada vez mais elevado número de descontentes das sociedades ocidentais?
Se esta minha hipótese valer, então “os extremismos” não são necessariamente uma prova da decadência da democracia no mundo ocidental, mas antes uma prova da sua resiliência, e da sua capacidade de sobreviver às suas próprias convulsões. A minha tese é esta: se os Estados Unidos e o Brasil ultrapassarem a retórica caceteira de Donald Trump e Jair Bolsonaro; se a democracia grega sobreviver aos delírios do Syriza; se a Itália aguentar as investidas de Matteo Salvini; se o Vox ou o Podemos forem integrados pelo sistema político espanhol; se toda esta gente, enfim, for sendo substituída, superada ou simplesmente assimilada em eleições democráticas, então não há grandes razões para chorar pela democracia que se perdeu – pela simples razão de que não se perdeu coisíssima nenhuma.
Significa isto que deveremos tolerar sem suspiros, nem protestos, toda a espécie de radicalismos? Não, não significa nada disso. Aliás, eu não me consigo imaginar a viver sem poder dizer mal do Bloco, do PCP ou do André Ventura. Contudo, existe uma grande diferença entre discordar com veemência de um determinado programa eleitoral ou do discurso demagógico de uma qualquer figura, e questionar a sua legitimidade democrática, ou tratar as pessoas que aderem a essa mensagem como “deploráveis”, para utilizar o vocabulário clintoniano. Essa é a diferença que vai da discordância à diabolização. A primeira é muito útil. A segunda não serve para nada.
Quando olhamos para as eleições espanholas e vemos a votação do Vox, é difícil conceber que a Espanha tenha sido subitamente invadida por 10% de franquistas amantes da ditadura, quando muitos deles são jovens que nasceram já neste milénio. O problema é outro, é identitário, nacionalista e contaminado pela tentativa de independência da Catalunha, como é evidente. Existem, com certeza, linhas vermelhas que devem ser traçadas, mas elas não estão nas opiniões políticas quanto aos touros, à identidade de género ou ao papel dos imigrantes – estão na preservação das instituições democráticas e nos pesos e contrapesos de um regime.
Se um qualquer partido, ou um qualquer político, tiver a tentação de mexer nos alicerces do regime democrático – por exemplo, fortalecendo o poder executivo ou limitando a acção dos tribunais –, aí está a pôr em causa o Estado de Direito, e deve ser combatido por todos os meios. Fora disso, do amor à Venezuela à recusa do imigrante, todas as opiniões devem ser democraticamente admitidas, por muito repugnantes que nos pareçam. A democracia assim o exige. A democracia precisa de opiniões tontas, para que os tontos nunca deixem de ser democratas.
Jornalista

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Flexibilidade, eis a virtude


Julgo que o texto de Salles da Fonseca se adapta, eventualmente, a estes tempos flexíveis, não ainda de parúsia, mas pelo menos de descarrilamento, e por isso o utilizo como texto de reflexão, a propósito de um caso a que por cá se deu relevo – uns em modo de defesa, outros em modo de ataque: o da zanga de Ferro Rodrigues, defendendo o seu local de trabalho, contra vexames sofridos ultimamente, defendido aquele por alguns, atacado por outros, mas melhor que ninguém só Jesus Cristo para julgar. A flexibilidade é virtude para uma melhor adaptação, quer em termos de engenharia construtora, quer em termos de ideologia orientadora. Salles da Fonseca ironiza qb a esse respeito, São José Almeida defende o seu herói mais radicalmente, esperemos que Ferro Rodrigues não saia quebrado na refrega. O texto de Salles da Fonseca ensina a confiar. Confiemos, pois.
I – OPINIÃO:  Defender a democracia 45 anos depois
Sugiro mesmo que os políticos portugueses recortem a entrevista e passem a usá-la como mantra diário para a sua vida.
SÃO JOSÉ ALMEIDA PÚBLICO, 27 de Abril de 2019
“Os deputados e os membros dos cargos políticos não podem ser tratados como cães. Ou pior do que cães, porque há cães que são muito bem tratados.” O apelo foi lançado por Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, na entrevista que deu ao PÚBLICO, simbolicamente editada a 25 de Abril, e em que assumiu ideias que reafirmou no discurso da sessão solene na Assembleia da República.
Eduardo Ferro Rodrigues não é um político qualquer. Aos 69 anos, é a segunda figura do Estado. Tem um sólido percurso político no MES e depois no PS. Foi ministro. Foi secretário-geral dos socialistas (2002-2004), num momento de transição difícil, em que teve de suceder a António Guterres e ver o partido voltar à oposição. E foi, nesse início do século XX, vítima de uma das mais hediondas campanhas de ataque, com contornos populistas, feitas a um líder partidário em Portugal, ao ver o seu nome envolvido no processo da Casa Pia, até com recurso a fake news, num tempo em que a revolução digital ainda era uma criança e em que as redes sociais não tinham o peso que têm hoje.
É um actor político de primeiro plano e, até pela sua própria experiência, está em situação privilegiada para reflectir sobre o momento que se vive na política portuguesa, 45 anos após a Revolução dos Cravos. Provavelmente por isso, por ter o domínio directo e a vivência, muitas vezes na primeira pessoa, desse percurso democrático em Portugal, Eduardo Ferro Rodrigues levanta uma questão central e essencial para perceber e retratar o momento que se vive hoje. Falo da forma como em Portugal a política entrou em velocidade cruzeiro no mundo do relativismo ético.
Quando os valores éticos parecem ter perdido peso no exercício da política, bem como no funcionamento da sociedade em geral; quando muitos dos que se entregam à função política não a entendem enquanto missão de serviço e dedicação à causa e ao interesse público e mostram estar permeáveis a interesses privados – às vezes até ao seu próprio interesse pessoal, é importante que alguém com o peso político e a capacidade discernimento e de reflexão de Eduardo Ferro Rodrigues venha lembrar aquilo que é vital numa sociedade democrática, ou seja, que a democracia é uma construção política e social baseada no princípio da igualdade de tratamento e que tem como objectivo permitir a governação racional e equilibrada que respeite todos, que respeite o bem comum, que respeite o interesse público.
A entrevista de Eduardo Ferro Rodrigues ao PÚBLICO é uma imensa e sábia lição sobre política e sobre o que é a missão pública dos políticos. É certo que como presidente da Assembleia da República não deixa de frisar que “o facto de haver uma minoria que pode criar problemas comportamentais do ponto de vista democrático não significa que todo um Parlamento possa ficar com a mesma imagem”. E faz questão de salientar que “em todas as sondagens em que se pergunta sobre a imagem do Parlamento, este tem uma imagem positiva, ao contrário da ideia que muitas vezes se tem”. Não deixa, porém, de advertir que “é evidente que os políticos têm de se dar ao respeito”.
Sugiro mesmo que os políticos portugueses recortem a entrevista e passem a usá-la como mantra diário para a sua vida – pela importância do que Eduardo Ferro Rodrigues lembra sobre o relativismo ético que invade a política portuguesa.É evidente que é necessário não dar armas aos populismos. Um certo tipo de atitudes, um exercício do poder com uma certa leveza dá armas ao populismo”, diz o presidente da Assembleia da República sobre o familygate. E acrescenta: “Acho que é mais vulgar acontecer este tipo de coisas em gerações mais novas e que têm uma relação com o poder diferente, que estão mais à vontade na gestão do exercício dos cargos públicos. É preciso ter sempre muito cuidado com esses excessos de à vontade.” Contudo, salvaguarda: “Não quero falar disto das gerações com superioridade moral. São gerações diferentes e têm uma relação com o poder também diferente e têm uma vivência do exercício do poder diferente. (…) Hoje em dia é tudo muito menos exigente. Julga-se, e mal, que a democracia está consolidada e que tudo é possível. Não é.
Claro que não é, nem deve ser tentado esse caminho. A fragilidade da democracia é proporcional à sua força atractiva enquanto promessa de regime político que melhor garante a governação racional em nome do interesse público, do respeito pelo interesse de todos, de forma inclusiva das diversidades. Ora, para isso, os actores políticos têm de começar a dar-se a si mesmos ao respeito, como sublinha Eduardo Ferro Rodrigues.
COMENTÁRIOS
ramalheira63, 28.04.2019: PS e o caso Casa Pia. Acho que não foi fake news um juiz ir à A.R. prender um deputado, o que só possível porque o Parlamento o autorizou. O caso Casa Pia teve depois um desfecho completamente diferente. Gostava eu de saber porquê.
AndradeQB, Porto 27.04.2019: Se os jornalistas são assim tão acríticos, o que se pode esperar da generalidade dos cidadãos? Listar os cargos de alguém, como demonstração de capacidade e seriedade, é de um primarismo inaudito. Numa altura em que começa a ser evidente o que tem sido o carreirismo politico em Portugal, e a constatar-se que os mais sérios há muito que se começaram a afastar, o que é que será de adivinhar de quem por lá sempre se manteve saltando de lugar para lugar, sem nunca ter feito nada que se visse? Se alguma coisa se pode antecipar, é exactamente o oposto das conclusões de São José Almeida. O mais provável é que esse percurso tenha sido construído através da troca de favores e de cumplicidades de grupo.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta27.04.2019: Eu acho que São José Almeida complica uma coisa bastante simples - as nossas elites políticas cederam a soberania nacional a Bruxelas sem a delicadeza sequer de uma consulta directa. Fizeram-no obviamente em benefício próprio, foi uma forma de venda do que lhes estava confiado. Como lemos esta semana, até para tirar 2 euros do IVA da electricidade têm de pedir luz verde a Bruxelas. Ficam assim as nossas elites convertidas simultaneamente em clientes e ladrões de uma máquina governativa que venderam à socapa - se não fosse essa a ideia porque acha que não fazem consultas directas aos interessados?
Sandra, Lisboa 27.04.2019: Porque quem pergunta o que não deve, ouve aquilo que não quer.
bento guerra, 27.04.2019: Será que a segunda figura do Estado ladra? E isto, quando Portugal é governado por autêntico "governo de Abril".
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA    A BEM DA NAÇÃO,  29.04.19
Quod erat demonstrandum -Assim estava em demonstração eis a expressão latina com que os matemáticos concluem as demonstrações e eis o que os engenheiros japoneses fizeram demonstrando que as estruturas flexíveis resistem melhor aos tremores de terra do que as rígidas que, vibrando, não se adaptam, racham e ruem. Por isso começaram por construir em madeira e bambu e nos tempos modernos inventaram sistemas que «encaixam» as vibrações a que aquela instável condição telúrica os sujeita. Isto, tanto na engenharia civil como nas ciências sociais: um modelo social rígido, ao adaptar-se, deixa de ser esse modelo e passa a ser outro, o que politicamente pode ser complicado; um modelo flexível, ao adaptar-se, continua a ser isso mesmo, flexível.
Um modelo social rígido tem, pois, a característica fundamental para se transformar num drama político; um modelo social flexível, ao adaptar-se, demonstra a sua própria essência, a da adaptação; o que para o rígido é questão de morte, para o flexível é razão de vida.
Então, segundo o determinismo histórico de Marx, o capitalismo burguês nasceu a partir das contradições do sistema feudal e a burguesia, ao criar a sua oposição, o operariado, engendrou também o seu futuro extermínio cavando a sua própria cova. Premissa correcta, prognóstico errado como historicamente se viu em 1989.
O modelo social rígido erigido pelos soviéticos na sequência da adopção da doutrina marxista não foi capaz de se adaptar às exigências da vida moderna e ao stress provocado pela «guerra das estrelas», vibrou, rachou e ruiu. Morreu em quase toda a parte, só sobrevive nas ditaduras que desprezam o humanismo e assentam no materialismo benéfico das respectivas nomenklaturas. E, mesmo essas «peças de Museu», têm, elas também, um determinismo histórico que as aguarda - creio que não na gloriosa falácia histórica conclusiva marxista mas sim no entulho social a que conduz os respectivos súbditos. Em compensação, o modelo social flexível adoptado pelo Ocidente já hoje nada tem a ver com o capitalismo que no séc. XIX revoltou Marx, autocriticou-se, corrigiu-se e persiste num modo sempre flexível, alerta, autocrítico: criou e deixou criar instituições de segurança social, tributou, distribuiu, não se autofagiou. Quod erat demonstrandum, modelos rígidos são perniciosos e mesmo perversos tanto em engenharia como na sociedade. E quanto ao determinismo histórico marxista, cada vez mais me convenço de que nem nos tempos escatológicos e muito menos aquando da parúsia.  Abril de 2019


Acrescento os comentários de apreço que o texto de Salles da Fonseca mereceu, os esclarecimentos de Adriano Lima enriquecendo, naturalmente, as questões postas no texto sóbrio e preciso de HSF.

6 COMENTÁRIOS
 Henrique Salles da Fonseca  29.04.2019  09:08: Caro Henrique, Penso que a chamada “gaiola” pombalina, em madeira, (o edifício na Mouzinho da Silveira onde viu nascer o Banco BIC tinha-a) procurava ter o efeito da madeira e do bambu da tua crónica. Sobre o outro tema do teu escrito, estou a ler uma extensa biografia de Gorbachev, escrita por William Taubman, que permite entender bem como se chegou a 1989… Abraço e boa semana. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca  29.04.2019  09:09: «Quod erat demonstrandum» Um abraço  José Montalvão
 Anónimo  29.04.2019  13:57: Lembro dos tempos em que andei metido a "toureiro". Quem não flexibilizava... dançava pelo ar! Com uma boa marrada!
Adriano Lima  29.04.2019  15:29: Por via de regra, o Dr. Salles da Fonseca nos presenteia com excelentes e importantes prosas. Desta vez, não é apenas soberba a prosa deste texto como bem escolhidas as figuras literárias e, sobretudo, a metáfora relacionada com as construções de engenharia. É absolutamente irrebatível o raciocínio exposto, assim como a conclusão a que chegou. É a evidência pura dos factos que o diz, sustentada em sólida argumentação, não o preconceito ideológico ou o sectarismo partidário. Aliás, na actualidade nenhum intelectual digno do nome diria o contrário do que é aqui afirmado e demonstrado porque se o fizesse perdia crédito. Claro que me refiro a cientistas políticos, filósofos ou sociólogos que agem unicamente por amor à ciência. Não aos intelectuais (poucos) que ainda militam em partidos comunistas, que o fazem certamente para cumprir uma qualquer promessa escatológica e não por uma clarividência interior pautada pela racionalidade. A religião é um sistema de normas e valores humanos que tem por base a crença numa ordem sobre-humana. Na modernidade, surgiram outras formas de religião que se baseiam em leis naturais, como é o caso do comunismo mas também do liberalismo, do comunismo e do capitalismo. Porém, são formadas por normas e princípios de uma rigidez e imobilismo tais que se pode dizer que constituem autênticos dogmas, exactamente como os que regem o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Sendo assim, não são passíveis de adaptação ou flexibilidade, e é por esta razão que entendo não deverem chamar-se “ideologias ou doutrinas”, como prefeririam os seus mentores, mas sim “religiões”. Poder-se-á dizer que o capitalismo obedece a um figurino algo diferente, desde que não suprima as liberdades, mas penso que será só na aparência porque, tal como os tempos actuais estão a demonstrar, ele encontra sempre formas de se impor e sobreviver, limitando ou condicionando as liberdades ou opções das pessoas ou das sociedades. No entanto, o comunismo é a “religião” que melhor se encaixa na catalogação atrás feita, porque ou prossegue a sua via ruma ao colapso, como aconteceu na Rússia, ou transforma-se em algo diferente mas acabando por desaparecer na mesma uma vez perdida a sua identidade original. Fosse uma ideologia, produto racional das ciências sociais, jamais poderia reger-se pelo dogmático, dado que aquelas ciências baseiam-se naquilo que é objectivamente a natureza humana, com a sua complexidade e o grau de ductilidade, evolucionismo ou adaptabilidade que a caracteriza. Está mais que demonstrado, como é aqui relembrado no texto do Dr. Salles da Fonseca, que a condição primordial em que se basearam Marx e Lenine para conceberem o comunismo – a existência do proletariado – e idealizaram a sua longevidade ou imortalidade, foi um clamoroso erro de interpretação da História. O que, aliás, não tardaria a comprovar-se, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, com o crescente aburguesamento da classe operária, a partir do momento em que evoluiu significativa e progressivamente o seu nível de vida. Felicito-o por esta preciosa peça do seu pensamento intelectual.
Henrique Salles da Fonseca  29.04.2019  17:33: Obrigado, Senhor Coronel! Continuemos...
 Henrique Salles da Fonseca  29.04.2019  19:13: Henrique vocês são muito eruditos e navegadores por mares nunca dantes navegados.Gosto muito das vossas missivas.Beijinhos e ainda havemos de navegar pelos vossos céus um dia todos juntos. Analuisa PBN



Os casos, as causas, as coisas, os coisos



E voltamos à vaca fria, revenons à ces moutons, como pretendia o juiz na “Farsa de Pathelin”, em que panos e carneiros, estes últimos caso de julgamento, baralham um juiz que julga defender os carneiros de um pobre pastor que os roubara ao comerciante de panos que lhe pôs o processo, em que o advogado Pathelin era defensor daquele, mas que fora reconhecido pelo fazendeiro, em tribunal, como o seu ladrão da fazenda de um fato que o advogado Pathelin lhe não pagara (já por um preço enganador, que Pathelin promete pagar em sua casa, o que não acontece fingindo-se doente, com a conivência da mulher), e a quem reconhece no tribunal como ladrão do seu pano, o que origina um diálogo de quiproquós, na confusão do comerciante, que constantemente, na sua denúncia, troca os panos pelos carneiros, o que deixa o juiz perfeitamente confundido, repetindo monocordicamente o “revenons à ces moutons” - o caso do seu julgamento. Uma farsa medieval de burlões, todos eles, incluindo o próprio pastor, ao não pagar, no final, ao advogado Pathelin a espórtula combinada para este o defender em tribunal, usando a sua mudez reduzida ao “mé”, como prova de pobre de espírito, como lhe ensinara Pathelin para aplicar em tribunal e assim ganhar o processo dos carneiros, o que acontece. Quando Pathelin lhe exige a paga, o pastor responde também com esse do seu balir de idiota, revelando-se assim o maior burlão, entre todos eles, e ainda a mulher de Pathelin.
Os casos no nosso país… João Miguel Tavares refere-os sintomáticos da nossa malandrice, como também explica as causas várias de alguns julgamentos. E os trocadilhos respectivos. São coisas muito nossas, muito dos nossos coisos, não vale a pena especificar, tão badalados andam, mesmo sem os més dos nossos balimentos específicos, que na peça francesa se converteram em bés.
OPINIÃO
Ferro Rodrigues e a “política dos casos”
O PS continua a enterrar a cabeça na areia e a recusar reflectir sobre o seu vergonhoso passado. E isto não é uma “política dos casos”. É mesmo um caso político.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Abril de 2019, 6:05
Em Maio de 2011, José Sócrates pediu a Passos Coelho para parar com a “política de casos” na campanha eleitoral. Em Março de 2015, quando se soube que Passos Coelho tinha pago dívidas à Segurança Social com vários anos de atraso, António Costa afirmou que não pedia a demissão do então primeiro-ministro por ter “uma reacção quase visceral à política de casos”. Também em 2015, mas em Agosto, Marques Mendes criticou no seu espaço de comentário televisivo Paulo Rangel por trazer o tema Sócrates para a campanha eleitoral, já que isso era “introduzir uma política de casos, e o país precisa de causas, não de casos”. Em Portugal, como se vê, quase ninguém gosta da “política de casos”.
Ferro Rodrigues também não gosta. No seu discurso do 25 de Abril, resolveu dizer a certa altura que “a política de casos é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas”, e que essa política “não resolve os desafios estruturais do país, nem os problemas concretos das pessoas”, servindo apenas “para minar a democracia e envenenar a vida pública”. E concluiu, empolgado: “Às tentativas de degradação do espaço público, respondamos com a exemplaridade republicana e com a convicção democrática!” Esta parte do seu discurso foi a mais aplaudida no hemiciclo.
É certo que não se percebe como é que este ódio visceral aos “casos” combina com aquela outra parte do discurso em que Ferro Rodrigues afirmou que “só instituições irrelevantes é que passam por entre os pingos da chuva e escapam ao escrutínio da opinião pública”, e que “a abertura, a transparência e a ética da responsabilidade são os melhores antídotos contra o crescimento da cultura antiparlamentar”. Mas já se sabe que a lógica em política é uma batata. Ferro Rodrigues aprecia o escrutínio, sim senhor, e muito, mas apenas em abstracto. Os “casos” escrutinados, em concreto, já são um bocado foleiros, uma triste “arma dos fracos”, que envenena “a vida pública”. Envenena tanto, aliás, que o próprio Ferro Rodrigues afirmou ao PÚBLICO, com o coração a latejar: Os políticos não podem ser tratados pior do que cães.”
Meu Deus, tanta indignação. Mas será ela justa? Paremos para reflectir – que raio é, afinal, uma “política de casos”? É a opinião pública ficar aborrecida com as nomeações de pais, filhos, irmãos, primos e cunhados para o Governo? É as pessoas descobrirem que as comissões parlamentares de transparência são vergonhosamente opacas? É perceberem que alguns senhores deputados, que garantem estar em São Bento, estão afinal a circular por Trás-os-Montes? Não será a misteriosa “política dos casos” um mero sinónimo da “política de escrutínio” que Ferro Rodrigues diz tanto apreciar?
Há uma regra que talvez fosse útil todos os políticos portugueses passarem a aplicar: se há uma expressão que José Sócrates já utilizou para se defender publicamente, se calhar é preferível optar por outra. O combate à “política dos casos” é filosofia socrática pura e dura, do ramo da Covilhã. Não me parece assisado Ferro Rodrigues surgir agora como involuntário discípulo do animal feroz. “Política dos casos” são apenas os casos que envergonham a política, e o nome que os políticos dão aos casos que não conseguem, nem querem, explicar. Andar com este género de conversa em 2019 apenas prova aquilo que estou fartinho de dizer: o PS continua a enterrar a cabeça na areia e a recusar reflectir sobre o seu vergonhoso passado. E isto não é uma “política dos casos”. É mesmo um caso político.
COMENTÁRIOS:
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade,  Portugal 27.04.2019: Tantos indignados com os factos relatados pelo JMT. O problema do bom povo tuga é que analisam os partidos polÍticos como no futebol. A irracionalidade é total mesmo quando a sua equipa não ganha. Tenham juízo. Este senhor, Ferro Rodrigues, está na politica desde o 25 de Abril. É por causa dele, e de outros que estão no partido dele e nos outros partidos, que a abstenção não pára de aumentar. Os cães são muito mais dignos que esta cambada. Tenham vergonha. Estamos fartos de aturar as balelas do Ferro Rodrigues.
ana cristina, Lisboa et Orbi 27.04.2019: infelizmente a quantidade de casos parece ser inversamente proporcional à capacidade para resolver problemas. Um politico que anda atarefado a dinamizar actividades nos cemitérios de Lisboa e a colocar os familiares em tudo o que é bom tacho que apareça no Estado terá disponibilidade mental, e de tempo, para se dedicar à resolução dos problemas do país?
Nuno Silva, 27.04.2019: Às vezes tenho que dar razão ao JMT, como hoje (e noutras vezes). De facto o PS, e outros  PSs por essa UE afora, são como as baleias da Nova Zelândia, ao suicidarem-se na praia às centenas. Seja neste caso de familiares à fartura (e é a fartura que está em causa, não o facto de serem competentes), ou do PS não apresentar um candidato próprio à presidência, ou o mais grave, no recuo recente caso das PPPs (buracos negros a prazo) promíscuas na saúde...
Pedro Augusto, 27.04.2019: Os casos são a alma mater do jornalismo barato, iam agora ser deixados para segundo plano em relação à política e ao futuro do país? Especialmente, perante o deserto de alternativas actual. Quando os populismos ascenderem, JMT vai ser feliz: Não lhe vai faltar material para escrever!
Mario Coimbra, 27.04.2019: Caro JMT, excelente artigo. Como disclaimer gostaria de dizer que considero Ferro Rodrigues das piores figuras da nossa política. Ser ele o Presidente da AR é para mim uma vergonha. Nem acredito que ele o seja.
José Teixeira Gomes, Porto 27.04.2019: JMT. Enquanto ouvia o discurso do Sr Ferro percebi a contradição mas não me detive sobre ela. Parabéns pelo seu trabalho. Quem empurra o povo para o populismo são os maus políticos


domingo, 28 de abril de 2019

Ainda bem que está feliz


A Teresa de Sousa costuma ser pessoa arguta e objectiva, desta vez deixou escapar o lado sensível da sua personalidade, o que a humanizou, abrindo-se às confissões. Só acho que as efusões do passado, dados os desgastes e provavelmente algumas desilusões do presente, deviam fazê-la ponderar um pouco mais na irrelevância desses passados de “liberdade”, que não deixam de ser uma pedrada sobre quem se julgou sempre livre, na obediência e no respeito pelas normas. Mas continuo a admirar TS no seu equilíbrio e competência, e fico contente por se sentir feliz.  
OPINIÃO  A culpa é de Eduardo Ferro Rodrigues
O discurso que Ferro Rodrigues proferiu na sessão solene dos 45 anos do 25 de Abril foi verdadeiro, desassombrado, livre.
TERESA DE SOUSA   PÚBLICO, 28 de Abril de 2019, 7:30
1. Não sou dada a nostalgias, mas 45 anos sempre são 45 anos. Passaram num ápice. A minha geração, moldada pela crise de 69, ela própria uma emanação do Maio de 68, foi demasiado libertária, demasiado rebelde, demasiado radical em todos os sentidos da palavra, demasiado individualista, para se deixar ficar imóvel no tempo ou prisioneira dele. Cada um seguiu o seu caminho. Cada um fez contas consigo próprio à sua maneira. A única herança particular que ficou desses anos que precederam o 25 de Abril – a marca única da crise de 69 – foi a ruptura com o domínio do PCP nas associações de estudantes, abrindo as portas à luta frontal contra a guerra colonial, que não fazia parte dos seus objectivos, limitados às reivindicações por melhores cantinas, por melhores professores e outras coisas razoavelmente modestas e devidamente compartimentadas das lutas operárias. Essa ruptura radical acabou por transformar-se, com o tempo e a maturidade, numa convicção democrática e liberal que, apesar das circunstâncias da vida e dos inúmeros caminhos que cada um seguiu, nos é ainda hoje bastante comum.
2. Naquele “dia inicial inteiro e limpo” – nunca estará gasto o verso de Sophia por mil vezes que seja repetido ­– a manhã acordou cinzenta. Estava frio em Paris. Saí cedo da minha “chambre de bonne” de uma zona nobre da cidade, que era onde havia “chambres de bonne”. O “ménage” começava às 9h no 7.º andar, para continuar no 5.º. Fui recebida com a mais inesperada das notícias: “Têrêsá, il y a une revolution au Portugal”. Já não pus o avental. Nas horas seguintes, a televisão começou a passar as imagens do inacreditável. Não, não digam “coitada”. Os poucos anos de exílio que passei em Paris foram de felicidade. Aprendi a viver em liberdade, a caminhar pelas ruas e a discutir nas esplanadas sem medo de falar alto. A ler o Monde à luz do dia. A percorrer as livrarias de olhar insaciável. Não é sequer preciso ter dinheiro para se ser feliz em Paris. Experimentem pedir “un grand-crème, tartine beurrée” numa esplanada ao pequeno-almoço. Ou, num dia de festa, que o dinheiro era curto, “un croque-monsieur, verre rouge” ao jantar. E, sobretudo, imaginem tudo isto quando se tem vinte anos. Foi nessa manhã cinzenta de Paris que essa outra alegria me chegou. Houve festa em casa dos Gourniki (5.º andar), sempre solidários com quem lutava contra a ditadura em Portugal. Discutiu-se intensamente o golpe militar e o regresso. Alguns de nós partiram no dia 27 de Abril numa velha carrinha “pão-de-forma”, ainda um tanto ou quanto apreensivos. O meu passaporte caducara e, por circunstâncias várias, ainda não tinha recebido o passaporte de refugiado – aquele peculiar passaporte onde se destacava a palavra “apátrida” na nacionalidade. Fiquei, mas tive sorte. O meu pai estava em Bruxelas numa reunião. Passou por Paris. Trouxe-me com ele, creio que no primeiro ou num dos primeiros aviões que aterraram na Portela, quando o aeroporto reabriu. Havia soldados sorridentes e desalinhados na pista, fazendo o V da Vitória. Ainda se atravessava a pista a pé. Ninguém me pediu o passaporte. Houve lágrimas de felicidade. A minha primeira incumbência foi levar ao Sindicato dos Químicos (que tínhamos mantido firmemente fora da alçada do PCP) o “ozalide” com o panfleto que queríamos distribuir no 1.º de Maio. Era o dia 28 de Abril de 1974, o meu dia inicial inteiro e limpo. Mário Soares chegava a Santa Apolónia. Pedi à minha mãe que me levasse a ver o mar. Tinha todo o tempo do mundo. Na mais extraordinária manifestação de que há memória em Lisboa, enquanto Álvaro Cunhal discursava, nós distribuímos o nosso panfleto: “Catarina é do Povo. Não é de Moscovo”. Não houve incidentes. Escutei pela primeira vez em Portugal as palavras poderosas de Mário Soares. Já tinha ido ouvi-lo (para ser franca, contestá-lo) aos seus comícios na Mutualité. Transformou-se rapidamente na minha referência política. Ensinou-me que há uma linha de demarcação intransponível entra a democracia e o resto, definida pela palavra liberdade. Também lhe devo isso, para além de tudo o resto que o país lhe deve.
3. Porquê este regresso a um passado que não interessa a ninguém? A culpa é de Eduardo Ferro Rodrigues e do discurso que proferiu na sessão solene dos 45 anos do 25 de Abril. Verdadeiro, desassombrado, livre. É verdade que a nossa amizade se construiu na crise de 69 em “Económicas”. É verdade que acompanhei aquilo que fez, para lá da política, como investigador do GEBEI (Gabinete de Estudos de Economia Industrial) e dos livros que publicou com dois outros notáveis dirigentes da mesma crise académica na mesma faculdade: José Manuel Félix Ribeiro (são incontornáveis os seus estudos de prospectiva no Gabinete de Estudos e de Planeamento) e Lino Fernandes (que dirigiu a Agência de Inovação nos anos em que outro dirigente da crise de 69, Mariano Gago, revolucionava o ensino superior e a investigação científica em Portugal). Aprendi com eles a compreender a economia portuguesa no seu contexto global e os caminhos possíveis da sua internacionalização e especialização. Como é verdade que é da sua responsabilidade uma das mais profundas “reformas estruturais” – sempre tão reclamadas por alguns mas que se foram fazendo – que foi a publicação do Livro Branco para a reforma da Segurança Social, quando era ministro de Guterres, elogiada à direita e orientada pelas ideias mais reformistas que então se debatiam na Europa sobre o seu modelo social. A sua vida foi sempre a mesma: modesta, de acordo com o salário de um político que, seja qual for o cargo, é inevitavelmente pequeno. Tudo isto eu sabia e sei. O desassombro do seu discurso, a maneira directa e simples com que abordou os dilemas mais fundos e mais essenciais da crise das democracias liberais, incluindo a nossa, dispensando as banalidades de ocasião, olhando sem benevolência para o presente, denunciando sem entrelinhas o que está mal, provocaram-me uma estranha sensação de orgulho. Trouxeram-me à memória os anos em que, muito jovens, moldámos a nossa maneira de ser e de viver. Rebeldes e profundamente livres. Modestos nos nossos hábitos de vida, mas não nos prazeres da vida. Aprendendo que ninguém é dono de nenhuma verdade, nem demasiado fiéis a qualquer disciplina (ou apenas fiéis o necessário). Numa palavra, o que Ferro Rodrigues conseguiu foi lembrar a cada um – políticos, jornalistas, sindicalistas, académicos – as suas responsabilidades, num tempo em que essas responsabilidades são ainda maiores.
4. Já assisti a sessões solenes do 25 de Abril bem mais interessantes. O Presidente fez uma boa intervenção lembrando que os jovens de hoje não querem o mesmo que os jovens dessa altura. O PS cumpriu os mínimos. É o partido fundador da democracia e, por isso, não tem de se justificar perante ninguém. O PCP bem pode ter jovens deputados nas bancadas que muito dificilmente consegue sair do seu quadrado. Teima em que o 25 de Abril é dele e que está quase todo ainda por fazer. Abriu uma porta com a “geringonça” porque luta pela sobrevivência: mais de 40 anos depois, tinha de mostrar ao seu eleitorado que tem alguma capacidade para influenciar o governo, sob pena de se tornar inútil. O Bloco, num difícil exercício de equilíbrio entre um passado demasiado radical e a ilusão do futuro com que sonha (mudar o PS por dentro), resolveu falar do PREC e das ocupações das casas e das minorias oprimidas, numa intervenção anódina. Confesso que me fica sempre uma perplexidade dos discursos do PSD e do CDS: não são capazes de distinguir o 25 de Abril do 25 de Novembro, como se tivesse sido sua a responsabilidade de liderar o confronto final entre os dois caminhos possíveis para revolução: o regresso a uma ditadura ou a consagração da democracia liberal. Limitaram-se a seguir os principais actores dessa ruptura fundamental: o Grupo dos Nove entre os militares e Mário Soares nas ruas e nas praças, confrontando o PCP onde ele se achava invencível mas não era. O PSD lançou-se num furioso discurso de campanha, recuperando o Diabo que estaria de novo à nossa espera ao virar da esquina, com a ameaça de nova intervenção externa. Há tanta coisa por fazer neste país que, francamente, é falta de imaginação.
Dito isto, o mundo não está perdido. Por alguma razão, foi a intervenção de Ferro Rodrigues que acabou por dominar as notícias.

Rui Ribeiro, Bruxelas : Tenho um enorme respeito por Teresa de Sousa, concordando na maior parte das vezes com a sua opinião. Seguramente a opinião resulta do conhecimento pessoal de Ferro Rodrigues, e isso é inteiramente respeitável. O comportamento público do dito, no entanto, é o que me leva a não concordar com a dita opinião. Discursos são interessantes, alguns até importantes, mas aquilo que fazemos regularmente é que determina a importância daquilo que dizemos. Infelizmente para o próprio, o comportamento ao longo de todos estes anos é ligeiramente contraditório com os discursos. De Ferro Rodrigues habituei-me a esperar pouco e não espero que isso mude.
ana cristina, Lisboa et Orbi: o eduardo pode ser uma excelente pessoa. não o conheço. o ferro rodrigues, para mim, é o politico do "estou-me cagando para a justiça", é um dos rostos da incapacidade (activa e teimosa) do PS para ser um partido de mãos limpas.
AndradeQB, Porto:  Esta avaliação das comemorações do 25Abril reflecte uma tendência que se vem a verificar no posicionamento politico. Uma tendência que aqui ao lado já é a realidade. O alinhamento ideológico à volta de instintos e memórias. Vão-se buscar ao armário da memória realidades e medos antigos, uns do fascismo, outros do comunismo, e dirigimo-nos para o nosso lado da barricada de forma acrítica. Teresa de Sousa, noutra altura qualquer, não assinaria esta sua visão do último meio século separando-o entre os pais da democracia (Ferro Rodrigues (novidade) e Mário Soares, e os oportunistas. Paremos para pensar. Alguém se acredita que, com militares de abril ou sem, com Mário Soares ou sem, estaríamos hoje ainda em ditadura? Não, seguramente.
António Suarez, Porto : Goste-se mais ou menos. É uma das pessoas que mais sabe e melhor escreve sobre política em Portugal. Ponto.

nelsonfari, Portela-Loures 11:51: Então o Eduardo ganha pouco? Está do lado direito da mediana e se calhar quase no extremo direito dos valores de salários pagos em Portugal, onde o salário médio é de 890 brutos/mês(INE).O Eduardo é um homem do aparelho do PS.E o PS tem contas a pagar pelo mau papel que tem desempenhado. Muita precariedade ,baixos salários, um ambicioso Centeno que não investe mais na saúde, ensino e habitação para fazer boa figura no Eurogrupo. Depois, a cronista despeja em cima do PCP. Pois é, enquanto a D.Teresa andava em Paris (que efeito teve a sua acção? Hum, estava a gozar a liberdade...) os do PCP andavam por Peniche, Tarrafal, etc. Isto, claro, nada tem a ver com o PCP de hoje. Depois de 1968 passou-se muita coisa e 51 anos .E não se esquece o elogio a Constâncio...O Quelhas em força...A clique furada.
Um conjunto de pessoas, uma clique. Têm vivido uns com os outros. Ferro Rodrigues, assistente no então ISCEF, dá aulas a Centeno (e também a outro bem colocado, Sérgio Figueiredo da TVI, director de informação, o que dá sempre jeito). Uma rede apertada de pessoas que têm repartido entre si os lugares e as benesses. E não venha dizer que o Eduardo tem uma vida modesta...Este conjunto de pessoas tem abocanhado o país e os escândalos e as vergonhas sucedem-se de forma vertiginosa. A estes senhores deve aplicar-se o "no mercy". Aguentem, como disse o do BPI,  Ulrich. Só o BES limpou 14% do PIB. E são quatro professores do actual ISEG que o dizem, Consulte, D.Teresa, a SaeR sobre o assunto.
Andre felman cunha rego,: Sou leitor e admirador de Teresa de Sousa, sem dúvida uma das melhores jornalistas de Portugal. Os seus textos, além de bem escritos, são para mim uma ajuda importante para o meu entendimento da politica nacional e internacional. Este no entanto é particularmente fraco. Não conseguiu desassociar a sua amizade por Ferro Rodrigues daquilo que Ferro Rodrigues realmente representa hoje em Portugal. Limitou se a analisar o seu discurso do 25 de Abril em abstracto e não à luz de tudo o que Ferro Rodrigues tem dito e feito ao longo dos últimos anos. Ao contrário do que é habitual, este texto não está à altura da jornalista Teresa de Sousa.
Rui Ribeiro, Bruxelas > Tenho um enorme respeito por Teresa de Sousa, concordando na maior parte das vezes com a sua opinião. Seguramente a opinião resulta do conhecimento pessoal de Ferro Rodrigues, e isso é inteiramente respeitável. O comportamento público do dito, no entanto, é o que me leva a não concordar com a dita opinião. Discursos são interessantes, alguns até importantes, mas aquilo que fazemos regularmente é que determina a importância daquilo que dizemos. Infelizmente para o próprio, o comportamento ao longo de todos estes anos é ligeiramente contraditório com os discursos. De Ferro Rodrigues habituei-me a esperar pouco e não espero que isso mude.
Francis Delannoy: O discurso que Ferro Rodrigues proferiu na sessão solene dos 45 anos do 25 de Abril foi verdadeiro, desassombrado, livre. 1. Não sou dada a nostalgias, mas 45 anos sempre são 45 anos. Passaram num ápice. A minha geração, moldada pela crise de 69, ela própria uma emanação do Maio de 68, foi demasiado libertária, demasiado rebelde, demasiado radical em todos os sentidos da palavra, demasiado individualista, um dos arquitectos da sociedade pobre podre e feia que temos, coitado arrependido do seu trabalho e das suas obras... então que partilha com pobres ou jovens uma boa parte do seu bom salário e da sua futura grandiosa reforma...se for assim tão arrependido.. é só é sol radioso de hipocrisia..rodeado de uma sombra total de fingimento..