quarta-feira, 31 de julho de 2019

Um dia, havemos de entender



Quando tudo estiver resolvido, e as consequências – creio que negativas - se façam sentir ainda mais. O certo é que a abertura das fronteiras não deixou de criar graves problemas por toda a parte, sem travar as guerras da nossa sensibilidade à distância. Mas os comentadores ainda baralham mais, e alguns acusam Teresa de Sousa, sem se perceber porquê. O pensamento dela parece justo, no fundo, também às aranhas, como todos, até ver.

Rir-se de Boris não é uma estratégia
A única estratégia possível é facilitar a vida ao Reino Unido, garantindo que as perdas para os europeus serão as menores possíveis. Haverá este discernimento em Bruxelas e nas principais capitais europeias?
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 28 de Julho de 2019
1. Na quinta-feira, Michel Barnier, o negociador chefe da União Europeia para o “Brexit”, e Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão, resolveram emitir as primeiras reacções públicas à entrada de Boris Johnson no n.º 10 de Downing Street. O primeiro enviou uma carta aos governos na qual recomendava que deveriam começar a preparar-se para uma saída do Reino Unido sem acordo, considerando que as afirmações do primeiro-ministro britânico na sua primeira declaração pública e as respostas às 129 questões que lhe foram colocadas durante duas horas e meia em Westminster são “inaceitáveis” e “não estão no mandato do Conselho Europeu”. O segundo telefonou a Boris para lhe dizer que “o actual acordo é o melhor e o único acordo possível”.
Já aqui escrevi que a União Europeia teve como principal objectivo para as negociações do “Brexit” manter uma “frente unida” inquebrantável dos restantes 27 Estados-membros. A ideia central era provar duas coisas: que a União negociaria sempre numa posição de força e que sair era tão difícil e, eventualmente, tão penoso, que o “Brexit” funcionaria como um poderoso dissuasor para outro país que sonhasse seguir o exemplo do Reino Unido. O risco e os limites desta estratégia estão hoje à vista. Levadas às suas últimas consequências, estas duas tomadas de posição de Barnier e de Juncker só podem querer dizer uma coisa: que o novo Governo de Londres deve apresentar o mesmo “inegociável” acordo em Westminster. Não se terão dado conta que foram três chumbos consecutivos do acordo que levaram Theresa May à demissão?
Depois desses três chumbos e de dois adiamentos da data de saída, o Reino Unido mudou de primeiro-ministro e, consequentemente, de governo, mesmo que se mantenha nas mãos do mesmo Partido Conservador. Também não vale a pena questionar a legitimidade do novo Gabinete, porque ela é total à luz das regras do sistema político britânico. Não de hoje, mas de há muito tempo. John Major substituiu Margaret Thatcher em 1991 exactamente pelo mesmo processo, para recordar um caso recente. Gordon Brown substituiu Tony Blair graças a um acordo privado entre ambos. Boris Johnson tem toda a legitimidade para renegociar o acordo com Bruxelas. Bruxelas só muito dificilmente poderá argumentar que aquele que assinou com May está escrito na pedra e não pode ser revisto. Repetir que é o único possível até pode vir a ser uma decisão legitimada pelo Conselho Europeu. Mas não é a única decisão possível, nem a responsabilidade pertence apenas ao outro lado.
2. A que se deve esta irredutibilidade? Bruxelas e os governos europeus temem que a frente unida abra brechas? Esse não é certamente o problema de Londres e haver uma discussão política no Conselho sobre o que fazer a partir de agora também não parece ser um crime de lesa pátria. A nova presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen, já se mostrou disponível para prolongar o prazo para lá de 31 de Outubro. É uma forma de adiar o problema, mas não de o resolver. Primeiro, porque Boris tem razão quando diz que não vai levar o mesmo acordo a um Parlamento que já o chumbou três vezes. Quem de perfeito juízo o faria? Segundo, porque nestas circunstâncias adiar significaria apenas protelar uma saída sem acordo. O que não é do interesse nem do Reino Unido nem da União Europeia.
3. Compreende-se que haja nas capitais europeias um cansaço crescente com o “Brexit” que, dizem alguns, mantém refém a agenda da União, com muitos outros problemas para resolver. Pode ser. Há mesmo quem ainda admita em Bruxelas que, no fim do dia, não vai haver “Brexit”, o que é uma aposta cada vez menos vencedora. Os sectores que defendem o Remain não se conseguiram entender ao ponto de forçar um novo referendo. Não é agora, com um governo liderado por convictos defensores do “Brexit”, que essa hipótese se pode tornar mais fácil, a não ser perante um fracasso total desse mesmo governo.
A tentação de apostar neste cenário é grande – incluindo no próprio Reino Unido. Se uma renegociação do acordo se revelar impossível e se o Parlamento britânico conseguir garantir que não pode haver saída sem acordo, é possível que a única solução para Boris Johnson seja convocar eleições que poderiam até funcionar como uma espécie de segundo referendo. As sondagens não são animadoras. Os conservadores ganhariam, mesmo que com um fraco resultado, seguidos de perto pelos liberais-democratas, que são o partido mais claramente pró-europeu do espectro político britânico, mas o Labour faria uma triste figura e, num sistema uninominal a uma volta, não se vê como seria possível formar um governo muito diferente do actual.
O Labour teve a sua grande oportunidade para virar o jogo, mas perdeu-a graças a uma liderança que é a favor da saída e que teve de apostar na ambiguidade para manter o partido e o eleitorado unidos. Fracassou rotundamente. Foi quase penoso ver como Boris “desfez” Jeremy Corbyn no Parlamento, tirando partido das suas contradições e da sua crescente fraqueza política. Não é possível esperar eternamente por uma recomposição da paisagem política britânica que dê novo sentido à vontade dos britânicos, seja para saírem, seja para ficarem. Mas também não é possível esquecer que metade dos britânicos, sobretudo os mais jovens a quem pertence o futuro, são naturalmente pró-europeus porque se habituaram a viver na Europa e gostaram da experiência. Para um Governo que quer “unir a nação” e provar que pode voltar a ser “grande”, não é um bom ponto de partida. Mas esse não é o problema de Bruxelas. É o problema dos britânicos.
4. Finalmente, a ideia de que é possível abandonar a União tem de ser aceite como uma realidade. As sucessivas crises que a Europa viveu ultimamente puseram fim à ideia de que a integração era irreversível, que prevaleceu durante as primeiras décadas de vida da União. A crise do euro colocou em cima da mesa, pela primeira vez, o cenário até aí impensável da sua fragmentação. É daqui que é preciso partir. A única estratégia possível é facilitar a vida ao Reino Unido, garantindo que as perdas para os europeus, sejam eles continentais ou britânicos, serão as menores possíveis. Haverá este discernimento em Bruxelas e nas principais capitais europeias?
Ninguém nega que a questão da fronteira entre as Irlandas não é fácil. A dificuldade em resolvê-la decorre das profundas divisões entre unionistas e republicanos, que se confrontaram com violência durante décadas, até Tony Blair conseguir negociar um acordo de paz, que tinha as suas fragilidades e que contava com os dividendos da pacificação para se consolidar. Dublin, como parte das negociações de paz, tem uma palavra a dizer e a União não pode abandoná-la. Mas, também aqui, o único caminho é tentar encontrar um compromisso. 
5. A Europa precisa de um resultado que garanta o máximo de cooperação em praticamente todos os domínios – da defesa à política externa, passando pelo comércio ou pela ciência. O Reino Unido também precisa desse grau de cooperação, desde que não o impeça de negociar outros acordos com outros países. Não é assim tão difícil de perceber a ideia dos que defendem uma saída mais radical da União Europeia: o Reino Unido precisa do máximo de liberdade para seguir o seu caminho. Mesmo que o bom senso nos diga todos os dias que teria, porventura, maior margem de manobra para defender os seus interesses dentro do que fora. Com a total incerteza que hoje paira sobre o mundo, com os desafios gigantescos que a Europa tem pela frente, com o embate com a realidade que mais tarde ou mais cedo os britânicos vão sofrer, uma separação sem acordo seria a pior das notícias para as duas partes e tornaria muito mais difícil a negociação de um futuro acordo de associação.
A primeira coisa a fazer é mudar rapidamente a linguagem de Bruxelas. Porque esperar que Boris Johnson se “espalhe” na primeira curva ou rir-se das características particulares do novo primeiro-ministro britânico não é estratégia nenhuma.

Teresa de Sousa interrompe a sua coluna nas próximas semanas. O “Sem Fronteiras” regressa a este espaço a 25 de Agosto
COMENTÁRIOS
Manuel Cabral, 28.07.2019: Porque não? Comparados, Johnson é pior que Trump: não tem a desculpa da falta de educação e de experiência política. Como deixar de rir de um indivíduo que promete que «a Inglaterra voltará por que razão lhe daria a UE o que não deu a Theresa May? Não deve dar nem mais nem menos: a Inglaterra, que teve de pedir duas vezes para entrar na futura UE, tem agora a escolha entre ficar, sair conforme acordou ou sair por sua conta e risco. Será mau para todos mas pior para a Inglaterra, a qual despreza a vontade das outras nações do Reino des-Unido! A UE perderia a face perante os seus membros se facilitasse a saída a um bando de reaccionários arrogantes que não é certo terem a maioria dos votos no actual parlamento! Teresa de Sousa teve sempre uma «embirração» contra o euro e a federalização...
Ricardo, Lisboa 28.07.2019: A saída do RU da UE cria um problema na Irlanda para o qual o número de soluções conhecidas é exactamente zero. Apesar disso, os Brexiters e as Teresas de Sousa afirmam que com flexbilidade há-de haver solução. A UE foi flexivel e pagou para ver: o acordo de saída prevê que havendo uma solução seja implementada mas que até lá, como recurso, o RU ou pelo menos a Irlanda do Norte ficam sujeitas às regras da UE. Os deputados do RU rejeitaram esse acordo porque receiam que não haja solução e a solução de recurso se torne permanente. E o RU continua sem propor outra solução. A UE não está a ser intransigente. O RU é que criou um problema impossível.
A autora continua a ser incapaz de integrar no seu raciocínio um facto simples: a UE é o único caso no planeta em que um grupo de países acordou eliminar os controlos alfandegários ao ponto de os postos fronteiriços serem desnecessários. Mesmo na fronteira com Suíça ou Noruega esses controlos existem. Se o RU vai sair da UE é óbvio que os postos fronteiriços têm de voltar incluindo na Irlanda. Contudo não só a Irlanda é intransigente como no próprio RU ninguém defende publica e frontalmente isso. Um acordo de saída que não garante a ausência de postos de controlos na Irlanda é um acordo que não só será bloqueado pela Irlanda como é um acordo que dificilmente passará no Parlamento do RU. Os apelos à flexibilidade da UE são, na verdade, apelos vagos a uma solução que não existe.
manuel.m2, 28.07.2019: “… Johnson poderia reclamar alguma legitimidade se seguisse as promessas contidas no Manifesto Eleitoral com que o seu Partido se apresentou às eleições de 2017, mas o que faz agora é exactamente o contrário: O Manifesto prometia “uma saída da UE suave e ordeira” e uma “profunda e especial relação com os nossos amigos e aliados Europeus”. Foi exactamente o que Theresa May, com todos os seus defeitos, se esforçou por conseguir. Mas o que Johnson ameaça é um “No Deal Brexit” caótico e cheio de rancor que irá envenenar as nossas relações com o resto da Europa por uma geração e para o qual não tem mandato. Ao eleitorado, a quem foi prometida uma saída da UE rápida e sem dor no referendo de 2016, nunca foi perguntado se queria esse resultado, porque se o tivesse isso seria rejeitado.
Teresa de Sousa não explica qual será a razão pela qual a UE teria de dar a Boris o que recusou a Theresa May. Não explica também o que significaria rasgar o acordo de saída firmado entre o Governo Britânico e a UE, não só eliminando o chamado "Back Stop", garantia fundamental para manter a paz na Irlanda, mas também a totalidade desse Acordo, como agora exige Boris, sem que seja posta em causa a UE como projecto político, tornando-a apenas numa área de livre comércio. Terá Teresa de Sousa alguma complacência que a leva a não comentar a composição do presente Governo Britânico onde pontua Jacob Rees-Mogg, agora líder da Câmara dos Comuns, o maior reaccionário a ter assento no Governo de SM de que há memória, uma presença insólita mesmo se considerarmos a composição do resto do Gabinete ?
Fernando Costa, Lisboa 28.07.2019: Bom e sensato texto, longe das baboseiras pedantes que têm enchido a nossa imprensa.



Bartoon, 25/7/19



E o homem da caneca encostado ao balcão, costas voltadas para o dono do bar, olho vivo a estranhar, perna dobrada a reflectir bem-estar, caneca de cerveja a espumar, a espumar, interroga o dono do bar, de boca fechada pela atenção, mas que a abre para responder, em perfeita noção:
- Que país é este (1ª vinheta), que está nas mãos dos motoristas de camiões? (2ª vinheta)
E o dono do bar vá de justificar, abertos os braços do seu muito saber, enquanto o freguês com visível prazer, emborca a caneca do seu meditar:
- Então não sabe? (3ª vinheta) É aquele país que passou as últimas décadas alegremente a desmantelar a rede ferroviária (4ª vinheta).
E Luís Afonso vá de colocar a assinatura Luís que o irá distinguir, na vertical do cabeçalho da última página de um “PÚBLICO” diário, a augurar, sem mais comentário, na amargura da caricatura.

terça-feira, 30 de julho de 2019

«Tempora. Mores.»


«Tempora. Mores.»
Pelos anos, creio, de 47/49, o meu pai foi transferido para Quelimane, e, quando voltou, trazia na bagagem uma série de esculturas, em marfim e pau preto, julgo que da arte maconde, muitas das quais para oferecer a amigos e familiares. Nós ficámos com um ou outro cinzeiro, uma figura de guerreiro de pau preto, pequenos elefantes em marfim, mas lembro-me de que as maiores esculturas foram oferecidas a quem ele entendeu que devia oferecer, e entre esses, o Sr. Neves, que muito o estimava e lhe reconheceu o mérito, que em nós ficou também para sempre associado ao nosso amor.
Vem o assunto a propósito destas viagens de Salles da Fonseca, no seu objectivo evocativo e informativo de tanta pertinácia e sensibilidade, a que os seus amigos se apressam a acrescentar factos do seu conhecimento e efusões do seu próprio encantamento e simpatia.
O mapa dos povos moçambicanos não o coloco, pode ser visto na Internet. Na questão dos espiritismos e idolatrias, ou das mitologias que, magistralmente, Adriano Lima esclarece, eu podia recordar a minha "consultora" Glória, que vivia na Machava,num espaço de terreno muito limpo, com frondoso cajueiro a meio, e que, com as suas conchas e pedrinhas acertou em tantos pormenores da minha existência e relacionamentos, bem como da minha amiga T., que acompanhava as minhas dores existenciais com as suas próprias, de um final, de resto, diferente, mas feliz.
Como a minha ignorância etnológica é bem superior à de SF, pois que outras temáticas de estudo, a difundir, fizeram parte do meu dia-a-dia por lá, quero apenas apoiar as referências do seu texto com as informações que transcrevo do meu fácil material de pesquisa, que não havia naqueles tempos - a Internet, de tanta comodidade prática.
MOÇAMBIQUE REVISITADO – 2: “A preto e branco”
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 30.07.19
Eros para elas e Freia para nós, homens. Bem procurei as divindades homólogas da mitologia moçambicana. Debalde. Aliás, sempre achei que o paganismo em Moçambique não tem vida fácil. Mas isso não deveria obstar a que se estudasse essa parte da Cultura. Para quê se já não tem expressão? Mas certamente já teve e desconfio que deixou rastos. Não deixou? Sim, deixou! Se não, donde vêm os Xiquembos? É claro que sim, a cultura moçambicana tem o seu quê de pagão com todo o misticismo e mistério inerentes. Deveria ser giríssimo estudar isso. Quanto mais não fosse para reconstituição histórica, cultura geral. Bom tema para uma Universidade da Terceira Idade. Aqui fica a sugestão.
E a pergunta é: - A que propósito vem isto aqui quando o que se pretende é uma visão do que deixou saudades e motivou a revisita?
E a resposta é: - Todos gostamos de voltar aos locais por que vogámos prazenteiros e tanto Eros como Freia foram muito bem achados na circunstância.
E quem éramos nós, os que lá vivíamos? Muitos e variados, uns daqui, outros dali, muitos de lá mesmo. Maioria castanha, não zulu que esses, sim, são mesmo pretos da cor da noite. O moçambicano é mais claro. Mas para não dizer muito disparate, fui à Internet e encontrei bastante informação. Escolhi esta que segue donde saquei o mapa que publico de seguida
Assim alijo parte da responsabilidade nos erros que alguém detecte. E eu próprio pergunto se os macondes de Cabo Delgado são macuas como o mapa dá a entender…. Venha quem saiba e nos ensine. Os moçambicanos pretos (deixemo-nos de eufemismos amaneirados) com quem contactei foram os macuas de Nampula e os landins de Lourenço Marques. Estes, seriam de várias etnias que eu associo aos xhosas mas o melhor é calar-me para ter a certeza de não dizer muitos disparates.
Os moçambicanos não pretos eram brancos, mistos, indianos e chineses.
Como já contei numa crónica anterior, não era qualquer branco de Portugal que emigrava para Moçambique só porque lhe apetecia. O Governo do Doutor Salazar não facilitava essa emigração e quem o antecedeu no mando em Lisboa também navegava pelas mesmas águas. Porquê? Não vou agora alargar-me com isso, apenas constato o facto que se traduzia numa «escolha» apertada de quem podia seguir para Moçambique. Funcionários públicos (incluindo professores), militares, funcionários superiores das «companhias majestáticas» (enquanto as houve) e técnicos da mais ampla hierarquia chamados para o exercício de funções específicas. O Zé dos Pincéis ali da esquina não era autorizado a emigrar para lá. Que fosse para Angola.
Ou seja, o branco em Moçambique ou era ele próprio membro de um escol elitista (passe o pleonasmo) ou era seu descendente. Uma parte numericamente insignificante descendia de quem, condenado na Metrópole e deportado, readquirira a liberdade ao pisar o solo africano. Mas esta «experiência» ao estilo anglo-australiana não fez escola maior por lá. O que chegou a ter algum significado foi a quantidade de militares do contingente metropolitano que decidiam passar à disponibilidade em Moçambique em vez de regressarem a Portugal. Nas «sombras verdes» de Nampula, havia muitos desses ex-militares com família mono ou poligâmica, pululante filharada mulata, tranquila existência em condições bem mais benignas do que as homólogas nas gélidas berças estaminais mais de mistura com rezes do que com gentes. Estes, assimilados, não pertenciam ao escol que há pouco referi mas foram eles que, na base social, muito contribuíram para que nós, portugueses, tendo sido os primeiros europeus a trilhar caminhos em África, fossemos os últimos a regressar às origens. Muitos, com uma mão à frente e a outra a trás.
E se a independência significou a instauração de um clima revolucionário com perseguições, exílios, campos de «reeducação» e morte, lá veio a pergunta inocente, ávida de paz: - Patrão, quando acaba independência?
(continua)
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 30.07.2019 10:45: Amigo Henrique, prudente e lestamente, e antes que te pudessem sacar quaisquer ónus, declaras na crónica que aligeiras responsabilidade pela "transformação" dos macondes em macuas em Cabo Delgado, como o mapa insinua. Fiquei muito admirado com o mapa que inseriste nesta tua crónica. O conhecimento de experiência feito ensinou-nos que os macondes são um povo guerreiro, que não se deixam conquistar, de compleição física imponente e hábeis na escultura em pau preto. Estas caraterísticas não se encontram, em geral, nos Macuas com quem convivíamos diariamente em Nampula, para além de ser notório que estes não gostavam daqueles (o efeito das guerras tribais ainda não havia desaparecido dos nossos tempos de Nampula, ou, talvez, haja sido incentivado por razões de tácticas militares dessas décadas de 60/70, quem sabe). O teu desafio "venha quem saiba e nos ensine", apesar de eu não saber nem ter capacidade, consequentemente, para ensinar, levou-me a fazer clic no mapa da tua crónica, sobre a palavra "Macuas" e , eis que aparece um outro, este colorido, que insere, é certo, a palavra "Makua" em análoga zona geográfica, mas bem no nordeste lá está igualmente a palavra "Makonde". Urra!... Eles sempre existem também em Cabo Delgada. O nosso conhecimento empírico tem respaldo na "Doutrina" dos sábios. Abraço. Carlos Traguelho
Anónimo 30.07.2019 Uma precisão, adicional - fiz o clic no mapa depois de entrar na hiperligação que indicas e que está por cima do mapa. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 30.07.2019: Eu creio que o custo da viagem - então por navio - muito superior ao de Angola também era factor que pesava na origem dos emigrantes. Jorge Gaspar de Barros
Helena Salazar Antunes Morais : Henrique Salles da Fonseca 30.07.2019:  Há por aí muito boa gente que devia ler as suas crónicas para tirar da cabeça uma data de ideias erradas (por ignorância ou conveniência)
Adriano Lima 30.07.2019: Como estamos a falar de “universidade de terceira idade”, meto a minha colherada nessa questão do paganismo. Fiz há meses umas leituras na área da mitologia e deparei com duas constatações. O paganismo não era, como não é, uma crença assim tão má como fizeram crer as religiões monoteístas. O paganismo tinha, e tem, como medianeiros entre o homem e uma divindade superior, esta inatingível pelos sentidos e menos ainda pela razão, os instrumentos que a natureza oferecia ao olhar e aos sentidos. Estes constituíam divindades menores e tão variadas quanto a diversidade das representações da natureza. Contudo, contrariamente ao que se pensa ou é difundido, o paganismo acreditava numa divindade única e superior, acima dos deuses que lhes estavam mais próximos e com quem o homem dialogava e interagia no seu quotidiano. Estes eram os medianeiros entre o homem e a divindade suprema. As oferendas que lhes entregavam nas suas preces destinavam-se a conquistar os seus favores perante a divindade suprema. E há quem diga que os santos da religião católica são instrumentos idênticos aos do paganismo, pelo uso que se lhes dá. Ora, enquanto o mundo foi pagão não houve guerras por diferendos religiosos. Os deuses de uns e outros eram tolerados e considerados em pé de igualdade. Os romanos respeitaram os deuses pagãos das terras do império conquistado e os seus próprios deuses coabitavam com os estrangeiros, sem qualquer problema. O problema surgiu com o Cristianismo. Nem sequer com o Judaísmo houve conflito em matéria religiosa. Os romanos toleraram o Cristianismo até reconhecerem que a nova crença trazia no seu bojo uma ameaça à unidade do Império. E o resultado é o que se sabe, mas não vamos entrar agora em matéria de Ética religiosa. Só que as guerras religiosas, com todo o seu cortejo de desgraças e calamidades para todos os gostos, aconteceram apenas com as duas religiões monoteístas – o Cristianismo e o Islamismo. Se revisitarmos a História de séculos passados, entre uma e outra que venha o diabo e escolha, em matéria de repressão e chacina. E pronto, não digo mais nada. Como não é assunto da minha especialidade, admito estar errado ou ter cometido alguma calinada no que disse. Mas penso seguramente que o “Xicuembo” nunca fez mal a ninguém, nem será capaz de tramar a vida a um cristão ou islâmico, só porque o são. Percebo pouco do assunto, mas não entendo bem esse mapa das etnias. Não estão lá os Ajauas, o povo com que mais convivi no Niassa. Embora não entre nem queira entrar na questão da independência política do território, porque matéria muito complexa e susceptível de dividir opiniões, concordo com o Dr. Salles numa conclusão: não fosse a independência, quero crer que o território teria galgado etapas de desenvolvimento muito diferentes nestas 4 décadas que passaram. Tenho em comum com o Dr. Salles o sentimento de grande afecto para com o povo moçambicano. Poderia dizer o mesmo em relação ao povo angolano, mas tal não me aconteceu com a mesma intensidade. Talvez porque em Moçambique a idade mais amadurecida (entre os 27 e os 29 anos) me tenha facultado uma visão mais profunda (e mais autêntica) da realidade humana.
NOTAS DA INTERNET
Macuas
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Nota: Se procura pela língua banta, subgrupo da família do nigero-congolês, falada por toda Nampula, partes da Zambézia, Cabo Delgado e Niassa, veja Língua macua.
Os macuas são um povo originário de Moçambique e da região de Mtwara, na Tanzânia,[1][2] cuja religião é um misto de monoteísmo e animismo, e cujas aldeias eram dirigidas por sobas locais, com a assessoria de um conselho. A sociedade é fortemente matriarcal.
Em Moçambique o povo macua lidera a maior parte da zona norte do país, e o norte da província da ZambéziaEmakuwa é a língua oficial do povo Macua.
Macondes
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Os macondes são um grupo étnico bantu que vive no sudeste da Tanzânia e no nordeste de Moçambique, principalmente no planalto de Mueda e Muidumbe, tendo uma pequena presença no Quénia.
A população maconde na Tanzânia foi estimada em 2001 em cerca de 1 140 000 habitantes e no censo de 1997 em Moçambique, de 233 258, dando um total de 1 373 258 macondes.
Os macondes resistiram sempre a serem conquistados por outros povos africanos, por árabes e por traficantes de escravos. Não foram subjugados pelo poder colonial até aos anos 20 do século XX.
São exímios escultores em pau-preto, sendo a sua arte conhecida mundialmente.
Landim 
1. Língua indígena de Maputo.
landins
2. Povo das margens do Zambeze.
Palavras relacionadas: 
Buingelas, landino, Vátuas
"landim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-
2013, https://dicionario.priberam.org/landim 

E pur si muove



Mais um texto brilhante de Clara Ferreira Alves, que conhece bem a matéria de que somos feitos, - nós, povo português - além da sua vasta ciência em torno da matéria de que outros povos também o são. É sempre um prazer lê-la e constatar a sua cultura, não só livresca como viageira, e a sua arte de especialista crítica e de dominadora da palavra escrita e oral, embora desta última não se trate aqui hoje. Só podemos concordar e saborear tão elaborada e honesta prosa, e apenas ansiando por que ela própria, CFA, se não tenha já deixado envolver por outras teorias, dos tempos em que era de bom tom ser-se contrário às opiniões mais conservadoras da ordem e da ética, que parece demonstrar agora seguir com idêntico empenho com que outrora defendeu Sócrates e acompanhou Soares com veneração.
Eu só sei que saboreio cada uma das suas frases, enquanto a vou copiando para o meu blog, para mais tarde recordar, conquanto esse mais tarde esteja cada vez mais próximo.
Por outro lado, procuro levantar o moral em torno de figuras pátrias que tentaram erguer Portugal do atoleiro semelhante ao de hoje, mau grado os ouropéis das diferenças no nosso "este".
Lembrei-me de Salazar, como exemplo de português salvador da nação - fértil em atoleiros por deficiência de orientação política - e encontrei, na Internet, o trabalho de mestrado de uma aluna de Ciências Sociais, na especialidade de Estratégia–  «ANTÓNIO OLIVEIRA SALAZAR ENQUANTO LÍDER ESTRATÉGICO - UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA À SUA LIDERANÇA ESTRATÉGICA” apresentado por Inês Garcia Aluna número 212167 Trabalho para aprovação na Unidade Curricular de Liderança Estratégica no âmbito do Mestrado em Ciências Sociais na especialidade de Estratégia Lisboa 2015. A aluna Inês Garcia não teve receio de reconhecer, em Salazar, o estratega como reconhecido salvador da nação, e o confirmar com largas provas de objectividade e rigor.
Sim, não vamos falar nisso, admiremos apenas a escrita superior da brilhante autora de “A Pluma Caprichosa”. E, como texto de apoio aos seus razoados, lembrei-me também de um texto que em tempos transpus no meu blog, texto que me fora enviado por João Sena, e que recoloco, como exemplo dignificante do nosso virtuosismo governativo.

PARADINHOS
CLARA FERREIRA ALVES
REVISTA A: “A PLUMA CAPRICHOSA”, EXPRESSO, 22/6/19
Nunca discutimos o futuro por duas razões. Porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele.

Todos os dias o mundo explode em novidades, intercepções, descobertas, invenções que mudarão as nossas vidas. E aqui estamos nós, no estrito circuito da discussão política, discutindo o passado, não uma e duas vezes mas todas as vezes. Agarrados ao passado. A discussão sobre o que aconteceu, o que foi decidido, a recuperação salarial do tempo perdido, a revisitação dos erros e dos actores, que continuam por aí, repetindo os erros. No dia em que soubemos que Mark Zuckerberg, Citixen Kane 2.0, tenciona usar um instrumento financeiro que Silicon Valley inventou em segredo, Libra, para continuar a dominar o mundo e os cidadãos, ultrapassando os sistemas conhecidos de comunicação e transmissão, em Portugal olhamos o rosto compungido de um banqueiro ou de um desses caciques partidários rodeado de dinossauros que ainda não perceberam a era da extinção.. Enquanto certa intelligentsia portuguesa entra em apoplexia com a opinião que não é de esquerda, como era costume.
O mundo passa-nos e nós no século XX, segunda metade, alheados do que acontece fora do canto abençoado, irremediavelmente provincianos e atrasados no diagnóstico, no conhecimento, na ambição.
Nunca discutimos o futuro por duas razões: porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele. Todo o desígnio de desenvolvimento em Portugal foi e continua a ser estático. Não se construíram o aeroporto nem os comboios de alta velocidade porque não eram precisos, não se alargaram as estações de metro porque bastavam as existentes, não se pensou num modelo de mobilidade que dispensasse o transporte individual automóvel, não se construiu em altura porque a mancha suburbana caótica e inabitável protegia o casario “típico” de cidades com bairros atípicos, não se deu o famoso salto tecnológico, não se encarou a novidade, chame-se ela Uber ou Revolut, porque se acha que o futuro pode ser detido por multas, represálias e ameaças, não se planeou a floresta de modo a evitar incêndios e catástrofes, não se planearam as alterações climáticas, não se canalizaram e racionalizaram recursos como a água, porque não se pensou no assunto, não se rentabilizaram os portos porque era mais fácil vendê-los, não se pensou na curva demográfica porque não (quem pensa nessas coisas?), não se impediu a destruição da metalomecânica, que era de qualidade internacional, porque se achou que a metalomecânica estava obsoleta, não se cuidou de proteger as empresas vitais porque a ganância de barões partidários e apparatchicks, capitães da indústria desqualificados e seus p+arceiros na banca mais não fizeram do que destruir riqueza e socializar a dívida. Milhares e milhões para o futuro pagar.
Arrastamo-los no patíbulo da humilhação, sabendo que nada mudará porque não soubemos administrar, nem planear nem prever, e muito menos estudar o futuro. Portugal é um barco que navega à vista, desde o tempo do império, e os portugueses estão à mercê dos outros, de forças e organizações alheias e estrangeiras, de movimentos sísmicos que não sabemos prever. Estamos sempre à espera da próxima crise, com um encolher de ombros fatalista.
Nos últimos anos, tudo mudou. a tecnologia e o chamado progresso são hoje um ciclo rapidíssimo de invenção e inovação, e temos de perguntar se os nossos políticos acompanham ou não essa velocidade, se estão ou não preparados para o futuro e para o conhecer e controlar. Sem a Europa, Portugal seria um naufrágio, e é estranho pensar que a esquerda portuguesa acha que fora da Europa, jangada navegando os mares encapelados do avanço tecnológico, e da inteligência humana e artificial, poderíamos sobreviver. Com a nossa fraca moeda nacional, as nossas limitações e a nossa vocação para negociar com países nada recomendáveis, numa economia de salve-se quem puder, sem regras. Uma idade pós imperial em que vendemos tudo o que temos, como as famílias arruinadas vendendo os garfos de prata e as molheiras dos avós. Temos a mania de que o nosso talento para fazer de estalajadeiros, anfitriões de todas as web summits, cimeiras e encontros do mundo avançado, nos qualifica como actores do futuro. Não qualifica. O país continua atrasado e na miséria, convencido de que poderá sobreviver à custa dos turistas, que vão baixando de nível como aconteceu numa Barcelona destruída pelos predadores, sobrevivendo à custa da capacidade de improviso, à custa de alianças espúrias, à custa da venda dos bens e das propriedades. Nada disto será suficiente, com a nossa média de fecundidade em 1,3 filhos. Quem pagará o Estado social do futuro? As pensões do futuro? A educação e a saúde do futuro? Os velhos e os doentes mais o resto dos pensionistas? Os refugiados acolhidos que fogem de Portugal para países prósperos, os jovens quadros que enchem as ruas e empresas de capitais estrangeiras? Os funcionários públicos que tanto espaço ocupam nas preocupações do primeiro ministro, que remete o crescimento económico para a alínea do “depois logo se vê”? E no intervalo da anomia, perpassa mais um desses rostos compungidos do passado, um desses que destruíram a riqueza e hoje recebem pensões de milhares de euros, em Portugal o crime compensa. As avestruzes prometem mundos e fundos enquanto enterram a cabeça na areia, é ano de eleições. Porque não hão-de os procuradores ganhar mais do que o primeiro ministro? Isto faz sentido? Em Portugal faz, é ano de eleições.
Os nossos insuficientes políticos não estão capacitados para saber tudo o que deviam saber. Numa entrevista ao “Financial Times”, Armin Sarkissian, o presidente da Arménia, um pequeno país com uma geografia ingrata, deu uma lição de sapiência e inteligência. Físico teórico de profissão, disse que entrámos num paradigma de “quantum politics” Tudo muda o tempo todo, mudando os jogadores e as regras do jogo. Tudo muda num instante, nada é estável, porque todo o pensamento é participado. A fragmentação e a incerteza são inevitáveis. Este presidente, um cientista, percebeu a disrupção do futuro. E nós por cá todos bem, discutindo sentados nos bancos do passado enquanto a Libra nos chega do futuro.»

TEXTO DE APOIO
(< Poramaisb)
SÁBADO, 16 DE JANEIRO DE 2016
Estou aliviada
Um email enviado por João Sena
Assunto: A reestruturação da dívida foi feita pelo Costa e Centeno
COSTA REESTRUTUROU A DÍVIDA E NINGUÉM VIU. João Vasco de Almeida | jornal Tornado | 12.1.2016
Nesta segunda feira, 11, às seis da tarde, enquanto o planeta se curvava sobre Bowie, António Costa e Centeno reestruturavam a dívida portuguesa. Ninguém viu. Ninguém, vírgula. André Tanque Jesus, um jovem jornalista do Jornal de Negócios, escreveu a notícia (*), mas deixou de lado este gigantesco pormenor. O que aconteceu foi simples: o Estado disse ao FMI que em vez de pagar 10 mil milhões este ano, só paga um terço. Para o ano, em vez de 6,9 mil milhões, o credor só leva 2,5. E em 2018 e 2019, anos em que não havia pagamentos a fazer, lá se dará o resto que falta a Nova Iorque.
Passou de mansinho esta mega operação de milhares de milhões. Numa penada, Centeno atirou para os anos em que não se sabe se o governo ainda será do PS o pagamento gordo, ficando com a módica folga de 11.1 mil milhões de euros, que pode agora gerir com lucro para o Orçamento de Estado. Numa penada, enquanto o mundo cantava Lazarus, Costa e Centeno fizeram o seu Changes, entre os pingos do luto e da maçadora campanha presidencial.
Não se discutiu nada em público, não houve terramotos nos mercados, não se iniciou um debate onde Passos e Maria Luís teriam a tentação de gritos lancinantes. Ninguém apontou o dedo nem o BE ou o PCP vieram a cantar vitórias. Garcia Pereira não se manifestou contra Arnaldo de Matos nem este escreveu no Luta Popular que o culpado era aquele.
Resumindo e concluindo: se não se souber muito, o mundo corre e é da política o que é da política. Se é bom, isso cabe aos analistas de economia e finanças. Andam aí muitos. Que expliquem se puderem...
OBS: Porém, há uma coisa que não precisa de explicação porque é de fácil constatação: este governo não é de garotos canalhas e impreparados; este governo faz prova da boa gestão dos recursos financeiros disponíveis; este governo não lambe as nádegas a Merkel nem a Schäuble nem lhes deve satisfações; este governo não faz propaganda nem alarde do que tem de ser feito o que só está à altura de quem é competente e coloca a política a dirigir a economia, e não o contrário; e, por último, este governo não inventa "almofadas" e outras sabujices da corja do anterior (des)governo.
Ainda me lembro dos espasmos dos profissionais do jornalixo que houve por aí na imprensa de sarjeta e mais os comentadeiros e paineleiros do costume nas TVs, quando Sócrates disse em Paris em Dezembro de 2011 que «Pagar a dívida é ideia de criança. As dívidas do Estado são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Não houve quem dessas bestas ignorantes não tivesse rido de Sócrates por ter dito que as dívidas eram para ser geridas e não para serem pagas na totalidade pois elas serão sempre pagas com a emissão de nova dívida.
Todavia, em Janeiro de 2014 e numa entrevista à Revista do Expresso, à pergunta feita a Horta Osório sobre se «Portugal vai conseguir pagar a dívida?», a resposta do banqueiro presidente do Lloyds Bank (grande actuante no mercado) provocou um silêncio tumular aos que comentaram e riram antes e ao mesmo tempo enormes gargalhadas - eu incluído - sobre aqueles que tinham rido de Sócrates. E o que disse Horta Osório? Simplesmente a mesmíssima coisa por outras palavras:
«O importante não é pagar a dívida, mas que a dívida se mantenha dentro de rácios razoáveis em relação à riqueza criada (PIB). Enquanto os particulares devem pagar as dívidas ao longo do seu ciclo de vida, as empresas e os Estados, que não têm um ciclo de vida, não precisam de o fazer. Têm é de pagar o serviço de dívida [juros].


Retoma de um tema



De que se não tem falado. Não sei se é boa ideia pegar no assunto da regionalização, grato aos paladares de uma esquerda amante de reduções pátrias. Mais um assunto do nosso sentimento de horrores que por aqui vão perpassando, sem perspectiva de inversão, na destruição primeira do solo pátrio e de uma alma nacional para os vindouros, cada vez mais incapacitados de assumir uma determinação de mudança, pelo esforço próprio, que paulatinamente vai desaparecendo, na obsessão feita de idiotia, por uma caixinha manual, centro de todos os valores e afectos desses vindouros, ainda inocentes da insegurança futura. E aqui vamos nós, fechando os olhos ao nosso “salve-se quem puder”, num país sem rei nem roque. E sem garbo.
OPINIÃO:  Descentralização, uma reforma perdida
A regionalização não parece estimular o aumento de cuidadores, médicos, enfermeiros, professores e educadores, mas amplia certamente o número de burocratas e administradores.
ANTÓNIO BARRETO   PÚBLICO, 28 de Julho de 2019,
Embora tenha sido apresentada quase em fim de legislatura, a descentralização deveria ser uma grande causa e não menor realização deste governo. Mas as coisas não começaram bem. Era tarde demais. Os outros partidos da aliança de esquerdas não estavam ao corrente e queriam mais. O maior partido da oposição, o PSD, também não estava muito pelos ajustes. A reforma ficou logo marcada pela intenção escondida de regionalização. Os trabalhos preparatórios continuam, uns já conhecidos, outros em curso e com entrega adiada. O que até agora mais merece atenção é o facto de o governo, António Costa e Eduardo Cabrita terem alterado a sua estratégia: deixou de ser brutal e para ser gradual. Passou sobretudo, nas suas cabeças, a ser furtiva, como, há muitas décadas, queriam Robert Schuman e Jean Monnet para a Comunidade Europeia.
A regionalização fica pois adiada para a próxima legislatura. Logo se verá. A Constituição impõe um referendo, o que os seus defensores receiam. O Presidente Marcelo era, em seu tempo, contra. Rui Rio já foi contra e depois a favor. Os pequenos partidos da esquerda são a favor, o Bloco mais ou menos, o PCP muito. O PS já foi contra e defensor, agora é moderadamente a favor. No seu programa eleitoral, os socialistas querem descentralizar, mas evitam o termo regionalizar. Na verdade, querem exibir uma virtude, mas não pagar o preço.
Um estudo da cartografia portuguesa dos últimos dois séculos é revelador. As divisões em distritos ou províncias foram as mais variadas. Nos escritórios, fizeram-se e desfizeram-se entidades regionais a bel-prazer. Com esquadro, como em tempos, para desenhar impérios em África, se fazia em Berlim ou Paris. A região do Douro, por exemplo, já teve uma dúzia de configurações diferentes, já incluiu o vale do rio, a bacia hidrográfica, o Minho, Trás-os-Montes, parte da Beira Alta, o Douro Litoral, só o Alto Douro, com e sem Trás-os-Montes, até a Beira Litoral esteve incluída! A história cartográfica define bem o espírito que presidiu aos recortes: a estratégia política.
E é curioso notar que praticamente todos os partidos já defenderam a descentralização, mas, no Governo ou no Parlamento, pouco fizeram. Muito do que os próprios partidos reclamam, assim como os autarcas, os agentes económicos e os cidadãos, já poderia ter sido concretizado há décadas, caso houvesse empenho na causa. Fica-se com a impressão de que esta promessa é uma profissão de fé, cujo cumprimento pode ser eternamente adiado.
No nosso país centralizado e “macrocéfalo”, como se dizia antigamente, a descentralização é provavelmente útil, mas teria de ser feita primordialmente para as câmaras municipais e as freguesias, entidades com história e identidade. E com funções reais nas comunidades. Também deveria ser feita em benefício das instituições públicas como as escolas, as universidades, os hospitais, os centros de saúde e tantas outras repartições. A vantagem da descentralização é que não implica transferência de poderes para entidades híbridas, criadas artificialmente, com eleitos, representantes e nomeados. Com excepção dos Açores e da Madeira, em Portugal não há regiões. História, tradição, identidade e reconhecimento: sem esses requisitos, não há regiões. O que é uma região Centro, como é proposto? E uma região Norte?
As tendências actuais de reforma administrativa visam reforçar as regiões e a União Europeia, esbatendo os poderes dos governos nacionais e reduzindo as competências das autarquias locais. São tendências anti-democráticas. A democracia está a ser apertada por uma tenaz, cujas lâminas são a União e a Região. Quase todos os dispositivos de financiamento pela União Europeia estão orientados para regiões. O mercado da solidariedade regional é hoje um dos mais florescentes. A regionalização compra-se a peso de ouro.
Não está demonstrado que a regionalização seja um instrumento de desenvolvimento. Os Açores e a Madeira foram casos excepcionais e não replicáveis. Nunca foi provado que a regionalização seja meio de desenvolvimento do interior e de fixação da população. O mapa das regiões pobres na Europa, com raríssimas excepções, é hoje o mesmo de há décadas. Se a regionalização fosse um meio privilegiado de desenvolvimento, não se compreende que a Região Norte junte o Douro litoral desenvolvido a Trás-os-Montes e Alto Douro subdesenvolvido! Nem se explica a existência de uma Região Centro, com a junção da Beira Litoral à Beira Alta ou Beira Interior. Em Portugal não há outros Açores nem mais Madeiras.
Está por provar que as autonomias sejam trunfos para reforçar a coesão e lutar contra a desigualdade. As regiões mais ricas, muitas vezes, desejam a autonomia, justamente para não ter de pagar o ónus da solidariedade. Existe um regionalismo dos ricos. Não é verdade que a regionalização seja uma reivindicação das regiões mais desfavorecidas. A regionalização feita de cima para baixo é errada. Não há hoje movimento para a regionalização. Nem por parte de populações, nem com origem em instituições ou empresas. Ainda há pressão pela descentralização, mas muito menos pela regionalização, quase só defendida pelos partidos, geralmente em benefício próprio.
Recentemente, graças ao tema da Protecção civil, percebeu-se que um traço marcante do comportamento governamental é o da desresponsabilização. Se algo corre mal, a responsabilidade é dos outros. A regionalização é o mais seguro caminho para desresponsabilizar governantes.
A regionalização não é “neutra” em procedimentos, orçamentos e funcionários. Não se sabe bem quanto, nem como, mas é seguro que a regionalização acrescenta os poderes dos órgãos intermédios, assim como aumenta os procedimentos, os orçamentos e os funcionários. A regionalização não parece estimular o aumento de cuidadores, médicos, enfermeiros, professores e educadores, mas amplia certamente o número de burocratas e administradores.
O Estado nacional democrático é responsável por alguns dos valores mais importantes da vida em comum: autonomia, segurança, justiça, democracia e liberdades individuais. A garantia e a âncora de qualquer destes valores dependem do Estado nacional, não da União nem das regiões.
O regresso dos nacionalismos e suas ameaças, de que tanto se fala e que pode ser real, é tão perigoso quanto o desaparecimento das entidades com identidade e geografia, como os Estados nacionais e as câmaras municipais.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Luís Pires, 09:34: Sr. Barreto, os seus textos estão a ficar longamente enjoativos e repetitivos, sem a pertinência de outrora e a qualidade que tinha de reflectir e de ajudar a fazê-lo. O desta semana, espremido, é confuso e rebarbativo.
António Cunha, 28.07.2019: Descentralização é uma espécie de regresso ao tempo dos senhores feudais e respectivas cortes. Se agora já é assim imagine-se se passar a descentralização - antigamente conhecida por regionalização.
Fowler Fowler, 28.07.2019: Texto confuso e insidioso sobre a descentralização “gradual” em curso, sobre a regionalização (que, afinal, não está no programa eleitoral do PS) e sobre as NUTS. Sempre com o espírito em apoucar o que de positivo se faz em Portugal.
henrique Mota, Coimbra 28.07.2019: Uma voz muito sensata.
mário borges, 28.07.2019: Coitado... Destruiu a reforma agrária em Portugal e agora quer destruir a unidade territorial...
Jose Luis Malaquias, Figueira da Foz 28.07.2019: Portugal não precisa de regionalização. Só precisa de uma desmacrocefalização. Lisboa está a rebentar pelas costuras e o resto do país está a definhar. Retire-se a capital de Lisboa e coloque-se numa ou em várias regiões que precisem do desenvolvimento. Só à venda dos imóveis governamentais em Lisboa pagaria todo o processo.
António Gonçalves, 28.07.2019:  Sr. António Barreto, não será altura de uma vez por todas abandonar a ideia de procurar protagonismo à custa de propaladas e estúpidas divergências sobre assuntos ou causas sociais, que por vezes o tornam ridículo e com deplorável imagem mediática? O seu tempo, se é que alguma vez aconteceu, já passou. Assim como a paciência para o ler ou ouvir...
cisteina, Porto > A. Gonçalves: Não me diga que é contra a liberdade de expressão e de opinião! Não me diga, ainda, que a liberdade tem faixa etária limitada e os mais velhos não podem opinar! Ou seja, não de diga que é um 'tiranetezito' agressivo e ofensivo. E ainda: por que é que eu o hei-de ler, as suas tontices? Tenha maneiras, conviva sadiamente, respeite, ao menos, o seu nome, e o do articulista, por coincidência, também o meu, caramba!


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Não posso deixar de referir



A desenvoltura analítica de Salles da Fonseca, neste seu empunhar de argumentos que põem a nu, desassombradamente, pontos de vista sobre o processo de abandono pátrio, manhoso e oportunista, daqueles para quem a pátria significou estorvo e desprezo, no despedaçar de conceitos que Salazar soube manter vivos, enquanto pôde. Homens como Salles da Fonseca merecem estima.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO 28.07.19
«E porque inocentes, deixaram-se enganar por missangas contra cordões de oiro» - esta, a loa esquerdista tão em voga ainda hoje diabolizando o branco e santificando o preto. Ou seja, enchendo o branco de maldade e atribuindo ao preto um vil atestado de incapacidade mental. Racismo abjecto. E o pior é que nem sequer passa pela cabeça desses críticos que o valor atribuído pelos pretos às missangas até pudesse ser superior ao valor atribuído pelos brancos aos cordões de oiro. O que é o valor? Eis um conceito de difícil percepção por quem apenas leu Marx ignorando Adam Smith e seus sucessores.
Racismo manhoso, este que, afinal e como mostraram os acontecimentos posteriores às «independências» das colónias portuguesas, mais não queria do que precipitar a saída dos portugueses de África para que os soviéticos pudessem entrar. Sol de pouca dura, aliás, pois já saíram os soviéticos que não foram substituídos por russos. Restam alguns cubanos, soviéticos de escolha serôdia.  Esta é a hora dos chineses. Até ver…
Mas esta é também a hora do capitalismo selvagem, aquele que se entrega nas mãos dos gatunos disfarçados de políticos com a boca cheia de parangonas a favor do povo e de loas ao nacionalismo contra os colonialistas.
Exauridos, os novos Estados não existem fora da propriedade dos seus Chefes de nomenklatura reinante. Os povos, abandonados, continuam à procura da salvação no dia-a-dia. Com uma diferença muito grande em relação aos tempos anteriores às «independências»: dantes, faziam pela vida nos seus ambientes naturais; agora, depois das guerras civis, fazem-no nos ambientes de refúgio que são as «selvas urbanas» onde tudo vale, inclusivé tirar olhos. E a insegurança mudou de terrorismo para banditismo, de luta politico-militar em teatros de guerrilha rural para desordem cívica urbana, da guerra com objectivos (de algum modo) superiores para o horror do «salve-se quem puder». E os únicos que se salvam são os que puseram a mão nos cofres públicos.
E, apesar de tudo, quem conheceu Moçambique não esquece aquela terra de sonho, aquelas populações cerimoniosas, civilizadas, propensas ao bem e que, por isso mesmo, nos despertam sentimentos de compaixão.     A revisitar!         * * *
Quando a Graça, a minha mulher, me ouvia falar de África, sempre dizia que também já lá estivera porque fora num cruzeiro de Lisboa a Ceuta. Ao que eu sempre lhe respondia que Marrocos só é África no mapa que a Senhora Professora tem pendurado na parede lá da escola. A verdadeira África, a apaixonante, é a que se estende a sul do Sahara. E mais lhe dizia (e digo) que se há coisas que se mostram em fotos e vídeos, outras há que só no local se percebem.
Não preciso agora de citar muito mais coisas do que os cheiros… De náusea, dirão os narizes mais habituados aos grands boulevards de Paris. Da Natureza, digo eu e todos os que já cheiraram a savana ao pôr do Sol com uma girafa recortada pelos últimos raios, o esguicho das narinas de uma família de hipopótamos vista da margem do Limpopo ao raiar da aurora, a macacada e sua guincharia nos ramos das árvores por cima da minha pista de equitações em Lourenço Marques, a mistura das essências expostas à porta do xitolo do monhé, o cheiro da mandioca fumegante, o cheiro da terra molhada pela chuva de pingo grosso… o cheiro da nossa própria juventude, cãs então longínquas, sangue na guelra. Esses, sim, são cheiros saudáveis, não as «eaux de vie 5 ou 10» que disfarçam sebências mal lavadas ou vícios inconfessáveis.
Esta, uma das duas Áfricas que eu queria mostrar à Graça; a outra, seria a de Lourenço Marques que nós, portugueses, fizemos em paralelo com a cheirosa. Março de 2006 foi quando se proporcionou mostrar-lha.   Já lá vamos
Julho de 2019  HENRIQUE SALLES DA FONSECA