segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Leituras aprazíveis


De Helena Matos e seus comentadores, com lições de História pelo meio.


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Tancos. O papagaio. Acusações de conspiração. O cerco ao PR. A regionalização encapotada. Há no ar uma opacidade que cobre tudo... Mas o que está para lá do que vemos? O que nos espera?
HELENA MATOS       OBSERVADOR, 29 set 2019
Um primeiro-ministro que só lidera em tempo de boas notícias. A campanha de 2019 está a confirmar aquilo que já se tinha visto em 2015: António Costa em campanha tem um fraco desempenho. Todos aqueles aspectos que no dia a dia são omitidos sobre a sua prestação – como a sua arrogância e falta de discurso – ressaltam nos debates. António Costa fez uma longa carreira política no simpático estatuto de segunda figura “que talvez um dia venha ser líder”. Na CML, as alianças à esquerda e a presença enquanto comentador na SIC garantiram-lhe a paz e acrescentaram-lhe o perfil de  “líder que havia de ser”. Mas fora do ambiente protegido da militância e do jornalismo amigável, António Costa dá-se mal. Se em cima disso tem de enfrentar imprevistos parece paralisar. Foi assim em 2017, aquando dos incêndios, e está a ser assim com o caso Tancos. Terminada esta campanha António Costa vai abrir a agenda para acertar na data em que conseguirá ter um bom pretexto para deixar de ser primeiro-ministro.
A coisa. Foi assim no processo Casa Pia-cabala. Foi assim no FreePort-urdidura. Foi assim no Face Oculta-perseguição. Foi assim no Monte Branco-mentira. Foi assim com a licenciatura domingueira de José Sócrates-ataque vil. É agora assim com o caso Tancos-conspiração: o PS nunca tem responsabilidades e os seus líderes ainda menos. Os factos não contam. Tudo o que compromete o PS é o resultado de uma conspiração. Isto num pequeno partido é uma detalhe anedótico. No principal partido do país assusta. Chamemos-lhe “a coisa”.
Tempos em que todos desconfiam de todos. Marcelo afiança que o Presidente da República não é um criminoso e considera que o PS o procura envolver no caso de Tancos para desviar as atenções. António Costa e o PS voltam às teorias da conspiraçãoEm breves horas, uma espécie de vendaval estraçalhou a ilusão de óptica erigida em realidade: nem sombra do optimista crónico, do optimista irritante, do optimista militante ou do optimista realista, variantes da nossa política com que ainda há pouco tempo se enchiam páginas de jornal. O descrispador e o político dos afectos, esses outros desdobramentos das personalidades do presidente da República e do primeiro-ministro, também se sumiram. Depois de 6 de Outubro, Costa e Marcelo vão ter de criar novas personagens. Como se vão chamar? Qualquer sinónimo de desconfiança serve.
Com que percentagem de votos Rui Rio vai ser considerado derrotado? É preciso ter em conta que um derrotado à partida se transforma facilmente num vencedor: basta-lhe perder por menos que o anunciado. É isso que muito provavelmente vai acontecer a 6 de Outubro.
Regionalizar sem perguntar. Durante meses não se tomou muito a sério a posição ambígua de Rui Rio sobre a regionalização. Era mais ou menos certo que após as eleições de Outubro o PSD entraria num daqueles processos convulsivos de que resultam as novas lideranças laranjas. Mas como por mérito próprio, falta de jeito de António Costa para as campanhas eleitorais e fracas expectativas em relação ao seu desempenho, Rui Rio pode vir a ter um “bom” resultado eleitoral, a regionalização volta a estar na mesa. Nos debates com António Costa ficou claro que Rio vai apoiar o primeiro passo da regionalização na secretaria: a eleição pelos autarcas dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. O resto virá por acréscimo pois a única exigência que Rio faz nesta matéria é que não se aumente a despesa. Portanto, volto a perguntar: com que percentagem de votos Rui Rio é considerado derrotado? (A tese de que “Costa rejeita confronto com Marcelo em matéria de regionalização” surgida em Junho deste ano quer tão só dizer que até 6 de Outubro o líder do PS não queria que se falasse de regionalização. Daí em diante, tudo depende da correlação de forças.)
Os assuntos possíveis. O PAN quer Tancos fora da campanha. Já Catarina Martins interrompeu a greve pelo clima para criticar as “especulações” sobre este caso. O de Tancos, claro, que no que ao clima respeita a especulação é livre. Uma espécie de livro de protocolo não escrito mas subjacente às campanhas eleitorais em Portugal estabelece que nestas apenas podem ser tratados os assuntos que os partidos, sobretudo os de esquerda, definem como assuntos de campanha. O resto são casos de aproveitamento político, classificação per si paradoxal porque sendo uma campanha eleitoral um momento de aproveitamento político por excelência, todos os assuntos são de aproveitamento político. O que obviamente distingue uns aproveitamentos políticos dos outros é apenas a quem eles aproveitam. O resto é conversa para entreter. Os tempos que aí vêm serão tempos perigosos porque não haverá propriamente vencedores mas sim contabilistas das derrotas alheias.
PS. Tendo em conta os cenários apocalípticos desenhados pela ONU para Portugal, o projecto da Cidade da Água em Almada, nos antigos terrenos da Lisnave, já foi abandonado?
COMENTÁRIOS:
Carolina Nunes
: Não é preciso estar com receio da regionalização porque para ela existir é preciso ser aprovada em referendo. Nunca os portugueses vão aprovar tal coisa, sabem bem que em todo Mundo nenhum país do nosso tamanho e de uma só nação está regionalizado, serviria só para multiplicar tachos, boys, gabinetes, aumentar a despesa, mordomias, contratos públicos com amigos e familiares, aumento da corrupção, etc. E nem era preciso, mas realmente com Marcelo a fazer companha pelo não a vitória está garantida.
Joao Mar: O Costa quando sai da máquina de propaganda socialista i.e. comunicação social e se vê o que vale na realidade nos debates e na rua chega a ser confrangedor na sua mediocridade. Politicos habilidoso? Aonde?? Se disserem manhoso, acredita se.
José Martins: O “CASO” da Helena Matos com a REGIONALIZAÇÃO é de origem traumática e é do foro PSIQUIÁTRICO. Na verdade, o caso da Helena Matos, há uma atenuante que a gente percebe quando passa ali na esquina entre o Rossio e a Praça da Figueira. De facto, todos os originários das ex-colónias quando olhavam e olham para Portugal só vêm Lisboa - a capital do império. Tal como os indianos, ainda hoje, quando olham para Inglaterra só vêm Londres. São acidentes da história e não há nada a fazer. Quem sabe se com psicoterapia de grupo a coisa se resolveria. Mas, a verdade verdadinha é que a Madeira e os Açores, depois de alcançarem a Autonomia Regional, deixaram de ser as Regiões mais pobres do País, para assarem a ser as terceira e quarta Regiões mais ricas de Portugal, logo a seguir a Lisboa e V.T. e Algarve. Mas, para alcançarem a Autonomia Regional e deixarem de alimentar os “pançudos” ali do eixo Lapa-Cascais, tiveram que ameaçar a sério, em força e com determinação com a independência. fosse assim e ainda hoje teríamos na Madeira o “regime de colónia” feudal. Isto mostra-nos a dimensão da luta que as Regiões Norte, Centro, Alentejo e Algarve têm pela frente, mesmo que nestes casos não estejam em causa “Autonomias Regionais” mas APENAS a criação de “Regiões Administrativas”.PORTUGAL É O ÚNICO PAÍS DA UNIÃO EUROPEIA NÃO REGIONALIZADO.PORQUE SERÁ? ESTAMOS A SER ULTRAPASSADOS POR TODOS OS PAÍSES MISERÁVEIS ORIUNDOS DA ex-UNIÃO SOVIÉTICA QUE AGORA ADERIRAM À UNIÃO EUROPEIA.NÃO TARDA NADA ESTAREMOS DE NOVO EM ÚLTIMO LUGAR.SABE PORQUÊ Sr.ª HELENA MATOS? Quanto ao resto, estou de acordo com Helena Matos.
Carlos > José Martins O problema da regionalização é o caciquismo. Se já é grande passaria a ser enorme. Em cada região um governo regional como Açores e Madeira? Veja-se o que se passa com a família César, e até certo ponto o que se passou com Alberto João Jardim. Se Açores e Madeira hoje estão melhores creio que se deve mais aos fundos de coesão da UE e não á distribuição regional da república. Não creio que a regionalização seja a melhor solução, e sou do norte. Mas gostaria de ouvir outros argumentos, posso estar errado na minha opinião.
Mario Areias > José Martins: A regionalização num país pequeno como Portugal pode não ser a solução para as assimetrias que se verificam mas que têm estado a diminuir. Se reparar as únicas regiões do país cujo pib per capita é superior a 90% da média europeia são a AM de Lisboa e Madeira. Mesmo o Algarve, que refere, está entre 75 e 90% da média europeia enquanto todas as restantes regiões estão abaixo dos 75%. Se dividir o país então a receita dos impostos cobrados em Lisboa e AM não têm que ser distribuídos pelas outras regiões como acontece agora, mesmo com a Madeira e Açores através da lei das finanças locais e fundo de coesão e que eu não estou de acordo (285 milhões € para os Açores e 247 milhões para a Madeira em 2019). Veja por exemplo o que aconteceu em Itália com a Lega Nord. Penso que o fosso entre as 2 regiões mais ricas e as restantes ficaria maior. Para além disto a despesa pública aumentaria exponencialmente como aconteceu nas regiões autónomas. Estou completamente de acordo consigo se falarmos em descentralização mas nunca regionalização.
José Martins > Carlos: Como funcionam os “CACIQUES LOCAIS” em Portugal? Em Portugal o "cacique local" é aquele que por conhecimentos, essencialmente através do partido a que pertence, consegue apresentar-se ao povo local como aquele que, por "cunhas ou favores" em Lisboa, consegue obter benesses para a terrinha ou para as gentes da terrinha. Claro que tudo isto depois "é uma pescadinha de rabo na boca" onde circulam negociatas, tráfego de influências e interesses de “cima para baixo” e de “baixo para cima”.É a "oligarquia centralista" que escolhe o "CHEFE DO PARTIDO", é o chefe do partido que escolhe o candidato a DEPUTADO ou a Presidente da Câmara e são estes que têm por conta uma série de "peões locais" que “caçam” os votos na perspectiva daqueles "favores".Os representantes Regionais, Distritais ou Concelhios dos partidos em Portugal, não representam a vontade e os interesses das populações da Região, do Distrito ou do Concelho mas, ao contrário, representam a vontade do CHEFE do partido na Região, no Distrito ou no Concelho. Tudo isto em contraponto com o que devia ser o funcionamento da democracia, da democracia partidária e da participação dos cidadãos na vida democrática com selecção democrática dos ”melhores” pelos cidadãos e eleitores, a partir da base até ao topo, para gerir a causa pública. Em Portugal em vez de DEMOCRACIA o que temos é PARTIDOCRACIA. Em Portugal, aquilo a que chamam DEMOCRACIA, não passa de um “sistema” onde, em vez de um SALAZAR, passamos a ter um SALAZAR (CUNHAL) à frente de cada Partido e todos eles em guerra aberta (às vezes em conluio) pelo controlo do ESTADO CENTRALISTA, a fonte de todas as negociatas e de toda a corrupção. PARTIDOCRACIA e CENTRALISMO são “unha com carne”, alimentam-se um ao outro, vivem em perfeita simbiose. Em Portugal o "CACIQUE LOCAL" depende da “partidocracia” e do “centralismo” e só existe pelo tráfego de influências que consegue através do Partido para obter “benesses e favores” do ESTADO CENTRAL. Este "SISTEMA" espúrio e perverso está tanto mais fortalecido quanto mais forem os IMPOSTOS cobrados pelo ESTADO CENTRAL e quanto maior for o bolo do Orçamento de Estado arrecadado para distribuir. Em PORTUGAL os “CACIQUES LOCAIS” são um sub - produto da PARTIDOCRACIA e do CENTRALISMO.
José Martins > Mario Areias: Os níveis NACIONAL, REGIONAL e LOCAL são os Níveis de Poder que a Prática Política das Democracias Avançadas CONSAGROU. Já há muitas décadas atrás, os economistas e a ciência económica, constatando que os indicadores económicos nacionais não reflectiam, pelo contrário, escondiam as mais das vezes, grandes assimetrias de desenvolvimento dentro dos próprios países, passaram a aconselhar que se recolhessem indicadores económicos de desenvolvimento a uma escala geográfica que permitisse caracterizar objectivamente o nível de desenvolvimento económico de forma homogénea em todo o território dentro dos Países. Passaram também a desenvolver estudos com outras áreas da ciência, como o Urbanismo, o Planeamento do Desenvolvimento Territorial, o Ambiente, o Ordenamento Territorial, o Direito Administrativo, a Gestão Territorial, a Geografia, a Biologia, a Silvicultura, a Agronomia, a História e a Cultura para definir a dimensão geográfica das áreas territoriais a estabelecer com dimensão que permitissem definir e estabelecer planos de desenvolvimento económico-social e critérios a considerar para a delimitação dessas áreas territoriais. Surgiu assim a escala REGIONAL que deu origem aos movimentos políticos de criação de Regiões Plano, Regiões Administrativas, Regiões Autónomas, Estados Federados etc, com diferentes graus de Autonomia Administrativa e/ou Política, mas com órgãos eleitos democraticamente e poderes conformes às circunstâncias económicas, sociais, culturais, geográficas e à história. As Regiões passaram a ser, nos Estados modernos Europeus, uma entidade tão importante que o grande impulso dado na criação da EU, por Jacques Delors, previa que a União Europeia do futuro seria a Europa das REGIÕES. Foi com base nos indicadores económicos de base REGIONAL que foram criados pela UNIÃO EUROPEIA os FUNDOS ESTRUTURAIS EUROPEUS. Os Regulamentos de Aplicação, critérios de atribuição e a GESTÃO desses FUNDOS, tudo é feito com base nas REGIÕES. Mas, o maior problema dos Fundos Comunitários em PORTUGAL reside na falta de uma estrutura com CAPACIDADE TÉCNICA e PODER para Pensar, Ordenar, Planear, Gerir, Administrar e Desenvolver o TERRITÓRIO, como prevê a CONSTITUIÇÃO portuguesa que venham a ser as REGIÕES. Deveriam ser as REGIÕES, com base em PLANOS de ORDENAMENTO, VALORIZAÇÃO e DESENVOLVIMENTO REGIONAL, as Gestoras dos Fundos Comunitários. Aliás, esses fundos só existem porque as REGIÕES Norte, Centro e Alentejo têm um PIB/capita que é inferior a 75% do da média comunitária e são destinados pela UE a essas REGIÕES. Em PORTUGAL, o que devíamos ter também era impostos Municipais, Regionais e Nacionais associados a um quadro de competências muito claro aos níveis Municipal, Regional e Nacional para que os cidadãos possam acompanhar e saber onde os seus impostos são gastos e possam votar em consciência nas propostas que lhes são apresentadas pelos partidos nas respectivas eleições. Em Portugal o que temos é uma amálgama de competências e funções com total opacidade do "orçamento de estado" que abre caminho a toda a corrupção.--Uma organização político-administrativa racional, necessariamente envolvendo o nível nacional, regional e local, para uma execução eficiente das políticas públicas; -- Um quadro de funções, atribuições e competências muito claro, distribuído por aqueles três níveis de poder, à luz do Princípio da Subsidiariedade;--Um sistema de impostos em consonância com os níveis de poder e respectivas funções exercidas; São estes os ingredientes necessários para que os cidadãos sintam que a participação democrática e o controlo das instituições valem a pena.
Mosava Ickx > José Martins: Estava a viver na Bélgica quando houve a regionalização: um desastre! Esse pequeno país de 10 milhões de habitantes tem agora cinco governos, cinco máfias federal e regionais, com todas as despesas inerentes. Das antigas estruturas não foi fechada nenhuma, foi tudo despesas suplementares. De momento, apenas duas regiões são viáveis economicamente, e uma delas, a Região Norte já fala em independência … Portugal não será diferente, não se engane!
José Martins > Mosava Ickx: Meu caro amigo você confunde REGIONALIZAÇÃO, enquanto modelo democrático e participativo de Governação adequado a uma boa organização, aproveitamento, valorização planeamento, desenvolvimento, gestão e administração do TERRITÓRIO com CRITÉRIOS para a delimitação das Regiões. Você confunde REGIÕES com NACIONALIDADES. Você confunde AUTONOMIAS REGIONAIS com REGIÕES ADMINISTRATIVAS. Você confunde Estados Federados com REGIÕES.A REGIONALIZAÇÃO não se institucionalizou em FRANÇA por, antes de ter existido a França, terem existido vários CONDADOS. A FRANÇA aproveitou a existência passada de Condados para FACILITAR a delimitação das actuais REGIÕES francesas. PERCEBEU? O CRITÉRIO da HISTÓRIA é apenas um critério, entre muitos, que permite a delimitação geográfica das REGIÕES e a determinação do grau de autonomia política e/ou administrativa de que devem dispor.
Portugal, “ANTES” de ser o País que é foi muitas coisas. Porque houve muitos “ANTES” nos territórios que hoje são Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Itália, Grécia, Inglaterra, Holanda, Polónia, Hungria. E os “ANTES” corresponderam sempre a ”formas de organização política e administrativa” dos territórios em conformidade com o que o desenvolvimento científico, tecnológico, social, cultural, militar, político, religioso, etc., permitiam.
Portugal ANTES de ser o País que é foi o paleolítico, foi o mesolítico, foi o neolítico, foi o calcolítico, foi a idade do Bronze, foi a idade do ferro, foram os Celtas, foi a cultura Castreja, foram os Fenícios, Gregos e Cartagineses, foram os galaicos, os lusitanos, os célticos, os cónios, os Romanos, os Suevos (governação baseada em paróquias) e os Visigodos, os Árabes, o Condado Portucalense (868 d.c., entre Douro e Minho), o Reino de Portugal (1139) com capital em Coimbra (e Lisboa ainda na posse dos Mouros), e foi o Reino de Portugal e dos ALGARVES (em 1249). Só para nos situarmos no período mais recente, entre a criação do embrião de Portugal (Condado Portucalense) e a o País que somos hoje (esquecendo Olivença) passaram quase 4 séculos. MAS QUAL A RAZÂO POR QUE A GENERALIDADE DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS INSTITUIRAM AS REGIÕES? Não fossem as Regiões a Bélgica já tinha implodido enquanto País.


Lições de ética, lições de escrita



No fundo, os inimigos da democracia são todos aqueles que desejariam um modelo ideal de governo, sem os excessos cometidos a cada passo pelos que têm o poder de os produzir ou permitir, com a autoridade desse poder, a que um dia se propuseram aceder, com a competência precisa e acompanhada dos respectivos acólitos, movidos por idênticos - ou diferentes - propósitos, não se deve generalizar. A imagem dos sete cães a um osso, se lhes aplica, naturalmente, embora em quantidade maior de participantes e de ossos, com o respectivo tutano. De resto, o cinismo é a moeda de maior uso nesse governo que se define como governo do povo. O povo lá terá a sua representação, é certo, ora reivindicativo ora acomodado, em troca das benesses que espera receber. Quanto à corrupção … de que valem os protestos? Talvez nos esteja na massa do sangue, a nós, povo – donde partiram os democratas corruptos e também os outros, provavelmente bem-intencionados. Mas António Barreto está um perito, na sua escrita de paralelismos anafóricos em crescendo argumentativo, belo exercício de retórica e definição de conceitos. E de preceitos, também, que alguns comentadores rebatem. Mas outros aceitam-nos, encantados, como eu, com o discurso magistral.
OPINIÃO
Os inimigos da democracia
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 29 de Setembro de 2019
Os clássicos inimigos da democracia são conhecidos: comunistas, fascistas e populistas de esquerda ou de direita, estes últimos com pretextos comuns, o nacionalismo e a virtude. Podem vir do capitalismo, do sindicato, do regimento e do púlpito, com ajudas várias, da cátedra à imprensa, das polícias às redes sociais. Há muito que se sabe isto.
Os inimigos da democracia percorrem as vias abertas pelos democratas. Aproveitam em seu benefício os erros dos democratas, as suas desatenções, as suas querelas inúteis, a sua volúpia e a sua cobiça. Procuram as falhas dos democratas, o seu egoísmo, o seu narcisismo e a sua ambição desmedida. Estão à espera da incompetência e da covardia dos democratas.
Os inimigos da democracia espreitam atentamente para os corredores da justiça, local onde a democracia se perde tantas vezes. Olham para as contas bancárias dos políticos e dos seus amigos, à procura de movimentos e de sinais. Observam a corrupção, a que faz circular dinheiro, a que branqueia receitas, a que organiza concursos, a que favorece promoções, a que emprega os amigos e a que cobra luvas e comissões pelos negócios de Estado.
Os inimigos da democracia sabem que a corrupção e o nepotismo abrem as portas para as suas aventuras. Estão cientes de que os seus caminhos estão numa justiça que falha, numa polícia que não cumpre e numa administração incompetente. Por isso, espreitam e esperam. Se for possível aproveitar os interstícios da democracia, aproveitam. Mas as suas reais intenções são as de varrer as instituições e tomar conta.
Uma longa observação dos tempos de antena da maior parte dos “pequenos” partidos, os que não têm representação parlamentar, os partidos da fragmentação e do populismo, é utilíssima! Na verdade, uma boa parte desses pequenos partidos são evidentemente inimigos da democracia, usam todos os tiques e clichés, “estamos fartos”, “é preciso acabar com isto”, “é necessária uma vassourada”, “saiam daí para nos deixar governar”, “são todos uma cambada de corruptos”, “são todos iguais”… É com estes desabafos analfabetos que esses senhores julgam comover o eleitorado. Dentro de uma semana, vão desaparecer. Talvez voltem, com o mesmo nome ou outro, não se sabe. Mas deles nada virá. É donde menos se espera que não vem mesmo nada. Os outros, os verdadeiros inimigos da democracia, estão mais calados, por enquanto. Nas arcadas do poder e nos corredores das instituições, esperam e espreitam.
Segundo Ignazio Silone, o americano senhor W ou Duplo-Vê veio à Europa, há umas décadas, com o seu conselheiro político e para os assuntos ideológicos, o Professor Pickup. O senhor W queria tomar o poder nos Estados Unidos, mas não sabia muito bem como. Fez uma tournée na Europa, instalou-se confortavelmente num hotel de Zurique, onde recebia o senhor Thomas, especialista europeu em política e mais conhecido pela alcunha de “O Cínico”. As suas conversas duraram longas horas e muitos dias. São verdadeiras lições que convém recordar. A mensagem essencial que Thomas dá ao Senhor W é simples: ao contrário do que se pensa frequentemente, as democracias não são derrubadas. Ninguém as conquista do exterior. Não morrem por causas alheias. Não são tomadas de assalto. Caem por si próprias. São derrotadas pelos seus próprios responsáveis. “A morte de uma democracia é, o mais das vezes, um suicídio camuflado!”
Não é possível observar ou pensar no episódio de Tancos sem ter em mente este aviso. O assunto merece especial atenção. O caso incomoda a democracia há dois anos. Quase ninguém se portou convenientemente. Um episódio de mera delinquência transformou-se numa das mais graves e sérias provações da democracia portuguesa, pondo em xeque as instituições e a honra de muita gente. Sem poupar as Forças Armadas e os Tribunais. Pior era impossível! São episódios como este que revelam a fragilidade do regime e a fraqueza dos seus dirigentes. Todos passam culpas para os senhores do lado, para os adversários e para quem está abaixo.
Será que as instituições políticas e judiciárias não têm capacidade para resolver a questão de Tancos? Para elucidar a população? Sanear e castigar os responsáveis? Punir a mentira e a irresponsabilidade? Já se percebeu que Tancos conspurcou tudo e todos. Por culpas ou responsabilidades. Por intervenção ou omissão. Por ocultação ou mentira. Dos trafulhas aos bandidos, até ao Governo e à Presidência da República, passando pela Administração Pública, os Magistrados e as Forças Armadas, desconfia-se de toda a gente, parece que ninguém fica de fora. Seria bom que, de facto, todos percebessem que têm alguma responsabilidade, por actos, cumplicidade, encobrimento, omissão, ignorância, ocultação ou indiferença. Como é evidente, o grau de responsabilidade varia muito, conforme o gesto ou a falta dele.
Não quero dizer que Tancos seja o cenotáfio da democracia. Seria exagerado. Mas, se houver um dia uma tragédia, poder-se-á dizer que alguma coisa começou ali, naquela charneca. Tancos acrescenta-se ao BNP, ao BES e ao BCP. À PT, à EDP e aos cimentos. À Face Oculta e à Operação Marquês. Aos incêndios e à Protecção Civil. Aos políticos arguidos e nunca julgados. Aos despachos de arquivamento inexplicáveis.
Diminuem os tempos dos comícios, os berros nas arruadas e os insultos na praça pública. Ainda há berraria inútil e histriónica no Parlamento e nas instituições representativas, por causa da televisão. Mas, nestes domínios, as nossas eleições estão a melhorar, a ficar mais bem-educadas. E os nossos políticos a comportarem-se como pessoas civilizadas ou quase. É bom que assim seja. Só que não chega. No comportamento político e financeiro e nas regras de conduta, há muito que não satisfaz, talvez até cada vez mais.
Em tempos de política de massas, de redes sociais e de lugares comuns, os regimes autoritários, fascistas, comunistas ou populistas são, como no passado recente, golpes em democracias falhadas, em países onde as revoluções não vingaram e onde a democracia foi capturada.
Não serão brigadas fascistas, regimentos europeus ou destacamentos comunistas que ameaçarão a democracia portuguesa. Nem sequer o capitalismo chinês ou as multinacionais americanas. Quem o fizer, será graças aos políticos portugueses e aos tribunais portugueses. E será por causa da corrupção, do nepotismo e da porta giratória. E da falta de justiça.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Jose, 29.09.2019: Para António Barreto é ele próprio o alfa e o omega da democracia. A democracia é a delegação secreta, livre e justa do poder pessoal intrínseco ao ser humano individual num poder mais geral que exponencía a intervenção do indivíduo na gestão da coisa pública. Não há liberdade numa atmosfera dominada pelo obscurantismo diariamente alimentado por organizações como Domus Pacis e seu internacional Exército Azul. Este tipo de instrumentos de propaganda obscurantista que habita nos directórios dos partidos burgueses e seus propagandistas instalados na vida e na comunicação social, como António Barreto, são um forte obstáculo a liberdade individual, à formação livre e justa de opinião e à decisão justa. Atenta contra os fundamentos da democracia e destrói a solidez ideológica dos democratas.
Alforreca Passista, 29.09.2019: Inimigos da democracia: Oligarcas como Soares do Santos.
PdellaF, 29.09.2019: Pois. Há dois inimigos da Democracia: 1) os cidadãos absentistas, para quem nenhum assunto é com eles e tratam as instituições como se fossem meros clientes; 2) os sequiosos pelo Poder sem partilha e sem freio. Alguns destes, até são democratas até ao dia em que provam o sabor do Poder. Aí, tornam-se os maiores inimigos da Democracia.
FPS, 29.09.2019: Estas palavras de António Barreto parecem-me muito avisadas e sérias (eu que estou, quase sempre, na trincheira oposta à sua) . Há por aí muita confusão e beatos não faltam que, tomassem eles o poder, e a corrupção era um ver se te avias... São os cátaros do "combate à corrupção". Claro que esta malta vai desaparecer na noite de 6 de Outubro... vai desaparecer mas vai continuar a escarafunchar que já os oiço há séculos (até já criaram um PRD impoluto que implodiu em 1/2 dúzia de anos). Tem, sem dúvida, razão, António Barreto... só nos podemos safar desta gente com políticos decentes e tribunais decentes. O resto é mesmo só conversa!
Fowler Fowler, 29.09.2019: Há dias assim: um dia, o sr. Barreto diz-nos que a democracia deve comportar forças nacionalistas, comunistas e populistas de esquerda e direita; outro dia, diz-nos que essas forças representam o inimigo da democracia, uma vez que se alimentam dos erros dos democratas no exercício do poder. Fica o aviso cínico daquele que tem sido, consciente ou não, o porta-voz eloquente dos “inimigos da democracia”.
Macuti, 29.09.2019: "Os inimigos da democracia sabem que a corrupção e o nepotismo abrem as portas para as suas aventuras." Mas que grande verdade!!! No processo Marquês e não só, a extrema esquerda está normalmente contra a acusação, colocando-se paradoxalmente ao lado de uma defesa onde estão muitos dos piores representantes do capitalismo português. É compreensível, mais corrupção significa mais desigualdade social, campo fértil para o recrutamento de descontentes.
AndradeQB, 29.09.2019: Não me admiraria que os psicólogos chegassem à conclusão de que os perfis dos que, dentro das instituições existentes num regime democrático, abrem caminho para os inimigos da democracia e o desses inimigos sejam coincidentes. Se não irmãos gémeos, primos seguramente. O lado em que estão é um mero resultado da conjuntura. Os primeiros ascenderam aproveitando as brechas das mexidas que a democracia implica, os segundos sobrevivem em negócios, instituições, ou profissões, com que essas mexidas só marginalmente interferem. Se alguma diferença existe, será a de que os primeiros são mais repulsivos e os segundos mais perigosos.
Jose Vic, 29.09.2019: AB faz-nos uma leitura dos perigos da democracia. Um pouco mais de rigor histórico sff. Alguma leitura por exemplo de Eric Hobsbawm seria útil...
Sergio Paradiz, 29.09.2019: Naturalmente todos os comentadores têm opções políticas que se reflectem nos seus comentários. Se isso é inevitável já não o é que essas opções levem a distorção grosseira da realidade. Para LC o Governo anterior, para retirar o país da bancarrota, trazendo um défice de 10,7% para 3% ( o rating da República em “lixo” e sem acesso aos mercados ), seguiu uma “política de empobrecimento “, mas para o mesmo LC, o actual Governo, já com as contas públicas equilibradas, ao insistir em manter superávites, já não segue uma “política de empobrecimento”, limitando-se a expressar que podia ser “mais amiga do crescimento e menos preocupada com o défice”. Mas não contente com a acrobacia, não acaba o seu comentário sem deixar outra nota ainda mais relevante da total falta de isenção :- para LC “e’ positivo”(!!!!!) a saída da política ecofin do palco de campanha, mas “indesejável “ que seja “por um caso de Justiça” i e pelo caso de Tancos. Como escreve AB neste mesmo jornal, o caso de Tancos é “uma das mais graves e sérias provações da democracia portuguesa”.
PdellaF, 29.09.2019: Quem é o LC?
Jorge Rodrigues, 29.09.2019: Não foi por acaso que com a sua habitual ironia Winston Churchill disse: "a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros!"

domingo, 29 de setembro de 2019

De orelha a orelha



O riso que provoca a crónica de Alberto Gonçalves. Uma crónica impagável. Inimitável. Incontestável. Ainda bem que regressou de férias. Também já lhe conhecemos a voz. Uns minutos de alegres sentenças, na Rádio Observador. O progresso traz-nos estes prazeres desembrutecedores.
Um guia inútil para o voto útil /premium
Perante o alheamento dos cidadãos, resolvi juntar o desagradável ao escusado e contribuir com o meu próprio alheamento. Eis, portanto, partido a partido, um guia inútil para o voto útil no dia 6.
OBSERVADOR,  28 /9/ 2019
As eleições são um momento importantíssimo nos regimes democráticos. Nos regimes como aquele que estamos a construir, a importância é relativa. Em duas semanas de férias, não tive o mais ligeiro contacto com o que o vulgo designa por “actualidade”, política ou outra. Não foi um esforço, foi uma propensão natural para evitar os “media”, as “redes sociais” e os amigos – evidentemente duvidosos – que falam de semelhantes assuntos. Foi um sossego. E um sossego que, durante quinze dias, me poupou a tudo o que aconteceu na campanha. Após quinze dias, e o regresso às obrigações profissionais, verifico que não aconteceu nada. Salvo por uma espécie de polémica alusiva à proibição de vitela na cantina da Universidade de Coimbra, que me surpreendeu por revelar que a Universidade de Coimbra ainda existe, o caminho para as “legislativas” fez-se de 372 debates que ninguém viu, 8193 arruadas que ninguém aturou e 478656 medidas programáticas que ninguém leu. Perante o alheamento dos cidadãos, resolvi juntar o desagradável ao escusado e contribuir com o meu próprio alheamento. Eis, portanto, partido a partido, um guia inútil para o voto útil no dia 6 de Outubro. Ou vice-versa.
Aliança. Após perder não sei quantas eleições internas do PSD, o dr. Santana naturalmente imaginou que possuía um séquito próprio. Não possui. O Aliança, um de vários partidos unipessoais, existirá enquanto o chefe plenipotenciário tiver paciência – ou, nunca se sabe, um emprego no parlamento. Sentença: ele deve andar por aí, mas não se nota.
Bloco de Esquerda. Quando não estão a mentir deliberadamente, o que é raro, os beatos e as beatas do BE deliberadamente produzem moralismos sem sentido. Sucede dirigirem-se a um eleitorado peculiar, capaz de engolir em êxtase as maiores patranhas. Como estamos em Portugal, estes inocentes terminais rondam os 10% (ou 5% das criaturas com direito de voto) e, excepto pelo ocasional devoto tresmalhado para a concorrência do PAN, não prometem vacilar. Sentença: além de montanhas, a fé move tontinhos.
CDS. Mesmo face à concorrência do dr. Rio, tem conseguido a proeza de encolher diariamente nas sondagens. O dr. Portas não se limitou a sair: como nos filmes de acção, deixou tudo armadilhado. Sentença: talvez vençam o PAN.
CDU. É o PCP, e a estranha sensação de, mais de um século decorrido desde 1917, um partido se afirmar comunista e ser recompensado pela sinceridade. Dado serem imunes à História, os seus fiéis foram razoavelmente imunes à “geringonça”, pelo que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não” aos princípios essenciais da civilização. Sentença: independentemente do resultado, será uma vitória do povo trabalhador, etc.
Chega. Outro partido unipessoal, no caso de uma pessoa que, ao que parece, ganhou nome em programas da bola. O Chega, que se diz liberal e conservador, é contra: globalização, Europa, imigrantes, ciganos, pretos, aborto, eutanásia, drogas, gays, muçulmanos, pedófilos, corruptos, violadores e, suponho, portistas e sportinguistas. O Chega é a favor: património, ambiente, polícias e, suponho, benfiquistas. Sentença: a estátua do Eusébio, fica ou vai abaixo?
Iniciativa Liberal. Sou amigo do Carlos Guimarães Pinto, logo insuspeito para suspeitar que a IL é o único partido que não trata os eleitores como atrasados mentais. Sentença: se me arrancarem de casa no dia 6, adivinhem em quem aproveito para votar?
Livre. Munido de um optimismo imbecil, tentei ler as centenas de propostas do Livre. Li meia dúzia e esbarrei numa: “limitar o transporte aéreo às ligações onde é efectivamente necessário”. Quem decide a necessidade? Decerto um observatório presidido pelo emérito historiador Rui Tavares, que ao contrário do resto da humanidade apenas viaja com propósito e justificação. No final do folheto, uma invectiva evoca o recrutamento militar: “Por que esperas para vir libertar o futuro connosco?” Sentença: livra!
PAN. Um aglomerado de pequenas Gretas, que ameaça eleger algumas. O PAN apresenta um programa infantil e repleto da prepotência típica das crianças. Por ser tão primário, é obviamente perigoso. Sentença: a esperança é que, enfraquecido por sucessivos jantares-convívio à base de tofu, o eleitorado desmobilize durante a semana.
PCTP/MRPP. Sem a oposição no exílio de Arnaldo “Grande Educador da Classe Operária” Matos e a liderança de Garcia “Tenho o Cabelo um Bocado Seboso para Fingir que sou Pobre” Pereira, o partido terá perdido a graça. Isto para quem achar engraçado o sangue de milhões e milhões de vítimas do maoismo e similares.
PDR. É aquele grupinho do dr. Marinho Pinto, que, através de um grupinho diferente, adquiriu em tempos uma estadia prolongada em Bruxelas. Durante a estadia, aliás discreta, o homem sumiu da vista e da memória dos cidadãos, bem como da reeleição em Maio passado. Se ainda não se cansou a ele, o dr. Marinho Pinto cansou-nos a nós. Sentença: o “R” da sigla não pode significar reforma?
PNR. Conhecido pelas proclamações xenófobas, o não tão conhecido lema do Partido Nacional Renovador é “Nação e Trabalho”. Não aprecio nenhuma das instituições. Os seus 20 mil votantes são considerados uma ameaça, e um sinal de que o fascismo está à porta. Sentença: o fascismo já entrou, mas pelo lado aparentemente oposto.
PS. Consta que uns 18% (pois é) da população adulta (digamos) votarão nos socialistas. É prova de que gostam da carga fiscal, da austeridade que se fingiu virar e de nova bancarrota a caminho. Também devem gostar de escolher um primeiro-ministro que, entre inúmeras habilidades, foi o número dois de um trafulha afamado e o número um de um sujeito acusado anteontem de quatro crimes. Sentença: são gostos.
PSD. É inegável que o dr. Rio renovou o PSD, a tal ponto que já poucos o reconhecem e muito poucos votarão nele. Ficaram o nome, o símbolo e o entulho dito “social-democrata” (?) que Pedro Passos Coelho procurou enxotar. Certo entulho, de que não mencionarei o dr. Capucho, até insistiu em regressar, com ganhos eleitorais evidentes. O novo PSD tem um Centeno igualzinho ao Centeno original, um Costa parecido e resmas de socialistas comparáveis. Sentença: o segundo lugar não escapa, mas não custa tentar.
RIR. Muitos acham o sr. “Tino” de Rans um sujeito engraçado. Por sorte, eu não acho. Para cúmulo, o segundo “R” do acrónimo significa “Reciclar”, prova de que o sr. Tino aderiu à lengalenga “ecológica” e de que a lengalenga “ecológica” já desceu a isto. A Wikipedia define o RIR como “sincrético”. Sentença: chorar.
O resto (JPP, MAS, MPT, Nós Cidadãos, PTP, PURP). Não imagino o que sejam estas agremiações, e aviso que deixarei de falar a quem procurar elucidar-me. Sentença: o que é demais é moléstia.


Sustentabilidade



Parece que nos falta, afirma Rui Ramos, servindo-se dos dados convulsos de uma sociedade que só harmoniza com as forças climáticas, as quais nos vão derrubando imparavelmente, juntamente com os factores sociais habituais, exemplificados até na última greve às escolas, no nosso país em greve permanente, também astuciosa. Um país a estagnar e a envelhecer, mau grado as astúcias de governação que vão atamancando – até ver – e encobrindo, como dá a entender o texto de Salles da Fonseca, que não acredita na eficiência, mas sim na deficiência.
I - O país onde a política morreu /premium
As más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda em Portugal. Há apenas governo e oposição.
RUI RAMOS
OBSERVADOR, 17 |9|2019
Temos tido um Verão politicamente curioso. Mesmo quando parecia termos já visto tudo, houve sempre mais alguma coisa para ver. Tivemos o “diabo” de António Costa e depois as 35 horas de Assunção Cristas, para não falar do sindicalismo da direita e do ordeirismo da esquerda durante a greve dos camionistas.
Talvez haja quem pense que tudo está trocado, como as estações do ano. Mas neste caso, não é o aquecimento global: é apenas o arrefecimento de uma sociedade onde a política, por falta de sustentabilidade, vai morrendo.
Antes de mais, convém notar que a discórdia continua, e até mais azeda do que nunca. Mas passou a corresponder a meras posições circunstanciais. O que de facto existe politicamente em Portugal neste momento são só duas modalidades de ser: governo e oposição. Quem está no governo – direita ou esquerda - faz cativações, aumenta impostos, resiste a reivindicações e é céptico em relação ao TGV; e quem está na oposição – esquerda ou direita –, preocupa-se com os serviços públicos, quer baixar impostos, adere a todos os protestos e namora a alta velocidade.
As más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda. Direita e esquerda existem ideologicamente em Portugal, mas deixaram de ser relevantes politicamente.
Dir-me-ão: mas foi sempre assim. Acontece que não foi. A política nas democracias ocidentais não favorece viragens cortantes, porque é pluralista, representativa, segue procedimentos e está sujeita a alternância. Nunca, portanto, um projecto político pôde aspirar às rupturas bruscas e unilaterais que só podem ser decretados por ditaduras mais ou menos homogéneas doutrinariamente. Tudo tem de ser negociado e está limitado pelos protocolos legais e institucionais. Em democracia, só pode haver “revoluções” metaforicamente.
Mas isso nunca quis dizer que as democracias da Europa ocidental não tivessem escolha. Basta pensar no contraste entre a política de nacionalizações dos anos 1940-50, e a política de privatizações dos anos 1980-90. No actual regime, Portugal passou do socialismo da constituição de 1976 para os mercados abertos da constituição revista de 1989. Ora, foi essa margem de manobra, para discutir e optar entre modelos de sociedade, que se perdeu. Somos hoje uma sociedade envelhecida e endividada, onde só os preços das casas se aproximam da Europa. Não são possíveis grandes opções, como se viu nas transições políticas de 2011 ou de 2015: para garantir o financiamento do Estado perante as instituições internacionais, a direita teve de aumentar impostos em 2012 e a esquerda teve de fazer cativações em 2016.
A política dos princípios é um luxo que deixámos de nos poder permitir. Mas o fim da política onde a governação era inspirada por ideias diferentes sobre a sociedade não quer dizer o fim das divisões. Pelo contrário. Como temos visto nos debates deste Verão, nunca os líderes dos partidos em Portugal fizeram tanta questão de se “diferenciar”. Da mesma maneira, no mundo que rodeia a política, a exasperação e a crispação aumentaram. Ao desligar-se de qualquer projecto governativo, que sempre impõe limites e responsabilidades, a ideologia começou a existir sob a forma de purismo e de paranóia. Nos países onde a política morre, a selvajaria renasce, mesmo que apenas virtualmente.
Quanto mais condicionados, mais agressivos precisamos de nos tornar, para gerar o simulacro das diferenças que deram tradicionalmente sentido à política. É um sinal do fim, não do princípio.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.09.19
DIZ A DIRECÇÃO GERAL DO ORÇAMENTO QUE
O saldo global das Administrações Públicas, relativo ao período de Janeiro a Agosto de 2019, apresenta um valor positivo de 402,3 milhões de euros (-579,3 milhões de euros no período homólogo do ano anterior).
E DIGO EU QUE
Sejam aplaudidos os «travões» impostos à despesa pública (vulgo, cativações) pois este é o único caminho para se chegar aos superavits e, daí, à redução do stock da dívida pública, antes que as taxas de juro regressem a valores incentivadores da poupança.
Apesar desta nota positiva, temo que seja tarde e que a previsível subida das taxas de juro nos mercados financeiros nos imponha um serviço da dívida para que não temos produtividade suficiente.
E PERGUNTO AGORA EU:
Por que eufemismo vão os demagogos doravante chamar à inultrapassável austeridade?
Setembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Adriano Lima 28.09.2019: Pergunta bem, Sr, Doutor, e estou consigo. Quando é que vamos deixar de andar em corda bamba? Ao que parece, depende mais dos contextos exteriores do que de nós próprios, mesmo que cumpramos como alunos exemplares. Triste sina!
Henrique Salles da Fonseca, 28.09.2019: Boa pergunta. Helena Salazar Antunes Morais

sábado, 28 de setembro de 2019

Os pontos nos ii



É a crónica de Rui Ramos, e mais um seu comentador, em apoio do governo PS, complementando o DIÁRIO de Vasco Pulido Valente, com as suas meias tintas incisivas, de apreço – talvez – por Costa, um vencedor nato. Também dou razão a Rui Ramos – não há nada a fazer. Mas não vou votar em Costa, é claro.
CRÓNICA    Diário
Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada sobre Tancos, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
VASCO PULIDO VALENTE          PÚBLICO, 28|9/19
28 de Setembro de 2019: A campanha eleitoral tem sido muito mansa, e seria ainda mais mansa se esse génio da política chamado Costa tivesse percebido que ganhava mais em estar sossegado em São Bento do que em vir para a rua na sua persona de militante do PS juvenil.
Mesmo nos debates devia ter conservado o recato. As zaragatas com Catarina Martins, e mesmo com Rui Rio, não lhe acrescentam nada e diminuem-no sempre. E as insinuações sobre “herdades no Alentejo” para embaraçar Cristas não são dignas dele. O que o nosso Costa aparentemente não percebeu é que ninguém no seu são juízo irá entregar o país a Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa ou Assunção Cristas. Bastava-lhe estar quieto. Mexeu-se, estragou.
23 de Setembro Era bem feito que o planeta explodisse e atirasse com a menina Greta para Saturno a ver se ela aprendia a não faltar à escola.
24 de Setembro: António Costa disse na televisão que as coisas que mais o irritavam eram a estupidez e a mentira. Concordo inteiramente com ele. O meu avô costumava avisar: “O pior na vida não são os maus, são os estúpidos.”
25 de Setembro: Marcelo Rebelo de Sousa jurou em Nova Iorque, citando Nixon, “I’m not a crook”. Já sabíamos.
25 de Setembro à noite: Sessão ululante em Westminster. Boris Johnson, muito insultado, apresenta-se como mandatário da vontade do povo tal como foi expressa no referendo de 2016; a Câmara dos Comuns não reconhece nenhuma soberania superior à sua. É uma conversa de surdos, agravada pela intromissão do poder judicial em assuntos intrinsecamente políticos, e pelo facto de o Partido Trabalhista recusar eleições, com medo de as perder.
Os partidários da União Europeia conseguem impedir o “Brexit” de se consumar, mas, fora isso, não sabem o que querem. Johnson não consegue o “Brexit”, e não tem maioria para governar, nem a pode pedir em novas eleições. E hoje nem sequer está seguro do seu próprio partido. Tudo continua encrencado.
26 de Setembro: Os nossos directores de consciência andam sempre a proclamar que detestam a judicialização da política, mas, quando aparece uma pequena oportunidade, agarram-se de unhas e dentes ao que antigamente os jornais do Estado Novo intitulavam, com todo o pudor, “Casos Crapulosos”. Não me interesso nada pela história de polícias e ladrões em que se tornou o roubo de Tancos. É, simplesmente, a história de um advogado de província, que António Costa nomeou ministro da Defesa. Deu para o torto, como devia dar. Só que, pelo caminho, levantou um problema grave: as relações entre o poder militar e o poder civil. Ficámos a saber que o dr. Azeredo Lopes desmaia perante uma farda. Isto, em si mesmo, já é péssimo, principalmente porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma farda nos dias que vão correndo?
26 de Setembro à noite: Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
27 de Setembro: Para minha surpresa, a esquerda correu em socorro da menina Greta que passou a ser a vítima dos “negacionistas”. Concordo, entendendo por “negacionistas” os que se negam usar uma adolescente para os seus propósitos.
II - A questão da maioria absoluta /premium
Uma eventual maioria absoluta de António Costa colocaria todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que sempre soube fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou outra geringonça.
RUI RAMOS      OBSERVADOR, 27 sep 2019
Da direita à esquerda, os adversários de António Costa fizeram da maioria absoluta o assunto destas eleições. A bem dizer, não há outro: ninguém espera alternância no governo, nem, mesmo que essa alternância fosse provável, grandes variações de políticas. Resta, para tentar excitar o eleitorado, a hipotética maioria absoluta de Costa. À esquerda, dizem que levará o PS, livre da actual geringonça, a uma orgia direitista; à direita, que arrastará o PS, sobretudo se ampliada por uma maioria de dois terços com comunistas e neo-comunistas, para um novo PREC. Compreendo que tenham de dizer isso. Infelizmente, a perspectiva de uma maioria absoluta de António Costa não me comove. Antes de atirarem as pedras, deixem-me explicar. O PS consiste, há muito anos, num simples projecto de poder, assente no domínio do Estado como meio de controlar a sociedade. O governo de José Sócrates, de onde são oriundos os actuais ministros, foi apenas a confirmação dessa tendência, e não uma anomalia. O poder socialista pode parecer de esquerda, porque é estatizante, ou de direita, porque fará o que for preciso para manter o financiamento externo de que o Estado depende. Mas não é uma coisa nem outra. Por isso, com ou sem maioria absoluta, o PS não fará nenhum PREC nem nenhumas reformas liberais. Será e fará apenas o que for preciso para se conservar no poder.
Dir-me-ão: mas com uma maioria absoluta, os ex-amigos de Sócrates terão ainda mais domínio sobre o Estado. Por amor de Deus: o PS já é o nosso partido-Estado, o nosso MPLA, e não precisou para isso de maiorias absolutas, que só teve entre 2005 e 2009. O poder do PS não vem daí, mas de não haver outras alternativas, o que o deixa na charneira do regime, como “partido natural de governo”. A razão da ascendência do PS é o vazio à sua esquerda, desde o colapso do comunismo em 1989, e a confusão à sua direita, desde o fim do “cavaquismo” em 1995. Todos os partidos tenderam, para sobreviver, a apostar em acordos com o PS: foi o que fizeram o BE e o PCP, e é o que tenta fazer Rui Rio. Talvez António Costa aspire à maioria absoluta, para se glorificar e apagar a memória da derrota de 2015. Mas não lhe dará muito mais poder do que o que os seus adversários estão dispostos a reconhecer-lhe em troca de alguns sobejos da mesa do Estado.
Não quero exagerar o argumento, mas uma eventual maioria absoluta de António Costa até poderia ter vantagens para o regime. Em primeiro lugar, colocaria todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que sempre soube fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou com qualquer outra geringonça. Em segundo lugar, talvez forçasse os outros partidos a enfrentar a perspectiva de uma vida sem acordos com o PS, e a tentar descobrir a possibilidade de novas políticas e de novos protagonistas. Quanto ao mais, já sabemos como uma maioria absoluta, no regime da constituição revista de 1982, não deixa os governos sozinhos. Há sempre o Presidente da República, que tende até, nessas circunstâncias, a emergir ainda mais como contrapeso ao governo, com maior compreensão do país e particularmente das oposições. Ou seja, e paradoxalmente, talvez Costa estivesse menos à vontade com uma maioria absoluta.
Por outro lado, sou capaz de imaginar horizontes um pouco mais inquietantes: por exemplo, acordos de Costa com um BE que já só tem causas fracturantes para se distinguir, ou com um Rui Rio sempre assanhado contra a independência do poder judicial e ansioso por esquartejar o Estado para arranjar outra Madeira no continente. Parece-me pior do que uma bancada do PS com mais de 115 deputados.
COMENTÁRIO:
Jose Neto: É também o que penso. Mesmo sem maioria absoluta, este PS já mostrou como fazer para levar sempre a água ao seu moinho - quando a esquerda não quer, fala-se com a direita. Para cada assunto, há-de-se arranjar uma maioria parlamentar à medida. Vimos isso recentemente com a legislação laboral. Se António Costa estiver interessado em submeter um pouco mais o poder judicial ao político, pode contar com Rui Rio. Para silenciar a imprensa quando esta obtém informações sobre assuntos que se encontram em segredo de justiça, idem. Para garantir a "paz social", sem muitas greves e sem muitas manifestações, é-lhe imprescindível a cumplicidade do PCP, que deixará de estar garantida no dia em que a geringonça for desmontada. Também a gritaria em que o BE é especialista pode voltar nesse dia... Onde discordo um pouco do Rui Ramos é no papel desculpabilizador que a geringonça teria para Costa, porque ele sabe usar estratégias melhores. Num dos casos mais graves que ocorreram nesta legislatura, o dos incêndios com mais de 100 mortos, o governo reagiu retirando-se da cena e controlando a informação, mas não partilhou responsabilidades com os parceiros. No caso dos professores, reagiu teatralmente, mas desresponsabilizou o PCP e o BE, reconhecendo-lhes coerência. Nos muitos casos de corrupção e compadrio, Costa reage afastando-se, como se o assunto não lhe dissesse respeito (e quase não tem oposição...). Portanto, sim, talvez a maioria absoluta não seja importante para este PS e talvez até não seja desejável. Grande diferença não fará. Garantido parece estar o único grande objectivo de Costa, que é o de continuar a mandar nisto. A não ser que Tancos ainda nos traga alguma surpresa bombástica... Mas o Pai Natal só chega lá para Dezembro.