sábado, 29 de fevereiro de 2020

Cada época com as suas peculiaridades


Uma crónica de muitas agonias segundo a visão esclarecida de José Pacheco Pereira, que omite outros casos de guerras e de cordões humanos em fuga ou mortes por naufrágios em barda, que vão acontecendo sem estarem previstos. Também são confrangedores, embora nos fixemos mais nos aspectos de ridículo ou aparatoso que a infantilização gradual da sociedade vai ofertando aos olhos frustrados de quem muito lê e muito sabe. Uma boa síntese, em suma, dos ridículos, contradições e tragédias do vasto mundo, onde o nosso, minúsculo, se encaixa, bem arrumadinho no seu canto, com muito pio.
OPINIÃO: Não é possível prever quase nada na História
Pensem sobre cada um destes factos e andem 30 ou 20 anos para trás e vejam quantos destes acontecimentos seriam previsíveis.
JOSÉ PACHECO PEREIRA            PÚBLICO, 29 de Fevereiro de 2020
Um homem que se diz socialista está muito à frente na competição pela nomeação para candidato presidencial americano no Partido Democrático. Sim, nos EUA. No Parlamento português foi apresentado e recusado administrativamente um projecto de castração química. Uma maioria de deputados portugueses votou a favor da legalização da eutanásia. Vasco Pulido Valente morreu e uma nuvem de panegíricos ouviu-se por todo o lado. Parece que não foi ele que morreu. A ameaça de uma epidemia levou as equipas de futebol italianas a jogar em estádios vazios de público. Um governo português tentou fazer um aeroporto pela enésima vez e falhou porque uma lei de que ninguém se lembrou dá a um grupo de pequenos municípios um direito de veto sobre a obra. Um jogador negro saiu do campo por ter sido insultado com frases de carácter racista e subitamente todo o Portugal desatou a fazer juras anti-racistas. Nos EUA, um mentiroso patológico sofrendo de uma perturbação narcisista caminha, com muito poucos travões, para uma autocracia. A NATO, que parecia eterna, está comatosa. O ditador da Coreia do Norte é tratado pelo Presidente dos EUA como se fosse seu namorado. Um cavaleiro tauromáquico, cuja profissão é torturar animais em público, foi processado por maltratar uns galgos que tinha a morrer à fome. Angola sob a direcção do MPLA tornou-se a capital africana do combate à corrupção. Soldados portugueses estão no Kosovo, no Mali ou no Afeganistão, terras essas de quem nem sequer no Estado-Maior devia haver um mapa decente que não fosse do National Geographic. O Reino Unido entrou para a União Europeia e depois saiu. Há um movimento no PS e no Bloco de Esquerda para candidatar Ana Gomes à Presidência da República. Portas é lobbyista de negócios latino-americanos e africanos. Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente. O aeroporto da Madeira tem o nome de um jogador de futebol. O Partido Socialista é defensor do défice zero e das “contas certas”. A Maçonaria tentou tomar conta do PSD. Um número significativo de portugueses usa uma rede social criada para que meia dúzia de estudantes soubessem que namorados tinham (ou não tinham) as suas colegas na universidade. A Quadratura do Círculo tornou-se a Circulatura do Quadrado. Os adolescentes passam o dia a mandar mensagens uns aos outros. Centenas. Ainda não há TGV. Um partido que quer um Serviço Nacional de Saúde para os animais tem um grupo parlamentar. Santana Lopes saiu do PPD/PSD e não tem nada. O Presidente francês tem um exército aguerrido de gente vestida com coletes amarelos. O desprendimento de glaciares na Antárctida é notícia de primeira página. Há paradas de orgulho LGBTQ+ em Vila Real. Ninguém sabe o que é o +, mas ninguém liga, nem ousa perguntar. Existe censura feita por uma multidão de anónimos na Internet. A verdade está moribunda nas redes sociais. A mentira domina as redes sociais. Vladimir Putin manda na verdade e na mentira e o Presidente dos EUA é o seu discípulo dilecto. Podia encher páginas e páginas disto.
Pensem sobre cada um destes factos e andem 30 ou 20 anos para trás e vejam quantos destes acontecimentos seriam previsíveis. Com muito esforço encontramos dois com alguma similitude com eventos passados, o que significa que existe uma débil recorrência: um, mais um falhanço de governos com a construção de uma grande obra pública por uma combinação de negligência e arrogância; outro, a precedente epidemia da gripe das aves, mas mesmo assim muito mais mitigada do que a actual do coronavírus. Mas a maioria é efectivamente surpresa, não se estava à espera e não se previu. Embora possa haver algumas tendências de fundo, no essencial a História é sempre surpresa e é por isso que os homens sábios da política e da acção devem ler Clausewitz. Adaptado aos tempos modernos, isso significa que se se quer atravessar um deserto sólido de chão duro porque não chove há 500 anos, o bom comandante de tanques prepara-se para a chuva e lama.
Fazer planos e previsões dá-nos a sensação psicológica que dominamos o futuro, mas o ruído é a voz da natureza. É por isso que esta coluna se chama o “ruído do mundo”.

Somos um povo que cerra fileiras



Uma vez mais, uma caricatura merecida feita por AG sobre o nosso useiro e vezeiro status de basbaques embevecidos com o aparato indiscreto causado por uma hipotética pandemia, inspiradora de pânico, com o espalhafato concedido ao caso pelos órgãos da imprensa e os próprios governantes.

Festival Coronavírus: seis curtíssimas metragens /premium
A directora-geral de saúde avisa: “Não nos devemos beijar todo o dia e a toda a hora”. Eu fique ceguinho se já me ocorreu beijar, uma vez que fosse, a dra. Graça Freitas.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 29 fev 2020
Pacientes zero
Face à discrepância entre o número de suspeitos (uma resma deles) e o número de casos confirmados (nenhum), o primeiro-ministro já veio serenar as massas e prometer entusiasmado que, “mais tarde ou mais cedo”, Portugal terá o seu primeiro paciente com o coronavírus. Falar é fácil. E, para o dr. Costa, mentir é facílimo. Certo é que o tempo passa e até agora nada. No momento em que escrevo, cinco dezenas de países exibem vítimas da doença e nós continuamos sem uma para contar a história aos repórteres televisivos exaustos de entrevistar a mulher do mecânico à porta de casa. Em matéria de coronavírus, estamos como na economia: na cauda da Europa e nos fundilhos do mundo. O país é tão pelintra que nem os micro-organismos querem nada connosco. O bicharoco é igual aos terroristas islâmicos: se se apanhar por cá, no dia seguinte atravessa a fronteira para causar baixas em lugares civilizados. Etc. (Aceitam-se sugestões de novas graçolas alusivas à situação).
O costume dos suspeitos
A propósito, de que modo se determina que um indivíduo é suspeito de sofrer do coronavírus? Dito de outra maneira, o que distingue os suspeitos do coronavírus dos suspeitos da gripe comum? Dito ainda de uma terceira forma, se amanhã for ao médico por causa de um resfriado, quais as probabilidades de que me receitarem Ilvico em vez de me submeterem a 35 horas de exames? O que decide, o tipo de espirro? As férias recentes em Hubei, China? O palpite dos clínicos? A cara do “utente”? Uma lista secreta de quotas para suspeitos a preencher por cada hospital ou centro de saúde? E porque é que, mudando um bocadinho de assunto, a quantidade de suspeitos sem doença cresce diariamente? O INEM recebeu ordens para caçar transeuntes com pingo no nariz? Por fim, quem nos garante que os suspeitos da gripe comum não padecem realmente do coronavírus? E que os suspeitos não confirmados podem ficar aliviados com a eficácia das análises? Convinha que as autoridades nos esclarecessem, logo que alguém esclarecesse as autoridades.
Os nossos homens em Toyoake
Do governo às entidades da saúde, dos jornalistas aos moços que cuidam dos “alertas CM”, o país está mortinho, salvo seja, por encontrar o primeiro português infectado com o coronavírus. Por sorte, há dois. Por azar, tiveram a desconsideração de o “contrair” (sic) para os lados do Japão, que não fica à mão de redacções televisivas sitas em Carnaxide, ou Almoxarife ou Alcabideche ou lá o que é. E além das dificuldades logísticas, há as exigências simbólicas: o herói que Portugal procura não pode ser um estrangeirado. É urgente que, no meio de tantos suspeitos, se arranje depressa um Zé Carlos Santos, residente num subúrbio e possuidor de uma família disposta a entreter os repórteres. Não duvido de que estaremos entre os melhores do mundo em matéria de pacientes. Com ou sem vírus, paciência é o que não nos falta.
Walking (não exactamente) dead
À semelhança do sr. Canas, que através de jantaradas com o “eng.” Sócrates se prepara há 40 anos para ser juiz do Tribunal Constitucional, é possível que a dra. Temido se tenha preparado durante 45 anos para ser ministra da Saúde. Eu preparo-me há 50 para ser governado por anedotas ambulantes. Mas ainda não estou pronto. Sobre as pessoas que viajaram por zonas afectadas, a dra. Temido afirmou: “Quem provenha destas regiões onde há transmissão do vírus deve ter cuidados especiais, designadamente mantendo-se isolado (…)”. Ou seja, quem passeou por Roma ou Seul deve, mal aterre por cá, fugir dos familiares à espera no aeroporto e correr para locais ermos, por exemplo o topo de colinas, shoppings falidos ou as instalações da Qimonda, onde ficará a vaguear, género zombie, por tempo indeterminado. A alternativa seria testar os passageiros que chegam da China e tal, mas tamanha irresponsabilidade custaria um dinheirão, aliás necessário para “injectar” no Novo Banco e em alguns velhos. Entretanto, fomos informados de que as declarações da dra. Temido constituíram um lapso. Não era preciso: toda a gente sabe que a própria existência da dra. Temido é um lapso.
Beijem-me, idiotas
É preciso notar que nem todas as autoridades produzem disparates imediatamente desmentidos. Algumas dizem asneiras que ninguém desmente. A directora-geral de saúde avisa: “Não nos devemos beijar todo o dia e a toda a hora”. Eu fique ceguinho se já me ocorreu beijar, uma vez que fosse, a dra. Graça Freitas.
A Oeste tudo de velho
Por falar em beijinhos, resta o prof. Marcelo. Na noite de 17 de Junho de 2017, o prof. Marcelo chegou a Pedrógão Grande e declarou: “O que se fez foi o máximo que se poderia ter feito”. No dia 25 de Fevereiro de 2020, o prof. Marcelo afirmou: “Tudo está a ser feito para lidar com o coronavírus”. É nestas alturas que invejo os que sabem rezar. Se soubesse, rezaria para que o bicho mantenha o desprezo por um lugarejo cujos líderes são criminalmente irresponsáveis, cujas autoridades não têm autoridade nenhuma, cujos hospitais assistem à morte de infelizes em salas de espera e cujo povo sente orgulho de semelhante circo, e confia no circo para o proteger. Para a portugalidade é que não há cura.
COMENTÁRIO
Pedro J.: Muito bom!


Parece ficção, tão real é


Mais um relato certeiro e esclarecedor de Jaime Nogueira Pinto a respeito da Guiné e de Sissoco Embaló a embalar-nos memórias.
A crise Guiné-Bissau: entre a realidade e a ficção /premium
Após a simbólica volta triunfal à praça diplomática, o candidato a presidente-eleito, Sissoco Embaló, seguindo com audácia uma criativa estratégia de antecipação, escala agora para a “posse simbólica".
JAIME NOGUEIRA PINTO
OBSERVADOR, 28 fev 2020
Ontem Bissau, capital da Guiné-Bissau, foi teatro – e “foi teatro” é o termo – de um fenómeno que consegue ser original na grande colecção de ineditismos folclóricos que se vão sucedendo por este mundo de Cristo.
No meio de uma controvérsia político-constitucional sobre os resultados da segunda volta das eleições presidenciais, um dos candidatos, baseado numa vitória eleitoral ainda em contestação no Supremo Tribunal de Justiça, optou por tomar posse… na sala de conferências de um Hotel. O Hotel Azulai, em Bissau.
Seguindo uma estratégia de facto consumado, inaugurada com a tournée internacional em que logo se lançou ainda as urnas estavam quentes, Sissoco Embaló, o auto-proclamado “General do Povo da Guiné e Doutor da Universidade Complutense de Madrid”, proclama-se agora Presidente da Guiné-Bissau num acto não-oficial que o próprio descreve como “posse simbólica”. A posse real, supõe-se, fica a aguardar melhores dias. Assim, depois de uma simbólica volta triunfal à praça diplomática, o candidato a presidente-eleito prossegue com audácia a sua criativa estratégia de antecipação, escalando agora para a “posse simbólica”.
Ficção 1: polícias (americanos) e bandidos (mexicanos)
Acabei de ver, na Netflix, a série Narcos-México. A história baseia-se em factos reais, mais precisamente na luta da DEA (Drug Enforcement Agency) norte-americana contra o narcotráfico no México e na Colômbia. Em Fevereiro de 1985, um agente da DEA, “Kiki” Camarena, foi torturado e assassinado por elementos da Federação dos cartéis do crime, dirigida por Miguel Angel Gallardo. A partir daí, a DEA montou a Operação Leyenda, partiu em perseguição dos narcos e, trabalhosa e pacientemente, foi eliminando os principais implicados.
Trabalhosa e pacientemente porque, tal como na Colômbia, os narcos gozavam das mais altas cumplicidades a nível do poder político; no caso mexicano, do Governo do PRI, o famoso Partido Revolucionário Institucional (só o nome é todo um programa) que, por décadas, dominou o país. Os traficantes mexicanos corromperam boa parte dos responsáveis policiais e aterrorizam o resto. Mas nas eleições de 1988, pela primeira vez, o PRI e o seu candidato, Carlos Salinas de Gortari, foram seriamente desafiados por Cuauhtémoc Cárdenas (filho do antigo presidente, o general Lázaro Cárdenas) que, com partidos de esquerda e de direita, formou uma coligação – a Frente Democrática Nacional – para bater o candidato do PRI e acabar com a hegemonia dos revolucionários institucionais mexicanos.
Num dos episódios finais da série, há, nas eleições, uma introdução de dados falsos nos computadores que estão pela primeira vez a funcionar para as contagens eleitorais. Quando a fraude é detectada, o Ministro do Interior provoca um “apagão” que deita abaixo todo o sistema informático. E fracassada a forma branda da fraude eleitoral, os narcos da “Federação”, às ordens de Miguel Angel Felix Gallardo, fazem o que costumam fazer: recorrem a formas superiores de luta, desta vez invadindo as assembleias de voto e intimando os presidentes das urnas a adulterar nas actas o número de votos no candidato do PRI, acrescentando-lhe uns zeros. Entretanto, para evitar a recontagem que parecia iminente, os sicários dos narcos e os militantes do PRI queimam as urnas com os votos lá dentro.
Isto no filme. Na vida real, o Ministro do Interior, Manuel Bartlett, que esperava ser o candidato do PRI e que por isso montou o esquema de fraude electrónica, foi substituído à última hora por Gortari. Mais tarde, o presidente cessante, Miguel de la Madrid, confessou a fraude informática na autobiografia que publicou em 2004. Curiosamente, o recentemente eleito presidente Lopez Obrador acabou de nomear Manuel Bartlett, o mesmo que provocou o “apagão” em 1988, director-geral da Comissão Federal da Electricidade, talvez esperando colocar a bom uso institucional os revolucionários e fraudulentos dotes demonstrados.
A fraude da eleição presidencial do México de 1988 está hoje mais do que demonstrada. Na série Narcos-México, os narcos de Gallardo têm um papel crucial: quando falha a via branda, passam à via dura, ou às vias de facto.
Realidade 1: A Guiné não é o México dos narcos, e no entanto…
O caso da eleição presidencial da Guiné-Bissau – e da polémica que abriu – oferece várias lições. Na eleição, ficaram apurados para a segunda volta, em 29 de Dezembro de 2019, os dois candidatos mais votados no primeiro escrutínio – Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC e primeiro classificado, e Umaro Sissoco Embaló, candidato do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM G-15). Na segunda volta, Sissoco Embaló foi apoiado pelos outros candidatos excluídos – o ex-Presidente ainda em exercício José Mário Vaz, Nuno Nabiam, da APU-PDGB, e Carlos Gomes Júnior, antigo presidente do PAIGC e primeiro-ministro.
Foi uma clara coligação negativa entre personalidades política e pessoalmente muito diferentes, senão mesmo antagónicas, só explicável por uma coincidente hostilidade a Domingos Simões Pereira e ao PAIGC, a que todos já pertenceram.
Logo que foram anunciados os resultados pela Comissão Nacional de Eleições, Simões Pereira declarou que iria impugná-los, alegando uma série de fraudes e irregularidades, cujas provas apresentaria aos órgãos competentes – a Comissão eleitoral e o Supremo Tribunal de Justiça, que, na Guiné, tem também funções político-constitucionais.
Realidade 2: A táctica dos factos políticos consumados
Os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições davam 53,55% a Embaló e 46,45% a Simões Pereira. Domingos Simões Pereira, nas alegações então apresentadas às entidades competentes, apresentou provas de fraude na contagem (houve até um ataque de hackers ao sistema informático da Comissão Nacional de Eleições, depois documentado e divulgado por vários órgãos de informação, também em Portugal) e pediu a recontagem material dos votos ou a anulação da eleição.
Mas eis que Sissoco Embaló, sem dar qualquer importância à contestação do adversário, parte imediatamente para Dakar e daí para um périplo regional e europeu, apresentando-se como presidente-eleito. Tudo graças a uma teia de influência, amparada pelo seu grato amigo e protector Macky Sall, Presidente do Senegal, e trabalhada ao longo dos anos. Prosseguindo uma estratégia de audácia e antecipação, Sissoco conseguiu visitar uma série de líderes regionais, criando a convicção de que a sua eleição era um facto consumado. Depois veio a Lisboa, dizendo-se de partida para Paris, para um encontro com o Presidente Macron. O Primeiro-Ministro português convidou-o para um encontro e até o Presidente da República o recebeu, embora ressalvando o carácter privado da audiência, concedida a “uma personalidade política da Guiné Bissau”.
Curiosamente – ou não tanto –, no dia seguinte à partida de Sissoco de Lisboa e à sua chegada a Paris, o Quay d’Orsay anunciou numa nota seca que não haveria audiência alguma a Sissoco Embaló enquanto o processo eleitoral estivesse na pendência de uma decisão dos órgãos jurisdicionais competentes da Guiné-Bissau.
Também pelas mesmas razões, e após algum debate, a União Africana não aceitou a presença oficial de Sissoco na reunião de Adis Abeba como Presidente eleito, apelando a um entendimento institucional entre o Supremo Tribunal de Justiça e a Comissão Nacional de Eleições da Guiné-Bissau. É que, entretanto, a Comissão eleitoral guineense, por 10 votos contra 8 (os membros da minoria vencida recusaram-se a assinar a decisão) e o Supremo Tribunal de Justiça (por cinco votos contra dois, que votaram vencidos, apresentando declarações de voto) tinham entrado em choque, recenando-se que não houvesse entendimento à vista, apesar dos apelos do exterior, sobretudo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDAO).
Toda esta novela tem tido episódios quase grotescos, como o protagonizado pela Ministra dos Negócios Estrangeiros, Susy Barbosa, que, depois de ter apresentado a demissão do Governo de Aristides Gomes, foi nomeada pelo ex-Presidente José Maria Vaz (que, embora também “congelado” em funções, foi o convidado de recurso da União Africana para representar a Guiné Bissau em Adis Abeba) e designada sua representante na reunião. Ao mesmo tempo, o governo de Aristides Gomes nomeara já a ministra da Justiça para a mesma missão.
Realidade 3: Os interesses externos
O processo legal contencioso não está encerrado e tem algumas envolventes regionais: os governos do Senegal e da Nigéria inclinam-se para Sissoco Embaló; os governos da Costa do Marfim, do Gana e da Guiné Conacry para Domingos Simões Pereira. Há outras posições, como a dos rebeldes de Casamansa, que acusam elementos guineenses e senegaleses de perturbação do processo político interno da Guiné- Bissau devido a interesses de concessão de exploração de petróleo na ZEC (Zona Económica Conjunta). A ZEC integra 54% do domínio marítimo do Senegal e 46% do domínio marítimo guineense. Parte da opinião pública guineense – ainda recordada do papel das tropas senegalesas na crise 1997-98 – reage muito mal a estas interferências, e Domingos Simões Pereira, em deslocações a Paris e a Angola e depois de uma audiência com o Presidente João Lourenço, sublinhou em entrevista à TPA os riscos de eleger para a Chefia do Estado da Guiné-Bissau alguém tão próximo do Presidente do Senegal e, neste momento, tão em dívida para com ele.
Mas audácia não falta a Sissoco Embaló na persecução da sua estratégia de facto consumado. Apesar de continuar pendente a recontagem dos votos ordenada pelo Supremo Tribunal, condição sine qua non para a legalidade do acto eleitoral, insistiu numa tomada de posse “pirata”. E na falta do presidente da Assembleia Nacional para o empossar, arranjou um vice-presidente. Como o Governo lhe é hostil, prevê-se agora que a esta posse simbólica possa seguir-se uma demissão também simbólica, feita à revelia dos órgãos de soberania e das regras constitucionais e arriscando um clima de tensão e violência.
E no entanto, como vem dizendo desde o início de toda crise Domingos Simões Pereira, bastaria uma recontagem dos votos materiais – que se espera que ainda estejam nas urnas – para que tudo se esclarecesse. Uma contagem que não será demorada, já que são só cerca de 700.000 os eleitores guineenses. De resto, Simões Pereira já declarou que aceitará sem discussão o resultado dessa recontagem.
Conclusão: Cuidado com as posses simbólicas
Quem tem medo da recontagem?
O facto é que, no México, Carlos Salinas de Gortari, o associado dos narcos, foi mesmo eleito Presidente e cumpriu o mandato com o apoio dos carteis da droga.
Não quero equiparar os grandes patrões do narcotráfico mexicano aos pequenos e médios traficantes da Guiné-Bissau, que também os há. Nem o México à Guiné lusófona, que, em termos de violência, quando comparada com o México, é um país de brandos costumes. Mas será bom estar atento e não deixar que a ficção dos factos consumados e das posses simbólicas produzam efeitos contra a realidade da Lei e do Direito.
COMENTÁRIOS
Paula Barbosa: Acredito que sim, a sharia vai nivelar toda a rapaziada. Vergastadas nos homens e pedrada até à morte nas mulheres, e acabam os problemas políticos e sociais..
francisco oliveira: O Islao, com o actual presidente, porá um fim a todos os problemas tribais e linguísticos.
Arabia Saudita financiara o necessario e Ala fara o resto.
Venezuela Livre: A Guiné sempre no fio da navalha. 
Manuel Marques: Os artigos Premium são censura monetariamente compensada à palavra de quem escreve
Paula Barbosa: Acabará integrado no Senegal ! Nunca teve uma identidade nacional, tal a loucura de tribos e linguagens. Perguntem a um guineense donde é e ele responde sempre pela sua região ou etnia. Só isto diz tudo deste pseudo país que além de ser uma miséria, deu cabo da integração de Cabo Verde na Comunidade Europeia, não permitindo que estes fossem uma Região Autónoma de Portugal, com os apoios de milhões em Fundos Estruturais para o seu desenvolvimento.  Cabo Verde continua de uma pobreza confrangedora mas com um povo nobre e trabalhador. Eu sei, eu vou lá de férias, sempre a diferentes ilhas, e trabalho aqui com vários cidadãos deste país. Este assunto é sempre falado nas minhas conversas políticas quando lá estou. O arrependimento é geral...
Pedro Ferreira: Este pseudo país, só terá paz quando pedir a tutela da antiga potência colonial. Acredito que Amílcar Cabral, se fosse vivo, não deixaria de apoiar. Têm sempre a alternativa Francesa ou Chinesa, escolham.
Glorioso SLB: E ñ fossem os artigos do JNP, e pc se ouviria falar (e ainda menos perceber) a actual situação política da GB.
José Costa-Deitado: Com 27 etnias e 29 línguas dificilmente se entenderão!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Diálogos em Fevereiro



Respondendo à pergunta final da crónica de Alexandre Homem Cristo, (“pode-se tolerar que um governo elimine freios e contrapesos de um processo democrático porque estes representam obstáculos à sua vontade? Não se pode, porque os fins não justificam os meios”), eu acho que não se tem feito outra coisa, segundo as conveniências dos partidos. Mas os comentadores é que sabem e o discutem com saber e relativa paz, quando não mesmo, superior ternura. Por isso os diálogos calharam em Fevereiro, mês curto, ao contrário do de Fernando Namora mais estirado e estival.

Nenhum aeroporto está acima da lei /premium
Seja-se contra ou a favor do aeroporto no Montijo, o que está agora em causa é isto: pode-se tolerar que o governo elimine freios e contrapesos legais por serem obstáculos à sua vontade? Não se pode.
ALEXANDRE HOMEM CRISTO     OBSERVADOR, 27 fev 2020
No contexto de uma democracia, há ameaças de um governo que arrastam implicações de tremenda gravidade. Uma delas é aquela que o ministro Pedro Nuno Santos lançou recentemente sobre quem se atrever a obstaculizar o projecto do aeroporto do Montijo. Perante a indisponibilidade de algumas câmaras municipais em dar parecer favorável ao projecto, assim inviabilizando-o, o governo está a preparar-se para alterar a lei e remover esse requisito do texto legal. Ou seja, para resolver um problema comum num processo negocial, o ministro propõe algo que deveria arrepiar qualquer democrata: eliminar freios e contrapesos da lei, aumentar os poderes de arbitrariedade do governo e passar por cima das câmaras municipais (e populações) que se opõem aos planos de obras públicas do governo. Ora, eu não sei avaliar tecnicamente se o projecto de aeroporto no Montijo é realmente a melhor opção para o país e para as populações locais. Mas sei isto: atropelar procedimentos democráticos desta forma é ultrapassar uma linha vermelha. E, independentemente da apreciação que se faça do projecto do aeroporto no Montijo, isto não pode ser aceitável.
Numa república liberal, como a portuguesa, o exercício do poder político está enquadrado por limites e travões. E, em 2007, foi exactamente isso que foi transposto (e bem) para a legislação. Quando então o governo (PS) fixou as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais, introduziu várias condições obrigatórias para a instalação e o funcionamento de aeroportos. São os chamados freios e contrapesos de um regime democrático. Não se poderia avançar sem parecer do INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil), sem parecer positivo da Força Área Portuguesa, sem parecer técnico positivo da autoridade competente no domínio da meteorologia. E, ainda, sem “parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados, quer por superfícies de desobstrução quer por razões ambientais”. Está tudo no decreto-lei 186/2007, de 10 de Maio, em particular nas várias alíneas do artigo 5.º. Pode dizer-se que o decreto-lei é exemplar do ponto de vista procedimental: a decisão de construir e explorar um aeroporto só pode ser tomada por um governo quando validada por diversas entidades técnicas e pelos concelhos afectados, prevenindo assim uma tomada de decisão arbitrária e que ponha em risco a segurança ou o bem-estar das populações.
A existência de freios e contrapesos torna o processo político mais exigente e difícil? Claro que sim. Aliás, o objectivo é mesmo esse, porque é assim que funcionam as democracias modernas: procura-se impedir decisões arbitrárias e impõe-se a validação das decisões que afectam tantos por diversas entidades e por órgãos de representação política. Haverá formas de executar decisões que são mais simples, céleres e eficazes? Claro que sim, mas são também muito menos democráticas. Por exemplo: se um governo puder decidir como quiser, mesmo em detrimento da segurança ou da vontade das populações, certamente que o processo será muito mais rápido – mas simultaneamente muito menos passível de escrutínio e muito mais prejudicial para as populações. Eis o que pretende o ministro Pedro Nuno Santos. E eis aquilo a que os partidos se devem opor com veemência.
Sim, é certo que o governo não precisa dos partidos para alterar um decreto-lei, que é da iniciativa do governo. Mas o parlamento tem a possibilidade de solicitar uma apreciação parlamentar do decreto-lei e, eventualmente, revogá-lo. Tudo indica que a apreciação parlamentar será uma realidade, na medida em que o PCP tenderá a proteger os seus autarcas nas câmaras municipais em conflito com o governo. Resta, portanto, saber o seguinte: quando essa apreciação parlamentar subir ao plenário da Assembleia da República, haverá votos suficientes para revogar o decreto-lei? Contas feitas, com a oposição assumida de PCP e BE ao governo apoiado pelo PS, o desempate dependia do PSD – que, felizmente, se pronunciou contra.
Haverá muitos aspectos técnicos e dúvidas a discutir sobre o projecto do aeroporto no Montijo. Mas, na hora actual, tudo isso é irrelevante: o dossier está convertido num caso de risco para o funcionamento da nossa democracia. Seja-se contra ou a favor do projecto, aprecie-se menos ou mais a necessidade de um novo aeroporto, nada disso importa. O que está agora em causa é apenas isto: pode-se tolerar que um governo elimine freios e contrapesos de um processo democrático porque estes representam obstáculos à sua vontade? Não se pode, porque os fins não justificam os meios.
COMENTÁRIOS
Victor Emanuel: Claro que pode!!! Quando dá jeito pode tudo... mas não é só PS, a quadrilha que anda aí é igual... Defender os inquilinos contra os proprietários mas podemos fazer o mesmo que eles, lutar pelo povo mas somos o partido mais rico de portugal e pretos, ciganos e homossexuais não entram na nossa festa, chamar de burros aos empresários quando eles próprios o são... esta foi a melhor de todas!!! Calma calma, a direita só muda de posição porque o cheirinho é o mesmo.......... se fosse estar a escrever toda a hipocrisia da burguesia que existe no adn do tuga, este comentário era interminável.... Cpts
francisco oliveira: Nesta bandalheira dominada pelas esquerdas, tudo o que é ilegal ou imoral pode tornar-se realidade sempre democrática!
Carlos Marques: Todos os dias o parlamento vota novas leis que alteram as anteriores. Se não fosse assim continuávamos a reger-nos pelo Antigo Testamento. se as novas leis são melhores ou piores que as anteriores já é outro filme.
Carlitos Sousa: Pedro Nuno Santos já tinha mostrado a sua verdadeira índole quando quis amedrontar os alemães com a bomba atómica e o não-pagamos. Agora com esta esperteza saloia de alterar uma Lei aprovada pelo PS, porque não lhe dá jeito, mostra mais uma vez o seu carácter de tiranete rastejante. Lembremo-nos que se o PS é mau com António Costa, pode ainda ser muito pior com este Pedro Nuno candidato ao lugar. Tão mau ou pior que Sócrates. O Partido Socialista tem este condão. Consegue colocar em primeiros ministros o que de pior encontra na política nacional.
António Coimbra: Alguma vez o PS agiu de maneira diferente? é o partido do "quem se mete com o PS leva" e eles sabem dar bem. Se queres ver um Vilão põe-lhe o poder nas mãos, é o PS no seu melhor
MaxMartins Martins: Esta posição do PS... É perfeitamente fascista e ditatorial...
Victor Guerra: A lei é que não está acima da má governação, para o PS
josé maria > Victor Guerra: PS e PSD unidos vencerão
José Monteiro > josé maria: Bloco Central sempre.
josé maria: pode-se tolerar que o governo elimine freios e contrapesos legais por serem obstáculos à sua vontade? Não se pode. É óbvio. Independentemente do facto de Alcochete ser ou não uma melhor alternativa a Montijo.
Paulo Guerra: Portugal e Lisboa já deviam ter partido para um novo aeroporto há muitos anos. De preferência no auge da crise – à new deal - com fundos europeus quando alguns ignorantes lhe chamavam megalomania. Nem havia nada mais estratégico para o futuro de Portugal que já chegou entretanto! O problema é que mais uma vez o traidor que desgovernou este país pôs nas mãos de um operador privado uma das decisões públicas mais estratégicas para o país. E mais uma vez por um punhado de trocos. Mais uma vez obrigado Massamolas e a sua seita de ignorantes que mandou as construtoras portuguesas trabalhar de borla em Angola. Claro que hoje os franceses querem o mais barato possível para continuar a encher os bolsos dos accionistas. Acontece que o mais barato possível só muito dificilmente coincide com a melhor decisão estratégica para o país. Como é outra vez o caso. Montijo não resolve nada nem para a TAP nem para Portugal. E para os outros resolve no máximo meia-dúzia de anos. É tempo de o Governo deixar de acompanhar de uma vez por todas o que é bom para um operador privado. Portugal não precisa só de um aeroporto para descongestionar a Portela no centro de Lisboa. Portugal precisa de um aeroporto para encerrar definitivamente a Portela a médio prazo. E claro que nesta óptica só Alcochete serve. Numa primeira fase com o que se vai gastar no Montijo também se resolve o problema das low cost em Alcochete. Com a possibilidade de resolvermos o problema total em fases subsequentes. Algo que nunca será possível no Montijo. Em suma, a crise financeira mundial podia e devia ter sido uma grande oportunidade para países como Portugal. Houvesse à época políticos capazes na UE e sobretudo em Portugal. Porque com as desculpas a posteriori do FMI e do Gaspar vivem os aldrabões como o Massamolas e a Marilu bem.
António Fernandes > Paulo Guerra: A carroça quanto mais vazia mais barulho faz !!!
Paulo Guerra > António Fernandes: Lamento. Mas a mim também me custa muito ver os centros de decisão todos lá fora. Já chegava a UE. Mas da UE também vêm muitas vantagens. Como ainda agora na luta contra o Corona Virus de que muitos cidadãos nem se apercebem. A política de privatizações nos últimos anos em Portugal foi simplesmente criminosa. E não falo das privatizações per si. Falo sobretudo de cabeças onde nunca na vida vai caber o planeamento estratégico de uma nação. Também não estudaram para isso, diga-se de passagem. Senão até eram capazes de perceber que a privatização das operações aeroportuárias já com a construção do novo aeroporto em cima da mesa era outro mundo. Que até poderia perfeitamente sair da parceria da construção para a qual não há fundos. Mas era com o novo aeroporto onde Portugal queria. E com muitas mais restrições às taxas no contrato de concessão, já agora. Nenhum país deve ser da Joana sob o risco de não ser um país. E para ver que isto não tem nada a ver com cores políticas dou o exemplo da actuação do Augusto Santos Silva nesta recente crise com a Venezuela, toda ela também perfeitamente evitável. Mais um mordomo que põe em risco um Milhão de portugueses por dá cá aquela palha. Já caíram ministros por muito menos. E a Administração Pública Portuguesa tem uma carreira maravilhosa de diplomatas com mundo. Porquê insistir em políticos? E nabos..
Alberto Carvalho > Paulo Guerra: Só lhe falta explicar o mais importante, como é que mantém os centros de decisão em PT, continuando a aumentar a dívida ou pedir € emprestado! Pode enganar os tolos com essa lógica da batata, mas insinuar que é possível violar as leis da física, é ser desonesto, manipulador! Não conheço "tesos", que pedem dinheiro aos outros e simultaneamente, decidem! Por outras palavras, "tesos" a mandar nos bolsos dos outros. Vá sonhando!
Paulo Guerra > Alberto Carvalho: Ainda há pouco tempo e depois da porcaria toda feita, recuperamos muita da decisão estratégica de uma companhia de bandeira. E o caro faz ideia da lista de privatizações que a anterior legislatura travou? A TINA foi desfeita há muito tempo. Com mais emprego e mais crescimento. E eu até deixei bem claro que nem queria discutir as privatizações criminosas mas os contratos de concessão.
Ru B3n: Desde quando alterar uma lei que não faz sentido é mau?
Elisa Fatoumata > Ru B3n: O conceito de estado de direito é-lhe estranho, pelos vistos.
Ru B3n > Elisa Fatoumata: Nada estranho meu amor... Tal como o recente caso da mulher que quer engravidar do marido que faleceu de cancro e que deixou claro em vida que era a sua vontade, mas que a lei actual não permite, como sabe querem mudar a lei para permitir que seja possível, e bem! Desde que seja para melhor... Mudar leis para ultrapassar obstáculos não é nada de mais, faz parte do estado de direito! Num estado de direito, a maioria escolhe. Neste caso um município apenas pode bloquear a escolha da maioria. Tem de ser mudada a lei, ponto!
Ricardo Oliveira > Ru B3n: Mudar uma lei desadequada é em sim normal. O que não é normal é mudar uma lei para resolver um caso particular - tal intenção é contrária ao estado de direito. Se fosse a si retirava a sua evocação de “meu amor” à leitora que comentou pois é uma forma gritante de assédio. Pode criticar opiniões. Pode até caricaturar as mesmas opiniões. Não pode coagir pessoas. 
Ru B3n > Ricardo Oliveira: A lei é desadequada, daí a necessidade de mudança! O assédio/coacção, ou neste caso a maldade, está nos olhos de quem vê! Devias seriamente consultar um psiquiatra...
Elisa Fatoumata > Ru B3n: Não me lembro de lhe dar essas liberdades.
Ru B3n: Desde que esteja em causa o superior interesse das pessoas, sim!
Ricardo Oliveira:O Triunfo dos Porcos” é o que é o governo do PS com o apoio da extrema-esquerda.
josé paulo c castro: O decreto-lei até pode estar bem, mas deviam exigir as autorizações locais antes de gastarem dinheiro em estudos ambientais e outros gastos. No mínimo, uma declaração dos autarcas (e outros) de que fazem depender a sua decisão desses estudos. Ou seja, a ordem das autorizações tem de ser definida de forma a não haver possibilidades de chantagens políticas ou exigências de última hora. Qualquer oposição incondicional tem de ser declarada ANTES do processo avançar. Assim, isto está feito para os consultores ganharem muito antes de a obra ser cancelada. E esta é a única alteração que a lei precisa.
Ru B3n > José Paulo C Castro: Nem mais!
Ricardo Oliveira > José Paulo C Castro: Essa das autarquias aprovarem antes dos estudos ambientais é uma ideia paladina hilariante. Quer que os autarcas decidam algo sem os dados necessários. Tal não seria uma decisão seria um jogo de dardos com olhos vendados. A democracia, embora o melhor sistema de governo que respeita a individualidade e a colectividade humana, é imperfeita e muito cara. Há sempre uma alternativa, que é os que acharem que têm razão decidirem tudo...oops isso é a ditadura, seja de esquerda ou de direita. 
José Paulo C Castro > Ricardo Oliveira: Não entendeu o que eu disse. Se a decisão dependesse de algo, tinham de dizer de quê. Dos estudos, por exemplo, mas depois aceitariam o resultado deles. Se a decisão fosse incondicional, também a tinham de dizer antes. Se queriam informação antes da decisão, que fizessem eles estudos e divulgassem os resultados e a decisão. Há um tempo certo para tudo. Não devia haver tempo para guardar dardos para o fim do jogo.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Tempo, também, de Cesário Verde



E o seu poema “NÓS”, poema dividido em 3 partes, formado por 128 estrofes, o maior poema de “O LIVRO DE CESÁRIO VERDE”: (I PARTE-12 estrofes em versos alexandrinos, II PARTE– 111 estrofes em vários andamentos, em decassílabos; III Parte – 5 estrofes conclusivas, retomando os alexandrinos, no equilíbrio e regularidade do seu “desenho de compasso e esquadro”, como ele próprio se define no poema “De Verão”). Consta a I parte de uma introdução sobre a fuga para a aldeia – no caso da família Verde – motivada pela peste que grassou em Lisboa: Um longo descritivo do desastre, integrado numa narração ao modo naturalista, a que não faltam outros indícios de uma originalidade bem acima do seu tempo, quer no requinte ou no familiar do vocabulário e da imagética, quer na peculiaridade de um relato sem mistificação dos dados do “real” e da “análise”. Mas nele não se impõe, naturalmente, uma configuração de conceito filosófico desmascarador de um sentido de revolta contra o absurdo que preside ao destino humano, como em Camus, conquanto nas duas partes finais, a par do descritivo eloquente da produção agrícola, no campo para onde partiram, um sentimento de profunda revolta se manifeste contra a tragédia da morte por doença de um irmão e uma irmã amados. Mas revivamos essa primeira parte do poema, com o descritivo poderoso da peste citadina causadora de inúmeras mortes, que pôs em debandada toda uma população “com um terror de lebre”, a par dos cortejos fúnebres desse horror pestífero, desertificador, por contraste com a vitalidade da natureza fertilizada. Em Oran, a cidade ficaria de quarentena, fechada à comunicação exterior, e destacando a modificação dos comportamentos humanos, nos seus egoísmos ou altruísmos, nas suas perversões, no desamparo de uma solidão sem sentido, como um espelho do absurdo da vida humana de antemão condenada.
Leiamos o magnífico texto de Manuel Loff, com as suas referências a “A Peste” de Albert Camus e as extrapolações para o que se passa hoje na hipótese de uma pandemia trazida pelo “corona vírus” que os órgãos de comunicação, provavelmente amparados pelos órgãos de produção e outros mais, vão destacando um tanto sadicamente.
Mas leiamos também Cesário Verde, não só para confronto temporal dum modo geral demarcador, mas para diversão espiritual. Em tempo de peste universal, que leva ao encerramento e desertificação de espaços, mas a iguais provas de solidariedade humana, sobretudo nos encarregados de tratar os doentes.
NÓS (I)
Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E o Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.

Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas
(Até então nós só tivéramos sarampo),
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!

Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.

Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.

Pela manhã, em vez dos trens dos batizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na city, que desterros!

Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejeções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!

Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons de inferno outros arruamentos.

Porém, lá fora, à solta, exageradamente,
Enquanto acontecia essa calamidade,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!

Num ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma universal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.

Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.

Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!

E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de maio aos frios de novembro!

OPINIÃO
A peste
Relida hoje, A peste é uma terrível lição do modelo de sociedade em que vivemos, em que nos tornámos, submetidos a golfadas cada mais globalizadas de medo, uma desinformação catastrofista que toma conta não só das redes sociais, como aparece disfarçada de “informação responsável” nos media ditos convencionais.
PÚBLICO, 27 de Fevereiro de 2020
Oran, Argélia francesa, anos 40. Foi onde Albert Camus situou a sua narrativa sobre os efeitos que uma epidemia tem no comportamento colectivo. [Agradeço à Maria Abreu Pinto aconselhar-me a novela.] No dia em que o número de vítimas mortais atingiu a trintena, as autoridades decidem “declarar o estado de peste” por tempo indeterminado e fechar a cidade: ninguém pode entrar, ninguém pode sair. “A partir desse momento”, conta o narrador, “pode-se dizer que a peste foi um problema de todos nós. Até então, apesar da surpresa e inquietação (...), cada um dos nossos concidadãos tinha mantido a sua atividade como podia. (...) Mas, uma vez fechadas as portas, todos nos apercebemos termos sido apanhados no mesmo saco”. “A primeira coisa que a peste trouxe aos nossos concidadãos foi o exílio” — o dos que, antes do bloqueio da cidade, haviam podido sair, e o exílio interior de quem ficara, “reduzidos à nossa condição de prisioneiros, ao nosso passado, e se mesmo alguns de nós se sentissem tentados a viver no futuro, rapidamente desistiriam, tanto quanto lhes era possível, ao sentir as feridas que a imaginação inflige àqueles que nela confiam”.
Relida hoje, A peste é uma terrível lição do modelo de sociedade em que vivemos, em que nos tornámos, submetidos a golfadas cada mais globalizadas de medo, uma desinformação catastrofista que toma conta não só das redes sociais, como aparece disfarçada de “informação responsável” nos media ditos convencionais. “Os media há muito exploram [a nossa perceção das ameaças] para captar a nossa atenção. (...) Em âmbitos como a política ou a saúde, a desinformação é particularmente nefasta porque nos pode levar a tomar decisões contrárias aos nossos próprios interesses sem ter conciência disso”, como lembra Ferran Lalueza (Universidade Aberta da Catalunha, Público.es, 25.2.2020).
Tudo quanto sabemos do contágio do coronavírus (processos, rapidez, efeitos) já o sabíamos há muito do banal vírus da gripe; ambos têm um grau de letalidade semelhante, muito inferior ao de epidemias anteriores (gripe A, das aves) com cujo alarme já então injustificado parece que não aprendemos nada. Doença originada num Oriente recorrentemente visto como fonte de ameaça (a China-das-doenças, como o Islão-do-terrorismo), ela tem-nos contagiado a todos da mesma paranóia descrita pelos cronistas do século XIV, ou do XVI, ou de tantos momentos da história anterior aos sistemas públicos de saúde, cheias de uma crueldade que tende a propagar-se muito mais célere que a solidariedade humana. Depois de vermos as aterradoras medidas de contenção social que o governo chinês tomou em regiões inteiras, cidadãos ucranianos repatriados da China apedrejados em protesto contra o seu regresso, chineses maltratados em cidades italianas, sujeitas, por sua vez, mal os primeiros casos se detetaram, a esquemas (frequentemente improvisados pelas autoridades locais contra o parecer das autoridades sanitárias) de controlo policial dos acessos, supermercados esvaziados, cancelamento de manifestações (culturais, desportivas, políticas) e transportes, escolas e fronteiras fechadas — as da Rússia com a China, da Áustria com a Itália, dentro de horas provavelmente de todas dentro da UE... Ontem, a ponderada directora-geral de Saúde, Graça Freitas, conseguiu ainda duvidar da utilidade de “medidas desta natureza [que] só devem ser tomadas se trouxerem benefício efetivo para a saúde pública” (Antena 1, 26.2.2020); ao primeiro viajante que se confirme ter trazido de fora a doença, pedirão a cabeça dela...
Até parece que acabámos de descobrir os vírus e as suas formas habituais de contágio! De que serve fechar fronteiras, exigir que se mostrem passaportes, encostar um termómetro a uma testa de um qualquer de nós assintomático? De alguma coisa serve. Serve para continuar a alimentar esta cultura do medo colectivo que tem alastrado desde o 11 de Setembro. O medo, sabemo-lo há muito, “é um indicador de poder (...) uma emoção essencial na arte de governar”. O que agora se faz é “tentar despolitizá-lo”, como se ele não fosse uma forma de “enquadramento que retira responsabilidades e que pode chegar a aniquilar”, cumprindo o velho “lema de todos os dirigentes na história do mundo: fazer temer, em vez de fazer crer — sem nunca fazer compreender” (P. Boucheron, C. Robin, R. Payre, ce qui se joue à Oran se joue aussi au quotidien dans nos propres existences, il s'agit d'un miroir de notre propre condition humaine absurde.L'exercice de la peur, 2015).
Não surpreende que estes sejam tempos de racismo e de neofascismo.
Historiador
COMENTÁRIOS:
José Cruz Magalhaes: Uma oportuna evocação do livro de A. Camus,que permite ao autor do texto discorrer acerca do aumento,mais ou menos generalizado do pânico,depois do medo e, em igual medida,sem ponderação. As pestes perduram no imaginário das populações dos países europeus,desde sempre e não há ninguém que não tenha lido ou ouvido relatos de familiares das mortes provocadas pela pneumónica,há cem anos.O que é novo e actual é que a mensagem, hoje,é largamente ultrapassada pela velocidade e insistência informativa dos mensageiros, quer sejam profissionais, quer façam parte deste mundo de aprendizes de mensageiros e feiticeiros em que todos nós nos tornámos.
Carlos Brígida: Razão teve a polícia chinesa em sancionar o médico que alertou para o novo vírus. Não fosse ele e outros terem criado alarme e tudo estaria bem. Gripes há todos os anos! A peste negra que matou cerca de um terço da população europeia no século XIV, que tb criou alarme, e que tb teve origem no Oriente, também deve ter sido resultado do nosso modelo de sociedade. Manuel Loff não refere conspirações, mas o que escreve fica lá muito próximo . Tão assertivo que é na análise,só é pena não o ser também na proposição do que fazer.
Caetano Brandão: Muito bem, uma pedrada no charco deste folclore mediático a que a população acrítica dança ao seu sabor... Parabéns- Lê-lo é sempre um convite à reflexão.
smiliuss: Serei só eu que acho estranho os media fazerem notícia de casos suspeitos? a noticia não deveria ser de casos positivos? Assim de repente parece-me que qualquer pessoa que esteja com gripe pode ser um caso suspeito, ou não? Sinto verdadeira vergonha alheia com estas parangonas nos noticiários...
Joao: Hoje não concordo com o Manuel. Reconheço que escreve com boa intenção mas não realisticamente. Nunca há "razão" para o pânico, nem "motivo", o pânico chega a ser pior que a doença ou a guerra. O pânico evita-se e combate-se, com seriedade e com acções que mostrem de forma clara e inequívoca às pessoas que quem manda e tem poder está a pensar nas pessoas e que está a fazer tudo para o bem comum. Não é com rezas ou procissões, é com acções e com a verdade.
António Pais Vieira: Como habitualmente, Loff mostra-se mal preparado e pouco lógico. Se tudo isto é uma cabala do ocidente contra um "Oriente recorrentemente visto como fonte de ameaça" por que motivo é a própria China a criar todas aquelas limitações? Nao há nada como ler os livros com atenção, em vez de só as Cliff Notes. E curioso ter ostensivamente copiado ideias do Orientalismo de Edward Said sem nunca se ter referido a ele.
viana: Uma taxa de mortalidade de 2% é semelhante à taxa de mortalidade normal (por todas as causas). Ou seja, se não houvesse qualquer tentativa de combate à doença, a taxa de mortalidade toral duplicaria aproximadamente. As medidas de limitação da propagação do vírus não o vão fazer desaparecer, mas servem para: impedir o colapso total do sistema de saúde; ganhar tempo para o desenvolvimento de medicamentos e/ou vacinas, permitindo ainda que a chegada do tempo mais quente ao hemisfério norte limite naturalmente a propagação e severidade dos sintomas. Caro Manuel Loff, De acordo com a mensagem genérica que pretende passar. No entanto, não está correcto afirmar que "(...)já o sabíamos há muito do banal vírus da gripe; ambos têm um grau de letalidade semelhante, muito inferior ao de epidemias anteriores (...)". O covid-19 aparenta ter uma mortalidade associada à volta de 2% (isto é 2 em cada 100 pessoas infectadas morrem), o que é muito superior à taxa da gripe normal, apenas 0.1%. É no entanto verdade que o covid-19 tem uma mortalidade associada muito inferior ao vírus H5N1 (gripe das aves, 2007), da ordem de 50%, e do vírus SARS (2003), cerca de 10%.
Sara Vieira: Há vacina para a gripe. A taxa de mortalidade do CV 19 é desconhecida. Está estimada em cerca de 2 pc agora (n° mortes hoje/ n° de casos hoje). Pode estar subestimada pq a doença demora vários dias até à morte, logo o n° de casos confirmados deveria ser o do dia correspondente à data de infecção. Pode estar sobrestimado pq há casos com sintomas leves ou assintomáticos q não estão contabilizados. Fechar as fronteiras não é solução mas pedir às pessoas para cancelarem viagens não essenciais pode ser. Por último, dado que há contágio na ausência de sintomas, testar pessoas que apareçam com sintomas graves de infecção respiratória viral é boa ideia. Com os poucos testes que foram realizados não tenho confiança na declaração que não há contágio em Portugal.