quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

As solas

Falámos da Nau Catrineta a propósito
Da crise que atravessamos, e das solas de molho
Que os navegantes tiveram que pôr
Para poderem no outro dia comer
Ao jantar,
Quando andavam a navegar.
A minha amiga achava
Que teremos que as pôr de molho
Novamente,
Por causa do Presidente
Andar a dizer agora
Que bem tinha o Governo avisado
De que este andava desencaminhado
- Embora não fosse propriamente
Um descamisado -
Mas nunca avisara o país desse facto
Por, de imediato,
Lhe convir a si ficar no posto ambicionado
Sem se mostrar contra ele
Demasiado contrariado.
Eu concordei
Com essa das falsidades
E espertezas do Presidente,
Mas achei
Que solas, se tivermos que de molho as pôr,
Embora mais duras de roer,
Já só as de plástico poderemos meter,
Por serem mais raras hoje em dia
As dos cabedais nacionais
Por falta de bois.
Mas achei muita graça à ideia das solas de molho
Que devemos ter colhido no Esopo
Na sua fábula “As cadelas esfaimadas”
Umas que, como nós, preocupadas
Pela sua sobrevivência,
Se tramaram
Quando tentaram,
Com muito esforço e pouca inteligência,
Alcançar as solas
A beber água, e assim morreram
Arrebentadas.
Vejamos o que diz Esopo
Sobre as solas de molho
Que o esbelto Garrett usou,
Com comiseração,
Na Nau Catrineta da nossa tradição:

«Umas cadelas esfomeadas
Tinham notado uns cabedais
Postos a curtir num ribeiro
Por conta dum sapateiro,
Mas bem fora do seu alcance,
O que as motivara para,
Antes de lá chegarem,
Irem beber primeiro
Toda a água do ribeiro.
Mas tanta água emborcaram,
Que rebentaram
Antes de os cabedais
Alcançarem.
Acontece assim também
Às pessoas que, para um proveito
Que achem do seu preceito,
Se arriscam a perder a vida
Numa excessiva lida,
Antes de terem satisfeito
A sua ânsia, mais ou menos atrevida.»

Mas a minha amiga notou
- No que eu concordei,
Pois em discordância raramente sou -
Que estamos de tal modo habituados
A meter água,
Por mal dos nossos pecados,
Que jamais rebentaríamos
Ainda que tivéssemos
Que nos esforçar
Por conquistar
Os cabedais especiais
Das nossas lides tradicionais.
As normais.

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