segunda-feira, 29 de abril de 2024

Erros


Há muitos. Vilezas também, agregadas a poderio, na roda gigantesca do tempo e do mundo.

Vyacheslav Molotov (à direita), ministro soviético dos Negócios Estrangeiros, e Joachim von Ribbentrop (à esquerda), o homólogo alemão, na assinatura do pacto de não-agressão, com Estaline ao centro, em Moscovo, a 23 de agosto de 1939 CORBIS VIA GETTY IMAGES

O erro de Estaline que moldou o desfecho da guerra e o futuro da Europa

Como o pacto entre a União Soviética e a Alemanha Nazi teve consequências monumentais — este é um excerto do livro "Decisões Fatais", do historiador Ian Kershaw, do qual fazemos a pré-publicação.

TEXTO

OBSERVADOR, 28 abr. 2024, 19:385

Foi originalmente publicado em 2007, mas surge agora numa edição portuguesa, com carimbo da D. Quixote. Trata-se deDecisões Fatais”, livro de Ian Kershaw (historiador, professor e escritor britânico que estás prestes a cumprir 81 anos, um dos nomes fundamentais da historiografia do século XX) que tem no subtítulo a explicação sumária e necessária para que entendamos ao que vem: “Dez decisões que mudaram o mundo 1940-1941”.

Estamos em plena II Guerra Mundial. Na Europa, a Alemanha Nazi e forças associadas ameaçam tomar conta de todo o continente, através da eficácia de uma guerra relâmpago aparentemente imparável (à parte a resistência britânica). No Pacífico, o Japão segue uma política bélica que ainda está por revelar todas as intenções e capacidades. Entre estes dois anos, 1940 e 41, definem-se os rumos e as estratégias, as vitórias e as derrotas futuras, tudo com base — crê o autor — em, dez decisões fundamentais.

É uma destas dez decisões que aqui recordamos neste excerto do capítulo VI: Estaline decide confiar em Hitler. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da União Soviética assinam um pacto de não agressão em 1939. Mas quais as razões? E quais as consequências, manifestadas daí a muito pouco tempo? O livro chega às livrarias a 30 de maio.

A capa de "Decisões Fatais: Dez Decisões que Mudaram o Mundo 1940-1941", de Ian Kershaw, na edição portuguesa da D. Quixote (o livro é publicado a 30 de abril)

A escala da catástrofe não tinha precedente histórico. E ela seguira-se ao que ainda hoje se destaca como um dos mais extraordinários erros de cálculo de todos os tempos. Estaline tirara repetidamente conclusões erradas sobre as intenções alemãs, e fê-lo até à própria véspera da invasão. As tentativas de satisfazer as exigências económicas alemãs persistiram até ao fim. Os alertas vindos de todos os lados foram ignorados. Os que tentavam avançar argumentos em contrário eram tratados com desprezo. Estaline insistia: sabia como Hitler pensava. O ditador alemão atacaria; mas não já. A grande prioridade de Hitler, assegurava ele, era a exploração económica da URSS. A insistência no apaziguamento económico assentava neste desastroso mal-entendido. Com assuntos por resolver a ocidente, a prioridade inicial de Hitler seria a submissão soviética, e não a guerra total. Isto seria benéfico para a problemática economia alemã, e colocaria mais pressão a ocidente. Entretanto, o rearmamento soviético continuaria a um ritmo furioso. Se houvesse negociações de paz, a União Soviética teria de participar, e em posição de força. Mesmo enquanto os sinais de perigo aumentavam, Estaline continuou confiante em que conseguiria adiar o conflito para além da primavera e do verão de 1941; nessa altura, seria tarde demais para uma invasão. E em 1942, a União Soviética estaria pronta para Hitler. Era esta, mais ou menos, a linha de raciocínio de Estaline. A convicção de que tinha razão, e de que todas as advertências em contrário eram desinformação ou leituras desgraçadamente erróneas da situação, tornou-se cada vez mais firme. A combinação de medo, subserviência e admiração que caracterizava a autocracia do ditador soviético traduzia-se em que dificilmente se poderia propor alternativas sérias, e muito menos adoptá-las. Mas que alternativas poderiam ter sido essas? Que opções havia para evitar a calamidade?

Molotov, que foi o braço-direito de Estaline o tempo todo, defendeu insistentemente que todos os erros cometidos eram inevitáveis. Khrushchev, ao contrário, criticou os erros de cálculo e de liderança de Estaline no seu ataque ao ditador falecido, em 1956, atribuindo-os a acções arbitrárias de um só homem que acumulara poder absoluto. Esta forte personalização da responsabilidade era muito conveniente para ilibar aqueles que – sem exclusão do próprio Khrushchev – tinham aplaudido Estaline e apoiado as suas políticas. Também servia para passar uma esponja sobre muitas das chefias militares – cujas insuficiências não podem, porém, ser atribuídas inteiramente a Estaline. Estudos mais recentes vêm confirmando esta asserção. Ainda assim, o veredicto condenatório de Khrushchev continua a merecer grande acolhimento. Raramente se analisa que opções realistas tinha Estaline perante si. E, no entanto, uma autoridade proeminente, que submeteu os factos a um escrutínio meticuloso, concluiu que “o falhanço de Estaline na preparação para a ofensiva alemã reflecte em primeira instância as opções políticas pouco apetecíveis que a União Soviética defrontava antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial”, e acrescentando que “mesmo em retrospectiva, é difícil vislumbrar alternativas que poderia Estaline ter explorado com segurança”.

O que parece evidente é que, quaisquer que fossem as opções que Estaline pudesse ter tido, elas reduziram-se acentuadamente com o tempo. As decisões iniciais, e o raciocínio que a elas presidia, tinham-se traduzido necessariamente em que na véspera da invasão alemã o seu espaço de manobra se tivesse reduzido grandemente. Mas alguns anos antes disso, Estaline tivera as mãos relativamente livres. E foi então que cometeu um erro catastrófico que limitou as opções futuras.

Em 1939, com a guerra a espreitar a Europa, Estaline via-se perante uma segunda e altamente indesejável opção. Deveria aliar-se com as democracias ocidentais, em relação às quais nutria profunda desconfiança, ou com a Alemanha nazi, o arqui-inimigo ideológico? Isto viria a transformar-se, na realidade, numa decisão fatal.

Sem qualquer pressão externa, instigou, em 1937, e como vimos antes, a destruição das chefias do Exército, com consequências incomensuravelmente prejudiciais para a reconstrução de uma força militar profissionalizada capaz de opor-se ao perigo rapidamente crescente da Alemanha de Hitler. Para além dos fantasmas nas mentes de Estaline e seus acólitos, as purgas carecem de qualquer justificação racional. Eram absolutamente desnecessárias. Estaline não estava obrigado a realizar as purgas; foi ele que escolheu essa opção. Mas elas não causaram apenas danos incalculáveis à futura construção do poderio militar soviético; também instilaram em Hitler e nos seus conselheiros a ideia indelével da fraqueza do Exército Vermelho. Para Hitler, essa própria fraqueza era um convite a atacar antes que pudesse ser reconstruída uma poderosa máquina militar. Aos olhos de Hitler, portanto, as purgas de Estaline abriram uma oportunidade. Achava que Estaline devia estar louco. Já em 1937 comentara que “A Rússia não conhece nada senão o bolchevismo. É esse o perigo que havemos de ter de derrubar em algum momento”. Ao escolher destruir as chefias do seu Exército, Estaline removeu o que poderia ter sido a mais importante espinha dorsal de poderio em data posterior, quando a crise eclodiu. Em 1940 e 1941 foi feito um esforço enorme num programa apressado de rearmamento e militarização, mas já se perdera demasiado terreno, e o programa não podia ser concluído antes de a ameaça alemã se tornar assoberbante. O facto de Estaline ter deixado a si próprio um espaço militar de manobra demasiado estreito é atribuível em larga medida, portanto, à escolha que fez em 1937-8 de minar a sua própria capacidade militar. E isto na exacta altura em que a Europa era abalada pela incorporação alemã da Áustria e de grande parte da Checoslováquia, com a cumplicidade das pusilânimes democracias ocidentais.

Em 1939, com a guerra a espreitar a Europa, Estaline via-se perante uma segunda e altamente indesejável opção. Deveria aliar-se com as democracias ocidentais, em relação às quais nutria profunda desconfiança, ou com a Alemanha nazi, o arqui-inimigo ideológico? Isto viria a transformar-se, na realidade, numa decisão fatal. Já analisámos o raciocínio plausível que levou Estaline, em agosto de 1939, a optar por um pacto com Hitler. Grã-Bretanha e França tinham demonstrado pouca apetência para uma aliança com a União Soviética. Estaline e outros líderes soviéticos consideravam que as motivações ocidentais eram pouco menos cínicas do que as de Hitler. Ao menos o pacto com a Alemanha proporcionaria algum espaço para respirar. E salvaguardava a perspectiva de a Alemanha e as potências ocidentais se guerrearem até um impasse, para benefício último da União Soviética.

Em 1939, com a guerra a espreitar a Europa, Estaline via-se perante uma segunda e altamente indesejável opção UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY

Que consequências teriam resultado da improvável junção de forças com o Ocidente só pode ser matéria de especulação contra factual. A ofensiva de Hitler contra a Polónia teria sido mais arriscada nessa eventualidade. E as altas esferas na Alemanha, receosas das consequências do envolvimento numa guerra europeia generalizada contra inimigos poderosos, ver-se-iam fortalecidas. Hitler adiou a mobilização contra a Polónia uma vez, à última hora, e poderia ter sido ainda dissuadido caso se visse perante uma tripla aliança de URSS e potências ocidentais, uma reedição da aliança antigermânica de 1914.

Mas também poderia ter avançado de qualquer forma e invadido a Polónia. Em tais circunstâncias, a União Soviética também se teria abstido muito provavelmente de entrar em conflito directo, mas teria visto nessa Alemanha de após a vitória na Polónia não um aliado, mas um inimigo às portas do país. Talvez então a ofensiva alemã contra a União Soviética tivesse ocorrido mais cedo do que realmente aconteceu. Por outro lado, a grande ofensiva ocidental de Hitler na primavera de 1940 (que abalou seriamente os cálculos de Estaline) teria sido bem mais arriscada com uma União Soviética hostil posicionada a leste. Quem sabe qual teria sido o resultado? Mas o jogo de adivinhação é fútil. As variáveis da equação são simplesmente demasiadas para que a especulação possa ser frutífera.

O que parece, de facto, evidente, porém, é que Estaline estava demasiado cego pelos seus preconceitos ideológicos para permitir que a União Soviética desempenhasse mais do que um papel passivo nas conversações com o Ocidente no verão de 1939. Dava-se seguramente o caso de Grã-Bretanha e França pouco fazerem durante esses meses para viabilizarem a “grande aliança” que poderia ter sido a derradeira esperança de travar Hitler. Pouco interesse tinham em juntar forças com a União Soviética, que detestavam e de que suspeitavam. As negociações realizadas enquanto a guerra se aproximava foram previsivelmente morosas. Mas a União Soviética também estava encerrada na passividade. Uma diplomacia mais urgente e determinada da parte de Estaline poderia realisticamente ter aberto caminho, apesar das hesitações britânicas e francesas, para uma nova tripla aliança com o Ocidente. No mínimo, teria dado a Hitler e às elites de poder alemãs motivo para pensar. No entanto, Estaline contentou-se em deixar as negociações com as democracias ocidentais arrastar-se enquanto as nuvens de guerra se acastelavam ameaçadoramente. O resultado foi que essa inacção de parte dos soviéticos, e não apenas de parte dos ocidentais, acabou por empurrar a decisão para aquilo que fazia mais sentido em termos da segurança da URSS nesse momento: o pacto com a Alemanha de Hitler.

Estaline viu nesse pacto um grande golpe diplomático soviético. Mas, na prática, ele funcionava mais em benefício da Alemanha do que da União Soviética. É verdade que a URSS pôde alargar as suas fronteiras defensivas para oeste mediante ganhos territoriais. E a eliminação da ameaça imediata da Alemanha conseguia tempo para reconstruir o Exército Vermelho e preparar as defesas. Obviamente, porém, o tempo foi insuficiente. A reconstrução foi lacunar e inadequada. E também os alemães ganharam tempo para se aprontarem, não apenas militarmente, mas também em termos de peso diplomático. Durante o ano de 1940, depois de a vitória alemã sobre a França ter alterado completamente o equilíbrio de poder na Europa, Hitler pôde exercer influência sempre crescente sobre os países da bacia do Danúbio. O domínio alemão na Roménia, em particular, e as vãs tentativas de Estaline e Molotov para evitar que os Balcãs, a Norte, e a Finlândia caíssem na órbita alemã, levaram a esse acréscimo de tensões tão visíveis aquando da visita de Molotov a Berlim em novembro de 1940. A aventura de Mussolini nos Balcãs tinha, entretanto, agravado ainda mais a desestabilização da região. E na primavera seguinte, a intervenção alemã na Jugoslávia e na Grécia afastou a derradeira esperança de influência soviética no Sudeste da Europa (além de ter contribuído para ocultar a “Operação Barbarossa”, pois deixara de fazer grande sentido para Estaline que Hitler atacasse a leste nesse mesmo ano, imediatamente depois das suas conquistas nos Balcãs). A União Soviética ficava agora completamente isolada. A Turquia, portal de acesso ao mar Negro, mantinha-se neutral, embora numa posição relativamente favorável à Grã-Bretanha. A oeste, por outro lado, a URSS estava mais ou menos cercada por países sob influência alemã. O pacto tinha proporcionado à União Soviética vantagens de curto prazo, mas enquanto ele vigorou, a ameaça alemã aumentara grandemente. Que Estaline tenha feito a melhor escolha em 1939 pode, portanto, ser justamente questionado.

Entre agosto de 1939 e junho de 1941, a política de Estaline consistiu, como vimos, em rearmar-se consistentemente e a toda a velocidade, do mesmo passo que apaziguava tanto quanto possível a Alemanha. Não era tão ingénuo que acreditasse que o conflito com a Alemanha fosse evitável. Tinha lido e meditado sobre as passagens de Mein Kampf que defendiam a conquista de “espaço vital” a leste. Mas julgava que poderia adiar o confronto até 1942, e acreditava que conseguia “ler” as intenções de Hitler: submeter politicamente a União Soviética até chegar a um entendimento com a Grã-Bretanha, e só depois virar a agressão para leste. Estaline julgava que Hitler agiria com a mesma racionalidade fria e brutal de que ele próprio seria capaz. Na certeza de que Hitler emitiria um ultimato antes de qualquer ofensiva (um logro alemão que Estaline engoliu), sentia-se confiante em que conseguiria ganhar tempo. Entretanto, era preciso evitar a menor provocação. Isto era duplamente importante, do ponto de vista de Estaline, já que a União Soviética continuava perante uma outra ameaça, ainda que menor – a do Japão, no lado oriental. Mas isso tornou-o excessivamente prudente. Haveria alguma alternativa a esta política?

Estaline julgava que Hitler agiria com a mesma racionalidade fria e brutal de que ele próprio seria capaz e estava certo de que Hitler emitiria um ultimato antes de qualquer ofensiva GETTY IMAGES

A política de Estaline de evitar a guerra a todo o custo foi for temente criticada, muitos anos mais tarde, pelo marechal Alexandre Mikhailovich Vasilevsky, vice-chefe da administração operacional do Estado-Maior-General em 1941, e de 1942 a 1945 chefe do Estado-Maior-General e comissário-adjunto para a Defesa. Vasilevsky defendeu que:

Estaline não vislumbrou o limite para além do qual essa linha se tornava, não só desnecessária, como perigosa. Esse limite deveria ter sido corretamente identificado, e as forças armadas conduzidas a prontidão de combate com a máxima velocidade possível, a mobilização acelerada, e todo o país convertido num campo de batalha. Enquanto procurava adiar o conflito armado, deveria ter sido empreendido e completado mais cedo todo o trabalho clandestino possível. Havia indícios mais do que suficientes de que a Alemanha planeava uma ofensiva militar contra o nosso país (…) Tínhamos chegado, devido a circunstâncias fora do nosso controlo, ao Rubicão da guerra, e era necessária a determinação de dar um passo em frente.

O rearmamento e a militarização estavam, na realidade e como vimos, em curso e a um ritmo frenético durante 1940 e 1941. Mas Vasilevsky era perentório em que deveria ter sido feito mais: mobilização precoce e total das forças armadas para prontidão de combate. O corolário desta afirmação é que a política de não-provocação ter-se-ia tornado altamente perigosa, e que a mobilização total deveria ter sido feita nessa altura. Era necessário aceitar o risco de a ofensiva alemã surgir mais cedo, mas teria valido a pena correr tal risco. Como os conselheiros de Estaline bem sabiam, o momento mais precoce em que os alemães poderiam ter invadido era, afinal, aquele em que invadiram, a primavera de 1941. O pior que a “provocação” poderia ter conseguido era, por outras palavras, exatamente o que aconteceu de qualquer forma (e apesar de Estaline ter querido evitar aquilo que durante muito tempo pensou ser, não necessariamente guerra total, mas uma iniciativa limitada dos alemães visando a conquista de territórios fronteiriços e maior dependência económica).

A responsabilidade dos erros cabe a um sistema de governação altamente personalizado. "Estaline era a maior autoridade para todos nós, e nunca ocorreu a ninguém questionar a sua opinião e avaliação da situação", comentaria Zhukov mais tarde.

Sabiam, além disso, que no verão de 1940 os líderes japoneses tinham optado pelo avanço para sul. Uma ofensiva japonesa vinda de oriente era, portanto, uma hipótese praticamente posta de parte. Em vez de permitir que os alemães se reforçassem sem contestação ao longo de tantos meses, é, portanto, provável que uma exibição dissuasora tivesse sido bem-sucedida no adiamento da ofensiva para além dos preciosos meses do verão de 1941. Acresce que a proclamação de poderio soviético teria contrariado a imagem de debilidade do Exército Vermelho prevalecente na liderança alemã. Ao invés, Estaline, petrificado com a ideia de proporcionar o menor pretexto, permitiu frequentes voos de reconhecimento, que fotografaram em pormenor as instalações militares e o posicionamento das tropas soviéticas, indícios que “confirmavam a impressão de que a Wehrmacht irromperia através das fileiras do Exército Vermelho”. Estaline encontrava-se, sem dúvida, numa posição nada invejável. Mas a escolha da não-provocação em relação à dissuasão foi outra decisão fatal.

Em junho de 1941, já as opções se tinham reduzido drasticamente. Zhukov reconheceria mais tarde que tinha sido correcta a rejeição por Estaline do plano de 15 de maio de 1941 de uma ofensiva preventiva. Seguir esse plano seria arriscar um desastre ainda pior. Naquelas circunstâncias, as defesas fronteiriças estavam demasiado dispersas, as divisões mal destacadas, e as fortificações inacabadas. Para agravar o problema, o planeamento militar de 1940 e 1941 previra que a principal frente de ataque alemã viesse do Sul da Polónia, pelo sul dos pântanos de Pripiat. E era aí que estava concentrado o grosso das forças soviéticas em junho de 1941. Mas, inteiramente ao contrário do que o comando do Exército Vermelho previra, o ímpeto esmagador alemão, quando chegou, veio pela área central da frente, a norte dos pântanos de Pripiat, na direção de Minsk, Smolensk e Moscovo. Colectivamente, e depois com a concordância de Estaline, as chefias militares soviéticas optaram desastrosamente pela opção errada.

Os tanques russos movimentação para a frente da batalha contra o exército nazi, em junho de 1941

Em última análise, a responsabilidade dos erros cabe a um sistema de governação altamente personalizado. “Estaline era a maior autoridade para todos nós, e nunca ocorreu a ninguém questionar a sua opinião e avaliação da situação”, comentaria Zhukov mais tarde. Num clima de medo e bajulação, onde as fobias paranoicas, o sentimento de infalibilidade, os limitados conhecimentos militares e a imprevisibilidade implacável de um único indivíduo se haviam tornado elementos estruturais do sistema soviético, não podia haver emenda para as preferências de Estaline. A reverência era endémica a todos os níveis. O Politburo era seguidista. Os militares não eram, em geral, muito diferentes, e quem quer que colocasse reservas era repreendido e submetido.

A recusa do ditador soviético de aceder às reivindicações das chefias militares, ainda uma semana antes da invasão, de que fossem colocadas tropas em prontidão em melhores posições defensivas é sintomática de um sistema de que a racionalidade fora excluída.

As obscenidades desesperadas proferidas dias antes da invasão são fáceis de compreender. Reflectiam o sentimento de que a liderança soviética, colectivamente, e ele, pessoalmente, tinham feito um erro de cálculo calamitoso. Feitas as contas, e independentemente de todos os equívocos e ilusões pessoais, as suas opções poderiam ser resumidas a uma escolha simples: deveria fazer tudo o que fosse imaginável para preparar a União Soviética para uma guerra com a Alemanha (possibilidade objectivamente impossível de afastar), ou persistir na crença (e nos riscos correspondentes) de que o conflito podia ser adiado até 1942? Ou, colocando a questão de outra forma, preferia Estaline trabalhar na base de um cenário de “melhor-caso ou pior-caso”. A resposta é óbvia. Era, realmente, uma decisão fatal. E, no entanto, o caminho para essa decisão tinha sido tudo menos a direito. Mesmo a esta distância, é impossível ter uma certeza sobre qual teria sido a viragem mais proveitosa nas encruzilhadas decisivas. O que podemos ver claramente é que as decisões que Estaline tomou convidavam ao desastre. Já a espantosa recuperação desse desastre é outra história diferente.

LIVROS   LITERATURA   CULTURA   HISTÓRIA   II GUERRA MUNDIAL

COMENTÁRIOS (de 5):

José Ramos > Manuel Gonçalves: Não é preciso ser "admirador de Ventura", basta ser interessado por História. Neste caso, como se trata de erros de Stalin, poder-se-ia dizer que seria moldado para "admiradores de Raimundo". Em boa verdade, comparar Ventura e Raimundo com Hitler e Stalin só pode advir de mentes um bocado perturbadas. João Eduardo Gata: Comunismo = Fascismo e Estalinismo = Nazismo. Tudo a mesma perversidade, violência, criminalidade, ilegalidade, repressão.

DOIS TEXTOS


Sobre o primeiro, a constatação de que Marcelo não emparceira com ninguém, original que aparenta ser na prosápia de um rebaixamento que só podia existir num país pequenino como este nosso, de escova subserviente e lorpa.

Sobre o segundo, a proposta de que o tal medicamento da endorfina se mantenha por longo tempo a incentivar a comunicabilidade do Dr. Salles, transmissora, não só do seu, como do nosso bem-estar espiritual e por consequência, físico também. Além de provar o seu não emparceiramento com tanto do desarranjo que por aqui grassa. Para quem tanta referência fez – e continuará a fazer, porque deve - no seu blog, aos revolucionários de 1640, salvadores da nação, não poderá desobrigar-se de ser um alertador de consciências pátrias, num momento de cerca de 400 anos após, em que o país se mostra corroído por tanta imprevidência brincalhona e astuta, de desleixo pátrio. Para mais, o novo governo necessita de companheirismo incentivante de seriedade e brio…

I TEXTO:

De Luis Soares de Oliveira

19 h

A triste hora em que Marcelo resolveu emparceirar com os seus contemporâneos Boris, Trump, Javier Milei, e outros.

 

Todas as reacções:

55

II TEXTO

ENDORFINOSE

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 28.04.24

 

Audaz, a ignorância permite-nos percorrer trilhos que o prudente conhecimento desaconselharia.

* * *

Das enciclopédias se extrai que a endorfina é uma hormona que actua no cérebro provocando boa disposição e incentivando a comunicação.

Já fora da enciclopédia, digo eu que a endorfinose é a dependência das endorfinas sendo o paciente levado à criação de ocorrências que propiciem a emissão das ditas hormonas.

Será?

Nem mesmo a audácia da ignorância me permite qualquer sugestão terapêutica, mas, para já, estou a tentar espaçar o meu próprio ritmo comunicativo. Até porque o excesso faz banalização da comunicação e provoca o cansaço das audiências.

Abril de 2024

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS (1)

Anónimo 28.04.2024: Muito bem dito, Mas por outro lado acredito que as audiências sintam a tua falta,! Isabel O'Sullivan

domingo, 28 de abril de 2024

Está visto

 

Que não foi a Rússia que matou NAVALNY
GUERRA NA UCRÂNIA

Activar alertas

Em directo/Zelensky denuncia que Rússia atacou rede de transporte de energia para a UE

Zelensky denuncia que Rússia atacou sistema energético ucraniano, incluindo a rede de transporte de energia para a UE. Austrália entrega pacote de ajuda militar de 61 milhões de euros à Ucrânia.

MARIANA LIMA CUNHA: Texto

Actualizado há 12h

STANISLAV KOZLIUK/EPA

Momentos-chave

Há 12hZelensky denuncia que Rússia atacou rede de transporte de energia para a UE

Há 12hAustrália entrega pacote de ajuda de 61 milhões de euros à Ucrânia

Há 12hMais uma pessoa detida na sequência do ataque à sala de espectáculos Crocus

Há 19hZelensky pede mais ajuda internacional na defesa aérea: "O mundo tem todos os recursos para nos ajudar. É completamente fazível"

Há 19hRússia garante que vai ultrapassar sanções da UE, que diz serem ilegais

Há 21hRefinaria russa suspende operações após ter sido atingida por drones ucranianos

Há 21hServiços norte-americanos acreditam que Putin não mandou matar Navalny

Há 22hUcrânia diz que ataques russos atingiram instalações energéticas em três regiões

Actualizações em direto

Há 12h19:54 José Carlos Duarte

Zelensky denuncia que Rússia atacou rede de transporte de energia para a UE

O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, denunciou hoje que a Rússia atacou o sistema energético ucraniano, incluindo a rede de transporte de energia para a União Europeia (UE). “É crítico que estes ataques não se tornem rotina.”

No seu discurso diário,Volodymyr Zelensky voltou a agradecer aos “parceiros que ajudaram” a Ucrânia na defesa aérea. O Presidente ucraniano insistiu igualmente que o país precisa de “pelo menos” sete sistemas Patriot. “Os parceiros têm esses Patriots.”

O Chefe de Estado lamentou que o Ocidente não tenha a “mesma determinação” em defender os ceús ucranianos do que os do Médio Oriente. “Mas ainda é possível fornecer a quantidade e qualidade necessárias de sistemas de defesa aéreos. Não devemos perder tempo”, instou Volodymyr Zelensky.

Segundo Volodymyr Zelensky, as forças russas atacaram com o recurso a 34 mísseis a rede eléctrica ucraniana.

Há 12h19:41 José Carlos Duarte

Austrália entrega pacote de ajuda de 61 milhões de euros à Ucrânia

O governo australiano oficializou hoje a entrega de um pacote de ajuda militar à Ucrânia, avaliado em 100 milhões de dólares australianos (cerca de 61 milhões de euros).

De acordo com o Kyiv Independent, a Austrália dará sistemas de defesa aéreos à Ucrânia. Além disso, cerca de 20 milhões de euros serão destinados à produção de drones. Serão ainda entregues à Ucrânia munições.

Há 12h19:36 José Carlos Duarte

Mais uma pessoa detida na sequência do ataque à sala de espectáculos Crocus

Foi detida mais uma pessoa na Rússia ligada ao ataque à sala de espectáculos Crocus — e já é o 12.º a ser detido.

De acordo com a Sky News, Dzhumakhon Kurbonov, que será do Tajiquistão, terá providenciado dinheiro e “meios de comunicação” aos outros membros do grupo que levaram a cabo o ataque.

Há 12h19:32 Agência Lusa

Jornalista russo detido por criar vídeos para a equipa de Navalny

Um jornalista russo que colabora com vários meios de comunicação social foi colocado em prisão preventiva por “extremismo” por ter participado na criação de vídeos para o canal de YouTube da equipa do falecido opositor Alexeï Navalny, foi hoje anunciado.

Konstantin Gabov vai ficar detido pelo menos até 27 de junho, enquanto aguarda julgamento, disse o serviço de imprensa dos tribunais de Moscovo, no Telegram.

Gabov colaborou com várias empresas de comunicação social, incluindo os canais de televisão russos Moskva 24 e MIR e a agência bielorrussa Belsat, segundo a imprensa russa.

Há 17h15:01 Agência Lusa

Putin estima crescimento de mais de 3%

O presidente russo, Vladimir Putin, estimou hoje um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 3% em 2024, o terceiro ano da guerra com a Ucrânia.

“O estado actual da economia permite-nos melhorar as nossas previsões para o seu desenvolvimento. Muitos especialistas falam de um crescimento do PIB russo superior a 3% este ano”, afirmou.

Putin presidiu hoje a uma reunião governamental, dia útil na Rússia devido aos feriados de maio, sobre o estado da economia e também sobre as perspectivas de desenvolvimento nos próximos seis anos.

Sublinhou o líder russo que, nos primeiros meses deste ano, os indicadores foram melhores do que o previsto e que, de facto, o crescimento foi de 6% em janeiro e fevereiro.

O Ministério da Economia também reviu em alta as suas previsões de crescimento de 2,3 % para 2,8 %, enquanto o Banco Central aumentou de 1 a 2 % para 2,5 a 3,5 %.

Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentou a previsão de crescimento da Rússia em seis décimos de ponto percentual para 3,2%, graças à evolução positiva das suas exportações de petróleo.

O FMI considera que a economia russa se fortaleceu porque os volumes de exportação de petróleo se mantiveram estáveis devido ao comércio com países não-alinhados com as sanções ocidentais.

No início de abril, o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, referiu que o PIB tinha crescido 3,6% em 2023, apesar do aumento das pressões externas, referindo-se às sanções ocidentais.

Há 19h12:46 Mariana Lima Cunha

Zelensky pede mais ajuda internacional na defesa aérea: "O mundo tem todos os recursos para nos ajudar. É completamente fazível"

Numa publicação na rede social X, Volodymyr Zelensky fala dos mísseis russos que esta noite foram disparados em direção à Ucrânia, e que o país conseguiu interceptar mas só em parte, para pressionar a comunidade internacional de forma a conseguir mais ajuda na defesa aérea.

“O mundo tem todos os recursos para nos ajudar a interceptar todos os mísseis e drones disparados por terroristas russos. Isto é completamente fazível”, argumenta Zelensky. Só é preciso, diz o Presidente ucraniano, que as “decisões políticas necessárias” e “acordos” sejam implementados.

Neste momento, justifica, aquilo de que a Ucrânia precisa é de sistemas de defesa aérea, com qualidade e quantidade suficiente de armas para que o país se proteja, e que sejam entregues “rapidamente”. “O terror deve falhar sempre, e toda a gente que nos ajudar a combater o terror russo é um verdadeiro defensor da vida”.

Há 19h12:13 Agência Lusa

Rússia garante que vai ultrapassar sanções da UE, que diz serem ilegais

A Rússia assegurou este sábado que vai ultrapassar o que disse ser as tentativas de expulsar o país dos mercados da energia, que classificou como “acções ilegais”, numa altura em que a União Europeia pode aplicar novas sanções.

“[…] Procuraremos formas de ultrapassar os obstáculos ilegais, a concorrência desleal e as acções ilegais”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, em conferência de imprensa.

Peskov denunciou “as tentativas de expulsar a Rússia dos mercados energéticos”, sublinhando que o aumento dos preços é, sobretudo, do interesse dos Estados Unidos “e de outros países”.

Questionado sobre a possibilidade de proibição de transferência de GNL (gás natural liquefeito) russo de um navio para o outro durante o transporte em alto mar, o porta-voz russo referiu não querer antecipar novas sanções, apesar de ressalvar que a Rússia não aceita as mesmas “em qualquer circunstância”.

O Ocidente já aplicou 13 pacotes de sanções à Rússia, que continua a exportar gás e GNL, redireccionando os seus fornecimentos. A Rússia quer aumentar as suas exportações de gás (através dos gasodutos) em 11% este ano e as de GNL em 14%.

21h10:50 Mariana Lima Cunha 

Refinaria russa suspende operações após ter sido atingida por drones ucranianos

Uma refinaria de petróleo russa suspendeu parcialmente as suas operações após ter sido atingida por um ataque de drones ucranianos, conta a agência russa TASS.

Segundo o relato da agência, o ataque atingiu a refinaria Slavyansk, na região de Krasnoyarsk, provocando um incêndio, na sequência do qual parte dos trabalhos foram suspensos.

Há 21h10:46 Mariana Lima Cunha

Serviços norte-americanos acreditam que Putin não mandou matar Navalny

Os serviços de informações dos Estados Unidos concluíram que “o mais provável” é que Vladimir Putin não tenha dado ordem para matar Alexei Navalny, o líder da oposição russa que morreu na prisão.

Segundo o Wall Street Journal, uma avaliação feita com base em informação confidencial e também nos factos que são públicos levam os serviços norte-americanos a não acreditar que tenha havido uma ordem directa que tenha levado à morte de Navalny, ao contrário do que o círculo mais próximo do antigo líder da oposição russa tem defendido.

A Sky News cita uma resposta dada ao relatório por um assessor de Navalny, Leonid Volkov, em que classifica as conclusões como ingénuas e ridículas.

Há 22h10:10 Agência Lusa

Ucrânia diz que ataques russos atingiram instalações energéticas em três regiões

O ministro da Energia ucraniano declarou este sábado que ataques russos com mísseis atingiram instalações energéticas em três regiões da Ucrânia e, segundo o operador de energia privado DTEK, quatro centrais térmicas também foram “gravemente danificadas”.

“O inimigo atacou novamente a infraestrutura energética do país” entre a noite de sexta-feira e sábado, declarou o ministro da Energia ucraniano, German Galushchenko, na rede social Facebook.

O ministro ucraniano afirmou que houve “danos” em instalações energéticas nas cidades de Dnipropetrovsk (centro-leste), Ivano-Frankivsk e Lviv (oeste).

Num comunicado, o operador DTEK relatou que quatro das suas centrais térmicas foram “severamente danificadas” pelos ataques “massivos” dos russos entre a noite de sexta-feira e hoje.

Já o Ministério da Defesa russo declarou que entre a noite de sexta-feira e sábado interceptaram 68 drones ucranianos na região de Krasnodar (sul) e na Crimeia.

Segundo o ministério russo, 66 destes drones foram abatidos sobre o território de Krasnodar e os outros dois na península da Crimeia, anexada pela Rússia aos ucranianos em 2014.

“Os ucranianos tentaram atacar refinarias de petróleo e outras infraestruturas. Segundo informações no local, não há feridos ou danos graves”, declarou o governador da região de Krasnodar, Veniamin Kondratyev, na rede social Telegram.

O exército ucraniano aumentou os seus ataques com drones em território russo nos últimos meses, visando particularmente instalações energéticas.

Há 22h10:09 Mariana Lima Cunha 

Bom dia,

Neste liveblog vamos estar a acompanhar todas as novidades relativas à guerra na Ucrânia.

Neste link pode recordar as notícias que marcaram esta sexta-feira, incluindo a evacuação de dois hospitais ucranianos por causa dos ataques russos.

 

Onde isso vai!


Tordesilhas? Que coisa é isso? Um risco imaginário a passar por lá?!!! A coisa fia mais grosso: Trata-se antes de um amplo Tratado Rosa-dos-Ventos, entre América, China, Rússia… – a África virando umbigo desses ventres (ventos?) do mundo…

 

TEATRO SUPER RÁPIDO - «TORDESILHAS 2»

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃIO, 26.04.24

ou

O BAILADO DOS NECRÓFAGOS

Acto único

Cena única

Kamarada Ivanov – nós queremos as colónias portuguesas para as juntarmos ao Império Soviético.

Tio Sam – Façam o que quiserem desde que o petróleo angolano seja nosso.

Kamarada Ivanov – Acordo fechado.

Cai o pano rapidamente ao som da ovação dos «gatos pingados» e de outras aves de rapina.

                          FIM

25 de Abril de 2024

Henrique Salles da Fonseca

 

COMENTÁRIOS:

Anónimo 26.04.2024: Obrigado Henrique. Uma peça de teatro bem real. Parabéns e um abraço Manuel Veloso

José Luis Roque de Pinho 27.04.2024: Porque não apresentar uma peça com o título tão actual “0 Palhaço Mór”. Um abraço Henrique!

Mas dívidas

 

É o que parece que nos sobra de tudo isso que se conta dos 50 anos de cravos comemorativos, anualmente espetados nas botoeiras dos casacos ou espalhados por outros locais corporais: as dívidas aos fundos europeus, as dívidas aos povos africanos - estas últimas segundo o alarde do PR vistoso e pleno de escrupulosos sentimentos recentemente apregoados - talvez para tramar o país que o despreza nos seus alardes exibicionistas, ou para tramar ostentatoriamente o governo actual, já em si debilitado, mas que parece amar o país, contrariamente ao Presidente…

Abril à distância

Nada está mais longe da realidade do que o reality show. Falar da História com alguma objectividade, serenidade e realismo é talvez a única maneira de a evocar na sua pluralidade e verdade.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 27 abr. 2024, 00:1841

Há já alguns anos, comecei na Antena 1 um programa com o Ruben de Carvalho chamado Radicais Livres, um calambur que achámos adequado.

Radicais livres

O Rúben e eu éramos radicais, pelo menos no léxico da política portuguesa, então determinada pelo centrão – ele à esquerda, eu à direita, ele comunista, eu nacionalista; e éramos livres – ele livre, apesar da sua “Filarmónica” (como chamava ao Partido Comunista), eu livre porque nunca tive nem as qualidades nem os defeitos necessários à vida partidária. Éramos também os dois convictos, dispostos a afirmar as nossas convicções e a pagar por isso, e os dois lúdicos e curiosos por muita coisa. Foi uma experiência muito interessante, com discussões lexicais, em que íamos humoristicamente procurando acordo para nos entendermos e conseguirmos conversar sem exasperar os ouvintes. Quando o Ruben falava do Estado Novo, chamava-lhe “regime fascista” e eu “regime autoritário”, concordámos em chamar-lhe “salazarismo” ou “regime salazarista”, que não repugnava a nenhum dos dois; e quando o Rúben dizia “guerra colonial”, para eu não ter de contra-atacar com “guerra do Ultramar”, concordámos em chamar-lhe “guerra de África”. No meio de tudo isto, ficámos amigos e tive um profundo desgosto quando ele morreu por indesculpável descuido hospitalar. O programa era moderado pelo Rui Pego e, depois da morte do Ruben, continuei com o Pedro Tadeu, de outra geração, mas também do PCP e parte de uma cultura política, literária, intelectual bem diferente da incultura que agora por aí vemos arremessada aos gritos sobre coisa nenhuma. Quem actualmente nos modera, ou tenta moderar, é a Maria Flor Pedroso.

Vem isto ainda a propósito do 50º aniversário do 25 de Abril. O Ruben era, desde a adolescência, militante do PCP, esteve preso várias vezes durante o salazarismo e falava desse tempo com tranquilidade, com objectividade, sem espalhafato. Não entraria de certo em fantasiosos delírios se aqui estivesse agora a comemorar a data.

No 25 de Abril de há cinquenta anos, eu estava na tropa, a aguardar embarque para Angola. Tinha trocado com um camarada meu mobilizado, porque sendo eu um defensor do então “Portugal ultramarino” mal seria se não pusesse lá os pés. Quando do golpe, soube logo, dado o meu passado político de nacionalista na Faculdade de Direito, que não escaparia quando a Esquerda e o recém-criado COPCON iniciassem as suas detenções de “suspeitos”. Não achei isso esquisito porque me opunha a eles e eles sabiam-no. Podia não ser muito democrático e estar longe das “amplas liberdades”, mas percebia-se. Vieram, efectivamente, prender-me no 28 de Setembro, a famosa inventona em que os quadros da “nova direita portuguesa” foram neutralizados – presos ou forçados ao exílio. Fiquei quatro anos no exílio, mas tive muitos correligionários e bastantes amigos presos durante o PREC.

Depois disso, talvez por sermos uma nação muito antiga, ficámos, de um lado e de outro, vivos. Éramos agora, mais ou menos moderados pelo tempo e pelas circunstâncias, radicais em liberdade. Antigamente, os radicais eram sobretudo de esquerda; hoje, com o passar do círculo político, é a esquerda que tende a ser mais situacionista, moralista, convencional, acomodada, mesmo entre pueris e vistosos “activismos”.

Abril no Luxemburgo

No passado 23 de Abril estive no Luxemburgo, por iniciativa do nosso embaixador no Grão-Ducado, Pedro Sousa e Abreu, para um debate sobre a revolução com o Fernando Rosas, outro radical de esquerda, fora do PCP, preso antes de Abril e preso depois de Abril, quando os militares do MFA resolveram fazer uma razia à extrema-esquerda. Fomos contemporâneos.

No debate, estivemos de acordo num ponto: até ao 25 de Novembro, ou mesmo até à constituição de 1976, não havia em Portugal uma democracia estabilizada, um estado de direito: havia um poder militar que oscilava à esquerda e à direita, que ia actuando entre golpes e contra-golpes, que prendia e libertava “a olho”. No 25 de Novembro houve um Thermidor; de qualquer forma, a política portuguesa deixara de ser autónoma, com os Estados-Unidos, a União Soviética, a Europa, através da França e da Alemanha, a mandarem para cá espiões, agentes e dinheiro para os partidos. Muito dinheiro, que chegou ou não chegou ao destino.

Na discussão, com a sala do Cercle Cité cheia, falámos do nosso dia 25 de Abril, das nossas percepções dos primeiros sinais do movimento e das horas que se seguiram, entre vencedores e vencidos não-convencidos. A grande maioria da sala, portugueses emigrantes no Luxemburgo – uma comunidade de mais de 100 mil pessoas numa população de 650 mil –, seguia com atenção, expectativa e abertura o debate; alguns mais exaltados com a efeméride e uma meia dúzia de cravo vermelho ao peito, como que para marcar território. Quando vieram as perguntas, foi notória a agitação, mas quer o Fernando Rosas quer eu fomos evitando que se desse espaço à “intolerância dos intolerantes”.

O moderador, um jovem professor local, perguntou-nos depois pela nostalgia, pelo papel da nostalgia – a minha, que supunha ser a nostalgia do antigo regime, e a do Fernando Rosas, que supunha ser a nostalgia do PREC, de um tempo em que a revolução ainda parecia possível; e talvez houvesse também uma nostalgia comum, a nostalgia de um tempo agitado e desacomodado em que vivemos com intensidade projectos, bons ou maus, possíveis ou impossíveis, mas que, apesar de tudo, transcendiam o nosso umbigo. Não nos alongámos muito.

Novembro

Tinha já contado esse meu tempo num romance, Novembro, sobre a vida da sociedade portuguesa antes do 25 de Abril e sobre o que aconteceu aqui, na emigração, em Espanha, e em Angola até ao 25 de Novembro, através das histórias e dos destinos de portugueses de muitas paragens.

O mês de Novembro de 1975 foi o fim, real e simbólico, de duas utopias: o fim do Portugal pluricontinental e o fim da revolução. A 11 de Novembro, com a independência de Angola, fechou-se o ciclo do Império português, iniciado em Ceuta, em 1415: 560 anos de “dívidas” para com povos que colonizámos, evangelizámos – e com quem comerciámos e nos misturámos – e que agora devemos “indemnizar”; e o fim da possibilidade de uma nação plurirracial e pluricontinental, que também deixou muitos órfãos – candidatos a exigir “reparações” ao Portugal da “descolonização exemplar”, se entrarmos por aí. E a 25 de Novembro, com a contenção pelas companhias de Comandos de Jaime Neves dos revoltosos da Polícia Militar, com a discreta não-intervenção dos fuzileiros (próximos do PCP), com Ramalho Eanes e Melo Antunes, fechou-se também o ciclo revolucionário. Quinze dias depois de acabado o Império, acabava a revolução. Os sonhos românticos e radicais das nossas gerações acabavam também.

Não sei se é para festejar, se é para lamentar, mas é, com certeza, para lembrar – longe de vitimizações e maniqueísmos e para além do reality show da propaganda a que nenhum regime foge, com o país mobilizado para as comemorações, e o povo, como sempre, a juntar-se à festa e a encher as ruas. E falar da História, da nossa e da dos outros, com alguma objectividade, serenidade e realismo será talvez a única maneira de o fazer.

25 DE ABRIL    PAÍS    HISTÓRIA    CULTURA

COMENTÁRIOS (de 41)

Pedra Nussapato: Não é maravilhoso hoje dois antigos "radicais" serem "livres" para serena e objectivamente falarem das suas utopias enquanto jovens e de todas as etapas do caminho tumultuoso que nos trouxe até à nossa democracia e liberdade plenas? Obrigado JNP por nesta data nos trazer esta mensagem de moderação e união.              Tim do A > Pedra Nussapato: Depende do sítio. JNP já foi muitas vezes impedido de falar em público. Pode escrever num jornal que não é de esquerda. Só isso. A censura continua e cada vez maior agora também com o acrescento do pensamento único obrigatório dos globalistas Woke, que dominam os partidos portugueses desde o BE O PSD.                 João Floriano: Jaime Nogueira Pinto levanta em mim um breve sentimento de culpa, um aflorar de remorsos porque não consigo ser tão cordato e empático com figuras como Fernando Rosas e Pedro Tadeu. Já Jaime Nogueira Pinto transmite uma serenidade, segurança, distanciamento dos quais eu não sou capaz. Mas também não tenho a inteligência e a cultura do cronista. Mas também não exageremos: estes pequenos rebates de consciência passam muito rápido, logo que penso que a tolerância que comunistas e bloquistas têm pela direita conservadora é ZERO.             Tim do A: JNP é um Senhor. Ao contrário dos abrileiros de hoje. Tal como havia muitos senhores nos abrileiros do passado. Infelizmente os abrileiros de hoje não têm nível nenhum. São burgessos arruaceiros sem educação.               Paulo J Silva: JNP excelente como sempre. 50 anos depois ainda temos dificuldade em falar, como sociedade, na mudança de regime e suas consequências. Há ainda actualmente demasiado ruído, seja pela cristalização no tempo de alguns, seja pelas novas derivas distópicas da moda de outros. É preciso que esta serenidade madura e reflectida que JNP nos traz seja a regra quer na sociedade, quer na bolha do mundo político.                    Américo Silva: Um grupo de oficiais queria tacho em exclusividade, e empurrado de fora fez o 25 de Abril e pôs Portugal à venda, após muitos lances entre os quais franceses e chineses, os principais licitantes foram a URSS e os USA, estes acabaram por ficar com a soberania na metrópole em 25 de Novembro, e enfeudaram o país na união europeia com tanto sucesso, que Durão Barroso seria destacado dirigente.                   Carlos Chaves: Obrigado Jaime Nogueira Pinto, por nos trazer aqui um pouco da nossa história recente, vivida e contada na primeira pessoa. Obrigado também por lembrar o Rúben de Carvalho, talvez o único comunista de quem eu lia as crónicas e ouvia a opinião, de que muitas vezes discordava, mas compreendia a sua inteligente argumentação. Também obrigado, por relembrar alguns dos verdadeiros crimes cometidos pelos extremistas de esquerda, durante o período “revolucionário” de Abril de 1974 a Novembro de 1975. Afinal de contas, para onde irá Portugal homenagem àqueles tempos de sonho e de reboliço que se seguiram ao 25 de Abril. Jaime, um grande bem-haja                Pedro de Freitas Leal: Um artigo muito bonito, muito equilibrado e muito sentido. Uma verdadeira homenagem àqueles tempos de sonho e de reboliço que se seguiram ao 25 de Abril. Jaime, um grande bem-haja!                    Tim do A > bento guerra: E que grandioso e feliz Portugal. Parece o Titanic!