Manietados
Numa estreiteza sombria. Mas as tristezas não pagam as dívidas… Trabalhemos,
ao menos, para isso, não façamos como ele, recusemos ficar na selfie, em
mansidão bovina, ou em colaboração canina, para o gluglu da nossa praxe…
Nem chefe nem Estado
Não foi bem o “prestígio” do cargo
que o prof. Marcelo implodiu: foi mesmo a autoridade do cargo, que com
dificuldade voltará a ser o que era. Se é que volta.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 27 abr. 2024, 00:19
Onde é que eu estava no 25 de Abril de 2024? Em casa, a reflectir nas
descargas retóricas do prof. Marcelo produzidas no dia 23. Parece que milhares
de portugueses saíram à rua a comemorar um regime que nos permitiu escolher em
liberdade um presidente assim, tão distante de um presidente assado e imposto
do calibre, por exemplo, de Américo Thomaz. Aqui, numa vila encostada ao
cantinho superior direito da pátria, não dei pela existência de festividades,
pelo que cirandar na rua sozinho a berrar slogans e exibir cravos seria um
programa suspeito. A alternativa passou por uma tarde recatada, a ver filmes do
Billy Wilder, a consultar as “redes sociais” e a inventariar as teorias com que o bom povo procura explicar o estado
do prof. Marcelo.
As teorias são abundantes em número e empenho. O homem está maluco. O homem é maluco. O
homem bebeu. O homem fumou. O homem não tomou a medicação. O homem é uma
criança desesperada por atenção. O homem é um egocêntrico patológico. O homem
padece de Covid longa. O homem está afectado pela vacina. E estas são
apenas as teses que captei na minha “caixa” de comentários no Twitter: de
certeza que em “caixas” alheias se garante que o homem serve interesses extraterrestres ou é refém dos “illuminati”.
Entre parêntesis, e para efeitos legais, informo que me limitei a
reproduzir o que algumas pessoas opinaram, sem respeito ou consideração pelo
posto de mais alto magistrado da nação (no que, curiosamente, imitam o mais
alto magistrado da nação). Fechado o parêntesis, achei interessante que a
vasta maioria das “justificações” invocasse situações de excepção. Poucos
estudiosos colocaram a hipótese de o prof. Marcelo ser, desde sempre, um mero caso de mediocridade, a que o
“marketing” e a propensão nacional para venerar pechisbeques conferiram uma
dimensão de suma inteligência. Como o cavalo com riscas que costuma ser
uma zebra, o provável é que o prof.
Marcelo diga disparates porque pensa disparates. O mito em volta do “brilhantismo” da personagem decorre de uma vácua carreira no,
digamos, jornalismo, onde se especializou em coscuvilhice e boatos, e sobretudo
nos anos de parlapatice televisiva, que aproveitou para teimar na manipulação
primária, fingir que lia livros e ganhar notoriedade. A
notoriedade é o único desígnio do prof. Marcelo.
Sendo esquisito, um cronista que não sabe o que é uma crónica e um
comentador político a quem não se conhece uma ideia política não configura um
quadro especialmente condenável ou grave: qualquer artista de variedades
executa as piruetas – ou os banhos no Tejo, ou as “selfies” – necessárias à
fama. O problema é o artista de
variedades ambicionar a presidência. E, muito pior, chegar à presidência. Empurrado pela tal
notoriedade, por faltas de comparência e de concorrência, por “media”
simpáticos e pelos pares de uma “elite” que se exalta mutuamente para não se
revelar pelintra, o prof. Marcelo chegou. E disse.
Nestes oito anos, o prof. Marcelo disse imensas coisas, nenhuma que
tivesse pertinência ou sentido, e
calou outras tantas, todas as que arriscavam relevância e implicavam
compromisso. De caminho, sustentou com empenho as peripécias de
governos daninhos, manteve o país por 173 dias numa “emergência” cobarde e
arrasadora, deixou-se fotografar com 98% da população, beijocou 99%, convocou
repetidamente câmaras para o filmarem a despir-se na praia, proclamou-nos os
“melhores do mundo” em centenas de sectores e actividades, deu entrevistas no
lugar dos jogadores da bola, usou ou permitiu que se usasse o seu cargo em
favores particulares, etc. Não foi
bem o “prestígio” do cargo que o prof. Marcelo implodiu: foi mesmo a autoridade
do cargo, que com dificuldade voltará a ser o que era. Se é que volta.
Bastaram três ou quatro meses para, em entrevista de Junho de 2016 a
Rui Ramos e Vítor Matos, para o Observador, Vasco Pulido Valente avaliar os
méritos dos mandatos do prof. Marcelo: “Acaba com a seriedade na política. Ele transformou a
política num espectáculo. Não há dia em que ele não apareça. (…)
Marcelo não tem relações com o país.
Ele tem a mesma espécie de relação que um cantor pop tem com o seu público. Dar
beijinhos à população não é ter uma relação com o país. Que mensagem é que ele
passa? Que convicção é que representa um beijinho?” E o Vasco acrescentou:
“Lembra-me sempre uma frase que o De Gaulle disse sobre o Lebrun, último
presidente da Terceira República Francesa. ‘Como chefe de Estado ele tinha dois
defeitos, não era chefe, nem havia Estado’”.
Eis um resumo cabal. Oito anos
depois, o prof. Marcelo só aprimorou o “estilo” e aprofundou as respectivas
consequências. Pode-se discutir se as alucinadas confissões aos
correspondentes estrangeiros, na última terça-feira, representam um passo em
frente num percurso de impensáveis embaraços ou se mantêm o tom de sempre.
Indiscutível é que o prof. Marcelo não possui as características intelectuais,
emocionais, sociais e o que quiserem para ser presidente da República. Mas é.
E, apesar dos crescentes apelos para que renuncie formalmente ou desapareça
informalmente, em princípio continuará a sê-lo até 2026. O que daqui a
dois anos será a República é uma questão diferente.
MARCELO REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA REPÚBLICA POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 6)
F. Mendes: Excelente artigo. Vou enviá-lo
a alguns conhecidos meus, que, há alguns anos, defendiam ainda a
"postura" inovadora do inquilino de Belém. Recomendo que outros façam
o mesmo, dado o resumo ser quase perfeito. E digo quase, porque os 173 dias consecutivos
de confinamento, referidos pelo AG, correspondem "apenas" à segunda
volta da nossa prisão domiciliária, sem justa causa (entre Novembro de 2020 e
Abril de 2021). Houve uma primeira punição, logo em 18 de Março de 2020, que se
prolongou por várias quinzenas. Quanto ao resto do "mandato" deste
personagem, nem me atrevo a fazer previsões. O que há a esperar é,
simplesmente, que o tempo em falta não seja demasiado penoso. Numa palavra,
Marcelo evoluiu de uma perfeita nulidade, para um activo tóxico: um mono sem
préstimo, nem valor de mercado. Seria bom que pudéssemos comprá-lo pelo que
vale, e vendê-lo pelo que julga que vale. Ficávamos todos riquíssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário