Para mais este de “fascista” que fez boa
temporada e ainda ocupa temas de livros hoje. Além de que desperta os humores saudavelmente
trocistas de Alberto
Gonçalves, que nos despertam a nós para o prazer das leituras aprazíveis,
nestes tempos espinhosos de guerra real alheia e previsível futura nossa, também.
Um bravo a Alberto
Gonçalves, esperando para ele não a acusação de fascista mas a
distinção de escritor satírico de peso, neste país de levezas. E de leveduras. Decididamente
marasmáticas. Quando não embriagantes. Riamos com AG, cuja falta
sentimos quando vai de férias. Embora nos traga a aragem das suas frescuras
viageiras.
25 de Abril sempre, sempre, sempre
O “Expresso” não brinca e, além do
inventário à escala “micro”, com nomes e, espero, moradas, pratica a delação à
escala “macro”. Para tal, encomendou uma sondagem que denuncia os fascistas em
peso.
ALBERTO GONÇALVES, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 20 abr. 2024, 00:186
Ainda há portugueses que trabalham. David
Dinis, director-adjunto do “Expresso”, leu o livro “Abril Pelas
Direitas” inteirinho só
para apurar quantos dos sessenta autores estão contra o 25 de Abril de 1974,
quantos têm algumas reticências a propósito e quantos, no mínimo, se recusam a
prestar à data uma cega e merecida vassalagem. Todos ou quase todos,
conforme relata, naturalmente escandalizado, em artigo publicado esta semana
naquele jornal. Incluindo eu, que não
tendo produzido uma única letra para a obra em questão, fui incluído por David
Dinis no rol de colaboradores da dita, com direito a fotografia ilustrativa do
seu artigo. Depois da história do IRS, o “Expresso” volta a
cair nas esparrelas da direita e, de modo involuntário, a enganar os seus
leitores.
Aconteceu apenas que um dos
organizadores do “Abril Pelas Direitas”, o Rodrigo Pereira Coutinho, pediu-me
um texto para enfiar lá dentro, eu recusei fazer o texto (integro o estereótipo
dos compatriotas preguiçosos) e o Rodrigo perguntou se, talvez aliviado ou em
contrapartida, podia utilizar na contracapa uma frase minha (“Desconfio
que não tenho os valores de Abril recomendados. Vou marcar análises”), graçola
escrita não sei quando nem onde. Disse que sim, o bastante para ludibriar David Dinis
e ver o meu nome equivocamente metido
numa lista de inimigos da revolução e, mal regresse o saudoso PREC, num
mandato em branco.
Ora não me apetece ser difamado nem
terminar no Campo Pequeno. E a prova disso é que estou disposto a juntar-me a
David Dinis e constituir-me delator oficial dos descrentes de tão
sagrada data. Querem nomes? Para já, dou dois: Bárbara Tinoco e Carolina Deslandes, duas cançonetistas, acho, as quais em reportagem que
me apareceu no Twitter afirmam às claras que não seriam artistas se não tivesse
havido o 25 de Abril. Nunca ouvira
falar nas senhoras, e sobretudo nunca as ouvira cantar. Consultei o YouTube.
Fugi apavorado após vinte segundos (dez por senhora). Concluí que ambas
responsabilizam “Abril” pelas maiores ignomínias e isso não pode passar
impune. Sugiro que o “Expresso” as adicione sem demora ao inventário de
fascistas que anda a elaborar.
Acontece que o “Expresso” não
brinca e, além do inventário à escala “micro”, com nomes e, espero,
moradas, pratica igualmente a delação à escala “macro”. Para tal,
encomendou uma sondagem que denuncia os fascistas em peso e com rigor estatístico.
E anuncia na sua edição “on line”: “35% de quem diz que Portugal está pior do
que na ditadura é simpatizante do Chega”. Faz sentido. Porém, apesar de
bem-intencionado, o “Expresso” não nos impede de desconfiar que 65% de quem diz que Portugal está pior do que na
ditadura não é simpatizante do Chega. É simpatizante do quê, então? Do PSD, o
que também faz sentido. E, em doses semelhantes, do PS, um dado preocupante que
justifica a discrição do “Expresso”. No total, um quinto da população,
incluindo largos milhares de socialistas, insinua preferir o Estado Novo ao
regime vigente, perversão que se resolve com pedagogia, devassa da vida
privada, perseguição fiscal e investimento massivo em estabelecimentos
prisionais.
Mas nem tudo são más notícias. Noutra sondagem que se calhar é a
mesma –adivinhem para qual semanário – o 25 de Abril é considerado a data “mais
importante da história de Portugal” por dois em cada três cidadãos. Aqui não há
fundações da nacionalidade, conquistas aos mouros, restaurações da
independência, Marias da Fonte, vitórias do Benfica, a feijoada na ponte. O dia
que conta é somente aquele dia, e assim é que deve ser. O texto que desenvolve
tão feliz sentença – adivinhem qual o director-adjunto que o assinou – procura
descansar as massas: “Os valores de
Abril não só resistem como se reforçaram na última década”.
Os “valores de Abril”. Entretanto,
chegaram-me os resultados das análises: os valores estão óptimos e dentro do
intervalo de referência. Sinto-me pois habilitado a juntar-me aos 66% de
pessoas que, embora aparentemente tenham sumido a 10 de Março, se encontram
disponíveis para assegurar que o 25 de Abril jamais será esquecido. Sendo
novato nestas andanças, julgo que conheço as preces e domino os rituais. Vou encerrar
qualquer discussão política, ou não política, com o imbatível argumento “Cala-te,
facho!”. Vou dizer “facho”, “fascismo” e “facharia” várias vezes por
frase, não importa se o assunto é a especulação imobiliária ou a melhor receita
de bacalhau à Brás.
Vou usar cravo vermelho na
lapela, no “perfil” do Facebook e no retrovisor do carro. Vou berrar a “Grândola”
em espaços públicos à primeira, à segunda e à terceira oportunidades. Vou
chamar Ponte 25 de Abril a todas as pontes que houver. Vou comprar o “Expresso”.
Vou glorificar “Abril” por ter vencido o fascismo e abominar o fascismo por estar
constantemente a interromper “Abril” (esta parte nunca percebi muito bem).
Vou desrespeitar eleições que não respeitem a natureza profundamente
democrática de “Abril”. Vou combater os inimigos de “Abril” nas ruas e, se chover,
a partir do sofá de casa. “Vou viver “Abril”, sentir “Abril”, cheirar “Abril”. Vou
iniciar uma petição para que os calendários fiquem parados no dia que importa,
e que esse seja feriado eterno. O mundo começou aí e, com uns “pá!” do
Otelo pelo meio, aí acabou. Não há mais nada, não pode haver mais nada. 25 de
Abril sempre, sempre, sempre.
COMENTÁRIOS (DE 9)
Maria Paula Silva: eheh ehehe ehehe obrigada pelas boas gargalhadas. Este país e
esta geração de políticos vivem imersos em iliteracia, ignorância e
mediocridade. O uso e abuso da palavra "fascismo" e
derivadas revela isso e falta de imaginação. Parecem papagaios com falta
de imaginação, o que torna o assunto muito enjoativo.
F. Mendes: Excelente artigo. Cumprir Abril, 25 de Abril sempre, e
vacuidades do mesmo calibre, mostram que este regime falhou abjectamente, dado
grande parte do prometido há 50 anos continuar por realizar (em boa medida,
como resultado dos últimos 25 anos desastrosos). A esquerda é tão obtusa que
continua sem perceber que estes slogans são a melhor prova da inépcia de grande
parte dos nossos (des)governantes. De facto, Abril é o mês do dia das mentiras;
é irónico. Quanto ao
Expresso, não leio desde os meus 20 anos. Foi na mesma altura em que deixei de
fumar. Ganhei juízo por essa altura. E não foi tarde, espero.
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