segunda-feira, 31 de maio de 2021

Não há Hércules para tal feito


Tudo se vai processando sinuosamente, nas aparências da boa formação moral, que vai esfregando a sua simpatia misericordiosa na cara dos mais ávidos dessa – porque os mais tristes, na sua área de pobreza complexada ou rancorosa. Não, o Bloco veio para ficar, com a imagem de beleza e simpatia traduzida pelas três ou quatro mulheres desse bloco enfeitiçante, e as suas vozes de maviosidade, sucedâneas a uma voz trovejante – e espumante – do seu fundador e patrono constante, junto de uma nação cega, surda e muda a advertências como esta, de João Marques Almeida e alguns dos seus comentadores. “Tlim… papo” segundo a expressão onomatopaica de João de Deus, ou “Já está”, na mais prosaica de Joaquim Letria.

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O anti-capitalismo do Bloco/premium

Portugal não terá uma sociedade próspera enquanto as ideias do Bloco não forem derrotadas. É espantoso como em 2021, em Portugal, ainda temos que lutar contra os três velhos revolucionários russos.

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA, Colunista do Observador

OBSERVADOR; 26 mai 2021

No Congresso do Bloco houve uma frase memorável. Um congressista, Américo Campos, afirmou o seguinte: “É curioso que três russos envolvidos numa revolução mal-sucedida, com mais de 100 anos, influenciam um partido de esquerda do século XXI.” Os três russos são, obviamente, Lenine, Trotsky e Estaline. Não sei se o camarada Américo percebeu devidamente o que estava a dizer. Se percebeu, não sei se já foi expulso ou silenciado pelo partido, como faziam os famosos três russos aos seus camaradas que se afastavam da linha oficial (e como fizeram uns aos outros, mais precisamente Estaline a Trotsky).

De propósito ou sem querer, o camarada Américo revelou o grande disfarce do Bloco. Um partido que continua a seguir uma ideologia que fracassou e espalhou violência, miséria e pobreza em todo o lado onde chegou ao poder. Mas usa uma linguagem moderna atraente para os jovens e até os liberais urbanos para disfarçar a sua verdadeira natureza. Um partido onde quem pensa são os discípulos dos três russos, neste caso Louça, Fazendas e Rosas, mas os rostos da falsa modernidade são a Catarina, as manas Mortágua e a Marisa. Ninguém tenha ilusões, o poder está com os velhos revolucionários, não está com as senhoras simpáticas. Além disso, as senhoras simpáticas pensam como os velhos revolucionários. Tudo o que sabem foi com eles que aprenderam.

Nas ideias de muitas das moções apresentadas no Congresso, há uma linha constante: o anti-capitalismo, e a luta contra a economia de mercado e a iniciativa privada. A política económica do Bloco tem um objectivo máximo: a nacionalização da economia. Os bancos, os CTT e a TAP seriam apenas o início. Depois nacionalizariam a EDP, a Galp, as várias indústrias, as seguradoras, a hotelaria, as empresas agrícolas e os meios de comunicação social. Quando Louçã sugere Mariana Mortágua para ministra das Finanças, o que quer dizer é que ela seria a CEO da economia portuguesa, e ele seria naturalmente o Chairman. Esqueçam o Chega. O Bloco é o partido mais anti-sistema que existe um Portugal. É um partido verdadeiramente revolucionário.

O Bloco usa os novos temas fracturantes e a luta climática de um modo instrumental, e hipócrita, como se viu com os casos dos lucros capitalistas de Robles e da acusação de violência doméstica contra Luís Monteiro. Recordem também os comentários homofóbicos de Fernando Rosas contra Adolfo Mesquita Nunes, ou as insinuações machistas de Louçã contra Aline de Beuvink. A instrumentalização destes temas visa aumentar a base de apoio do Bloco – e o número de votos – e combater o capitalismo. O Bloco, sobretudo a linha PSR (dominante no partido), continua fiel à Quarta Internacional, o movimento revolucionário e Trotskista global. Como partido disciplinado, o Bloco segue a linha estratégica da Quarta Internacional. Nos dois últimos Congressos mundiais, o rumo estratégico foi definido à volta de três ideias centrais: intensificar a luta contra o capitalismo, aproveitando as consequências da crise financeira, desenvolver o “eco socialismo” contra a “poluição capitalista”, e conquistar e integrar os novos movimentos sociais radicais, que militam a favor das questões de raça, de género e das minorias sexuais. Mas tudo isto é instrumental. O que conta é a revolução socialista.

A suposta modernidade do Bloco também beneficia da imagem envelhecida e ultrapassada do PCP, um contraste que beneficia os bloquistas entre os mais jovens e urbanos. Mas a evocação dos três russos mostra como o Bloco e o PCP estão muito mais próximos do que ambos gostariam. Os velhos Bolcheviques continuam a ser a inspiração ideológica. A luta continua a ser contra o capitalismo. A ambição continua a ser, depois de tantos fracassos, a revolução socialista. O resultado seria o que foi sempre: um país de pobres, dominados por uma elite totalitária.

O mais grave é que a influência das ideias do Bloco não necessita da revolução. O ascendente sobre os novos movimentos sociais, sobre os grupos de militantes radicais das mais variadas causas, o peso desproporcional – em relação aos seus resultados eleitorais – na comunicação social, e a radicalização das esquerdas do PS, permitem que o Bloco cause muitos danos à economia portuguesa e às liberdades dos portugueses. Portugal não terá uma sociedade próspera e os portugueses não viverão melhor enquanto as ideias do Bloco não forem derrotadas. É espantoso como em 2021, em Portugal, ainda temos que lutar contra os três velhos revolucionários russos.

BLOCO DE ESQUERDA  POLÍTICA  COMUNISMO

COMENTÁRIOS

Zeka Diabo: Ainda são novos, ainda a conta bancaria não engordou, quando engordar fazem o mesmo que o Durão Barroso, o Vital Moreira, o José Magalhães, o Pina Moura e muitos outros.            Anarquista Coroado > Zeka Diabo: Para alguns foi a engorda da conta, mas para outros foi a tomada de consciência do absurdo do socialismo.          Jal Morgado: Excelente artigo!          A. Carnide: E agora, para ajudar à festa ainda temos o Rui Rio a afirmar que o PSD não é um partido de direita. Soube ontem que estou há 40 anos a votar à esq! Estamos feitos          Phi Moralia  > A. Carnide: Que admissão de ignorância! Se anda esse tempo todo a pensar que votava a direita está completamente perdido. O psd só e de direita quando comparado com o Bloco ou o PCP , a social democracia não é direita, nunca foi. E realmente ao centro, conjugando preocupações sociais e uma economia de mercado. A Suécia e a Dinamarca são exemplos disso. Existe muita ignorância. Você é um exemplo, mas este fórum está cheio disso. Mas claro o que interessa é que vota na direita, mesmo sem fazer a pálida ideia do que diz. Parabéns.         Anarquista Coroado: Muito bem, Paulo Silva: parece que não sou só eu a lembrar a importância de Derrida (o Desconstrucionismo, do Ocidente e da Razão) e Foucault (que faz equivaler a ciência ao poder, dizendo que a verdade não existe pois se trata de uma estratégia do Ocidente para o seu universo concentracionário, isto antes, imaginem, de se ter convertido ao neoliberalismo!). São eles os autores originais das políticas de género, e o último até subscreveu uma petição em França, junto com Sartre, Simone de Beauvoir e outros, para legalizar o sexo com menores.            Andrade QB: Não é fácil combater as ideias do bloco enquanto, como dizia ontem Júdice, a generalidade das redacções editoriais forem maioritariamente bloquistas. Veja-se a absoluta desproporção dos lugares atribuídos a bloquistas nos painéis regulares de comentadores e a sua percentagem de votantes. Se até o Presidente promoveu para seu conselheiro um farrapo revolucionário e António Costa o meteu no Banco de Portugal, como é que um distraído cidadão a fazer zapping na televisão vai perceber que aquilo é pó bafiento?         f Teixeira: Uma denúncia certeira. Tenho uma opinião diferente relativamente ao PCP mas não há qualquer dúvida que o bloco é o maior cancro de Portugal e, como cancro que é, ou se trata (arrumando-o numa esquina de 1% ou 2%) ou ele nos mata. Para já, estamos a caminho da segunda hipótese. Ainda assim, tenho fé em Portugal e acredito que seremos capazes de os arrumar ao canto de onde nunca devíamos tê-los deixado sair.           …..Paulo Silva > Miguel Queiroz: ……..Mas vamos ao que interessa. Durante o PREC o Socialismo era a palavra de ordem, o ar que se respirava, a fruta da época. Quem não a comesse não ia lado nenhum. Existem registos gravados em vídeo do líder do CDS, o Prof. Freitas do Amaral, a agradecer o contributo dos partidos socialistas e a dizer que o seu partido também queria atingir a “sociedade sem classes”… (isto é, o Socialismo ou Comunismo; como bem disse a ex-terrorista Isabel do Carmo). Contado ninguém acredita. Sim, sim, a extrema-esquerda só obteve 36 deputados, mas a “direita” era isto... O PREC tinha um objectivo claro que consistia na instauração de uma “democracia popular”, (um eufemismo para ditadura comunista), neste jardim à beira mar. Uma construção para a qual já se caminhava a passos largos à entrada do Verão Quente de 75. Os modelos desse projecto podiam ir da Cuba castrista à Albânia henverhoxhista passando, por ex., pela Bulgária soviética. Felizmente foi finalmente travado a 25 de Novembro de 75 - por ordens de Moscovo - quando todos já se preparavam para o embate final. Mas os andaimes da construção ficaram… Aí é que está o detalhe, (e o diabo está nos detalhes). Nomeadamente através da CRP de 2 de Abril de 1976. Coisas como a “sociedade sem classes” ou o “planeamento democrático da economia”, (eufemismo para economia planificada), figuravam no seu articulado. Só nos começámos a livrar dessa canga a partir da 2ª revisão constitucional em 1989, às portas da queda do Muro, mas ao mesmo tempo que Cavaco era “o pai do monstro”. Hoje temos a dívida e a carga fiscal que temos, sempre a abrir caminho para o socialismo... A única governação do PSD verdadeiramente à direita foi a de Passos Coelho, que ainda tentou mudar o estado de coisas, mas como era odiado pelos extremistas e por todos os compagnons foi corrido com uma jogada baixa. Para terminar, não coloque dúvidas acerca do meu respeito pela Democracia. Quem não aceita a existência de partidos em que não vota é quem os quer ilegalizar. E isto não é uma indagação, é uma afirmação.

José Sousa > Pedro Pedreiro: A malta associada ao BE costumam frequentar os mesmos sítios e vêm de uma velha tradição do burguês rebelde, sabichão e moderninho. Nas faculdades de letras e comunicação social são o espécime mais abundante. Quase todos passaram pela fase da t shirt com o focinho do che guevara, o famoso assassino sanguinário e produto comercial da esquerda estalinista, e depois passaram para antifas, sem fazerem a mínima ideia do que defendiam ou atacavam. Já adultos continuam formatados, semi ignorantes e com a bússola moral avariada. Acrescento: o perigo, o real perigo para Portugal não é uma hipotética, talvez, se calhar, imaginada, ameaça de um único deputado e de qualquer suposto atentado contra o Estado de Direito. (Ameaça essa pelos vistos nada perpetrada na coligação dos Açores. Mas isso não é notícia!) O real perigo está entre nós, tem influência na governação, prepara-se para aumentar essa influência e ajudar a tornar Portugal uma coutada comunista, extorsionista de impostos, assaltante de empresas, que levará na melhor das hipóteses a uma debandada das gentes de valor, que como é usual fogem para essas coisas horrorosas que são os países capitalistas.

 Paulo Silva: O Bloco é o partido mais anti-sistema que existe um Portugal. É um partido verdadeiramente revolucionário. Nestas duas frases o colunista João Marques de Almeida disse [quase] tudo. Acrescentaria que é o partido mais perigoso dentro do sistema. Só que em várias partes do texto as frases parecem não aderir. Por isso acrescento mais no comentário seguinte. A afinidade ideológica entre PCP e BE é mais do que natural, apesar das quezílias e dos estados de alma entre um e outro. São farinha do mesmo saco e só quem não conhece a História se surpreende. Quantas vezes Marx não se indispôs com os seus correligionários em virulentas diatribes? E os desacordos entre uma Rosa Luxemburgo e um Lenine?... E as diferenças dentro da troika russa?... Lenine nunca confiou em Trotsky e no fim da vida arrependeu-se de ter confiado em Estaline. Este último enviou uma mensagem a Trosky na ponta de um picador de gelo na nuca, pela mão do seu agente, o sr. Ramón Mercader. Tão amigos que eles eram, (deviam ser), não é filhos?... O sectarismo tem sido uma virtude dos revolucionários e não é por acaso que se diz que a Revolução come os próprios filhos, (de tão sôfrega). O camarada delegado congressista não criticou os três russos por serem revolucionários, mas por terem falhado a Revolução! Compreendem?… Se não há Lenine y sus muchachos, há o novo velho Marx, Gramsci, Lukács e a Escola de Frankfurt, os Foulcauts e Derridas ou o sr. Alinsky… Para além da tradição social-radical que já vem de trás de Rousseau ao Marquês de Sade.

Muitos ainda não entenderam o que é a nova extrema-esquerda dita radical, mais conhecida pelas suas manifestações do politicamente correcto, aka marxismo cultural. O BE é a sua secção portuguesa, e descreve-se como uma associação de indivíduos e organizações comunistas em processo de reciclagem e convergência tácticas. Nas instituições educativas e nos media, (ISCTE, FCSH/NOVA, CES, SIC, etc), estão os seus tentáculos ‘armados’ que preparam o trabalho de lavagem cerebral, primeiro das elites e depois das massas. A fórmula vem de fora e já vem sendo testada há muito. Os bloquistas não estão a inventar nada. Se JMA diz que o BE não necessita da Revolução, é porque não entendeu que o paradigma revolucionário mudou, ou porque fala a linguagem dos leigos. Os revolucionários socialistas clássicos entendiam a revolução política como preparação do terreno para a construção do Homem Novo. Hoje vai-se construindo o Homem Novo e no final a Revolução estará acabada… É assim. As pessoas estão a ser moldadas por um novo código de conduta moral e nem se apercebem disso. Não é preciso mudar o sistema de supetão. Vai mudando... Hoje em dia, pesem as doutrinas do ódio de classe continuarem de pedra e cal, veladas nas retóricas da justiça social e do direito-humanismo, coisas como a homofobia ou o racismo são empolados e elevados à categoria de pecado mortal. E têm de ser. Ninguém recruta activistas para uma causa anunciando que as coisas estão a melhorar. É preciso acicatar ódios para as barricadas… Os partidos revolucionários usam os temas fracturantes para agitar e moldar a consciência das gentes. É assim que contam assomar ao poder. Talvez na fase final se revelem em todo o seu esplendor aos olhos dos idiotas, mas aí será tarde demais.

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E num minúsculo ponto dessa Via Láctea

 

Um programa – “Got Talent Portugal”- que nos enche as medidas – tanto pelo excelente nível do júri, formado por Manuel Moura dos Santos, Cuca Roseta, Sofia Escobar e Pedro Tochas e apresentação de Sílvia Alberto - como pelo excelente nível de grande parte dos seus concorrentes, que nos prendem durante três horas ao écran, dando-nos a sensação de que muito se tem feito a nível de criação de talentos, neste país que desejaríamos sempre, assim desenvolto e participativo. A todos eles agradecemos o belo espectáculo, e, entretanto, deitemos os olhos para estas notícias que o Público nos oferece, sobre coisas novas de astronomia, observadas pelo Homem, nestes últimos anos, na nossa Via Láctea de pontos negros e campos de luz e magnéticos, onde a nossa infinita ignorância e pequenez – mas uma pequenez de “roseau pensant” que forceja por entender – vai penetrando cada vez mais …

 

ASTRONOMIA

Milhões de estrelas e buracos negros. NASA divulga imagem do centro da Via Láctea

Imagem do centro da Via Láctea é uma composição feita a partir de 370 observações realizadas ao longo das últimas duas décadas.

PÚBLICO

30 de Maio de 2021

O movimentado centro da Via Láctea está a 26.000 anos-luz de distância da Terra X-RAY: NASA/CXC/UMASS/Q.D. WANG; RADIO: NRF/SARAO/MEERKAT

Milhares de milhões de estrelas, incontáveis buracos negros, gás superaquecido e campos magnéticos compõem uma imagem colorida, que transborda energia, do centro da Via Láctea, divulgada esta quinta-feira pela agência espacial norte-americana (NASA).

A imagem é uma composição feita a partir de 370 observações realizadas ao longo das últimas duas décadas pelo observatório espacial de raios X Chandra da NASA, lançado em 1999, e por um radiotelescópio (MeerKAT) instalado na África do Sul.

O astrónomo Daniel Wang, da Universidade de Massachusetts Amherst, explicou que passou um ano a trabalhar nesta imagem enquanto estava confinado em casa devido à pandemia de covid-19.

O que vemos na foto é um ecossistema violento ou energético no centro da nossa galáxia”, disse Wang, citado pela agência Associated Press. “Há muitos vestígios de supernovas, buracos negros e estrelas de neutrões. Cada ponto de raio-X ou característica representa uma fonte de energia, a maioria das quais estão no centro”, acrescentou.

O movimentado centro galáctico da Via Láctea está a 26.000 anos-luz de distância da Terra.

TÓPICOS

ASTRONOMIA  CIÊNCIA  VIA LÁCTEA  ASTROFÍSICA  UNIVERSO  ESPAÇO  GALÁXIAS

COMENTÁRIOS

PG EXPERIENTE: Não somos o centro do Universo. O centro da galáxia, com a riqueza aqui mostrada, também está longe de o ser. Na verdade, o centro do Universo não existe. Um pouco de humildade cósmica só nos faz bem.

fernando jose silva INFLUENTE: O extraordinário universo desconhecido.

 

 

domingo, 30 de maio de 2021

Telhados de vidro

 

O excelente exemplo citado por Pacheco Pereira de um AO ofensivo da dignidade de um povo, perante a violência de imposição de uns e a indiferença pateta de outros, juntamente com outros muitos exemplos dos tais “telhados de vidro” a que não estão imunes os instalados no poder, provam que afinal, a haver equidade, ninguém está isento de condenação segundo a tal Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, há pouco aprovada, julgo que sub-repticiamente, pois só agora estalam os protestos - os atentos às políticas, só agora se pronunciando indignadamente. Quem manda, pode, mesmo em democracia, como se tem visto, isso da Grândola era só para o “furo”, naturalmente.

 

OPINIÃO

A aliança entre os censores e os que assinam de cruz

Ser enganado é um custo da liberdade, mas é mil vezes melhor do que dar ao Estado o poder de decidir o que eu devo ou não conhecer, pela censura do que é informação e do que é “desinformação”.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 29 de Maio de 2021

Existe um considerável desprezo entre os políticos e os que seguem a política – uma minoria muito longe do interesse geral mínimo que é a regra – sobre as matérias que não dão espectáculo mediático. Podem ser mais que importantes, mas, se não contribuem para a festa dos títulos e para a jigajoga das opiniões tribais, ninguém lhes liga. Dá-se então por regra um efeito de invisibilidade, por detrás do qual se escondem dois tipos de pessoas: as que têm um interesse próprio ou colectivo numa determinada questão e querem ver se ninguém dá por ela, e os que assinam de cruz, os da intenção e os da inércia.

Um exemplo é o Acordo Ortográfico, o maior atentado à língua portuguesa das últimas décadas, que todos já perceberam ter dado resultados contrários aos pretendidos – a começar no Brasil, o seu principal pretexto –, é um desastre diplomático e, ao ser imposto à força e ilegalmente, abastarda e degrada a língua nas escolas e na burocracia do Estado. Porque é que não se acaba com essa aberração? Porque uns não querem, e outros não querem saber.

O mesmo se está nestes dias a passar com a aprovação de uma Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, um verdadeiro nome em linguagem orwelliana, porque de “direitos fundamentais” não tem nada e é uma legitimação de todas as censuras. Pode-se dizer que nunca vai ser aplicada, que é inócua de tão vaga, genérica e mal feita que está, mas é só esperar até um dia, ou até quando servir a algum poder ou a algum interesse. Tudo é mau, a atribuição de actividades censórias à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o apelo à bufaria, a inexistência de medidas para efectivamente combater o cibercrime sob controlo judicial e não por uma “entidade” de nomeação partidária, o palavreado politicamente correcto que é hoje norma do “politiquês”. (Diga-se de passagem que eu sempre defendi a extinção da ERC, há já muito tempo.)

Como é que esta Carta passou? Proposta pelo PS, os primeiros censores, votada a favor pelo PSD, CDS, BE, PAN, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, os segundos censores, e com a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, a que benevolamente chamo assinantes de cruz. Depois, o Presidente da República também assinou de cruz, embora não seja impossível que a lei seja inconstitucional. A Europa assinou do lado dos censores, dado que tem muita responsabilidade nestas coisas que têm a sua matriz. A comunicação social, salvo raras excepções, ficou muda e calada, sem qualquer sombra do sobressalto que qualquer irrelevante “estrume” lhes suscita.

Ou seja, toda a gente. É também por coisas como esta, que são demasiado sérias, que não há verdadeira crítica ao Governo. E é também porque não há liberais onde devia haver. Liberais de liberdade, da causa da liberdade. Os do nome abstiveram-se.

Tudo isto sob a capa de um “direito à protecção contra a desinformação”, em si mesmo uma coisa bizarra, que pensa que numa sociedade democrática os cidadãos podem ser “protegidos” contra uma forma peculiar de “narrativas”, um termo na moda, sem limitar a liberdade de informação. Não estamos a falar de crimes, como a calúnia e a difamação, que esses são crimes que, como disse já mais de mil vezes, devem obedecer à regra de que o “que é crime cá fora é crime lá dentro” e mereceriam sem dúvida um esforço legislativo para dar à justiça leis que entrem em conta com a nova realidade das redes sociais, mas de “desinformação”, que é suficientemente ampla para nela caber tudo.

Para se perceber o espírito censório da proposta original do PS, veja-se uma das versões da lei onde se explica o que é “desinformação”:

Toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.

As sociedades não são imunes à mentira, à crença e à crendice, mas querer instituir por lei critérios de conformidade que nada têm a ver com a democracia e a liberdade de expressão é absurdo. A censura protege-vos, era o grande lema da censura dos 48 anos de ditadura

“Toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”

A parte final sobre a “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos” serviria para impedir e punir qualquer crítica ao Governo.

Numa sociedade democrática, onde há liberdade de expressão, não se pode controlar e muito menos punir através de uma qualquer ERCinformações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para causar dano público ou obter lucro”. Esta fórmula aplica-se, por exemplo, à publicidade e, por maioria de razão, a essa forma de publicidade que é a propaganda política. O que é, por exemplo, o “dano público”? E quem o julga? Associemos ainda o apelo à denúncia, cuja eficácia tende a ser maior exactamente nos meios que se pretendem controlar, nas redes sociais, que são em si mesmo o terreno privilegiado para a bufaria. A proposta de atribuição de “selos de qualidade” às publicações que o Estado considera verdadeiras seria ridícula, se não fosse perigosa.

As sociedades não são imunes à mentira, à crença e à crendice, ou, pior ainda, a interpretações diferentes dos mesmos factos, que um lado considera mentiras e o outro verdades, seja com má-fé seja com boa-fé, mas querer instituir por lei critérios de conformidade que nada têm a ver com a democracia e a liberdade de expressão é absurdo. Eu acho que certos discursos sobre a ditadura do Estado Novo proferidos no MEL são falsos e enganadores; e os negacionistas acham que a covid é uma “gripezinha” usada pelo PS para limitar as liberdades – tudo asneiras que deveriam arrepiar qualquer pessoa, mas defendo a liberdade plena de dizerem o que quiserem. Ser enganado é um custo da liberdade, mas é mil vezes melhor do que dar ao Estado o poder de decidir o que eu devo ou não conhecer, pela censura do que é informação e do que é “desinformação”. “A censura protege-vos” era o grande lema da censura dos 48 anos de ditadura.

Historiador

TÓPICOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO  CENSURA  ESTADO  DESINFORMAÇÃO  PARTIDOS POLÍTICOS DEMOCRACIA  MEDIA

COMENTÁRIOS:

Jorge Sm MODERADOR: Mau artigo sobre assunto sério. Interpretação abusiva e exagerada da Lei. Implicações que não existem. Imputam-se intenções censórias que me parecem ridículas. Regra básica desconsiderada: uma norma nunca se interpreta isoladamente, mas no contexto da Lei onde ela está inserida (e respectivos objectivos) e tendo em conta o resto do sistema jurídico. Dito isto, a lei está mal feita, como é tradição desde sempre em Portugal. Pouco cuidado nos conceitos e nas fórmulas usadas. Que existe um problema grave que urge enfrentar – a praga das notícias falsas –, não há dúvida. Quando entramos no "como", tudo é controverso.             Claudio Bruno INICIANTE: Caro Pacheco, Não se aflija. Basta invocar que foi uma paródia/sátira para estar tudo resolvido. Art.6: "4 - Não estão abrangidos pelo disposto no presente artigo os meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou paródias." Também seria interessante analisar os programas eleitorais à luz de: "2 - Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos." Talvez seja uma lei que permita o eleitorado processar os partidos pelas falsas promessas.                SE EXPERIENTE: Se bem entendi, a verdade passa a ser uma coisa democraticamente eleita. Poderá ser errado, frustrante e assustador, mas não deixa de ser cómico. É a tragédia salazarocha repetida como farsa.           Tristão Bretão EXPERIENTE: «A parte final sobre a “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos” serviria para impedir e punir qualquer crítica ao Governo.» Lamento dizê-lo, mas isto é mentira. Uma crítica ao Governo (sobretudo num país como o nosso, em que criticar o Governo é, desde as "Farpas", desporto nacional) não cabe em nenhum dos conceitos que a lei propõe que devem ser defendidos de campanhas organizadas. JPP recusou-se, como Barreto, a identificar o problema que gera a lei. Esse problema é o da manipulação de massas a partir da criação deliberada de falsidades em redes sociais. Não vale a pena invocar Salazar: não havia Facebook nem Twitter nem Whatsapp nessa época. O mundo é outro. O Capitólio que o diga.             Jonas AlmeidaEXPERIENTE: Em cheio, os frutos da união entre quem assina de cruz (e pelos outros!) e a censura bem à vista. Acrescento aos parabéns ao autor por tantos comentários aqui, o realçe para a chamada de atenção por PP que a "Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital" é uma proposta de censura digital à escala continental. O regresso do totalitarismo por essa via torna-se numa possibilidade bem real com esta "carta". Espero que o Público dedique algum tempo a informar-nos sobre isto.                Jose Leite INICIANTE: O assunto tratado hoje por JPP e AB é muito sério e está muito relacionado com o editorial de MC. Qualquer poder tem tendência para controlar, mesmo que apresente boas razões. Em democracia sólida a oposição contrabalança. Mas como diz MC hoje não há alternância. As direitas deixaram passar porque mais tarde lhes pode convir para pior uso. Que dilema para o cidadão comum: manter o PS no poder, mesmo com coisas menos perfeitas, que a oposição não combate, ou entregar-se a derivas que não se sabe onde vão dar? O povo não é parvo. Precisa-se de PSD forte, livre de "chegas", ou a alternância perde-se. José Cruz Magalhaes MODERADOR: Um texto que não deixará ninguém indiferente; alguns leitores discordarão da posição de JPP, por entenderem que a liberdade de expressão e de opinião só pode ser defendida, contra a mentira e a falsidade, com estabelecimento de limites claros. Outros, em que me conto incluir, concordarão que assiste ao cidadão, ao leitor ou espectador, decidir por vontade própria, o que será de aceitar como verdade e aquilo que deverá recusar como lixo, que é aquilo que muitos leitores e comentadores, adquiriram como adquirido, desde há muito.              pronouncer EXPERIENTE: Obrigado pela partilha do documento crivado pelo lápis azul, uma verdadeira exibição da coisa nojenta que foi o Estado Novo. A passagem da ‘Carta’ referida no artigo é arrepiante. Apesar de tudo, não me revejo nos discursos dicotómicos sobre o controlo de informação. Não quero os bombeiros a entrar-me em casa quando ligo o fogão a gás, mas espero vê-los em acção quando há um incêndio numa floresta. Na minha opinião, estamos ainda no adro dos danos que a propagação de informação falsa pode provocar nas sociedades. A este respeito, já estamos imersos numa guerra. O século XX mostrou-nos o quão danoso pode ser acharmos que podemos escapar de certas guerras por entre os pingos de chuva.               GMA EXPERIENTE: Portanto, Pacheco Pereira, a lei é má (não sei se é sem ouvir quem a defende) e a alternativa é ser enganado. Interpretei bem? Se sim, então como é que uma "sociedade de enganados" é livre? Não estou nada convencido com aquilo que parecem ser arrufos libertários do Pacheco Pereira, que a eles também parece não ser imune.           João Cebolo INICIANTE: PP não diz que existe uma dictomia e que a alternativa à lei é “ser enganado”. Diz que a liberdade de expressão e o acesso livre à informação tem como risco a possibilidade de ser enganado. Risco tal que é muito inferior às limitações e imposições trazidas pela censura           GMA EXPERIENTE: No pressuposto de que existe, ou existirá, censura, certo Sr. João? O que enviesa tudo é a inevitabilidade da censura que parece ser para si um adquirido. Vivi o tempo da censura, a sério, e não a desejo de novo; esta é uma certeza. A incerteza é se o "mercado livre da intoxicação" não terá as mesmas consequências da "mão invisível" dos mercados. Entre a total liberdade de ser enganado e o efeito regulador da "mão visível", tenho dúvidas. Mas, provisoriamente pelo menos, prefiro este.

Luís Manuel Braga INICIANTE: Portanto, vc não quer ser enganado. Ok, tudo bem. A lei em questão vai dar-lhe conforto em relação a esse ponto. E, já agora, quem define o que é certo ou enganador? O Estado. Melhor os funcionários, para isso designados pelo estado, isto é, por quem na altura estiver a governar. Certo? Já agora, pense bem em que tipo de regimes é o estado a dizer-nos o que é certo e o que é errado? Os livros ou as notícias que devemos ou ñ ler? Percebeu? Aceito que seja esse o ideal ou até mm o necessário para si. Para que tenhamos uma sociedade de “pessoas de bem”!                 FPS MODERADOR: Esta posição de PP é conhecida... e confesso que fico sempre baralhado pois nunca encontrei a pergunta perfeita para confrontar Pacheco Pereira. Ao ler o seu comentário (brilhante) foi um clic: é isto mesmo. E olhe que gostava de saber como PP responderia à sua muito clarividente questão.            GMA EXPERIENTE: Caro(a) FPS, permita que me associe à sua curiosidade. Achando que não vamos ter resposta.           Fundo do Mar EXPERIENTE: Muito bom o artigo de PP. Destaco esta passagem: "A parte final sobre a “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos” serviria para impedir e punir qualquer crítica ao Governo". Já dizia o ditado, de boas intenções ... Fernando. Camecelha INICIANTE: Proponho que releia o artigo do Público de ontem sobre o Quanon.  Jose MODERADOR: Incomoda sentir mentiras, insinuações, ofensas, calúnias, injúrias, aberrações, branqueamentos, enormidades... a jorrar de todas as fontes. Pelos vistos também incomoda o PS, partido socialista que mente logo no nome. Incomoda todos os representantes da democracia representativa, os quais submetidos, por vontade própria, não da democracia, ao poder fático de Bruxelas desmentem ser representantes dos eleitores ao exercerem delegação de Bruxelas contra o seu Povo eleitor. Eu sei que não são estas mentiras graves que incomodam quem quer censurar a vozeria. O que querem censurar não é um deputado mandar outro p'ra sua terra ou chamar bandidos a cidadãos. Não é chamarem-se reciprocamente de mentirosos e irresponsáveis em público e em funções. Não é a persistente campanha anti-sindical...              FPS MODERADOR: Desta crónica, gostei, muito especialmente, da informação e do despacho do Sr. Major da PIDE, a propósito de uma obra de 1962, do saudoso, irreverente, teso de carácter e hombridade, José Viena, em tempos da única música que se fazia ouvir não passar de um "Samba de uma nota só" (quem esquece Tom Jobim, grande também como músico e singular hombridade). Se acompanho o raciocínio de Pacheco Pereira, a verdade é que o que se passa em boa parte da comunicação social, especialmente nas TVs, é de arrepiar. Como pôr cobro a isto, não faço a mínima ideia... mas que é por estas fontes que escoa a imundice que cultiva o radicalismo e as redes do ódio, não duvido. Ontem, creio, li escrito algures que nunca se odiou tanto no país. Também me parece, como se calhar nem no tempo de José Vilhena.           FPS MODERADOR: ET: A propósito, quando é que Nicolau Santos toma posse do lugar na RTP? Feio, torto e ignorante INICIANTE: Eu defendo a liberdade de o Sr. P. Pereira, enquanto administrador da Fundação de Serralves nomeado pelo Estado, ir ao parlamento dizer anormalidades sobre os direitos do trabalho e algumas mentiras sobre o que se passa naquela instituição, como bom "liberal" que às vezes finge não ser. Como de facto foi, sobranceiramente. Ricardo Fernandes INICIANTE: Concordo plenasd++

*mente. Viva a liberdade abaixo a censura seja com que justificação for. 25 Abril para quê???             Figueira da Foz EXPERIENTE: Termina de forma excelente. É pena que que ainda não seja desta que surjam, organizados, cidadãos promovendo acima de tudo ideias liberais. Jose Luis Malaquias INFLUENTE: Bravo!

 

Continuação do assunto da crónica anterior

 

Por Alberto Gonçalves. Desta vez por António Barreto. Venham mais cinco. Ou dez. Ou.

OPINIÃO: A Inquisição, a Censura e o Estado

O Estado prepara-se para pagar o funcionamento de uma rede infernal de delação, supervisão e vigilância, enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade, da narrativa autêntica e de elevação moral. Salazar não faria melhor!

ANTÓNIO BARRETO        PÚBLICO, 29 de Maio de 2021

A lei aprovada pelo Parlamento, promulgada pelo Presidente da República e referendada pelo Governo acaba de criar um regime de orientação, vigilância, censura a posteriori, delação e controlo da liberdade de expressão, inédito na democracia e só parecido com algo em vigor durante a ditadura salazarista.

A lei (n.º 27/21, de 17 de Maio) foi aprovada pela esquerda, pela direita e pelo centro (PS, PSD, BE, CDS, PAN, Joacine Moreira e Cristina Rodrigues). Ninguém votou contra. Abstiveram-se o PCP, o PEV, o Chega e a IL. Esta lei consiste no mais atrevido ataque à liberdade de expressão desde há quase um século. A lei é uma tentativa violenta de impor uma moral, de regular o pensamento, de orientar as mentalidades e de condicionar convicções. A lei delega poderes públicos em instituições, entidades e empresas, privadas ou públicas, a fim de orientar o pensamento, de vigiar a opinião e de condicionar a liberdade de expressão.

Com excepção de menos de uma dúzia de comentadores, quase ninguém do mundo da política e do jornalismo, da edição e da comunicação, se exprimiu sobre esta lei. Que se passa com os intelectuais, os jornalistas, os académicos e os artistas que não prestaram atenção a esta lei repressiva e embrionariamente totalitária que leva a designação cínica de Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”? Que se passa com os sindicatos, as confederações, os magistrados e as sociedades profissionais tão alheios à aprovação desta lei?

Que se passa com os partidos que votaram a favor do condicionamento da liberdade de expressão e de pensamento? Que se passa com a Assembleia de deputados e o Presidente da República que não se aperceberam do que aprovaram com tanta desfaçatez? Que se passa com os partidos que se abstiveram? Que se passa com 230 deputados portugueses, eleitos pelo povo, que não criticaram o mais grave atentado contra a liberdade de expressão desde a aprovação da Constituição de 1933?

Que se passa com os cidadãos deste país que não viram o que estava a acontecer e que assim permitem que o Estado venha a ter um papel determinante na definição dos limites do pensamento e do tom da sua expressão?

Ou antes, talvez mais verdadeiro, que se passa com toda esta gente que prestou atenção, viu, leu bem, aprovou, concordou e aplaudiu uma lei directamente ameaçadora da liberdade de expressão, orientada para a formação de opiniões, e destinada a condicionar a orientação cultural, política e filosófica de cada um?

Com toda esta narrativa, ficam em causa a publicidade, a propaganda, a campanha eleitoral, o discurso político, o debate laboral e até mesmo a criação artística. Há décadas que não se via nada de semelhante É um dos piores sinais de evolução de um povo e das suas elites: colaborar na sua própria opressão. O despotismo nacional que sempre espreita e a falta de tradição democrática e liberal ajudam a explicar esta vontade de impor uma virtude, de regular a opinião, de filtrar crenças e de certificar convicções. Há, entre nós, muita gente que espera que o Estado (de direita ou de esquerda) se ocupe das consciências e da moral pública. Para bem de todos, com certeza.

Previsivelmente, esta lei presta atenção a todos os novos direitos, novos clientes e novos públicos, aos fracos e vulneráveis, às questões de género e de raça, a tudo quanto está na moda. E, sobretudo, à verdade e à virtude. Muito bem. Outros já fizeram o mesmo. Por exemplo, o famoso artigo 8.º da Constituição de 1933, do Estado Novo de Salazar, dizia que “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma (…) é um direito e uma garantia individual do cidadão”. Mas também dizia que “leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento (…) devendo prevenir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”.

O pior desta lei, depois do seu intuito virtuoso, é o que define as funções do Estado. Este deve proteger a sociedade contra “os que produzam, reproduzam ou difundam” narrativa considerada desinformação. O que é a narrativa e o que é a desinformação estão no centro da tentativa autoritária. O que é “falso e enganador”, o que é feito “deliberadamente para obter vantagens económicas ou para enganar o público”, o que é susceptível de “causar prejuízo público”, o que é “ameaça aos processos políticos democráticos aos processos de elaboração de políticas públicas (o que isto quer dizer só “eles” sabem…) e a bens públicos”. Com toda esta narrativa, ficam em causa a publicidade, a propaganda, a campanha eleitoral, o discurso político, o debate laboral e até mesmo a criação artística. Há décadas que não se via nada de semelhante.

É verdade que a lei é mal feita, mal escrita e perversa. Talvez seja mudada a curto prazo ou nunca venha a ser aplicada, tudo é possível neste país embrulhado no vórtice da manipulação (que dizem democrática…) de consciências. Mas o que é certo é que o dispositivo autoritário está criado. Pode ser aplicado em qualquer altura.

Através da ERC, de agências e serviços a criar, de “estruturas de verificação” a acreditar, de associações a reconhecer, de jornais ou televisões a certificar, de “selos de qualidade” a distribuir, de institutos universitários e centros de estudos académicos em que delegar competências, o Estado prepara-se para pagar o funcionamento de uma rede infernal de delação, supervisão e vigilância, enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade, da narrativa autêntica e de elevação moral, assim como da protecção dos fracos, dos vulneráveis e de todos os públicos especiais, o que quer dizer, de toda a gente. Salazar não faria melhor! Salazar não fez melhor! Polacos, húngaros e turcos não fariam melhor! Fascistas e comunistas não fariam melhor. Porquê? Porque agora utiliza-se a democracia para fazer as mesmas coisas. Usa-se a democracia para fazer o serviço sujo. Recorre-se à democracia para manipular, orientar e proibir. Emprega-se a democracia para favorecer e privilegiar. Utilizam-se todos os meios e recursos democráticos para limitar, condicionar, espiar e vigiar!

Como se explica esta deriva? Intenção de fazer bem e de proteger os vulneráveis? Talvez. Vontade despótica? Provável. Necessidade de tentar controlar a população e manipular as consciências? Com certeza. Medo da liberdade dos outros? Possível. Receio das redes sociais? Certamente. Paranóia relativamente aos inimigos da democracia? Provavelmente. Defesa dos privilégios das actuais elites políticas e dos actuais partidos? Absolutamente exacto. Superioridade moral e presunção virtuosa? Sem dúvida.Os autores e os que aprovaram esta lei vão ficar na história. Pelas piores razões.

Sociólogo

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COMENTÁRIOS:

Fowler Fowler EXPERIENTE: Reconheço a bondade da referida lei, porém, o seu artº 6º suscita dúvidas que nos transportam para os tenebrosos 48 anos de censura que nos moldaram o pensamento. Concordando com o sr. Barreto, acho que essa lei está, assim, ferida de morte, uma vez que o teor desse artigo esbarra nos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República, a qual, como se sabe, foi redigida ao abrigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Antes que a lei entre em vigor e seja regulamentada, espero que o Tribunal Constitucional se pronuncie.                Ventura Melo Sampaio INICIANTE: Este é claramente o resultado duma universidade pior que medíocre e duma escola formatadora de conveniência marxista no pior stalinista, destruidora da liberdades em nome da liberdade única. Soares quando se opôs à unicidade sindical sabia o que estava para vir com os invasores do ps por escumalha nas esquerdas nazis e facistas. Como diz Barreto, nem Salazar faria melhor pela destruição da liberdade de ideias e sua expressão...          ptsantos2 INICIANTE: Um texto opinativo, não demonstrativo.... Até parece que está tudo bem. Qualquer lei neste sentido terá sempre oposição.           Armindo Castelo Bento EXPERIENTE: Bruxelas prepara "ataque" às notícias falsas O combate à manipulação do processo eleitoral envolve um sistema de alerta rápido para detectar notícias falsas, uma equipa de verificadores de factos permanentes, e parcerias com gigantes tecnológicos.     IZANAGI01 EXPERIENTE: Em meados de 2020 o governo disse que forneceria computadores, durante esse ano a todos os alunos. Estamos em meados de 2021 e uma grande parte dos alunos ainda não recebeu o computador. Estamos na presença de uma notícia falsa. Consequências? O que propõe? Destituir o governo?             Luís Manuel Braga INICIANTE: Tudo, mesmo tudo, que coloque em causa a liberdade de expressão, não pode ser tolerado. Se alguém proferir alguma mentira dolosamente, da qual resulte dolo para o outro, pode e deve ser penalizado. Se eu der, sem querer, um murro em alguém, os tribunais - se se chegar a isso - absolvem-me pq são capazes de decidir se foi ou ñ propositado ou acidental. Ñ será preciso criar um código para regulamentar os contactos físicos, quais os que constituem crime ou não! Este código agora criado, é mesmo mto preocupante. Já existem tantas restrições, tanta falta de liberdade efectiva, na prática, de expressão, que acrescentar, agora em forma de lei, mais uma, é, no mínimo, assustador e indiciador de coisas ainda piores!           chagas_antonio MODERADOR: Pergunte-se, então: o que fazer ao assédio e à intimidação digitais? O que fazer a quem utiliza esses meios, que são específicos e têm capacidades e funcionalidades poderosas, para maliciosamente desinformar ou lucrar com a impreparação de consumidores ou cidadãos? O mundo não-digital tem uma história institucional de séculos, e um aparelho legal e judicial que foi (está a ser) continuamente aperfeiçoado; não será apenas natural que o mundo digital seja incluído nesse mesmo aparelho? Ou devemos esperar que a moral, o pensamento e as convicções do mundo digital nos sejam impostas?           fmart8 EXPERIENTE: Nem sabia desta lei e vou investigar melhor, mas se esta lei é um pau de dois bicos também é verdade que as "fake news" encostaram as sociedades às cordas -- veja-se o caso das vacinas, por exemplo. Como enfrentar este problema sem que a emenda seja pior do que o soneto, é que a grande questão, e António Barreto faria melhor se participasse construtivamente em vez de agir como uma adolescente desvairada.         chagas_antonio MODERADOR: Evidentemente. Se não se fizerem as perguntas certas, chegar-se-á invariavelmente a respostas erradas.             GMA EXPERIENTE: Há pessoas que, definitivamente, não conseguem libertar-se das assombrações salazaristas, e então, volta-não-volta, lá vem o papão da inquisição e outros terrores que tais. Papões por papões, o Dr. Barreto pode numa próxima crónica arranjar um qualquer argumento para nos assustar com os comunistas que deglutiam criancinhas ao pequeno almoço, porque o Dr. Costa, para além de inquisidor e censor, também é amigo dos comunistas.              MMRdM EXPERIENTE: O problema tratado por esta lei não é de juízo fácil. Critica-se uma lei que "delega poderes públicos em instituições, entidades e empresas, privadas ou públicas, a fim de orientar o pensamento, de vigiar a opinião e de condicionar a liberdade de expressão.". Porém, o que temos hoje, num contexto de ausência de lei, é entidades privadas a vigiar a opinião, a condicionar a liberdade de expressão, a fazer com que incessantes teorias da conspiração se sobreponham a teorias científicas ou históricas plausíveis, e a fazer com que a detenção do canal (o acesso à atenção das pessoas) seja mais relevante do que a qualidade e, pior, a veracidade, dos conteúdos que a elas chegam.  Tristão Bretão EXPERIENTE: Subscrevo.             Sa1004065 INICIANTE: Esta Lei é um pau de dois bicos! Depende de como vai ser posta em prática... só depois se verá se serve de mordaça ou de escudo!         OldVic1 ODERADOR: Obrigado pelo alerta. Resta-nos a clandestinidade e a desobediência civil, se esta lei for para usar até às últimas consequências. De uma primeira leitura superficial tirei esta pérola de humor involuntário: Artigo 3.º, n.º 2, alínea h) "h) A adopção de medidas e acções que assegurem uma melhor acessibilidade e uma utilização mais avisada, que contrarie os comportamentos aditivos e proteja os consumidores digitalmente vulneráveis;". Portugueses, nada de comportamentos aditivos: a partir de agora é proibido somar. Tabuadas para o lixo, já! Já agora, os perigos identificados pelo autor demonstram muito bem como é que a democracia pode levar à ditadura: basta que a sociedade se deixe levar sem sentido crítico e sem vigiar os governantes. Infelizmente, esse é o ADN de Portugal, conforme o demonstra a nossa História. Resta-nos recorrer aos tribunais europeus quando formos condenados pelo livre pensamento.           geral.937818 INICIANTE: A tristeza maior de tudo isto é que este é um governo totalmente à deriva, com uma oposição totalmente à deriva. Qual a esperança num futuro de democracia liberal? Nenhum. Caminhamos para uma ditadura de esquerda encapotada de democrática, à maneira deles.        cidadania 123 EXPERIENTE: Esta lei nasce na era Trump, e está tudo dito. Agora que Trump não está em cena, como se irá aplicar esta lei, é o ponto crucial. É óbvio que a liberdade de expressão é cada vez menor, e a censura cada vez maior, sobretudo em Portugal. Temo que no futuro esta tendência se mantenha...      Ricardo Fernandes INICIANTE: Concordo plenamente. Viva a liberdade abaixo a censura. 25 abril para quê??? Tristão Bretão EXPERIENTE: Um discurso completamente histérico e demagógico para atacar uma lei perfeitamente defensável, mesmo nos termos em que está redigida (e que podem sempre ser corrigidos). António Barreto está por tudo para aparecer em público e praticar o desporto nacional por excelência: bater em políticos. A decadência intelectual é o menos aqui. O gritante é a total ausência de escrúpulo moral numa pessoa com perfeita consciência da manipulação que está a exercer para obter estritos ganhos pessoais (de popularidade fácil). Até custa mencionar o facto de se tratar de um universitário de carreira, que assina como "sociólogo". JLMB EXPERIENTE: Podia ser mas preciso na crítica, até porque o António Barreto pode querer muita coisa, protagonismo não me parece seja o que o entusiasma.