domingo, 31 de julho de 2022

O hábito faz o monge


Ou irmandade retroactiva. O chefe russo de hoje, afinal, é extremamente parecido com os chefes seus predecessores, na extorsão, pilhagem, matança, atropelo, embora o cinismo do “irmão” actual seja mais visível, graças ao apoio técnico informativo, que possibilita a visão das poses de quem ordena por lá, pela Rússia ambiciosa de sempre, talvez indiferente ou ignorante de leituras bíblicas, que reduzem a condição humana a simples pó, o que de resto, não aquenta nem arrefenta a esse da pose actual, sabedor de que o resto é sempre o tal silêncio, e preferindo ordená-lo aos outros, enquanto por cá anda. O problema de hoje, criador de angústias, lágrimas de pena horrorizada, medos, é a maior visibilidade da transmissão directa do comportamento criminoso, que dantes só se conhecia condicionado pela imprensa escrita, e seguidamente sonora, ficando ainda muito dele no segredo dos deuses até historiadores e escritores os descodificarem. Bem faz o historiador Jaime Nogueira Pinto em alertar para os livros contemporâneos desses tempos que encaminharam, parcialmente embora, também o nosso percurso juvenil, posteriormente debruçado sobre leituras de foro mais clássico, e hoje variando preguiçosamente entre a biblioteca e a cinemateca de sofá. Mas fico sempre grata a JNP pelas suas esclarecedoras lições e interpretações da história, e pela sua justificação e defesa do “iliberal” Orban, que sabe bem as linhas com que se cose, ao contrário de nós, os democratas com pouca linha.

Naterra do meio

Em Budapeste, nas margens do Danúbio, não pude deixar de pensar no destino destas nações da Europa do Meio, sempre no caminho de impérios conquistadores – e agora até de Bruxelas.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 30 jul 2022, 00:2119

A Europa Central, a MittelEuropa ou  OstEuropa,  começou por me interessar e impressionar pelos escritores. Geograficamente, era tudo o que ficava para Leste da Alemanha e antes da Rússia; política e culturalmente, era o antigo Império dos Habsburgo. Mas antes disso e com isso, era, para mim, os escritores: primeiro, Stefan Zweig, de quem li, muito cedo, as biografias de Fernão de Magalhães, de Maria Stuart, de Maria Antonieta, de Fouché; e depois os Momentos Decisivos da História da Humanidade, onde havia uma extraordinária narrativa da última batalha e primeira derrota de Napoleão, “O Minuto Mundial de Waterloo”. Confesso que era então – apesar das invasões – pelo Napoleão, e sofria quando o Blücher chegava antes do Grouchy e “naquela triste planície, terminava a epopeia”.

Os escritores da Terra do Meio

Li mais tarde os romances Amok Vinte e Quatro Horas da Vida de uma Mulher, e O Mundo de Ontem, uma memória desse império dos Habsburgo, que acabou com a morte do arquiduque Francisco Fernando em Sarajevo. Vi o filme agora, em Budapeste, no Museu de História Militar, uma peça de nostalgia necrológica, com a devida pompa e circunstância.

Joseph Roth, outro dos judeus contemporâneos de Zweig, também tinha publicado um requiem pelo Império, em 1932: A Marcha de Radetzky. Radetzky foi o general dos Habsburgo ligado às últimas vitórias da guerra de Itália, mas também à repressão brutal na Lombardia-Venetia. O romance conta as derradeiras décadas do Império Austro-Húngaro através da saga da família Trotta, uma história de ascensão e queda paralela à do Império. O primeiro Trotta salvara o imperador Francisco José em Solferino e fora nobilitado; a partir daí os von Trotta seguiam a sorte do Império. A “Marcha de Radetzky”, Opus 228 de Johann Strauss, é uma marcha triunfal encomendada ao compositor para celebrar o velho marechal depois da batalha de Custoza.

Stefan Zweig fugiu da Áustria em 1934 e divorciou-se da primeira mulher, Friederike, de quem ficou amigo. Em 1936 esteve com Joseph Roth, em Ostende, na Bélgica. De Londres, com outros emigrados que descreve como “fantasmas”, acabou por partir para Nova Iorque. Viajou depois com a nova mulher, Lotte, para o Brasil e suicidou-se com ela em Petrópolis, em 1942. Nascido na Grécia em 1894, Joseph Roth serviu no Exército imperial e escreveu em jornais como o Frankfurter Zeitung. Em 1933, o ano do triunfo de Hitler, o judeu Roth foi para Paris, onde acabou os seus dias. Lamentava a destruição da “sua pátria”, a única que tinha tido, a “Monarquia Dual da Áustria-Hungria”. Morreu nas vésperas da Segunda Guerra.

A Marcha de Radetzky lembra outros romances contemporâneos do declínio e queda do império habsbúrgico, como O Homem sem Qualidades, de Musil ou O Bom Soldado Svejk, de Jaroslav Hasek. A tragédia, o destino e o humor corrosivo destes autores marcam o fim desse Império aristocrático-burguês, multiétnico, liberal, conservador, tão diferente do que viria a seguir.

Todos estes autores, enredados num saudosismo sonâmbulo do decadente Império Dual dos Habsburgo e do seu autoritarismo tolerante, cairiam fulminados pelo hitleriano despertar dos Nibelungos.

Kafka, outro sonhador de histórias fantásticas, nasceu em Praga, no reino da Boémia, também judeu e também cidadão da MittelEuropa e da monarquia dos Habsburgo. Não teve de emigrar porque morreu em 1924, antes das perseguições hitlerianas. Mas em 1951, na República Democrática Alemã, o autor de O Processo teria as suas obras proibidas, como burguês “decadente”, contrário à ortodoxia do Partido de Estaline.

Outro cidadão do Império dos Habsburgo, senhor de um grande sentido de humor e mestre de distopias, foi Karel Capek, o inventor da palavra “robot”. Descobri-o com A Guerra das Salamandras A Fábrica do Absoluto, publicados na Argonauta e na Miniatura, colecções de bolso da minha adolescência. Capek também morreu cedo, de bronquite – ou de desgosto perante a ocupação da Boémia-Morávia pelos alemães. E depois de 1948 foi também proibido pelos comunistas – era um liberal admirador da América que publicara, em 1924, o ensaio Porque é que não sou comunista: “Se o meu coração está do lado dos pobres por que raio é que eu não sou comunista? Porque estou do lado dos pobres”, escrevia então Capek.

Outro autor da MittelEuropa, também cidadão tardio do Império dos Habsburgo e perseguido pelos sucessivos totalitarismos foi Sándor Márai, escritor húngaro tardiamente conhecido, mas considerado hoje um dos grandes autores da literatura europeia. Márai nasceu em 1900 na Hungria, em Kassa. De família aristocrática, foi, na juventude, partidário da República Socialista Soviético-Húngara, uma experiência comunista que durou uns poucos meses, entre Maio e Agosto de 1919, mas que serviu de susto e de lição. Márai criou então um “Grupo Activista e Antinacional de Escritores Comunistas” e fugiu do país quando os comunistas caíram, errando pela Europa até voltar à Hungria do regente Miklós Horthy, em 1928.

Em 1942 escreveria o seu romance mais célebre, As Velas Ardem até ao Fim, uma história de nostalgia, paixão, amizade e ajuste de contas. No fim da Guerra, com a entrada das tropas soviéticas em Budapeste, Márai também saiu do país e colaborou activamente, entre 1951 e 1968, na Radio Free Europe. Fixara-se, entretanto, nos Estados Unidos e a sua desilusão com falta de apoio ocidental ao levantamento nacional e popular de Budapeste em 1956 seria total. Acabou também por se suicidar em San Diego, em 1989.

Em Budapeste, nas margens do Danúbio, penso nos destinos destes escritores da MittelEuropa, todos nascidos nos finais da Monarquia Dual dos Habsburgo, todos nostálgicos dessa Europa de ontem e da sua liberdade burguesa, liquidada em massivas vagas totalitárias. Penso neles nesta cidade capital da Hungria, uma nação muito especial, com uma língua única, incompreensível, diferente de todas. Uma nação muito antiga, com os seus reis lendários de seis dinastias, de Santo Estêvão a Mathias Corvinus; uma nação que foi sofrendo as invasões e ocupações de muitos impérios – dos turcos, dos russos, dos austríacos, dos nazis, dos soviéticos – e que foi sempre resistindo. Os heróis dessa resistência ocupam hoje dezenas de pedestais nos parques e jardins da capital, ao lado dos escritores, dos músicos, dos poetas.

Conversando aqui com velhos e novos amigos e comparando histórias e destinos, não pude deixar de pensar na geografia benévola que Deus deu a Portugal, na ponta ocidental da Europa, tendo por único vizinho – e possível invasor e inimigo – a Espanha; e de compará-la com a destas nações da Europa do Meio, sempre no caminho de impérios conquistadores – e agora até de Bruxelas, com os “novos direitos humanos” e o saco das patacas para chantagear os recalcitrantes.

Hungria, uma história de resistência

A Hungria não esquece a sua história de resistência. No século XIX, em 1848-1849, na Primavera das Nações, revoltou-se contra os Habsburgo, uma revolta que o novo Imperador, Francisco José, só dominou graças ao grande corpo expedicionário russo de Nicolau I. Em 1867, depois de anos de repressão, houve uma reconciliação austro-húngara e o conde Andrássy, um patriota revolucionário de 1848, que tinha sido enforcado em efígie, ficou primeiro-ministro, selando um compromisso que durou até à Grande Guerra.

A brutalidade da História continuou a abater-se sobre a Hungria no século XX: com a derrota de 1918 e a revolução comunista de Bela Kun, os vencedores esquartejaram o país, pelo Tratado de Trianon, e tiraram-lhe dois terços do território e parte da população.

Depois foi a tragédia da Segunda Guerra, em que a Hungria alinhou com a Alemanha e a Itália; em 1944, o golpe dos Cruzes de Flecha, de Ferenc Szálasi, ditou o fim dos judeus húngaros. Alguns salvaram-se, graças à protecção do Almirante Horthy e aos passaportes concedidos pelos diplomatas de Portugal e Espanha.

Os soviéticos saíram vencedores dos 50 dias da batalha de Budapeste, entre 26 de Dezembro de 1944 e 13 de Fevereiro de 1945, uma batalha em que morreram quase 40.000 civis, com os alemães a sofrerem e a infligirem pesadas baixas aos russos.

Depois da vitória, as tropas comunistas procederam às brutalidades do costume: além da ritual violação das mulheres, milhares de raparigas foram raptadas e levadas para os quartéis pelos soldados; mais de 600 mil húngaros, militares e civis, dos quais um forte contingente da minoria alemã, foram aprisionados e enviados para a União Soviética para trabalhos forçados. Calcula-se que, destes, cerca de 200 mil tenham morrido de maus tratos. Parte dos civis foram deportados para preencher o número de prisioneiros militares que o marechal Malinovsky, por excesso, indicara no seu relatório da batalha de Budapeste.

Depois veio a longa noite comunista: no princípio houve eleições e os comunistas perderam para o Partido dos Pequenos Proprietários, que teve a maioria absoluta, em Novembro de 1945; mas, aproveitando a presença das tropas soviéticas e dominando o aparelho policial e militar, os comunistas intimidaram e dividiram os opositores, prendendo e enviando os mais decididos para a União Soviética e levando outros ao exílio. Seguiu-se a perseguição aos cristãos – católicos, calvinistas e luteranos –, com o julgamento e condenação do Cardeal Mindszenty e a colectivização, tudo sob a tutela de Estaline e dos líderes locais comunistas – Mátyás Rákosi e o seu grupo de emigrados na URSS.

O terror comunista caiu sobre a Hungria e os húngaros, habituados a lutar contra ocupações e tiranias. E em 1956, nos últimos dias de Outubro, depois do discurso de Kruschev a denunciar os crimes de Estaline (como quem denuncia uma novidade de que ele, Kruschev, e a Nomenklatura estavam inocentes e a qual desconheciam), houve o primeiro grande levantamento popular contra um regime comunista.

Ardilosamente, os comunistas aderiram à pressão popular e Imre Nagy, um comunista que fora primeiro-ministro em 1953-55 mas que mostrara independência em relação a Moscovo, foi chamado ao poder pelos rebeldes, enquanto as tropas russas simulavam uma retirada. Entretanto, os soviéticos pós-estalinistas, que sabiam bem que era o medo que garantia o poder do Partido, com a cumplicidade de Janoskadar, foram enganando os húngaros com negociações – e voltaram em força em 4 de Novembro, esmagando os revoltosos com tanques.

Desta vez, mais de dois mil revoltosos foram mortos nos combates, muitos milhares foram presos e torturados e desses foram mortos umas centenas. Duzentos mil fugiram. Nagy refugiou-se na embaixada da Jugoslávia, mas saiu, confiado na palavra de Kadar para ser entregue e julgado à porta fechada. Foi enforcado em 1958. O cardeal Mindszenty, libertado pelos rebeldes, refugiou-se na embaixada americana, e aí viveu até 1971. Tinha já sido preso pelos Cruzes de Flecha durante a guerra.

Hoje, a Europa, a liberal Europa unida que quer impor os “novos direitos humanos” de uma agenda radical e anti-cristã a um país que pagou com a tortura e a morte a resistência a dois radicalismos iliberais anti-cristãos, parece obcecada com o iliberalismo de costumes da Hungria. Consequentemente, o primeiro-ministro Viktor Órban, que iniciou a sua vida política como militante anticomunista, é apresentado como um tirano em ascensão, e assim firmemente considerado por uma coligação bem-pensante, que vai dos correligionários ideológicos dos comunistas que mataram e torturam milhões em todo o mundo, até aos “convidados ociosos da existência”, que assistem do sofá ao que lhes dizem “que vai pelo mundo”.

Em Budapeste visitei a “Casa do Terror”, uma moradia onde, sucessivamente, funcionou a direcção do partido nazi dos Cruzes de Flecha e a polícia política do Partido do Estado comunista, a AVO, com os gabinetes dos chefes das secretas e dos torturadores e as caves com as celas por onde passaram Nagy e Mindszenty. Também lá estão os retratos de quase todos os menores aprisionados, como o célebre Péter Mansfeld, de quinze anos ––; menores esses que os carrascos do “poder popular”, no estrito e escrupuloso cumprimento da lei, ali mantiveram encarcerados até atingirem a idade legal para poderem ser executados.

São histórias que a Hungria não esquece.

EUROPA   MUNDO   HUNGRIA

COMENTÁRIOS:

S Belo: Obrigada, JNP por mais uma  interessante lição de História. Revisitei consigo as estantes do meu Pai. José Barbosa: Que grande lição de História e que cultura. Muito obrigado.             Joaquim Lopes: A UE tem dirigentes entre os quais a Presidente que esteve nos vários negócios da Covid, foi ministra da corrupta Merkel, causadora da situação que se vive na Ukrânia. A Hungria defende-se porque sabe o que valem os inimigos da democracia que governam na maior, parte da UE, no fundo a UE tem um regime comunista? Exagero? O Comité Central é a Comissão Europeia, o centralismo democrático. Tem um parlamento onde não se vota por se saber que aquilo nada decide. As imposições e as "regras" são típicas de um regime comunista. Neste momento são raros os países que não são governados pelas esquerdas Gramsciana, decerto também chegará onde chegaram os USA a recessão, Draghi saiu não fosse a Itália seguir o caminho da Hungria, a hárpia do Banco Central fez que as coisas se agravassem de propósito, (esta inflação é temporária, todas são, mas esta foi provocada) pelos comunistas no governo americano, no plano militar estão a fazer o que fizeram no Afeganistão, prometeram, provocaram e agora tiram a mão, deixando a Turquia fazer o que quer em relação ao roubo dos cereais. Um mundo governado por piratas e gente sem sentido moral, quem vai ganhando terreno é o Islão apoiado pelas ONGs na invasão da Europa e dos USA.           Joaquim Almeida: Uma UE tão leviana e tão estúpida, sem qualquer autoridade moral perante  a história de resistência da   Nação húngara  contra a tirania totalitária.             Paula Barbosa: Este homem dá-nos "banhos" de Cultura! Bem haja! Já visitei estes países do centro da Europa e conversar com os seus cidadãos mais velhos é confrangedor. Que  vidas miseráveis tiveram. Tanta privação! Sempre à espera da próxima guerra. Na Polónia, eles estão em pânico. Países Bálticos já assumiram que têm os dias de liberdade contados, e que ninguém os vais socorrer, uma vez que são tão pequeninos...Há longos anos que dizia que ainda ir ver, antes de morrer, a III Guerra Mundial . Aí está ela. E eu, neta de um prisioneiro dos alemães na I Guerra Mundial, só dou Graças a Deus , por os meus Pais, já não terem de passar pela escuridão em que vai mergulhar a Europa.               Joaquim Almeida > Paula Barbosa: E a Europa caviar a impingir-lhes "direitos".... a ensinar-lhes democracia....            Francisco Tavares de Almeida: Excelente e oportuníssimo artigo. A Hungria está sob ataque e o papel desempenhado pela direcção política da UE deveria ser um alerta. Acrescento, por ser oportuno em tempo, que o que se passa com os ataques à família Mesquita Guimarães e agora ao Patriarca D. Manuel Clemente, tal como à Hungria, têm por agentes a mesma imprensa e lamentavelmente este mesmo Observador. Tenho apenas subscritas o 360º e a Hora de Fecho porque apenas me interessam os comentadores. Hoje, tal qual spam de sites de encontros ou tentativas de phishing, recebi mais uma do José Manuel Fernandes a tentar impingir-me uma qualquer coisa de família e mais um miserável ataque a D. Manuel Clemente assinado por Pedro Jorge Castro: Pouco posso fazer mas fica a denúncia do meu repúdio.           Jose Luis Salema: Excelente mais uma vez! Interessantíssima a história desse povo.             Maria Alva: Excelente artigo que muito ajuda a perceber a realidade Húngara bem como as amplas maiorias democraticamente ganhas por Orban. Obrigado.             Rui Pena: Excelente artigo que me criou o click para visitar Budapeste. Há cerca de dez anos fiz em Berlim num dia frio de Outono, uma peregrinação similar onde visitei desde o museu da Stasi aos edifícios da antiga RDA que eram ainda os edifícios ministeriais de Hitler, aos restos do quartel da Gestapo, ao mais ligeiro mas revelador museu da RDA, que exibia todo o microcosmos do dia a dia na RDA, um mundo paralelo.         José Paulo C Castro: A língua húngara é próxima da finlandesa. Ambas têm em comum não descenderem da matriz comum indo-europeia, comum a quase todas as línguas de origem euro-asiática e suas posteriores colonizações ultramarinas. Há mais, como o basco e as variantes celtas, mas nem partilham o mesmo ramo da húngaro-finlandesa. São resquícios prováveis de uma migração antiga ou resistência notável à aculturação por parte de invasores. Reparem: resistência notável à aculturação. Bruxelas vai falhar os seus propósitos nas margens do Vale do Danúbio húngaro.             Maria Nunes: Excelente e brilhante artigo. A Hungria e a Polónia são países mártires, cuja História convém relembrar e que explica muito da política actual desses países. Quanto aos autores referidos, tenho especial admiração por Stefan Zueig. O seu último livro publicado, O mundo de ontem, é uma advertência e impressiona como os acontecimentos mudaram a Áustria de um dia para o outro. A leitura desse livro é assustadora, pois estamos convictos que seremos sempre livres, o que é uma pura ilusão          Álvaro Aragão Athayde: Portugal tem duas fronteiras, uma terrestre e outra marítima, e tão ameaçador da Independência de Portugal pode ser o estado que domina as terras a norte e a leste, como o que domina os mares a sul e a oeste.                 Dinis Silva: Vou usar as referências como livros a ler este ano. Obrigado.

 

sábado, 30 de julho de 2022

A Ana neste espaço


Do meu blog. Mas sem a foto que o meu blog não acolheu, julgo que por incapacidade técnica minha, foto que o Word, todavia, aceitou.

Sempre gostei da escrita sagaz da Ana, significativa, na sobriedade objectiva e mansidão sardónica do seu relato rigoroso, de um viver real tenso e fatigante, que desliza num discurso em prosa ou verso simultaneamente doce e inconformista, ágil e aparentemente simples, subentendendo reivindicação de direitos, e simultaneamente castigador das deficiências da comunidade que nos governa. Afinal, bem retrato da Ana, mãe de três filhos, dois dos quais gémeos - que não distingo, mas ela sim - sempre atenta e desvelada, embora sabendo-se rodear de participantes auxiliares, nessa tarefa esfalfante, que os avós acompanham. Felizmente que os infantários já propiciam alívio, durante a semana, mas o poema seguinte da Ana – originário da formação de um projecto musical como ela explica – mostra bem esse sentimento de amor mas de fadiga extrema também, que requereria maior atenção do governo responsável pelo trabalho feminino materno – para além da resolução urgente das absurdas condições de indigência que sofrem hoje as mulheres em tantas maternidades no país.

Confesso que, pouco entendedora de música, não gosto de jazz, e a voz da Ana, excessivamente sóbria no trecho musical que me mandou, não me encheu as medidas, como outras prestações suas, anteriores, que conheço, da sua voz trabalhada. Mas, sim, gosto do seu projecto musical original, que me parece bem preciso, e desejo-lhe o maior êxito.

 

Da  ANA:

Fwd: MATER - NOVO PROJETO MUSICAL. Ser mãe. Ser mãe sentada no chão a brincar, ser mãe ao fogão a cozinhar.

Caixa de entrada


Ana Margarida Lacerda

Anexos12:03 (há 1 hora)

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para mim

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 «Ser mãe a trabalhar, ser mãe a amamentar. Ser mãe que grita, ser mãe que não pode gritar. Ser mãe de dia, ser mãe de noite, ser mãe que não está. Ser mãe que dá colo, ser mãe que não dá.

 

Em 2020, voltámos a ter filhos sozinhas no hospital. Ou a perder filhos sozinhas no hospital. Em 2020, a aldeia desapareceu e a criação de um bebé ficou num lugar solitário e escureceu. 

 

Isto levou-me a uma reflexão sobre o lugar da mãe, à pesquisa de poesia relacionada com a maternidade e ao desenvolvimento de uma linguagem musical em torno deste lugar.

 

Um lugar estranho, escuro, indefinido, cheio de contradições. Um lugar de muitas vozes, de muitas idades, de novas relações, de velhos amores. De muito amor.»

 

O Trio

No trio, formado por Margarida Lacerda (voz e composição), Ricardo Rogagels (guitarra) e André Pizarro (contrabaixo), encontrámos a familiaridade necessária para criar uma linguagem íntima e verdadeira e o espaço para a desenvolver, através da canção, da palavra e da improvisação.

 

A música surge da palavra, convivendo com ela ou transformando-a. Segue por caminhos escritos ou improvisados, procurando explorar o lugar de conflito em que se encontra a figura da mãe.

 

A linguagem musical deste projeto encontra a sua maior inspiração no jazz, mantendo também uma relação muito forte com a música tradicional, com melodias simples, muito ligadas à infância.

 

A Nossa Música

Poderá ouvir alguns dos temas nos links abaixo:

Baby Blues

Seahorse

Lugar Incerto

Eggshell

 

Poderá ainda ver mais informação sobre o projeto no documento em anexo.

___

 

Gostaríamos muito de apresentar este projeto no vosso espaço. Digam-me pfv se, para vocês, faria sentido.

 

Estou disponível para conversar um pouco mais sobre o projeto também.

 

Fico a aguardar a vossa resposta.

 

Muito obrigada

Margarida

 

-- 

Margarida Lacerda

Instagram | anamargaridalacerda | solidomusicaparabebes

Email | ana.m.a.lacerda@gmail.com

Telefone | 910249672

Youtube | https://www.youtube.com/channel/UCTjgRmP3Ti-l8UT5G2nbl2A

 

 

 

 

 

Até que nem me importava


Por razões simultaneamente egoístas e generosas. Egoístas, para não ser sujeita às torturas dos sofrimentos próprios da velhice desarmada. Generosas, para não dar enfado a quem tenha de suportar o fardo em que me tornarei. Mas por enquanto, só desejo que isso de morte súbita não venha a suceder ao génio criativo de humor sadio de Alberto Gonçalves, que nos ajuda a ir sobrevivendo, apesar dos excessos nas vacinações e outros artefactos proibitivos de um viver menos sombrio.

Há gente mortinha por dar nas vistas

Incansáveis, os “especialistas” do costume avançam com múltiplas causas para a pandemia de “morte súbita”, uma ou duas causas por “especialista”.

ALBERTO GONÇASLVES, Colunista do Observador                          OBSERVADOR; 30 jul 2022, 00:236

Cá e lá fora, tem-se falado muito do excesso de mortalidade. Bem, para dizer a verdade, não se tem falado tanto quanto isso. E o relativo silêncio é curioso. Durante dois anos, fechou-se metade da humanidade para evitar, sem particular sucesso, mortes desnecessárias. Agora que as mortes desnecessárias continuam a acontecer, as “autoridades” e os “media”, tão caridosos e aflitos em 2020 e 2021, não lhes ligam nenhuma.

Uma possível explicação prende-se com o facto de não se conseguir imputar à Covid todo o “superavit” vigente de falecidos. Longe vão os saudosos tempos em que cada finado, incluindo os que se finaram sob os eixos de um autocarro, partia “de”, “com” ou “por” Covid. Reduzir a realidade ao bicho que veio da China conferia a esta o estatuto de maior cataclismo desde o Dilúvio, facilitava o enchimento de “telejornais” e emprestava aos políticos a possibilidade de fingirem resolver uns problemas enquanto criavam problemas maiores. O povo, entretido com o medo e a Netflix, agradecia tudo.

Por azar, a presente vaga de óbitos a mais – que atinge a maioria do Ocidente e cuja vanguarda Portugal naturalmente integra – não se esgota na Covid. A presença da Covid, decerto medida com o rigor habitual, justifica apenas uma parte dos óbitos. Uma segunda parte, desconfio, são os infelizes que não foram consultados, diagnosticados, medicados ou operados a pretexto de a Covid não ceder espaço a leviandades como cancros e maçadas cardiovasculares. Se ninguém lhes ligou na altura devida, é compreensível que se mantenham desprezados na altura da morte.

Sucede que uma terceira, e pelos vistos significativa, parcela do actual excesso de defuntos não morre nem de Covid nem de enfermidades “tradicionais”. Morre de quê, então? Ui, isso é complicado. Para início de conversa, é preferível descrever como esses coitados morrem: de repente. E de repente também, a “morte súbita” parece ter saído das anomalias estatísticas para se tornar um critério relevante na contabilidade das funerárias. Quais são os sintomas desta doença inesperada (em vários sentidos)? O grande Mark Steyn enumera ambos: num momento, estamos bem; no momento seguinte, estamos mortos.

É claro que a ciência estará a tentar descobrir os motivos do fenómeno. Desgraçadamente, os pantomineiros que saltitam pelas televisões e pelos jornais chegaram antes. Incansáveis, os “especialistas” do costume avançam com múltiplas causas para a pandemia de “morte súbita”, uma ou duas causas por “especialista”.

A consulta ao Google, o nacional e o estrangeiro, é inspiradora. Há os “especialistas” que vão pelo seguro e se ficam por trivialidades. É possível, dizem, que essas mortes se devam ao calor, tese que funciona sobretudo quando está quente, mas que depressa se adapta ao frio e, com jeito, ao clima ameno. A lacuna da tese é o calor, o frio e as temperaturas intermédias serem coisas velhas, e a quantidade de “mortes súbitas” coisa nova. É aí que os “especialistas” jogam o trunfo: o aquecimento global. Ou as alterações climáticas. Ou a emergência climática. Ou o suicídio colectivo climático, para usar o neologismo fresquinho do eng. Guterres. Recapitulando, as pessoas morrem repentinamente de calor, de frio e, quiçá, da angústia de sentirem o planeta em risco. Estamos entendidos?

Não estamos. Inúmeros “especialistas” empenham-se em fugir ao óbvio e pesquisam em lugares improváveis a razão para que milhares de sujeitos bem dispostos desatem, num ápice, a esticar o pernil. As hipóteses que se seguem são retiradas da imprensa britânica, a qual, ancorada no conhecimento dos sábios, atribui as “mortes súbitas” a: 1) Aumento da factura da luz; 2) “Stress” pandémico; 3) Fanatismo futebolístico; 4) Cigarros electrónicos; 5) Bebidas alcoólicas, mesmo que ocasionais; 6) Falhar o pequeno-almoço; 7) Obsessão com previsões meteorológicas; 8) Dietas não saudáveis; 9) Dietas saudáveis; 10) Microorganismos sortidos; 11) Sedentarismo; 12) Prática de desporto; 13) Medo da guerra na Ucrânia. Por mim, acrescento ainda a herança colonial, o racismo sistémico, a supremacia branca, o heteropatriarcado, o capitalismo selvagem, o capitalismo domesticado, os transportes privados, a discriminação de transgénero e as ameixas maduras. E as ameixas verdes, evidentemente.

Face a tamanha profusão de explicações, é compreensível que alguns países ou regiões prefiram evitar a especificidade na hora de apontar culpas. A província de Alberta, no Canadá, começou a imputar as “mortes súbitas” a “causas desconhecidas”. Hoje, é oficial: as “causas desconhecidas” são, destacadas, a principal causa de morte em Alberta e, provavelmente, noutros sítios que tivessem a decência de assumir a ignorância. Curioso. No fim do primeiro quartel do século XXI, com os portentosos avanços da medicina de que dispomos, morremos sobretudo sem saber porquê. Se somarmos a isto a perseguição à propriedade privada e a entrada dos insectos nas ementas, não tarda que a evolução da espécie nos devolva ao orangotango.

Porém, não vou divagar. Nem especular sobre as novidades e as mudanças que, no mundo dos últimos 15 ou 18 meses, seriam susceptíveis de influenciar a mortalidade. Não me apetece polémicas. À cautela, admito que o provável é os mortos em excesso morrerem por defeito, o defeito da vaidade. Vai-se a ver e aquilo é gente que quer ser diferente e anda mortinha por dar nas vistas. Gente assim faz o que calha para aparecer. Incluindo desaparecer.

MORTE   SOCIEDADE   MEDICINA   CIÊNCIA

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Carlos Almeida: Excelente com (quase) sempre! Muito boa a dose de sarcasmo com pitada de bom humor. Amigo do Camolas:  Se realmente houver uma disputa de ideias entre a realidade e o coronavírus, parece que a realidade está realmente a ganhar. E quem ignorou que talvez devêssemos apenas seguir com a vida. Porque a alternativa não se parece muito com ela, está a levar uma cabazada (em número de mortos). Mas com um governo que fechou praias, parques, empresas, igrejas, escolas, festas de aniversário, restaurantes, lojas, bares, cafés, parques, funerais e centenas de outros locais, reuniões e eventos em todo o país para salvar o SNS, não pode agora fazer absolutamente nada para evitar que os hospitais públicos fechem por falta de condições. Está tudo dito.              Eduardo L: A vasta maioria da população foi inoculada com o injectado experimental a que se decidiu chamar 'vacina contra a covid'- depois do CDC mudar a definição de vacina, porque a dita cuja não evita nem a infecção nem o contágio nem coisa nenhuma. Sabe-se já há muito (Saúde Pública inglesa) que a dita 'vacina' impacta e constrange o sistema imunitário dos que a tomaram tornando-os mais vulneráveis à infecção. Além disso tem outros inúmeros efeitos secundários como miocardites e AVC's. E muito provavelmente outros ainda desconhecidos; não esqueçamos que uma vacina normal leva vários anos (5-10) a ser posta no mercado; esta foi posta em meses! A verdade virá sempre ao de cima (quero acreditar). Assim sem especulações HÁ que estudar o assunto seriamente a verificar se existe alguma relação entre o facto de as pessoas terem sido 'vacinadas' e o inegável excesso de mortalidade. Isto é da responsabilidade das autoridades de saúde. O que não se pode é continuar a insistir inconscientemente em 'boosters' da 'vacina' sem ter ido ao fundo do assunto da mortalidade excessiva. Podem estar a mandar pessoas para a morte, por negligência. Também é crime!             Lidia Santos: Maravilhoso. Parabéns.              Fernando Cascais: Uma sociedade envelhecida muito dependente do Viagra. Depois exageram, em vez de tomarem um comprimido de vez em quando, armam-se em John Holmes e tomam dois e três ao mesmo tempo. Resultado; as mulheres expulsam-nos de casa, eles, perdidos, de cuecas na rua agarrados à coisa com as duas mãos acabam a trepar pelos postes de electricidade e quando se apercebem do preço da energia, a coisa murcha, tem um fanico e morrem de morte súbita.  Já agora para quando o subsídio sem prescrição médica dos azulinhos à população? Para quando o combate aos traficantes de Viagra e ao fim dos subornos aos farmacêuticos para os fornecimentos por baixo do balcão? Há mais traficantes de Viagra em Portugal do que Dealers de estupefacientes. Depois admiram-se da morte súbita.              Alexandre Barreira: Divinal. "não tarda que a evolução da espécie nos devolva ao orangotango" Mas caro AG, Aconselho agarrar-se bem ao "galho" !              Pedra Nussapato: Dezenas de estudos científicos com revisão por pares estimam números catastróficos de mortes, diretamente ou indiretamente associados a COVID-19, caso não tivessem sido tomadas medidas de combate, em que o "fechar as humanidade em casa" foi apenas uma delas, mas muito importante. Mas claro, o Dr AG prefere acreditar em opiniões avulsas; até as há que dizem que a terra é plana, veja lá!               Américo Silva: Gostei.                  Andrade QB: Aguardemos a próxima entrevista de rua a Marcelo, pode ser que ele explique. Algo me diz que vai começar a explicação por qualquer coisa como " As mortes súbitas, como acontece com maior gravidade nos outros países, ..."               Miguel Ramos: Vénias.... grande LOL! :)             Luis Santos: Excelente como sempre. No fundo o que toda a gente sabe mas não diz.               Maria Tubucci: Li de fio a pavio num único folgo, excelente. Aqui na Paisagem as pessoas comentam, à boca pequena, que a doença da “morte súbita” é devida à vacina da Covid, que desactivou o sistema imunitário e como tal, subitamente, as pessoas vão morar para a cidade de mármore. Não se esqueçam de continuar a confiar nos “especialistas”, nas entidades ou em outros entulhos semelhantes, porque eles só falam verdade e só querem o vosso bem.            Miguel Sanches: Resumindo: estamos entregues a gente desonesta. Não, não apenas os governantes e quadros superiores do Estado. É, também, responsabilidade dos media.              Eduardo Cunha: bravo, excelente.             Victor Victorino: Mais uma vez, brilhante.

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Por Rui Ramos e vários comentadores atentos. É triste que não haja reacções expressivas, ao estado de sítio a que a tal democracia branda e voluptuosa nos levou. CONTINUEMOS, como diria o Dr. Salles. Neste caso com ironia.

A guerra não é só com Putin: é também connosco próprios

O Ocidente precisa de readquirir a prudência que vem da noção dos limites. É por isso que a guerra na Ucrânia não é só com Putin: é também contra a nossa complacência e distracção.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 29 jul 2022, 06:3825

Vamos quase com meio ano de guerra. Ao contrário do que todos previam, nem as tropas russas esmagaram a Ucrânia, nem sanções ocidentais dobraram a Rússia. A este respeito, a guerra tem sido reveladora: quanto mais os governos europeus tentam desligar-se da ditadura russa, mais claro se torna o modo como deixaram que o regime de Putin se tornasse parte do nosso mundo, ao ponto de não ser fácil separarmo-nos dele.

Começamos assim a perceber melhor o que foi a época do “fim da história”, a seguir a 1989. Não foi simplesmente o tempo em que nos convencemos de que as ditaduras estavam destinadas a dar lugar a democracias. Foi  também o tempo em que deixámos de dar importância ao carácter autoritário dos regimes, desde que não nos ameaçassem abertamente, como a Coreia do Norte ou o Irão.  Durante a Guerra Fria, o Ocidente e a União Soviética eram dois mundos à parte. Depois, democracias e ditaduras passaram a fazer parte de um mundo só, o da globalização. A integração económica entre os EUA e a China comunista, por exemplo, não levantava em geral mais dúvidas do que as que diziam respeito à lealdade da concorrência chinesa. Tudo o mais que se pudesse dizer era logo menosprezado, pelos sábios, como “conversa de guerra fria”. Foi assim que na Europa a Alemanha se tornou dependente da Rússia.

A complacência era tão grande que uma invasão russa da Ucrânia não chegou para o Ocidente perceber o que era o regime de Putin. Foram precisas duas, porque depois da anexação russa da Crimeia, em 2014, as obras do novo gasoduto a ligar a Alemanha à Rússia continuaram imperturbavelmente até este ano. Devemos admirar-nos por Putin se ter sentido tentado a testar mais uma vez a tolerância ocidental às suas conquistas? A questão é a de perceber donde veio esta complacência quase suicidária.

Não é um grande mistério, se pensarmos que o Ocidente – os EUA, a Europa ocidental e, a partir de certa altura, o Japão – produziu durante quase duzentos anos, entre o fim do século XVIII e a o princípio do século XXI, a maior parte da riqueza mundial. Em 1989, assistiu ao colapso da União Soviética, que tentara disputar a sua primazia. É muito natural que se tivesse persuadido de que correspondia ao mais elevado patamar da evolução da humanidade, e que, portanto, podia desprezar a prudência dos séculos e permitir-se as mais variadas experiências.

Daí, por exemplo, a integração das ditaduras chinesa e russa. Daí, também, a fabricação de dinheiro como meio de resolver problemas, fosse a crise bancária de 2008 ou a pandemia de 2019. Daí, ainda, a disponibilidade para renunciar aos elementos que estruturaram historicamente as sociedades, como as fronteiras e as identidades nacionais. Os resultados desta complacência só podem surpreender quem acreditou mesmo que não havia limites para o poder ocidental. A destruição de fronteiras e de identidades nacionais, em nome da inclusão, apenas fez sociedades mais divididas e menos seguras. A fabricação indisciplinada de dinheiro levou previsivelmente à inflação, um flagelo para os mais pobres. A arrogância globalizante deixou as ditaduras corromper e subverter o mundo. Como poderia ter sido diferente?

O Ocidente precisa de humildade. Precisa de aprender que não é todo o mundo, mas apenas uma parte do mundo. Precisa de aprender que os seus regimes políticos, por melhores que sejam, nem por isso são menos perecíveis. Precisa de respeitar as tradições que sustentaram a sua prosperidade e liberdade. Precisa, em suma, de readquirir a prudência que vem da consciência dos limites. É por isso que esta guerra na Ucrânia não é só uma guerra com Putin: é também uma guerra connosco próprios, contra a nossa complacência e distracção.

PS: O presidente da Câmara Municipal de Lisboa já disse que não prometeu erguer uma estátua a Vasco Gonçalves. A uma vereação democrática, a figura histórica de Vasco Gonçalves não deveria merecer nenhuma espécie de homenagem. Sim, o general colaborou no derrube da ditadura salazarista. Não o fez, porém, para instaurar o regime democrático pluralista em que vivemos, mas outra ditadura. Felizmente, falhou. Deve ser estudado, não celebrado.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS

NUNO SILVA: É verdade o que diz sobre Vasco Gonçalves. Mas havia nele uma genuína inclinação para defender os mais desfavorecidos. Muitos outros defendiam o mesmo apenas para alcançar o poder, a ele movia-o a noção de serviço. Não voltei a ver isso de forma tão autêntica. Não me surpreende que tenha admiradores. Não se enganou rotundamente no caminho? Sim. Quantos de nós também não andámos equivocados atrás de enganos? Ainda hoje temos a maior estátua de Lisboa, a da rotunda, a homenagear quem formatou um país dependente dos seus governantes e esquecido da liberdade. Se vier a ser construída a tal estátua, não mudarei de passeio com os meus netos, antes aproveitarei para lhes contar das paixões que vivemos, dos erros cometidos, das sadias brisas que se podem levantar com o arrependimento.           Liberales Semper Erexitque > NUNO SILVA: "Ou se está com a revolução, ou se está com a reacção!" Faz cá tanta falta como as Chagas e como a peste!              Filipe Costa: Portugal tem uma vasta área marítima, tem que investir em navios de guerra, fragatas e caças de topo. E vamos tarde.             klaus muller: Se virmos bem, geralmente as democracias costumam reagir tardiamente, chegando mesmo a "levar pancada" no início destas crises mais brutais. Mas, depois, até acabam por vencer a barbárie. Pode ser que também seja assim desta vez.        Maria Rita Menezes: Muito lúcida análise!  Parabéns! Cpts                  Alexandre Barreira: A madre superiora do convento é que tinha razão. "Minhas meninas, tenham calma, guerra é guerra" !               Joao Almeida Garrett: Pois é, vamos nos próximos anos pagar os erros sucessivos desde 1989. Quanto à estátua de Vasco Gonçalves, figura execrável, nem a brincar.                R C: Excelente!            Nuno Torres: O lucro fácil e rápido da mão-de-obra e energia baratas. Fomos engolidos pela ganância!         Antonio C.: Bravo. Assino e subscrevo. Mais uma brilhante e certeira análise. Deixamo-nos adormecer à sombra da bananeira. Resta saber se outros já não arruínam o resto da plantação…              Sérgio: Muito bom!                 Andrade QB: A arrogância do Ocidente chegou ao ponto de ser do seu seio que partem as maiores críticas à sua existência. Só isso explica que se tenha instalado um justicialismo radical e de culpa colectiva para com os pecados e pecadilhos do Ocidente e uma ilimitada compreensão, aceitação e encobrimento dos mais hediondos crimes contra as pessoas diariamente cometidos de forma legal nos países pró comunistas. Ver migrantes africanos a quem nunca passou pela cabeça imigrar para a Rússia ou China,  e em que os poucos que se atrevem, sabem aí o que é o verdadeiro racismo,  LGBTs, ambientalistas e a generalidade dos profissionais da comunicação social a diariamente andarem a combater o Ocidente com o correspondente apoio ao regime não ocidental, só se percebe porque também eles estão arrogantemente convencidos de que o regime ocidental é eterno e garantido. A realidade mostra que não.                Carlos Quartel: Tem razão RR. As sociedades democráticas baixaram a guarda, colaboraram com ditaduras, perderam a noção do real valor da liberdade, vergaram-se ao vil metal e aos melhores negócios, alguns com o Diabo. Putin anda há 20 anos a dar sinais sobre o  que pensa das democracias pluralistas, o seu caminho está pejado de cadáveres, jornalistas, políticos, gente da KGB, com venenos, chapéus de chuva, empurrões, balas, dezenas de mortes suspeitas nas residências, a que se junta a Chechénia (um massacre), a Geórgia e agora a Ucrânia. Mas vendia o gás barato e era recebido como uma pessoa de bem, enquanto tentava desestabilizar os nossos sistemas, financiando partidos  de ruptura e manigâncias nas redes de internet, de modo a perturbar eleições. Felizmente para nós e infelizmente para ele, parece que ainda temos algum ânimo para defender o valor supremo da liberdade individual e ainda continuamos com força para recusar a passagem a rebanho. Claro que é preciso passar esta mensagem, o que está em causa não é Putin, o que está em causa é o ataque a uma sociedade livre, plural, onde as divergências são vistas com naturalidade e onde a diferença de projectos é resolvida por votos.               bento guerra > Carlos Quartel: Tem a razão, o Biden foi , há uma semana, à Arábia Saudita e o Macron anda por lá. Aquilo, sim, é gente democrática e que trata bem opiniões diferentes. O dinheiro não tem cheiro, nem ideologia                 Carlos Quartel > bento guerra: Não tenciono mandar-lhe nenhum míssil. Esse é o valor que tento vender. A liberdade e a naturalidade do desacordo. Que, neste caso, até nem existe. Tão grave é fazer negócios com o tipo que mandou liquidar o jornalista num consulado, como com o camarada que fornece chás de polónio. A desculpa do Ocidente acaba por ser o sistema. O poder depende do voto e o voto depende do conforto do cidadão. A perfeição continua por descobrir .....             Alberto Rei: Não, não é essa a guerra contra Putin, Prof. Ramos. É claro que o ocidente precisa de entender que é apenas uma parte do mundo, e que não deve tentar impor a sua vontade aos outros. O ocidente tem de entender, que os outros também têm Poder, não interessa agora como o adquiriram ou lhes deixaram adquirir. Quando a seguir à derrota da Rússia por causa da guerra das estrelas de Reagan, os EUA, continuaram a prosseguir uma política de imposição que se agravou com Bush, Obama, Trump e agora Biden. Dantes ainda o pós-Guerra Fria mascarava a expansão da "democracia", mas logo se começou a ver que de democracia a imposição nada tinha mas sim império, domínio, e uso para próprio interesse.  Hoje, com com um shift de power para a Rússia e a China, a máscara caiu de vez, it’s ugly, os EUA dominam as instituições financeiras internacionais, daí anunciarem a aplicação de sanções sem antes serem alvo de aprovação e estudo, e domina por abandono da defesa da Europa, a organização militar chamada Nato, que a usa a seu bel‘prazer. Tem de ter a humildade, de negociar, de aceitar, de conceder, para depois exigir. Ao não agir assim, meteu como se diz o c......ão na virilha à UE, ela própria sem ambição imperial, ao metê-la no conflito com a Rússia, desnecessariamente. Como o Professor diz, é preciso respeitar as nossas tradições que sustentaram a prosperidade e liberdade, e fazermos um restart a nós próprios           bento guerra: Na Ucrânia, deviam ter cumprido os Acordos de Minsk e o destino das regiões russófilas. Não só não o fizeram, como andaram a aliciar a ligação à Nato. O "urso" chateou-se e como o jogo não é em terreno neutro, o país está tramado e o Ocidente entalado(uma tal Applebaum deu ontem uma entrevista na RTP3 ,com uma arrogância que não leva a nada. Derrotar Putin e pronto              Rui Lima: Fico feliz por ler o que escreve Rui Ramos no 5.º parágrafo, há muito anos que penso o mesmo. Lembro-me de questionar alguém da elite francesa  sobre a chegada de milhões vindos de uma cultura com outros valores , recordo de ele ter dito  que toda essa gente iria adoptar o nosso modelo sociedade,  vendo o nosso bem-estar , a nossa riqueza , a nossa liberdadem, a nossa cultura, os nossos direitos  … na verdade  aconteceu o contrário  eles rejeitam os nossos valores e querem impor o seu modo de vida. Relativamente às ditaduras, as nossas elites pensavam que esses países  só podiam escolher o modelo liberal e para isso bastava serem um pouco mais ricos para o fazer.           Luis Martins: O dito ocidente com os países democráticos na Europa e no Norte da América estão a colher os frutos daquilo que semearam nos últimos 30 anos. Deixaram deslocalizar as fábricas para a China e outros países com ditaduras e mão de obra barata para enriquecer as grandes empresas. A Europa deixou-se ficar refém do gás Russo porque as políticas ambientais na UE era fechar as centrais de produção de electricidade a carvão e a energia nuclear para serem substituídas por centrais de produção de electricidade a gás e depois estavam a obrigar as empresas petrolíferas  a investir em energias renováveis, pois as empresas petrolíferas estavam a pagar carradas de taxas por emissões de CO2. A maior aberração é que a Europa e Eua importam 90% dos painéis solares da China ou seja saltam do lume do gás Russo para a fogueira dos painéis solares chineses. As políticas criminosas energéticas da UE fizeram com que agora estamos todos com as calças na mão,  pois a UE ficou dependente a nível energético de 2 grandes ditaduras que são politicamente inimigas da UE e irão fazer tudo para destruir as democracias ocidentais. Nós por cá fizemos o 25 de 1974 para depois vendermos as melhores empresas portuguesas a ditaduras como a da China e os nossos governantes , políticos  e elite empresarial, especializaram-se a roubar o pote dos impostos os subsídios vindos da UE e a parirem bancarrotas. Vão ser necessários mais de 10 anos para minimizar a dependência da Rússia e da China,  e este ano vai ficar na história como o início da desglobilização e recuperação das soberanias económicas do mundo ocidental .Chegámos ao cúmulo da aberração de eu como ocidental estou impedido de comprar casa, ou terrenos ou comprar um banco ou uma grande empresa na China e em muitos outros países da Ásia e África, mas eles podem comprar tudo e mais alguma  coisa no mundo ocidental , são estas políticas criminosas e um puro suicídio que nos conduziu ao estado em que estamos,  com a Europa a definhar a grande velocidade.           Antonio Tavares: Em que data os políticos na gestão dos serviços do estado informam o início do racionamento de combustíveis e de energia na Tugalândia? Vamos a ver quem são os "amigos" e/ou "sócios"  dos políticos que vão facturar muitos euros nos negócios na candonga de combustíveis e de energia.            Alexandre Barreira: Enquanto a Rússia tiver o apoio da China, bem podem pintar a manta. E está visto que a Europa anda toda acagaçada !                Rui Lima:  A destruição de fronteiras e de identidades nacionais, em nome da inclusão, apenas fez sociedades mais divididas e menos seguras. “ Rui Ramos ainda pode escrever estes linhas não sei por quanto tempo, da Suécia à França todo o tipo de violência é diária, das violações às facadas, mas a grande imprensa esconde para não ser acusada de estar com as forças “racistas” . A minha técnica para ter informação é ir à Google escrever o nome de uma cidade francesa e couteau (faca ) hoje escrevi Le Mans e deu isto de ontem facadas em quem passava na rua . “Des passants ont été agressés au couteau par un homme ce mercredi 27 juillet au Mans”. O espaço onde existiam nações, passa a ser ocupado por várias comunidades que pouco têm em comum a soma de todos esses grupos não dará um país dará um Líbano. Hoje, se a França necessitasse em caso de guerra de recrutar a sua juventude 30% estariam ausentes porque nada sentem pela França, na 3.ª geração quando se pergunta qual é o seu país dizem, Argélia , Marrocos …