terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Francisco Rodrigues dos Santos


Chicão para alguns. Foi presidente do CDS na altura em que o CDS deixou de pertencer ao tablado dos partidos reconhecidos na AR, tendo Chicão, por isso, assumido a responsabilidade do desastre, demitindo-se da presidência do partido. Ouvi-o e vi-o ontem, na TVI, entrevistado por Manuel Luís Goucha e adorei a figura, na elegância de pensamento do seu discurso fluente e franco, como já há muito não ouvia, enfronhada nas leituras ou entrevistas de ruído e contestação que nos envolvem em cada dia.

Ainda em África, antes do retorno à Pátria, nos idos de 74, no seguimento da vasta família ultramarina, eu lera um artigo de Freitas do Amaral, defensor dessa pátria, e desses princípios de integridade que gradualmente foram amortecendo por cá, graças também aos bons jornais como o Expresso, influenciadores competentes da opinião pública, nos idos de 74, e seguintes. Tornei-me imediatamente adepta do CDS, a que outros presidentes seguintes deram o conforto de discursos mais íntegros e concordantes com o meu conservadorismo fundado em preceitos morais e racionais mais seguidos naqueles tempos fascistas.

Quando o CDS perdeu o seu lugar na Assembleia, culpei mais a nação pelo resultado, nação que decididamente se deixava arrastar nas manigâncias previdentes de um governo chamado socialista, o qual, matreiramente, para seu arranjinho próprio, se propunha “ajudar”, caridosamente, o povo, através do conforto dos aumentos dos vencimentos mínimos, sem criar as estruturas da evolução económica imprescindível ao desenvolvimento do país. Por outro lado, a proliferação de partidos apelidados de liberais, ambiciosos de protagonismo, em vez de se unirem todos pela nação, teria que contribuir para esse desaire do CDS.

Francisco Rodrigues dos Santos, de resto, não se sentiu culpado do desastre da perda de assento na Assembleia, segundo confessou ontem a M. L. Goucha. Eu adorei ouvi-lo. E fui procurar na sua biografia, na Internet, a referência que me escapou, feita por M:L:Goucha, a uma homenagem europeia a este jovem, cuja actuação e discurso me encantaram, mas ao que parece, marginalizado neste nosso mundo de exposição própria. Só posso sentir regozijo por encontrar tais qualidades na juventude do nosso país.

Eis a referência a que, certamente, se referia J:L:Goucha, extraída da biografia de Francisco Rodrigues dos Santos:

In Wikipédia

…«Tornou-se, a 13 de dezembro de 2015, presidente da Juventude Popular, tendo sido reeleito em maio de 2018. Nesse mesmo ano foi considerado pela revista Forbes como um dos 30 jovens mais brilhantes, inovadores e influentes da Europa", ao integrar a lista "30 under 30 - Law & Policy 2018" pelo trabalho que desenvolveu enquanto líder da Juventude Popular, ultrapassando os 20.000 filiados e duplicando o número de membros eleitos.

Tenho dito

 

Análise impecável de José Pacheco Pereira sobre o problema da Educação hoje, em que se não oferece solução, naturalmente.

Opinião

Entre o “respeito” e o “dar-se ao respeito”

Muitos professores já foram “educados” na mesma ecologia que torna os seus alunos impossíveis de educar. O problema complementar é que muitos pais são exactamente iguais.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 21 de Janeiro de 2023, 6:53

A palavra “respeito” tem tido um papel relevante no protesto dos professores, representando um pedido e um protesto que está muito para além das reivindicações salariais e de carreira. É provável que seja essa componente existencial a mais significativa na mobilização destes últimos meses que, em bom rigor, parece ter sido uma surpresa para todos, ministério e mesmo os professores e, certamente, para o sindicalismo tradicionalmente dominante da Fenprof.

Quando me perguntavam a profissão, mesmo quando era deputado, sempre respondi que era professor. Na verdade, fui professor de todos os graus de ensino menos o básico, e conheci muito daquilo que era a instabilidade da vida de professor “provisório”. Dei aulas em Boticas, Espinho, Coimbra, Vila Nova de Gaia, Porto e Lisboa. Em Espinho dei aulas na Escola Preparatória Sá Couto conhecida como “o Triciclo”, porque estava sediada em três edifícios em locais diferentes e era possível ter uma aula às 9h num, às 10h no outro, e às 11h de novo no primeiro, ou seja, não havia intervalos.

Para se chegar a Boticas, quando lá estive, a viagem a partir do Porto demorava cerca de cinco horas e qualquer trajecto era péssimo, difícil e, nalgumas alturas do ano, perigoso, para se atravessar as serras, o Marão, o Alvão ou o Barroso a seguir às barragens. Tenho as melhores recordações de Boticas, mas compreendia muito bem o mal-estar dos meus colegas que não viviam em Chaves, uma das quais vinha de Coimbra e que ansiava por se ir embora logo que podia. Mas à distância, tendo em conta o que é dar aulas hoje, tudo isto era um paraíso.

Estamos obviamente a falar da escola pública, aquela que não pode escolher os seus alunos. Na altura, há poucas décadas, a escola competia com a família na socialização dos alunos e, nalgumas áreas mais pobres, competia com a rua. A droga ainda estava longe de ser o problema que é hoje, e não havia a epidemia do “défice de atenção”, nem dos factores que o explicam. É certo que nos subúrbios de Lisboa e Porto os estudos já revelavam o enfraquecimento da socialização familiar, com crianças de idade pré-escolar a já estarem muito pouco tempo com os pais e, quando estavam com eles, estavam a ver televisão, que acabava por ter um papel crescente na sua socialização.

Havia nas escolas o que sempre houve, uma considerável violência e, também como sempre, não era a mesma coisa viver numa casa com livros, com espaço e razoável conforto, ou num bairro degradado, pobres no meio de pobres. A educação reproduzia as desigualdades sociais, embora fosse ela própria um dos raros mecanismos de elevador social num país muito desigual. Tudo isto era tão antigo e tão denso como era o nosso atraso nacional, e, se a democracia, o fim da guerra e a entrada para a Europa mitigaram esse fundo de atraso, estão longe de o diminuir de forma significativa.

Sobre este fundo veio a “tempestade perfeitaque ameaça seriamente o papel da escola, incapaz de competir com uma ecologia social cada vez mais hostil, que põe em causa a capacidade da escola de ser um factor eficaz de socialização, já para não falar de aprendizagem. A droga, as novas formas de violência a que chamamos “bullying”, a destruição da capacidade de atenção pela rapidez da imagem dos jogos desde a infância, a deseducação do valor do tempo lento, do silêncio, do saber, da leitura, a ignorância agressiva das redes sociais, a substituição da privacidade pela exibição fácil do corpo, quer como chantagem, quer como vingança, quer como vaidade e sedução fácil, a presentificação absoluta no mundo das mensagens, do Instagram, do Facebook, do Tik-Tok, a utilização de devices como os telemóveis como instrumentos de controlo, a construção de uma sexualidade perversa ou imatura, entre a pornografia e a moda das identidades da moda, a obsessão pela explicação psicologista, a completa inadequação de programas de há muito oscilando entre o facilitismo “para não assustar os meninos”, ou um saber abstracto inadequado à realidade actual, tudo isto torna as escolas, principalmente no secundário, um dos sítios de pior viver nas sociedades contemporâneas. Ninguém sabe disso melhor do que os professores.

Por isso, têm razão em pedir “respeito”, se o sentido desse pedido implicar a enorme dificuldade que hoje é ser professor e o reconhecimento que a sociedade lhes deve, permitindo-lhes melhores condições materiais, menos burocracia, estabilidade e uma carreira com regras. Mas para se ter respeito é preciso “dar-se ao respeito” e muitos professores já foram “educados” na mesma ecologia que torna os seus alunos impossíveis de educar. Já estão demasiado dentro da mesma “tempestade perfeita”, lêem pouco, vivem dependurados nas mesmas redes sociais, com os mesmos maus hábitos de desleixo pela verdade, de facilitismo, de exibição, de opiniões ligeiras para não lhes chamar outras coisas, de superficialidade e por aí adiante. O problema complementar é que muitos pais são exactamente iguais, ou seja, há muito poucos factores qualitativos a “puxar para cima”, mesmo que fosse pouco, o que já seria uma enorme vantagem.

Este é o retrato de uma crise profunda. Infelizmente, mesmo que este retrato incomode muita gente, pela generalizada cumplicidade, é pura verdade.

O autor é colunista do PÚBLICO

Historiador

 

Na próxima vai

 

Tal é o ardor dos que a estimam, essa tal de eutanásia. A próxima redacção já não oferecerá ambiguidades, a copulativa/aditiva substituída eficazmente pela disjuntiva/alternativa, não admitindo a adversativa dos escrúpulos alheios e sim, a conclusiva sem quaisquer escrúpulos próprios. Tout ira bien qui finira bien. Amen.

Eutanásia. Uma derrota para Marcelo e um “e” difícil de resolver

Apesar do chumbo da lei da eutanásia, partidos celebram quase-vitória. Conceito de "doença grave e incurável" deixou de ser obstáculo. Mas Tribunal Constitucional exige correcções difíceis de acomodar.

MIGUEL SANTOS CARRAPATOSO: Texto

OBSERVADOR. 30 jan. 2023, 23:48

Mais um volte-face para os defensores da despenalização da morte medicamente assistida. O diploma terá de ser redigido uma quarta vez depois de ter sido declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, numa votação renhida de sete contra seis. No entanto, e apesar dos lamentos, a notícia foi recebida como uma quase-vitória, numa análise transversal aos cinco partidos que subscreveram a lei: os juízes do Tribunal Constitucional infligiram uma pesada derrota a Marcelo Rebelo de Sousa.

À cabeça, quando decidiu enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, o Presidente da República tinha questionado o facto de não terem sido ouvidas as assembleias legislativas dos Açores e da Madeira. No acórdão agora divulgado pelo Palácio Ratton, nem por uma vez aparece qualquer referência às regiões autónomas, o que deita por terra o primeiro argumento levantado por Marcelo Rebelo de Sousa.

Depois, o Presidente da República tinha também questionado a supressão dos conceitos de “doença fatal” e de “antecipação da morte” como condições para aceder à morte medicamente assistida, argumentando que tais alterações implicariam “um regime menos restritivo no tocante à morte medicamente assistida não punível”.

A maioria dos juízes do Tribunal Constitucional entendeu o contrário, algo que mereceu o voto vencido do próprio presidente, João Caupers. “O efeito conjunto da eliminação das palavras fatal, referida à doença, e antecipação, referida à morte assistida descriminalizada, traduz um significativo alargamento dos casos desta. (…) A doença já não tem de ser fatal, isto é, provocar inexoravelmente a morte; e esta já não tem de ser antecipada, na medida em que deixou de ser previsível o seu momento”, considerou Caupers.

Acolhido o conceito de “doença grave e incurável”

No mesmo sentido, para Marcelo, importava saber se o Tribunal Constitucional entendia as alterações introduzidas pelo Parlamento como tendo sido no sentido de densificar e de garantir a “determinabilidade” exigida num texto jurídico desta natureza. O facto de o critério essencial à despenalização da morte medicamente assistida ter passado de “doença fatal” para “doença grave e incurável”, aqui entendida como uma patologia “que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível e que origina sofrimento de grande intensidade” dava ao diploma uma enorme “indefinição” conceptual.

Mais: segundo explicou Marcelo na altura, o facto de a “exigência de verificação de situação de sofrimento de grande intensidade” ocorrer “tanto quando existe lesão definitiva de gravidade extrema como nos casos de doença grave e incurável” imprimia “uma indefinição conceptual” que não podia “manter-se, numa matéria com esta sensibilidade”, em que se exige, explicou Marcelo, a “maior certeza jurídica possível”.

Ora, a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional não acompanha os argumentos utilizados por Marcelo nestes pontos em concreto e desmonta as dúvidas levantadas pelo Presidente da República em torno do conceito de “doença grave e incurável” – um termo chave e difícil de balizar quando se discute uma questão como a eutanásia.

Para o Palácio Ratton, “não há dúvida de que se trata de um conceito jurídico indeterminado”. Mas, acrescenta-se, tem de o ser. “Na impossibilidade de elencar todas as condições clínicas de gravidade e incuráveis e na impossibilidade de definir exaustivamente uma situação clínica que pressupõe conhecimentos técnicos de que o legislador ordinário não dispõe, o mesmo optou pela utilização de um conceito de conteúdo incerto (…) que nem será muito difícil de preencher”.

Além disso, continuam os juízes do Tribunal Constitucional, “no caso em análise, trata-se de um conceito juridicamente indeterminado, que não é manifestamente vago, e que permite com relativa facilidade o seu preenchimento por parte dos aplicadores da lei sem que haja o perigo de deturpar a vontade do legislador ou de tomar opções políticas por ele”.

Tudo somado, e simplificando, os dois grandes argumentos de Marcelo – o facto de as regiões autónomas não terem sido consultadas e o conceito indeterminado de “doença grave e incurável” – não colheram aceitação por parte do Tribunal Constitucional, o que desarmadilha o caminho que os proponentes da lei têm agora de trilhar se quiserem ser bem sucedidos.

O conceito de “sofrimento físico” — com dor ou sem dor?

No entanto, nem tudo são boas notícias para os subscritores desta lei. E muito por causa da referência ao “sofrimento físico”, introduzida nesta última redacção do diploma. Escreve o Tribunal Constitucional: “O sofrimento é privado e pessoal. O sofrimento é, por natureza, ontológico, multidimensional e subjetivo, ligado a uma situação de angústia e aflição que afecta a integralidade da pessoa. Cujas causas podem ser físicas, emocionais ou morais. Sobram, pois, reservas quanto à conceção de sofrimento físico”.

A questão é, de facto, complexa e as duas imagens utilizadas pelo presidente do Tribunal Constitucional durante uma declaração aos jornalistas sem direito a perguntas sintetizam bem isso mesmo: “Em termos práticos, está em causa saber se um doente com cancro terminal com um prognóstico de esperança de vida muito limitada ou um doente que padeça de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) que não tenham sofrimento físico tem ou não acesso à morte medicamente assistida”.

Dito de outra forma: uma pessoa a quem é diagnosticado um cancro terminal não tem necessariamente e no sentido mais restrito do termo de estar a sentir um sofrimento físico; nos casos de ELA, a força muscular é afectada, o que quer dizer as pessoas não sentem dores, pelo que o conceito de sofrimento físico pode ser colocado em causa.

Parece que a alusão ao carácter físico reclamará uma repercussão somática do sofrimento: a literatura vem ligando a expressão sofrimento físico à dor corporal ou, pelo menos sofrimento que advém da dor”, recuperam os juízes do Tribunal Constitucional.

Segundo apurou o Observador junto de fontes partidárias conhecedoras do processo, esta referência do Tribunal Constitucional provocou alguma estupefação, uma vez que a leitura do conceito de “sofrimento físico” por parte dos proponentes do diploma vai muito para além da ideia de “dor corporal”. Todavia, a vontade destes partidos é que se encontre uma redacção que permita ultrapassar esse obstáculo. Resta saber como.

O problema do “e”

Apesar destas questões que os juízes do Tribunal Constitucional levantaram, existe um aspecto nuclear a determinar a decisão de vetar o diploma da despenalização da morte medicamente assistida: a utilização de um “e” — e a dúvida sobre se a lei, tal como foi desenhada, pretendia ser mais restritiva ou mais ampla.

Nesta última redacção, os partidos entenderam que estariam em condições de recorrer à eutanásia todos aqueles que estivessem a enfrentar um “sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.

Segundo a interpretação do Tribunal Constitucional o uso do “e” levanta uma dúvida: alguém que queira antecipar a morte deve manifestar sinais de grande “sofrimento físico, psicológico e espiritual” – “persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa” – ou basta que uma das condições (física, psicológica, espiritual) seja observada?

“No caso de se entender que se trata de condições cumulativas, daí decorre que, para se poder recorrer ao procedimento da morte medicamente assistida, é necessário que o requerente sofra, quer física, quer psicológica, quer, ainda, espiritualmente. Se se entender que se trata de condições alternativas, bastará a verificação de apenas um desses tipos de sofrimento”, alertam os juízes.

“Resumidamente, o que aos olhos de um leigo pode parecer uma mera indeterminação terminológica, na realidade tem implicações de monta, no plano jurídico-constitucional, quanto ao círculo de casos em que é descriminalizada a morte medicamente assistida. (…) Efectivamente, sendo suficiente um sofrimento psicológico ou espiritual, abrem-se as portas para a morte medicamente assistida em situações em que, verificando-se uma das duas hipóteses tipificadas na lei, ainda não há dor física e o requerente da morte medicamente assistida deseja a mesma por motivos relacionados, v.g., com a sua qualidade de vida, com a vontade de não ser um encargo pesado para os seus familiares, ou com circunstâncias laterais da mesma índole”, argumentam.

De resto, o facto de a Assembleia da República ter tentado enquadrar o conceito de “sofrimento de grande intensidade”, mencionando o tal “sofrimento físico, psicológica e espiritual” mereceu críticas do juiz Gonçalo Almeida Ribeiro, que votou pela inconstitucionalidade da lei. “É difícil determinar o que levou o legislador a empreender tão espinhosa tarefa, tendo em conta que o acórdão [anterior] não censurou neste aspeto o decreto então apreciadoque, recorde-se, não definia a noção de sofrimento −, e que o legislador espanhol, cuja influência na redacção do regime português foi manifestamente grande, não cometeu a imprudência de tentar  definir o que é porventura insusceptível de definição”, argumenta Almeida Ribeiro, antes de acrescentar: “A verdade é que, para além de não ter logrado um conceito mais determinado, o que não lhe era de todo o modo exigível, o legislador português criou, suponho que inadvertidamente, uma nova indeterminação, esta grave e evitável.”

O Tribunal Constitucional recorda, a título de exemplo, que na legislação espanhola, que serviu de grande inspiração à portuguesa, “o sofrimento físico e o psicológico valem como alternativa e não como condições cumulativas”, como sucede com a lei belga e colombiana. “Com o que fica a dúvida: terá o legislador português, afastando-se da legislação espanhola, querido optar por uma solução mais restritiva?”, questionam os juízes.

Os autores do diploma procuram utilizar conceitos já previstos na lei que regula o acesso aos cuidados paliativos, que utiliza de facto a formulação “sofrimento físico, psicológico, social e espiritual”. Ora, contra-argumenta o Tribunal Constitucional, as pessoas que têm acesso aos cuidados paliativos não têm de acumular estas quatro tipologias de sofrimento. Pelo que a apropriação desta formulação no desenho da lei da eutanásia levanta dúvidas sobre a verdadeira intenção do legislador: queriam ou não que os três pressupostos (sofrimento físico, psicológico e espiritual) estejam verificados?

Partidos vão procurar aproximação

Apesar das reservas do Palácio Ratton, a questão, como se viu pelas declarações de Isabel Moreira (PS), João Cotrim Figueiredo (IL), José Manuel Pureza (BE), Inês Sousa Real (PAN) e Paulo Muacho (Livre) não se coloca: a intenção do legislador passou sempre por garantir que a questão fosse cumulativa, ou seja, que estivessem sempre garantidos os três pressupostossofrimento de grande intensidade física, psicológica e espiritual – de maneira a garantir uma solução mais conservadora.

Ou seja, uma vez esclarecida a dúvida do Tribunal Constitucional na redacção do novo diploma (as tês condições são cumulativas), há margem para que a lei receba luz verde da maioria dos juízes do Palácio Ratton. É essa, pelo menos, a grande expectativa dos cinco partidos envolvidos no desenho do diploma.

Mesmo a terminar o acórdão, os juízes do Tribunal Constitucional deixam esse mesmo desafio: “Cabe ao legislador parlamentar, perante esta dúvida – para desencadear o procedimento que conduz à morte medicamente assistida é exigido, cumulativamente, o sofrimento físico, o psicológico e o espiritual, ou basta que se verifique um deles? –, fazer uma determinada opção legislativa (cumulação ou alternatividade) e formulá-la de tal forma que não deixe lugar a dúvidas ou equívocos. (…) Caso o legislador pretenda que os sofrimentos sejam cumulativos, deverá usar uma expressão que o indique de forma absolutamente clara. Assim o exige um Estado que se quer, efectivamente, de direito”.

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Em suma


No não saber é que está o poder? Será?

Não sei, não quero saber e tenho raiva a quem me lembra o que soube

José Sá Fernandes não sabe. D. Américo Aguiar não sabia. Pedro Nuno Santos não sabia que soube. Gomes Cravinho sabia mas era como se não soubesse... No não saber é que está o segredo.

HELENA MATOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 29 jan. 2023, 07:3695

Portugal está entregue aos clones de Schettino, aquele rapaz simpático que há onze anos comandava junto à costa italiana o navio de cruzeiros Costa Concordia e que após ter manobrado mal o navio se pôs de imediato a salvo do naufrágio. Schetinno diz que não abandonou o barco mas sim que foi ejectado para o bote. Quanto ao acidente também não resultou de uma manobra mal feita mas sim das alterações climáticas…

A conversa telefónica que nesse 13 de Janeiro de 2012 teve lugar entre Schettino a salvo no seu bote e Gregorio de Falco o responsável pela capitania tornou-se antológica.Falco percebe que Schettino abandonara o navio onde mais de quatro mil pessoas lutavam pela vida. Dá-lhe ordens para que regresse de imediato ao barco e organize as operações de socorro. Schettino vai argumentando que está escuro logo não vê o suficiente para regressar, que não vale a pena tentar voltar ao navio porque outros já estavam a tratar dessas operações e assim sucessivamente até que um furioso Gregorio de Falco  lhe grita ‘Vada a bordo, cazzo‘ que podemos traduzir por “Vá para bordo, porra!” (obviamente que é muito mais vernáculo). Schettino não regressou. Das 4.229 pessoas que estavam no cruzeiro, 32 morreram e 64 ficaram feridas. A frase “Vada a bordo, cazzo” acabou estampada em t shirts. Isto há onze anos. Em Itália. Mas aqui, neste canto, em 2023, Schetinno produziu discípulos e tornou-se um padrão. Olhando à nossa volta percebemos que esse sorridente-irresponsável se tornou entre nós no protótipo de quem exerce cargos de poder: querer agradar a todos, não assumir quaisquer  responsabilidades e procurar salvar a pele são as regras dominantes.

Não é de admirar portanto que Portugal pareça cada vez mais um imenso Costa Concordia cheio de Schetinnos. Aqui ficam alguns. Os dos últimos dias.

José Sá Fernandes, coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, não se lembrou que devia conhecer o projecto do altar. Com a ligeireza própria de alguém que nunca se responsabilizou pelas consequências dos seus actos, José Sá Fernandes declara Não conheço o projecto”. Se o coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 não conhece o projecto do altar principal quem o conhecerá?

D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 nunca se lembrou de perguntar o valor do altar onde o Papa celebrará missa durante a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023. Quando soube o custo declarou, como se fosse um recém-chegado a este assunto: “Confesso que o valor do palco me magoou”. Como é que um homem que é (ou era até esta polémica) apresentado como futuro cardeal patriarca de Lisboa não percebe a sensibilidade de um assunto desta natureza? Não vê que o ónus da questão acabaria inevitavelmente a cair sobre uma igreja que vive acossada pelos escândalos sexuais e que não encontra solidariedades na hora de denunciar o activismo laicista (coisa muito diferente da laicidade)? D. Américo Aguiar diz-se magoado com o valor do altar. Mas tem rapidamente de se deixar de mágoas e tratar de pedir responsabilidades. A quem? A si mesmo.

Gomes Cravinho. Aqui estamos perante uma espécie de quebra-cabeças: inicialmente o ministro não se lembrava que sabia da derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém. Depois lembrou-se que sabia (ou alguém lhe lembrou que havia um ofício a lembrá-lo) mas explicou que saber da derrapagem nas depesas não é a mesma coisa que autorizar que essa despesa com derrapagem se realizasse. Na prática as obras com derrapagem continuaram. O ministro que sabia mas que defende que saber não é o mesmo que autorizar diz ter condições para continuar ministro. Os contribuintes pagam. Pagam as obras, pagam a derrapagem e pagam o ministro.

Pedro Nuno Santos. Não se lembrava de ter autorizado a indemnização da TAP a Alexandra Reis. Depois a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, foi ao parlamento e declarou ter recebido autorização “por escrito” do secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, para pagar a indemnização a Alexandra Reis. O ex-ministro Pedro Nuno Santos corre para o Whatsapp e acaba a lembrar-se que sabia. O antigo secretário de Estado das Infraestruturas soube que tinha chegado a hora de alterar o depoimento que dera à TAP sobre o que sabia sobre este assunto. Em resumo, é a versão revista e actualizada doeu sei que tu sabes que eu sei.

Por fim mas não por último temos a questão: o que sabe Marcelo? Creio que o próprio Marcelo não sabe responder a esta pergunta tal é a sua pressa em saber apenas o que lhe convém. A forma como reagiu aos custos do altar-palco é sintomática dessa vertigem do Presidente: a 26 de Janeiro, o DN escrevia: “O Patriarcado de Lisboa garantiu esta quinta-feira à SIC Notícias que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sabia dos custos avultados (4,2 milhões de euros) do palco para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e explicou que todas as decisões sobre o evento são tomadas por várias entidades, entre elas as autarquias de Lisboa e Loures e a fundação que organiza o evento.” Nesse mesmo dia D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 declara aos jornalistas a propósito dos custos com o altar-palco: “Eu não sabia, o senhor Presidente da República não sabia e não é verdade que o senhor Presidente da República soubesse. O que é que nós sabíamos? Sabíamos o global.” O problema é que o diabo está nos detalhes! Dizer que não se sabe tornou-se uma táctica de sobrevivência. Dizer que o outro sabia uma forma de ataque.

Perante tais personagens algo me diz que se gritássemos a cada um deles “Vada a bordo, cazzo” na esperança de os ver assumir as suas responsabilidades e fazer o que deviam ter feito, as respostas que escutaríamos não seriam diferentes daquele titubear que, da segurança do seu bote, Schettino ia proferindo enquanto no barco, que ele não soubera manobrar e entretanto se afundava, milhares de pessoas desorientadas procuravam escapar com vida.

JMJ 2023  RELIGIÃO  SOCIEDADE  PEDRO NUNO SANTOS  POLÍTICA  GOVERNO

COMENTÁRIOS (de 96)

José B. Dias: Marcelo só sabe o que lhe convém a cada momento ... mas no final sabe-a toda!               Carlos Vito: Todos, gente sem escrúpulos nem ponta de vergonha. Cobardes até ao tutano. Entre todas as afirmações despudoradas dos amnésicos acrescentam-se as afirmações do bispo em evidência no título do artigo: "não sabia nem tinha que saber"! Como assim? Então eu proponho determinada obra e não procuro saber nem me interessa o seu custo?! Isto só é comparável ao Cravinho, que tem o desplante de dizer que não sabe o significado do aforismo: "quem cala consente". E a posição de Marcelo é uma excelente prova de como o epíteto de catavento lhe assenta que nem uma luva. Já a ética de Sá Fernandes diz muito sobre o caráter pretensamente superior da esquerda.                     Luis Ferreira: Helena Matos, você acaba de chamar ratos a estas pessoas, sempre os primeiros a abandonar o barco. Sabe o que lhe digo ? Bravo!!!               Fernando Cascais: O escrutínio da opinião pública vai governando o país. Se não fosse a indignação pública com o preço do palco tudo teria passado sem problemas. Agora, felizmente já existem preocupações com os valores envolvidos para financiar o evento anunciado em festa por Marcelo e Costa. O dinheiro dos contribuintes começou a ser tido em conta. Com as indemnizações na TAP idem. Se não fosse a notícia do Correio da Manhã a denunciar a indemnização de 500 mil euros, esta teria passado despercebida e com a maior das naturalidades. Outras se seguiriam naturalmente mesmo com a TAP falida, seria normal. O próprio presidente da república nas suas incontáveis declarações diárias vai mudando a opinião consoante o ruído da opinião pública. Somos actualmente governados pelo filtro da opinião pública que vai dando a noção da gravidade dos acontecimentos para os governantes agirem. Quanto mais filtro e escrutínio a comunicação social fizer, melhor será a nossa governação, ou, menos erros serão cometidos. Pena, que este escrutínio não tivesse sido devidamente feito na altura em que o presidente da república gritava para os microfones que ganhámos o Euromilhões das JMJ. Nota 1: o retorno do investimento é uma falácia Nota 2: Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das finanças defendeu com unhas e dentes que o retorno valia qualquer investimento. Para umas coisas é poupadinha, para outras é uma mãos-largas. Devem ser os efeitos da crença na racionalidade. Nota 3: quanto vai custar financiar o evento? Como se chegou aos 160 milhões? Ninguém sabe, óbvio, nunca houve durante este tempo um plano com pés e cabeça.                 Maria Tubucci: Na tomada de posse os elementos do governo fazem um juramento,”Eu, abaixo assinado, afirmo solenemente pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas.” Isto é só folclore, pois não têm honra e muito menos são leais aos portugueses, são leais aos seus próprios interesses. Assim no instante imediatamente a seguir ao juramento, já estão a mentir. Este género de pessoas, irresponsáveis, incompetentes, interesseiros, inimputáveis, que governam o país com os resultados que se vêem. Estranhar estes factos? Não, são tudo consequências da maioria absoluta, da falta de escrutínio, de se considerarem moralmente superiores, de considerarem os portugueses como acéfalos e burros de carga. Isto alguma vez mudará? Talvez, se o povo votante se sentir indignado e revoltado, facto que ainda não aconteceu. Talvez, se começarem a ser insultados em público pela sua cobardia, surta efeito e pensem 2 vezes antes de abrirem a boca. Talvez a política do ”dizer que não sei, não me lembro”, HM, termine da pior forma possível para os envolvidos. Não sei, era o que mereciam. Talvez, ainda demore muito tempo!                  Maria Cordes: Está bem explicado e compreendido. Ainda não percebi, porque é que o palco para esta ocasião, tem de servir para futuros acontecimentos, como prováveis eventos da Madona. Porque não se cingiram ao agora? Faz lembrar os estádios do inefável Guterres. Quanto aos timings, outra trapalhada, só agora é que acordaram. Sá Fernandes, depois da barracadas do túnel do Marquês, devia ter calçado as pantufas. Esta gente, pensa que nascemos ontem. A importância do jornalismo de investigação, livre, é incontestável. Parabéns Helena.                     Maria da Luz Bueno: Mas afinal quem é que quis fazer o evento em Lisboa? O presidente, as autarquias, a Igreja? Pelo que ouvi a Igreja até estava reticente. Sobram os outros dois. E todos sabiam que eram necessários investimentos. O grande problema da esquerda é que os primeiros a aproveitarem o dito palco é a Igreja. Se fosse um qualquer evento das esquerdas estava tudo bem, como é da Igreja é 'bota abaixo'.               elpjust just: Bom dia! Não devemos perder a esperança por um amanhã melhor! No entanto, por mais que se frequente a escola até mais tarde, se, tenha mais conhecimento, literacia etc..  etc.. temos cada mais uma juventude de quarenta anos de idade, inerte sem valores sem ambições, muita ainda a comer do tacho dos pais, sem vontade de lutar por causas e direitos, porque também não quer honrar deveres e obrigações. O ardil não dorme, sempre com astúcia necessária, para comer sem fazer nada, até porque também não sabe, a vida não lhe ensinou nada, nunca foi a tropa, nunca andou a pé nunca teve que pedir boleia para ir trabalhar, nada, nunca lhe faltou nada por isso nunca lutou. Agora, que a barriga começa apertar, com a subida dos preços (roubalheira), para pagar a mentir do COVID, que nasceu por dec. e findou por dec. ( A minha opinião), gastaram-se milhões têm medo de abrir as instituições ao público em geral, sim porque o nosso presidente e políticos nunca lhes faltou a liberdade para comícios e outras coisas. Contudo, é bem verdade quando a fome aperta o povo vai ao limite ou mais além. Temos os professores na rua, com toda a razão, porque não ganham para combustíveis, temos as casas como nunca visto, alimentos, etc. etc.. tudo isto, porque nunca tivemos políticos com visão de estado de (povo), sempre se governou por impulso, e para calar reclamações dos que têm a coragem de gritar e lutar por alguma coisa, exemplo a TAP, a Madame teve que se chegar à frente para não ter prejuízo. Se, fosse assim com tudo tínhamos uma sociedade equitativa, dentro do principio da igualdade. Dá-se subsídios a malandros para acabar com os carteiristas, promove-se o ócio, e o expediente, para comprar votos, e, garantir que a máquina partidária não encrave, para que as famílias, se governem, e tem-se esta vergonha do não sei, não tenho culpa, mas afinal sabia de tudo e omiti até ser apertado. Concluindo, de quem é a culpa que está sempre a morrer solteira, só encontro um culpado, ( O código Penal ), e os seus manuseadores, não vou falar de justiça, porque justiça é outra coisa bem diferente, que muitos confundem a seu belo prazer.(Correm noticias animadoras na cabeça dos inocentes), nunca haverá um amanhã melhor com uma sociedade inerte e cobarde, sem espinha dorsal. Todo o pai consciente diz ao filho, que se não lutar não tens, excepto se fores para político.          José Barros:  Muito bom. Como Helena Matos nos acostumou. Já o disse. Tanto "não sabia" é a mais flagrante e trágica confissão de incompetência. Quem não sabe e devia saber é, obviamente, um incompetente. Deve reprovar. Sendo servidor público deveria ser proibido de exercer cargos públicos por incompetência.           João Ramos: Excelente retrato do que são as “elites” neste país, só faltou referir o Medina e claro está, o responsável máximo Costa que nomeia e mantém, sabe Deus a que propósito, está gentalha que nos conduz ao abismo. O Sã Fernandes deveria de ser demitido imediatamente das funções que não exerce e quanto aos outros deveriam tomar o mesmo caminho, a bem da nação…               Amigo do Camolas: Entre escolher não querer saber e escolher não se importar, Marcelo e Costa escolheram as duas. E "nós" escolhemos os dois. E quando os que exercem cargos públicos são tão ignorantes e tão incompetentes em tudo, é porque lhes falta empatia. É porque lhes falta qualquer tipo de noção para o cargo que ocupam. E esta balbúrdia entre gestores de instituições públicas e empresas públicas são sintomas dessas falhas. As habilidades destes dois e dos socialistas de tomar o poder do estado manipulando, roubando e enganando estão em contradição com as habilidades humanas necessárias para aplicar esse poder de maneira significativa. Como todo mal, esta bolha "Schettina" está condenada a se autodestruir desde o início. É verdade que Costa nunca quis nem quer fazer nada sobre a roubalheira descarada nas instituições públicas e sobre as aldrabices dos mesmos. Ele não quer saber nada sobre uma empresa que ele nacionalizou - TAP. Ele não quer saber nada sobre o que os seus ministros fazem e não se importa com o quão bem ou mal os milhões injectados na JMJ estão a ser geridos. A manhosice de Marcelo e as aldrabices de Costa são expressões do seu desprezo pelas pessoas abaixo deles. Suas posições implodem porque eles nunca se preocuparam em entender como elas afectam pessoas reais. Eles escolhem não saber, porque escolheram não se importar                    Carlos Chaves: Caríssima Helena Matos, não viria mal ao mundo se tivéssemos por cá esses “Schettino’ s” a tratarem das suas vidas privadas. O problema é quando descobrimos que as suas cobardes decisões, típicas neste caso de homens muito pequeninos, afectam a vida de todos nós! E pior, estão a fazer escola!               Maria Melo > Fernando Cascais: Resta saber para os bolsos de quem vai parte desses milhões.                Américo Silva: Sou grande admirador das crónicas da Helena Ramos, por isso, com consideração, discordo muitas vezes. Esta está excelente, magistral.

Festival


Nesta evocação cinéfila que Jaime Nogueira Pinto, em homenagem a Gina Lollobrigida, nos dá a conhecer, de tempos que também vivemos, mais passageiramente, é certo, mas que reavivaram lembranças de figuras que conhecíamos na sua maior parte por referências visuais ou escritas, a escassez de recursos familiares ou a dedicação aos estudos não possibilitando tanta penetração pela esfera cinematográfica. Um prazer de leitura, nos traz tal evocação, pontuada com o sorriso da mordacidade, sobre os tempos de hoje, com outras espécies de Lollas e de receptores das reivindicações das ditas.

Com “La Lollo” no Cinema Paraíso

Humphrey Bogart dizia que Gina Lollobrigida fazia de Marilyn Monroe uma Shirley Temple. Não sei quando vi pela primeira vez “la Lollo”, mas foi com certeza no Porto, numa tarde no cinema.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 28 jan. 2023, 12:396

Nascidos no imediato pós-Segunda Guerra, miúdos nos anos 50, o cinema foi muito importante para nós.

Tínhamos começado a descobrir e a imaginar o mundo pela leitura, as palavras mágicas que serviam de guião às histórias aos quadradinhos do Mosquito, do Mundo de Aventuras, doCavaleiro Andante; e tínhamos passado para os Salgari, das Edições Romano Torres, onde um italiano que nunca saíra de Itália nos levava do Polo Norte para a Malásia, do Corsário Negro para o Sandokan. Também nas Edições Romano Torres, lemos a colecção de Capa e Espada, histórias de heróis dos tempos onde tínhamos chegado com Os Três Mosqueteiros (que eram quatro…) do Dumas; heróis como os das “guerras religiosas” do Ponson du Terrail, dos Quatro Cavaleiros da Noite à Vitória do Rei Henrique, ou o Lagardère, de Paul Féval, nos princípios da Regência no século XVIII.

Isto antes de entrarmos na literatura “a sério” e no seu encanto, que Scott Fitzgerald descreveu como o encanto de descobrir que coisas que imaginamos e sentimos são, afinal, universais e que não estamos sós na nossa imaginação. A magia da leitura é também essa – a descoberta de mundos atrás de mundos, como um jogo de imagens de lanterna mágica, em que nos vamos desdobrando até ao infinito, sempre iguais, sempre diferentes.

Mas ao lado dos livros, a chegada ao mundo da imaginação vinha do cinema, das imagens que os “caçadores de imagens” juntavam para contar uma história – às vezes até as histórias que já tínhamos lido nos livros.

Quando as luzes se apagavam

Nos anos 50 e 60, quando comecei a “ir ao cinema”, o cinema era um ritual, com a sala escura e solene dos grandes cinemas do Porto e de Lisboa – o Batalha, o Rivoli, o S. João, o S. Jorge, o Império, o Tivoli – ou aqueles mais modestos e populares, com sessões duplas – o Carlos Alberto, o Terço, o Imperial, o Liz, o Bélgica. A sessão começava com as “Actualidades”, francesas, espanholas ou portuguesas; seguiam-se os desenhos animados, o intervalo e os trailers das fitas a estrear brevemente. Tudo regulado por uns toques solenes que nos chamavam para a sala escura.

E quando as luzes se apagavam, podíamos ser Ben-Hur – Charlton Heston – o remador a naufragar e a salvar o Jack Hawkins, o cônsul romano Quintus Arrius, que depois o vai proteger e adoptar; e podíamos, sempre com o mesmo Ben-Hur, ir na quadriga bater o Messala – Stephen Boyd; ou ainda ter aquele sentimento de maravilha de nos cruzarmos com o próprio Cristo no meio dos leprosos. Ficaram famosas as epopeias judaico-cristãs de Hollywood, desde o Sinal da Cruz, de Cecil B. DeMille, ao QuoVadis, à Túnica e ao Rei dos Reis. E depois Roma e o Império Romano, do Spartacus, de Stanley Kubrick, à fabulosa Cleópatra, de Joseph Leo Mankiewicz, que abria com o desfile triunfal de César em Roma, desfile que não durava muito nem pouco, durava o tempo certo; e a cena inesquecível da Cleópatra – Elisabeth Taylor – a sair de um tapete desenrolado aos pés de César – Rex Harrison.

Mas também podíamos viver com o coronel T. E. Lawrence, recriado por David Lean e personificado por Peter O’Toole, ou cavalgar por outros desertos com os cowboys dos Westerns – com Gary Cooper e Burt Lancaster, em Vera Cruz, ou com John Wayne, em filmes do John Ford, como She Wore a Yellow Ribbon.

Como entrámos na literatura “séria”, também entrámos no cinema “sério” – no Bergman do Sétimo Selo e dos Morangos Silvestres, que pela primeira vez me pôs a mim, cristão pré-conciliar, o problema de um mundo sem Deus; ou os italianos neo e pós-realistas, os extraordinários Visconti e Fellini. Fellini já tinha sido um caso sério com o 8&1/2, cuja filosofia, ao tempo, nos levava a intermináveis discussões, cortadas por um ou outro comentário mais brejeiro sobre a Cláudia Cardinale. Para não falar da Dolce Vita e das pouco sofisticadas divagações a que Anita Ekberg nos levava. Outros alvos e motivos de discussão foram À Bout de Souffle e Pierrot le Fou, de Jean-Luc Godard.

Tudo isto se passava nos tempos “negros e cinzentos” da “ditadura salazarista”. Ainda hoje não sei a cor dos tempos do Portugal de Abril, mas parece que não são nem negros nem cinzentos.

“A mais bela do mundo”

Não sei quando vi pela primeira vez “a mulher mais bela do mundo”, a Gina Lollobrigida, la Lollo, como lhe chamavam e chamam os italianos; mas foi com certeza no Porto e numa tarde no cinema. Talvez tenha sido naquela dança em Salomão e a Raínha de Sabá, diante do Yul Brynner que, depois de Faraó nos Dez Mandamentos, fazia de Salomão naquele último filme de King Vidor. Mas também pode ter sido no Corcunda de Notre Dame, o filme de Jean Delannoy, onde ela era a Esmeralda, a paixão de um feíssimo Quasimodo – Anthony Quinn. No Corcunda, Gina também dançava, como na Rainha de Sabá, mas estava mais composta, embora sempre provocantíssima para os adolescentes reprimidos do tal salazarismo negro e cinzento que éramos. Ou talvez tivesse sido em Trapézio, de Carol Reed, em que la Lollo era a mulher-objecto, que manipulava – ou objectificava – Tino Orsini (Tony Curtis) e Mike Ribble (Burt Lancaster).

O Burt Lancaster que aqui saltava no trapézio, pirateava no Pirata Vermelho e era o Apache Massai, em Apache, de Robert Aldrich. Mas depois destas fitas todas faria, pela mão de Visconti, o inesquecível príncipe de Salina do Leopardo. Em 46, Lancaster fora o protagonista da versão em cinema de The Killers, de Ernst Hemingway, onde contracenava com Ava Gardner. Pensando bem, bomba sexual que era, Gina não era a mais bela do mundo: antes estavam a Elisabeth Taylor de Bruscamente no Verão passado e a Rita Hayworth de Gilda. E a Ava Gardner, claro.

O caminho da estrela

Luigina Lollobrigida, nascera a 4 de Julho de 1927, em Subiaco, uma pequena comuna do Lácio, 50 quilómetros a leste de Roma. Fora em Subiaco que, 1400 anos antes, S. Bento de Núrcia vivera três anos como eremita, antes de se dedicar a fundar mosteiros que ajudaram à cristianização da Europa, entre eles Monte Cassino, onde viria a morrer.

Gina não fundou mosteiros, e poderá até ter desviado alguns jovens de vocações monásticas; e enquanto S. Bento fora para Subiaco para escapar às tentações de Roma, ela foi para Roma com os pais e as irmãs, em 1944, onde acabou a tentar romanos e outros povos. Aí frequentou a Academia delle Belle Arti. Nesse tempo, em 1945, aos 18 anos, foi violada por um futebolista do Lazio. Gina contaria esta memória difícil numa entrevista nos últimos anos de vida, mas não revelaria o nome do violador. Na altura, pagava os estudos, vendendo desenhos e posando para fotonovelas na revista Sogno.

O caminho para o espectáculo e para a fama começou quando concorreu a Miss Roma e, depois, a Miss Itália, ficando em terceiro lugar, a seguir a duas outras futuras actrizes – Lúcia Bosé e Giana Maria Canale. Nesse mesmo concurso, entraram outras bellissime do cinema italiano, como Silvana Mangano e Eleonora Rossi Drago.

Os concursos abriram-lhe a porta para o cinema, onde se estreou em 1947, aos 20 anos, em Folie per l’Opera, de Mario Costa. Depois actuou em filmes de Luigi Zampa e Carlo Lizzani. Em 1949, casou com Milko Scofic, um médico jugoslavo que tratava os refugiados alojados na Cinecittá. Scofic foi manager de Gina por alguns anos, tentou também o cinema como actor e produtor, tiveram um filho e separaram-se em 1971.

Em 1950 a “bomba” cruzou o Atlântico: Howard Hughes, o multimilionário aviador, produtor e realizador de cinema, deu por ela. Hughes era obcecado com os micro-organismos (morreu em autorreclusão para evitar contágios) mas a fobia não o impediu de praticar “o desporto favorito dos homens”, reunindo uma impressionante colecção de casos com actrizes famosas: Marlene Dietrich, Ida Lupino Katherine Hepburn, Ava Gardner, Jane Russel, Ivone de Carlo, Elisabeth Taylor. Hughes teria visto uma fotografia de Gina em bikini, numa revista, e convidou-a a ir para os Estados Unidos com um contrato milionário, em que, por sete anos, ficava obrigada a trabalhar em exclusivo com a RKO (Radio Keith-Orpheum Corporation), a produtora que Hughes comprara.

Gina ficou dois meses e meio na América, em Los Angeles, no Town House Hotel, sob permanente assédio de Hughes, assédio a que parece ter resistido.

Voltou a Itália e, a partir daí, entrou nas fitas que a tornaram célebre: uma das primeiras foi Altri Tempi – Zibaldone, de Alessandro Blasetti. Blasetti tinha sido um importante realizador do Vintennio fascista, com filmes políticos como 1860, um épico nacionalista sobre a unidade italiana, e Vecchia Guardia, que celebrava a Marcha Sobre Roma. Antes, fizera um filme mudo também de propaganda fascista, Sole. Foi um dos primeiros realizadores a olhar para o cinema, não só como obra de arte pessoal – do regista ou realizador –, mas também como trabalho conjunto, um produto da indústria. Nos seus escritos sobre cinema na revista Cinematógrafo, Blasetti comparava a crise e decadência da produção italiana nos anos 20 com a florescente situação do cinema alemão. Sole foi o último filme importante do mudo em Itália; nele – e em 1860, em Vecchia Guardia e noutras fitas suas da era fascista –, vêem-se as influências cruzadas do cinema épico de D. W. Griffith com o novo realismo soviético de Eisenstein e Dziga Vertov. De resto, Sole (1929) e Resurrectio (1931), de Blasetti, são considerados pelos críticos antifascistas obras percursoras do neo-realismo. Tal com Estaline e Hitler, Mussolini percebera bem a importância do cinema para a opinião pública e investira a sério na renovação do cinema italiano; em 1937, fizera a Cinecittá, uma cópia dos estúdios de Hollywood, onde passaram a ser produzidas dezenas de fitas por ano.

Blasettti não gostou da aproximação de Roma a Berlim e ao hitlerismo e os seus últimos filmes no tempo da guerra, La corona di ferro (1940) e Quattro passi fra le nuvole, são apolíticos. Em 1946 filmava Un giorno en nella vita, história de um grupo de partigiani comunistas que se escondem num convento.

Ao contrário de Blasetti ou de Rosselini, Gina não tinha passado fascista, por isso não precisava de provar o seu antifascismo; nos anos 50 filmava as fitas que a tornaram mais conhecida em Itália e no mundo, fitas em que a sua beleza, mais popular que sofisticada, a celebrizou para sempre. Filmes como Fanfan la Tulipe, de Christian Jacques, com Gérard Philipe; Pão, Amor e Fantasia, de Luigi Comencini, com Vittorio de Sica, ou O corcunda de Notre Dame, em que Anthony Quinn, que era bem grande, fazia de Quasimodo (se fosse hoje talvez anões verdadeiros invadissem o cinema).

Em 1954, dirigida por Luigi Zampa, faz o papel de Adriana, uma jovem bela e pobre, que, nos anos trinta, em Roma, vive uma série de experiências com homens, que acabam mal. O guião de La romana era uma adaptação de uma novela de Alberto Moravia.

Em 1955 é La Donna piú bella del mondo, de Robert Z. Leonard, em que Gina encarna a cantora de ópera Lina Cavalieri. Aqui contracena com Vittorio Gassman e, em 1956, Gina ganha o David di Donatello, o óscar italiano.

Há também os tempos americanos – com o Trapézio, Salomão e a Rainha de Sabá, Quando Setembro vier – filmes em que foi dirigida por uma série de realizadores grandes de Hollywood e contracenou com Rock Hudson, Frank Sinatra, Humphrey Bogart.

Era, à sua maneira, segura e frontal. Sobre Rock Hudson, diria: “I knew right away that Rock Hudson was gay, when he did not fell in love with me”.

Humphrey Bogart, que conhecia bem as duas, ou as três, diria que Gina Lollobrigida fazia de Marilyn Monroe uma Shirley Temple

A partir da década de 60, foi espaçando a sua participação no cinema e dedicou-se à escultura e à fotografia. Chegou também a entrevistar Fidel de Castro e a dirigir um documentário sobre ele, em 1972. Também terá tido o seu momento de Sunset Boulevard, com romances com homens mais novos, o que deu lugar a alguma maledicência jornalística.

A era das beldades

Esta era das beldades, das “bombas”, das “mulheres-maravilha”, respirando sensualidade num mundo de interditos religiosos e institucionais, começou com o Riso Amaro, de Giuseppe de Santis, com a Silvana Mangano como heroína. Silvana, Gina e Sophia Loren, encarnavam os tais símbolos sexuais nos anos 50. Nos anos 60, seria a vez de Claudia Cardinale, protagonista, em 1963, de O Leopardo, de Visconti, e de 8½, de Federico Fellini; em que aparecia também uma outra diva, a loira Sandra Milo. Outras estrelas, como Silva Koscina ou Stefania Sandrelli, faziam os peplum no Mediterrâneo de Ulisses e Hércules.

Todas estas mulheres, estas actrizes, fizeram parte da nossa juventude, dos arquétipos e dos sonhos da nossa juventude, no tal país “negro e cinzento”, em que os interditos eram alegremente violados, com acessos de arrependimento, perdão e garantia de voltar a pecar.

Gina Lollobrigida esteve em muitas destas passagens rituais, em que, a ouvir os mais crescidos e vividos, crescíamos ou achávamos que ficávamos mais homens. Também por isso, e apesar de reconhecer que ela talvez não seja uma grande actriz dramática, como a Magnani, a Marlene Dietrich, a Simone Signoret, a Alida Valli ou a Katherine Hepburn, não posso deixar de pensar nela, agora que partiu, com aquela ternura e nostalgia que temos pelas companhias e companheiras de outros velhos e felizes tempos.

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COMENTÁRIOS (de 6)

João Floriano: Uma crónica diferente do habitual, pelo menos à primeira vista, mas que desperta muitas memórias e uma grande saudade em pessoas da minha faixa etária. Fiz todo o percurso que JNP indica na sua crónica de hoje: os mesmos heróis de banda desenhada, o mesmo começo no cinema. Primeiro os filmes simples da Marisol e do Joselito. Chorei muito com o «Marcelino Pão e Vinho». Em termos de leituras, eu adorava os Cinco da Enid Blyton. Mais tarde na adolescência encantei-me com Jack London e Pearl Buck. Muitas opiniões podem desvalorizar a literatura de banda desenhada e de cordel com que muitos da minha geração começaram a gostar de ler e ir ao cinema. mas é uma fase bem necessária para dar de seguida passos em direcção a coisas bem sérias como foi Ingmar Bergman por volta dos meus 20 anos. Sobre a Lollo penso que a primeira vez que a vi foi em Salomão e a Rainha de Sabá com esse careca fabuloso que foi Yul Brinner. Lembro-me também de Trapézio com Tony Curtis. À distância parecem-me tempos tão simples em contraste com a confusão que agora vivemos. Pelo menos não havia redes sociais!