A história das
guerras na Europa, nestes últimos séculos, desde a Idade Moderna aos nossos
dias, quer fossem de religião, quer de outros ideais políticos, quer, como nos tempos
de hoje, de pura malvadez tortuosa e facinorosa, na escolha dos pretextos e das
alianças globais, por enquanto de uma impunidade, que o medo favorece, da
destruição à escala global. JAIME NOGUEIRA PINTO sempre um mestre, no saber e
no pensamento crítico.
A crise da ordem internacional liberal
Numa ordem mundial em crise e
transição, a estabilidade só poderá ser restaurada com realismo, ou seja, tendo
em conta que nem sempre a Paz coincide com a Justiça.
JAIME NOGUEIRA
PINTO, Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 31
dez. 2022, 00:2020
Ideologia e Razão de Estado
A Guerra dos Trinta Anos foi uma guerra desencadeada por razões religiosas, uma guerra de blocos, de um
bloco católico contra um bloco protestante.
No entanto, a França de Richelieu chegou a abandonar, por razões de Estado, a
solidariedade católica para combater o seu inimigo principal – a
Casa de Áustria, os catolicíssimos Habsburgo, tal como no século
anterior se tinha já aliado ao Turco.
O resto do século XVII e o século
XVIII passaram-se entre guerras, equilíbrios e tratados de paz entre os poderes
europeus: França, Inglaterra,
Espanha-Áustria, com a Prússia e a Rússia a juntarem-se mais tarde aos grandes. As guerras da Revolução e do Império confrontaram a
França republicana e revolucionária com as monarquias europeias, que
responderam à cruzada dos povos contra os reis, animada por Paris, com uma
cruzada contra-revolucionária. A revolução passou depois do Thermidor, mas a França
de Napoleão levou as suas bandeiras e baionetas aos confins da Península
Ibérica e da Rússia em expedições que não acabaram bem para o invasor.
Espanhóis, portugueses e
russos – apoiados pela teimosia, o dinheiro e a marinha
inglesa – resistiram
aos invencíveis franceses; e, na perseguição, vieram até Paris e restauraram os Bourbon no trono de S. Luís. Depois, em
Viena, os poderes vencedores assinaram um tratado de paz para a Europa, com
base numa Santa Aliança cristã e monárquica empenhada no policiamento e controle
das ideias da revolução e dos seus efeitos subversivos.
Apesar das guerras de unificação das
nações italiana e alemã, a partir dos Saboia do Piemonte e dos Hohenzollern da
Prússia, a
paz geral europeia duraria um século.
Depois, a aventura colonial entreteve os europeus nas duas décadas entre
a conferência de Berlim e a Grande Guerra.
Um
século depois do Congresso de Viena, tudo explodia, em Agosto de 1914, com o
assassinato em Sarajevo do herdeiro do trono dos Habsburgo. O fogo propagou-se a toda a Europa e a guerra
moderna, a guerra total com as suas “tempestades de aço”, levou à revolta
parte dos convocados. A revolta teria sucesso, não na Flandres, o
coração da batalha, mas na Rússia, em São Petersburgo, onde a autocracia
czarista seria derrubada pelos soldados derrotados. A guerra civil e a
Revolução a que a revolta deu origem ia impor-se, tal como a francesa, pelo
ideal utópico e pelo terror – mas não teria nem Thermidor nem síntese
napoleónica. Ou talvez os tivesse tido, já no final dos anos vinte, com
um autocrata mais brutal e fanático que os seus predecessores – Estaline, o Czar Vermelho – que imporia ao seu correligionário e rival Léon
Trotsky, partidária da revolução mundial e imediata, uma heresia marxista: “o
comunismo num só país”.
Foi, no entanto, perante a ameaça
internacionalista da revolução comunista que o fascismo, como alternativa de
ordem e força, mobilizou as classes médias e triunfou na Itália em 1922. E foi também como barreira ao comunismo
internacional e com a promessa de vingar a humilhação de Versalhes que Hitler
conseguiu apoio popular nas eleições alemãs de 1932, que fizeram do NSDAP o
primeiro partido da Alemanha de Weimar.
Com
a União Soviética comunista e a Alemanha nacional-socialista tudo se perfilava
para o regresso da guerra ideológica, versão moderna das guerras de religião.
E a
guerra chegou. A maior e mais mortífera guerra da história da Humanidade, uma
guerra em que, fruto da tecnologia e da ideologia, os mortos civis superaram os
mortos militares. A Segunda Grande Guerra acabou com a bomba atómica, a “nova
maravilha” da tecnologia que iria também determinar a paz armada ou a Guerra
Fria no coração do mundo euroamericano – embora, nas periferias, os conflitos
coloniais, identitários, político-religiosos se multiplicassem.
A guerra civil europeia saíra cara a
vencedores e vencidos do velho continente, mas era preciso estruturar a nova
ordem do mundo, um mundo que deixara de ser eurocêntrico e onde, por isso, os
europeus procuraram formas de união.
A Guerra Fria e o interregno
Um
patriota realista norte-americano, George F. Kennan, embaixador em Moscovo,
elaborou e ditou as regras do comportamento da América e do Ocidente perante o
inimigo soviético, numa estratégia que equilibrava a determinação e a
contenção, mas que não deixava de se pôr na pele do outro.
Foi,
no entanto, a audácia de Ronald Reagan, aconselhado por William B. Casey, que,
aproveitando as contradições na classe dirigente soviética e explorando a
rivalidade entre Pequim e Moscovo, levou à implosão do sistema comunista, com a
auto-libertação da Europa de Leste. E para esta libertação foram decisivos,
além do Papa João Paulo II e de Margaret Thatcher, a resistência de polacos e
húngaros, velhas nações perdidas entre impérios. E, claro, Gorbachev, cuja
personalidade e temperamento não se coadunavam com o governo de um sistema
assente no medo absoluto.
Na
euforia da vitória de 1991-92, proliferaram as conclusões apressadas e as
profecias optimistas, esquecidas da natureza dos homens e dos Estados. A ideia
da “ordem internacional liberal”, como facto irreversível per omnia
saecula saeculorum, veio daqui. Havia uma vitória das democracias
ocidentais e, a partir dessa vitória, o modelo de democracia partidária
competitiva e de economia capitalista de mercado estariam consagrados pela
natureza das coisas: a ordem internacional liberal garantia esse sucesso em
termos globais, e ninguém se atreveria a recusá-la.
Mas
as coisas não foram bem assim. O ataque da Al Qaeda aos centros da nova ordem
gerou uma reacção que levou às guerras do Iraque e do Afeganistão e ao
renascimento do jihadismo, com resultados perigosos para o Ocidente. O modelo
capitalista euroamericano foi abalado pela crise de 2008, detonada pela
falência da Lehman Brothers, com George H. Bush a apelar, no G20, aos não
ocidentais para ajudarem a sustentar o modelo ocidental. Entretanto, na luta
contra a Al Qaeda, uma série de direitos, liberdades e garantias foram
suspensos, ou mesmo ignorados, enquanto se levantavam os tradicionais limites
da razão de Estado aos entusiasmos das ideologias altruístas. Uma solução
política de pretensões ideológicas chocava com a natureza dos homens e das
coisas e saía vencida. Nações e identidades históricas e culturais, políticas e
ideologias e consequentes diferenças de valores, baralhavam as sedutoras
profecias. Afinal, talvez o Choque de Civilizações, de S.P.
Hungtinton, dissesse mais da realidade das relações entre os povos do
que O Fim da História, de Fukuyama.
A paz pelo comércio?
Em Fevereiro deste ano que hoje
acaba, a invasão russa e a guerra quente na Europa vieram acelerar a
decomposição da ordem internacional liberal que emergira da Guerra Fria.
Putin
invadia a Ucrânia menosprezando o nacionalismo histórico ucraniano e,
sobretudo, o reforço identitário que a sua acção desencadearia. Com a expansão
rápida da NATO depois dos anos 90 do século passado, era também o medo, o
nacionalismo securitário russo “ameaçado”, que arrastava Moscovo para a guerra.
E apesar dos pretextos ideológicos invocados – o “antifascismo” ou “antinazismo”
avançado por Putin e a “defesa da democracia” proclamada por Zelensly – evidenciava-se o clássico choque de
nacionalismos.
Assim, perante o maniqueísmo geral e as posições rígidas dos
contendores, a ordem internacional liberal e as suas instituições políticas e
jurídicas têm-se mostrado incapazes de encontrar soluções.
Com os cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança, que constituem o núcleo da decisão, divididos (Rússia e China contra os Estados Unidos, o Reino Unido
e a França), as Nações Unidas estão bloqueadas. E, enquanto o eixo Euro-Americano está mais ou
menos alinhado no apoio à Ucrânia atrás dos americanos, na NATO e na UE, o
resto do mundo também se divide, com as potências mais populosas – China e
Índia – em discreta cumplicidade com a Rússia, bem como parte dos países
africanos, quase todos os árabes e alguns dos Estados centro e sul americanos.
Esta
guerra vem também pôr em causa a interdependência comercial ou cultural como
meio de evitar o conflito, tornando evidente que a existência de relações
económicas entre os Estados, a paz pelo comércio, não chega para impedir o
confronto político e militar.
São raros os Estados que se afirmam solidários com Putin e Moscovo, mas são muitos os que, a partir de uma “terceira
posição”, estão a marcar a sua independência em relação ao bloco ocidental
democrático e liberal. E, apesar de, à primeira vista, a unidade
euro-americana – eixo da ordem liberal internacional – sair reforçada, os
efeitos colaterais do conflito podem bem vir a enfraquecer e dividir “o
Ocidente”. Para esta
divisão está a contribuir a desigualdade de consequências em termos económicos
e sociais para americanos e europeus.
Assim,
como nos grandes conflitos em solo europeu do século XX, a hubris de
uns, a exaltação de outros e a incompetência de quase todos lançaram a Europa
no ferro e fogo da guerra. Para restaurar a paz, além da justa avaliação e
qualificação moral de agressores e vítimas, será preciso uma grande dose de
realismo e senso comum. Tendo
presente, numa ordem mundial em crise e transição, que nem sempre a Justiça
coincide com a Paz.
A SEXTA COLUNA MUNDO RELAÇÕES INTERNACIONAIS POLÍTICA
COMENTÁRIOS (De 32):
Joaquim Lopes > Pontifex Maximus: Sobre o Japão duvido dessa afirmação, o Japão tem
capacidade industrial e tecnologia superior a qualquer país do mundo incluindo
os USA, duvido que se deixem humilhar novamente pelos americanos, o Japão não
entrou na guerra como potência do Eixo Alemão, sem haver antecedentes. Hoje
têm aviões de caça superiores aos americanos, têm capacidade em indústria
pesada muito superior à americana, os USA deixaram que desde Reagan o país
caísse em aventuras que lhes custarão as consequências da abertura da fronteira
a sul, entra por lá tudo, desde miséria ao banditismo mais violento e aos
grupos de terroristas muçulmanos apoiados pela Arábia Saudita pela mão de
Obama/Clinton. Obama
é um infiltrado que se passeia na Casa Branca, pode acontecer uma secessão do
sul contra o norte por exemplo. A
Coreia do Sul pode não ter esquecido a invasão japonesa e a sua permanência
durante décadas, mas o Japão não pode deixar de ser seu aliado. Não sei se Austrália terá assim tanto poder militar
como diz. Uma coisa é certa, o Japão está a armar-se até aos dentes, em
silêncio com ou sem consentimento dos USA. Os USA e Alemanha venderam-se à RPC
que tem mais poder e conhecimento do que se passa no Pentágono que a NSA, chama-se o poder do dinheiro, a sério, o
ouro e a dívida.
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