sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ele e ela


A mulher foi desde o seu bíblico início
Uma personagem condenada
Pelo seu espírito de teimosia,
Pois não só comeu o fruto
Que Jeová proibia,
Como levou Adão, homem singelo,
A comê-lo,
E isso não se fazia.
Ficou-lhe assim o estigma
De que La Fontaine se aproveitou no seu enigma
Que parece de cortesia
Mas que é cheio de ironia
Feroz,
Numa sociedade em que a força e a valentia
Do ser macho sempre se impôs,
Sem harmonia, nem fantasia
Até mesmo hoje
Como se comprova na doméstica violência diária
Vária
Seja na Europa, na América, na Ásia,
Na África, ou na Oceânia,
Pois a Antártida ainda não conta
A não ser para os pinguins dos confins.

«A mulher afogada»

«Eu não sou daqueles que dizem: “Não é nada:
Trata-se de uma mulher afogada.”
Digo que é excessivo; e esse sexo vale, sem fantasia,
Que nós o lamentemos, pois faz a nossa alegria.
O que avanço aqui não é um desaguisado,
Visto que se trata nesta fábula lamentável
De uma mulher que os seus dias tinha acabado
Nas ondas, em destino deplorável.
O seu esposo do corpo andava à procura
Para lhe prestar, nesta triste aventura,
As honras da sepultura.
Aconteceu que pelas margens do rio,
Autor da desgraça inclemente,
Passeavam pessoas que ignoravam o acidente.
O pobre do marido perguntou por desfastio
Se não tinham avistado o rasto da sua mulher:
“Nenhum, respondeu um; mas procurai-a mais abaixo:
Segui o fio do rio.”
Outro redarguiu: “ Não, não o sigais para baixo
Ide antes para cima, para trás.
Seja qual for a inclinação
Com que a água a poderia levar,
O espírito de contradição
Doutra forma a fará flutuar.”
Este homem troçava sem qualquer justificação.
Quanto ao humor contraditório
Não sei se tinha razão,
Mas que esse humor seja ou não
O defeito do sexo ou a sua inclinação,
Quem quer que com ele nascer
Sem falta com ele vai morrer:
Até ao fim ela irá contradizer
E, se possível, até bem para além
Do que é possível conceber.»

Eu poderia informar
Sobre outros defeitos do nosso ser
Com que a minha amiga e eu,
Sem jamais usarmos o teu e o meu,
E sem mais aquela,
Às vezes debatemos sobre os defeitos dela,
Embora mais vezes sobre os defeitos dele.
Mas o tempo é de cautela:
Falemos antes na beleza dela,
Critiquemos a debilidade dele,
Que só fala, fala, fala,
Menos na nossa esparrela.
Ai dele e ai dela!


 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Está seco


- Acha que teremos tranche? – pergunto eu, na inquietação que me aniquila a alma, sempre que as figuras sinistras dos troikos de maleta se desenham no nosso horizonte nacional.

Mas a minha amiga é muito prática nas questões da alma e das tranches e despachou-me deste modo:

- Isso temos, não se vive de outra maneira. Então, se eles não dessem mais dinheiro, Portugal vivia de quê? Da agricultura? Ou do mar?

Torci-me toda, no sentimento de humilhação em que a nulidade das nossas perspectivas nos coloca, apesar do amparo momentâneo das promessas propaladas a espaços, relativas à existência de petróleo ou ouro, que logo esmorecem e tombam, apenas surgem na imprensa, vindas não se sabe de que ponto da rosa-dos-ventos. A minha amiga diz que essas atoardas estão na mesma linha de pensamento que veicula os dados optimistas sobre as exportações e que são imediatamente desmentidos ou minimizados às vezes pelos do próprio governo que as propalou umas horas antes.

A propósito, lembrei os comentários do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que ouvi ontem sobre as visitas trimestrais da Troika para conferir os nossos gastos, condenando tais visitas significativas de perda da nossa soberania, o que me caiu muito mal no pensamento - para não dizer no goto, que é menos fino, para não dizer subtil - não só porque vi nesses dizeres quanto ele se estava a desligar da política de honestidade, pelo cumprimento dos compromissos, do seu Primeiro Ministro, provavelmente já na perspectiva do salto para qualquer outro cargo da oposição quando a oposição for governo, mas também porque discordei radicalmente da teoria, achando que, muito pelo contrário, todos os emprestadores anteriores e presentes da CEE, U.E. etc., nunca nos deveriam ter entregado as suas tranches sem cá virem verificar periodicamente como estavam a ser aplicadas. Não teríamos chegado certamente a este estado de desertificação económica, e de proliferação corruptiva.

Mas a minha amiga achou que não valia a pena lamentarmo-nos sobre o leite derramado e mergulhou nos seus referentes de fresca data – os cem jovens de Lisboa e do Porto que foram enganados pelo vigarista que lhes prometeu trabalho na Holanda a troco de 25 euros e faltou ao compromisso, (mas eu condenei os rapazes que já deviam saber pelos filmes - nossos, reais, e estrangeiros, ficcionais - que nunca se deve crer nos angariadores de trabalhadores),  os homens que apanharam berbigão e tiveram que o despejar no mar porque é proibido apanhar berbigão…

- Já viu aquilo que eles sofrem? Primeiro, para apanhar berbigão e depois para não serem apanhados. Agora porque é proibido, não percebo bem. Se a gente tem mar e berbigões, porque não deixar viver quem vive disso? O país está seco.

Foi então que eu comparei este caso com o do sr. João da Esquina, que não queria tomar o arsénico recomendado  pelo Doutor Daniel, o apaixonado final da Margarida, mas, antes, da Clara e agora, da menina Francisquinha, por conveniência da mãe desta, a srª Teresa, que, insinuantemente,  insistia com o marido para ele o tomar, o que o levava ao rubro na sua cólera, ao ouvi-la dizer: "Toma arsénico, menino, toma. E porque não hás-de tomar arsénico?"

Um país seco, tal como o sr. João da Esquina, desconfiado contra Daniel por motivos que não vêm ao caso, repelindo o arsénico da receita e respondendo com violência à exortação da esposa. Um país que não quer tomar arsénico para viver e deixar viver - do mar, da terra, do ar…
 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Uma crónica da Paula


A minha filha Paula foi passar uns dias de férias a casa de uns primos nossos, que nos estão ligados por amplas recordações de um passado que da aldeia se continuou por terras de África. A amizade que mantemos hoje transpôs-se aos meus filhos, sempre por eles recebidos com a alegria de que usufruíamos nós também, no tempo em que ali nos deslocávamos, a recordar momentos vividos, a viver novos momentos de alegria e amor para recordar.

E a Paula fez um texto para uma revista - “Vox Maris” – do grupo coral a que pertence e enviou-mo. Gostei, e comentei o seguinte:

“Um título maroto, um descritivo primoroso, carregado de observação e com a sua maliciazinha suave sobre um espaço de modernidade imposta num sítio mais ligado a uma ancestralidade primitiva, a ternura do regresso a casa, para os silêncios com os sons costumeiros, ou, o que é mais banal, para os sons com os silêncios do costume e da rotina, um texto muito bonito.”

Eis o texto, que com tanto prazer ponho no meu blogue, verificando embora, com tristeza, que o dever de ofício lhe impôs estricta obediência às normas do Acordo Ortográfico:
 

«O som do silêncio»

(crónica de umas férias portuguesas sem subsídio)

          «O Teixeira, criança já fantasma da futura barragem de Ribeiradio, estende-se em frente, para ambos os lados, palpita ainda claro e fresco entre as pedras que contornam a piscina natural. Depois cai e segue, saltando feliz, o seu caminho, entre rochedos e plantas várias. Na outra margem, mais longe, o arvoredo sobe pela montanha, verde riso claro e escuro, refletindo o sol quente da tarde de agosto.

          Em repouso, nós, estendidos nas toalhas – conversa, leitura, contemplação, sono e sonhos tranquilos – secamos ao sol ou à sombra. Na água, crianças, alvo da atenção dos pais, riem e mergulham, fugindo… Boias, pequenos barcos e colchões, movimentos ágeis de quem vive férias risonhas, apesar de tudo.

          Ao fundo, nesta margem, entre duas árvores, uma rede de badmington espera os jovens do grupo que foi há pouco fazer uma caminhada pelo campo, para a animada partida ao entardecer.

          Secos, retomamos o caminho da festa de anos a que pertencemos, cem metros acima: um piquenique entre latadas, junto ao bar de pedra da praia fluvial, e encostado ao rústico campismo, junto dos grelhadores. O nosso espaço, abrindo-se com a sua porta de brilhantes e civilizadas fitas vermelhas soltas ao vento, enfeita-se de capulanas, mantas coloridas, tochas espetadas no chão em volta, candeeiros com velas pendurados entre a folhagem e as mesas postas com as comidas que aos piqueniques competem. A rede de pano vivo baloiça entre os dois frondosos castanheiros, sempre ocupada. No grelhador municipal, achas ardem ainda, restos dos frangos e febras, algumas sardinhas mesmo, assados no momento da refeição. Lá em cima, junto aos carros estacionados, dentro do habitual tanque beirão de água fresca, boiam os melões e a melancia, esquecidos…

          As nossas crianças jogam à bola na erva que rescende, pisada. A aparelhagem sofisticada toca um CD da tuna da Universidade de Évora e cantam os amigos, acompanhando, de copos na mão. A família revê-se, pondo as conversas em dia, sentada em mantas de algodão ou nos bancos trazidos para o efeito – risos, emoções sobre a vida que passou e caminha, enchente determinada. Falam as memórias e ouve-se o desenrolar dos acontecimentos inscritos no tempo dos que não se encontram todos os dias. Escreve-se a crónica daqueles cuja história começou, próxima, em locais muito distantes, agora refúgio das novas gerações em dificuldades de trabalho.

          Os pássaros cantam o entardecer, acendem-se as tochas envolvendo o espaço de pedra, erva e outros verdes. Os amigos anunciam gradualmente a despedida e também a família se vai separando: todos têm de se fazer à estrada, o caminho noturno é longo e demorado até casa.

          E “entra a chuva dissolvente, neste caminho de cabras…”

          Fim do campo, regresso de férias, ao nosso mar diário de quem já temos, aliás, saudades: a praia ao sol que nos espera sempre, as ondas do nosso dia a dia com o seu sal habitual, ao sabor das rotinas.

          Vox Maris…»

                                                                     Praia do Vau, agosto 2012

                                                                               Paula Lacerda

 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Mel e a Canela


            Entre os emails que me chegam, a maior parte de grande qualidade de imagens ou sons do passado e do presente, alguns de uma beleza como nunca julguei que tão comodamente me viessem servir de recreio, fazendo-me viajar pelo mundo das terras e do seu conforto e arte, ou mostrando quadros de ternura humana e animal ou de beleza de composição natural, atestando a qualidade artística e humana dos seus autores, recebi um de receituário sobre os efeitos benéficos do mel com canela que transcrevo para o meu blogue:

            Eis os dados do texto:

«Qual é o único alimento que não se estraga? O mel de abelhas.

A mistura de mel e canela cura a maioria das doenças. O mel é produzido em quase todos os países do mundo. Apesar de ser doce, a ciência demonstra que, tomado em doses normais, como medicamento, o mal não faz mal aos diabéticos.

A revista Weekly World New do Canadá, na sua edição de 17/1/95 publicou uma lista das doenças que são curadas pelo mel, misturado com canela.

Observação: o mel não deve ser fervido.

1-     Doenças de coração

Pasta de mel com canela: colocar no pão e comer de manhã em vez de compotas…:

Reduz o colesterol das artérias, previne problemas de coração, enfartes, diminui a falta de ar e fortalece as batidas do coração.

2- Artrite e infecções de rins:

Misturar uma xícara de água morna com duas de mel e uma colherzinha de canela em pó. Beber uma xícara de manhã e uma de noite.

Se tomar com frequência, pode até curar a artrite crónica, além de eliminar os germes que produzem infecções nos rins.

Na pesquisa feita na Universidade de Kopenhagen, os médicos deram aos seus pacientes, diariamente, antes do café da manhã,. Uma colherada de mel e meia colherada de canela em pó. Ao fim de um mês os pacientes estavam livres da dor, mesmo os que já não conseguiam andar.

 
3- Colesterol

            Duas colheradas de mel com três colherinhas de canela misturados em meio litro de água. Três vezes ao dia. Reduz o colesterol em 10% em duas horas. Tomado diariamente, elimina o colesterol ruim.

            4- Resfriados

            Para curar completamente a sinusite, tosse crónica e resfriado comum ou severo, misturar duas colheradas de mel com uma colherinha de canela em pó e tomar com frequência.

            5- Dor de garganta

            Uma colherada de mel misturada com meia colher de vinagre de sidra. Tomar de quatro em quatro horas.

            6 - Perda de peso

            Diariamente, meia hora antes de deitar e meia hora antes de tomar o café da manhã, beba mel com canela numa chávena de água.

Se beber todos os dias, reduz o peso, até mesmo as pessoas muito obesas.

            7 – Velhice

            Também evita os estragos da idade, quando se toma regularmente.

Misture uma colherada de canela e três xícaras de água. Ferva para fazer um chá. Quando amornar, coloque quatro colheradas de mel.

Beber meia chávena, três ou quatro vezes ao dia.

Mantém a pele fresca e suave e diminui os sintomas da idade avançada.

Beber este chá alonga a vida e até uma pessoa de cem anos pode melhorar muito e sentir-se mais jovem.

6 - Perda de cabelo

Colocar uma pasta de azeite (aquecer a uma temperatura suportável à pele) com uma colherada de mel e uma colherinha de canela no couro cabeludo, durante 15 minutos, antes de lavar.

7- Dor de dentes

            Fazer uma pasta com uma colherinha de canela e cinco colherinhas de mel e aplicar no dente dorido. Repita pelo menos três vezes por dia.

            8 - Picadas de insectos

            Misture uma colherinha de mel e duas colherinhas de água morna e uma colherinha de canela em pó. Faça uma pasta e esfregue-a sobre a picada. A dor e a coceira desaparecem em um ou dois minutos.

9- Diversos

A mistura de mel com canela alivia os gases no estômago, fortalece o sistema imunológico e alivia a indigestão.»
 
Agora é que a minha amiga e eu nos vamos esmerar a rejuvenescer. Sem botox. Um quarto de chávena três ou quatro vezes por dia de água fervida com canela a que misturaremos o mel das abelhas silvestres.

domingo, 26 de agosto de 2012

Uma família inglesa


- Tudo é espetado nas revistas, na televisão, nos jornais, na Internet começou a minha amiga, a propósito das fotos que topou de um neto da rainha Isabel II, o príncipe Harry, filho mais novo de Carlos e Diana. Todo nu, a fazer sexo com uma rapariga, isto para a família deve ser vergonhoso. Hoje não se pode fazer nada. É uma coisa que toda a gente sabe. A Internet é a autoestrada do conhecimento. Até o rabo do príncipe lá mostra. Mas a coisa mais engraçada é levar a coroa da avó. Se as pessoas tivessem vergonha já nem conseguiam viver. Vergonha é uma palavra que vai desaparecer. Daqui a uns anos os miúdos perguntarão: “Vergonha o que é que quer dizer?”
- Ai, mas os miúdos perguntam sempre tudo, pelo menos quando são curiosos. Há os que se fecham na ignorância. E também os que já sabem tudo e não admitem explicações.
Mas a minha amiga, quando está embalada nos seus actos locutórios - para aplicar uma expressão de cariz científico, mais consentâneo com a natureza solene do assunto versado, em torno de uma família real – nem se debruça para ouvir melhor, numa impassibilidade sintomática do desprezo pelo meu desconhecimento dos factos assinalados. Prosseguiu:
- Antigamente era mais discreto, as difamações faziam-se honradamente, quer por carta anónima, quer por ingénuo telefonema também aparentemente anónimo, embora facilmente identificável, depois veio a chusma dos paparazzi, que até causaram a morte da mãe do Harry, de tão empenhados… Eles agora fazem para a Internet. Está em todas as televisões. “Olha, o que é que vocês são mais que os outros?” É o que pensam os pesquisadores dos escândalos sociais. Aquele rapaz vai dar cabo da cabeça à família. Tem tudo à disposição, é simpático… Muita gente dirá que ele tem direito, é novo. Mas não sei se ele tem culpa ou não. Aquela gente sofre, realmente. Família sofre!
Eu considerei que aquela família inglesa já estava habituada há muito tempo e tinha dinheiro para apagar os efeitos dos seus escândalos e a minha amiga concordou, sem qualquer resquício de caridade:
- Eles têm tantas regalias, podem ter estas preocupações.
Também se falou nos escândalos do Vaticano e a minha amiga não deixou de exclamar:
- O que aquele Vaticano deve ter de histórias macabras! Foi preso o secretário do Papa. Cada vez as histórias são mais edificantes. Mas antigamente não saíam cá para fora.

Nesse ponto eu discordei, com os meus conhecimentos obtidos na adolescência, através de um livro do meu pai, escondido por trás dos livros lisíveis da sua estante, que era sempre eu quem arrumava para descobrir as preciosidades desse mundo encantado da nossa casa. Chamava-se “O Convento Desmascarado” e revelava muitas dessas coisas não propriamente edificantes, embora não pertencessem ao Vaticano.
Mas eu vinha impressionada de casa  com uma notícia que escutara nessa manhã, e ainda não tivera oportunidade de expor o meu desagrado. Era sobre um congressista norte-americano – Todd Akin – candidato a senador a quem ouvira um abjecto pedido de desculpas pela sua tese sobre o não necessário engravidamento das mulheres violadas, o que o fizera descer no favoritismo eleitoral.
- O candidato perdeu votos muito justamente, considerou a minha amiga. A menos que ele veja a situação desta maneira: No momento do acto, a rapariga que vai ser violada diz: “Pára aí!” E põe o preservativo de segurança.




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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Os recados


               A minha mãe de vez em quando prega-nos sustos em termos de saúde. Como se acha rigorosamente idosa, o número dos anos gradualmente desvanecendo-se na sua memória, apenas se lembrando agora de que nasceu em 1907, pensa que o rigor do comando dos destinos humanos não tardará a exigir-lhe o óbolo final, em linguagem de futilidade pedante, já que a crise nos faz desviar do euro, em marcha atrás. E o seu pensamento vai-se libertando do cada vez mais embrulhado presente, envolto em exigência e mimo e, por vezes, baralhação das ideias, estacionadas com verdadeiro apego nos céus da sua infância e mocidade, para onde a cada passo se volta em apelos repassados de ternura.
               E nos intervalos dos esmorecimentos, vai rezando e pedindo por todos, com uma convicção que não deixará de ser atendida, vistas as qualidades de que não prescindimos para esse efeito fatal, embora arredado ainda dos nossos objectivos de partida:
Bendita seja a luz do dia
Bendito seja quem a cria
Santa ou santo neste dia
Padre Nosso e Avé Maria.
E vai cantando, às vezes a tarde inteira, incansavelmente repetindo as mesmas canções, mas continuando a desenterrar outras, ao acaso das suas lembranças ou emoções, em que a saudade e a ternura - quando não a gaiatice - são elementos ponderosos nas variações temáticas retiradas dos ensinamentos dos irmãos, dos pais ou das amigas dos cantares nos campos ou ao serão à lareira:
Eu venho de longos tempos
Numa saudosa alegria,
Venho cantando, venho rindo
Trago as saudades em dia.

Ai que saudade,
Ai que paixão!
Que eu inda tenho desses tempos que lá vão!
Ai, meu amor minha paixão, meu querido bem,
Não basta a dor de um coração sem ter ninguém
Bendito Deus que nos criou assim tão querida
Tudo é possível nas passagens desta vida.

Ó coração retraído,
Ó cara cheia de enganos,
Olha a paga que me deste
De te eu amar tantos anos.

Um ai, meu amor, um ai,
Um ai também alivia.
Em certas ocasiões,
Se não desse um ai morria.

Ó minha guitarra d’oiro
Com perna toda de prata
Só tu és o meu tesoiro,
A alma da serenata.
A seguinte quadra mergulha na barcarola primitiva, nas “Ondas do mar de Vigo / se vistes meu amigo ?/ e ai Deus se verrá cedo?”, embora tenha sofrido evolução em termos de execução amorosa, “o por que eu suspiro”, convertido, licenciosamente, em “quem no meu leito dormia”:
Já lá vai pelo mar fora
Quem no meu leito dormia.
Deus o leve, Deus o traga,
Para a minha companhia.
Os versos seguintes, mau grado a singeleza expressiva, talvez tenham inspirado a sensibilidade contestatária de Cesário, caso pertençam ao cancioneiro popular ancestral. (Não me esqueço de que, na adolescência, aprendi com a minha mãe a melodia do “Noivado do Sepulcro” de Soares de Passos, ensinada por um dos seus irmãos que estudou no Porto, o que significa que por longo tempo se manteve, entre o próprio povo, a mórbida canção dos salões de meados do século XIX):
As ondas do mar lá fora
De bravas são amarelas;
E uma mãe tem um filho
Para andar por cima delas.
            (Cf. Cesário), (as varinas )“Vêm sacudindo as ancas opulentas!/ Seus troncos varonis recordam-me pilastras; /E algumas, à cabeça, embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam nas tormentas.” (“O Sentimento dum Ocidental, I”)
O tema do amor de mãe também mergulha fundo, na cumplicidade entre mãe e filha dos cancioneiros primitivos, mas creio que a minha mãe deseja deixar-nos uma mensagem do seu amor, do seu terror de nos perder, porque se sente bem, e por isso canta, embora por vezes pareça querer desistir, na sua recusa de comer, ou na constatação admirada da sua muita idade que exige obediência às leis da vida…
Nome de mãe é bonito,
Nome que a gente estremece.
Por muito que eu me agite,
Sua alma não me esquece.

Quem tiver mãe que o adore,
Porque mãe uma só há,
Se a perder, por mais que chore,
Nunca mais a terá.
São recados de sentimento para nós. É por isso que a não queremos perder, presença indelével do nosso espanto permanente, da nossa zanga ocasional, do nosso cansaço frequente, do nosso amor protector. Indestrutível.




segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Os esgares do ouro olímpico


Levei à minha amiga um artigo chegado por email, apelidado de “China behind the Gold Medals” com texto basto de informações sobre a ambição chinesa pelo ouro olímpico e com imagens de crianças treinadas desde infantes, algumas de carinhas desfeitas pelo choro, na violência dos exercícios da trave ou outros aparelhos que vão possibilitar os contorcionismos da agilidade futura dos atletas chineses.
Falei em monstruosidade ao serviço do ouro, mas a minha amiga, que admira a perfeição, não, certamente motivada pelo conto do Eça, que termina com o brado poderoso de Ulisses, fugindo das perfeições inalteráveis da ilha Ogígia e da imortal embora também sensível ninfa Calipso, de regresso aos rudes trabalhos e ao envelhecimento da sua humana condição: “Oh Deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição”
A minha amiga, que admira a perfeição, expôs com o donaire de sempre:
- “Tudo na China está programado. E aquelas tropas! Não há um movimento que não seja a condizer.
Foi motivo para se voltar a comparar a apresentação rigorosa, impecável, dos Jogos Olímpicos em Pequim, há quatro anos, e a deste ano em Londres, basta em potencialidades de artifícios, humor e riqueza, mas sem a rigidez da impecabilidade e graciosidade chinesas, porque de antípodas civilizacionais e políticos, de uma abertura democrática inexistente na poderosa China.
Mas eu fiquei horrorizada com o email recebido, de que transcrevo alguns passos:
“As crianças são treinadas para ganhar medalhas desde a mais tenra idade. Elas vêem os pais apenas uma vez por ano, desde os três anos de idade, quando o Estado coloca as crianças num programa de treinamento.”
“Na busca do ouro, muitos atletas chineses deixaram de lado a sua educação, controle financeiro pessoal, e até mesmo a sua saúde. Crianças são recrutadas a partir de uma idade muito jovem, a nível nacional, de acordo com o tipo de corpo.”
“Centenas de milhares de jovens são colocados em sistemas de nível provincial de formação e são sucessivamente filtradas de acordo com o desempenho. Os melhores atletas movem-se através do sistema de competir a nível nacional, onde são colocados sob pressão intensa para executar.”
“Treinadores são enviados por toda a China para procurar crianças promissoras, em creches e escolas. Eles olham para as crianças com o físico certo, que parecem particularmente ágeis em correr e saltar. Os melhores são removidos de suas famílias e enviadas para internatos, onde tudo gira em torno da sua formação.” (…)
As crianças ou adolescentes apresentados nas fotos têm praticamente a mesma altura, são crianças bem alimentadas, certamente que rodeadas dos cuidados materiais e médicos indispensáveis para constituírem os corpos belos que formarão aquelas equipas deslumbrantes, medidas ao milímetro, que vimos nos jogos olímpicos de Pequim. Apesar das carinhas desfeitas pelo choro de alguns daqueles meninos e meninas sem infância, violentados nos seus corpinhos por instrutores algidamente competentes.
Falámos dos dançarinos ocidentais, assim formados porque escolheram essa via, tais como os pianistas e outros músicos que as formações culturais dos países preparam, com ea xigência necessária, desde que lhes reconheçam a vocação.
Comparámos essa forma de preparação dos chineses, já preconizada no tratamento dos pés das mulheres chinesas bem apertadinhos, numa imagem de fragilidade feminina e de poderio masculino, que a Pearl Buck das minhas lembranças da adolescência ledora criticara no seu romance “Vento do Oriente, Vento do Ocidente”, à exigência europeia de calibragem da fruta para que esta seja exportável, concluindo, melancolicamente, pela asserção vulgarizada sobre as nossas deficiências de portugueses sem calibre que preste, nem de fruta nem de atletas.
Mas resignámo-nos, que não precisamos de aprender nada com os outros. Preferimos atribuir as nossas falhas ao nosso fado triste e esperar na nossa fé, que pode ser no “Dom Sebastião, quer venha ou não.”.


domingo, 19 de agosto de 2012

Jean Girodon - Ofélia Paiva Monteiro


«Stendhal em Portugal – Ensino e Recepção» uma palestra de Ofélia Paiva Monteiro, publicada, como muitos outros estudos seus, na Internet, proporcionando aos curiosos ou mesmo apaixonados pelos meandros literários, uma continuidade de estudo pela revivescência de factos, figuras e valores, alguns dos quais por nós também passaram, juntamente com outros que formam o cadinho das vivências de cada um.

Neste trabalho, feito para projecção do intercâmbio cultural entre Portugal e a França, como homenagem ao professor da Faculdade de Letras do Porto Dr. Ferreira de Brito, apresenta Ofélia Paiva Monteiro, antes de se lançar sobre o tema da sua palestra – Stendhal … - uma evocação de um comum professor nosso, leitor de francês na Faculdade de Letras de Coimbra, que para mim também constituiu, nesses tempos, deslumbramento pela presença francesa de alguém com o humor, a sensibilidade e o espírito que lhe vinha do seu país de larga tradição cultural. Para mim também M. Jean Girodon foi alguém que marcou o meu percurso na língua e literatura francesas que a biblioteca do Instituto Francês, dirigido pelo Sr. França Amado, personagem de bon-vivant também marcante no apoio cultural da Faculdade de Letras de Coimbra, possibilitava, com a requisição de livros de maravilha, num percurso iniciado na biblioteca do Liceu Salazar em Lourenço Marques razoavelmente preenchida e frequentada pelos alunos interessados.

Não posso deixar de transcrever as palavras de Ofélia Paiva Monteiro, que eu conheci em Coimbra, era segundanista de Filologia Românica, quando eu iniciava a minha vida universitária, de caloira no mesmo curso. Da mesma idade – a Ofélia, aliás, um ou dois meses mais nova do que eu e mais adiantada, como estudante precoce, considerada como uma presença que se impunha, não só pela delicadeza e suavidade dos seus gestos e falas, como pelo seu saber que ela vastamente difundiu ao longo da vida, quer nas suas aulas de professora catedrática, quer em palestras e nos seus escritos bastamente divulgados, como os de outros professores sob a sua orientação, em que estes lhe admiram a competência e a sedução da presença, do discurso e do modo:

«Andava eu pelos dezoito anos – estava-se em 1953 ou 54 – e frequentava Filologia Românica em Coimbra quando li pela primeira vez Stendhal, mais concretamente Le Rouge et le Noir, não porque os programas de Literatura Francesa mo pedissem, mas porque a curiosidade me movera a seleccionar este romance, que constantemente encontrava referido, para preparação de um dos exames finais – três ao longo da licenciatura – da disciplina então chamada “Curso Prático de Língua Francesa”.
Um só leitor se encarregava dela para a totalidade dos alunos que seguiam Filologia Românica (uns 90); era um leitor colocado na Faculdade de Letras pelo Governo francês, a cujos quadros de ensino pertencia, um leitor a quem oficialmente cabia, pois, o papel de se tornar um agente dinâmico do ensino e da difusão da língua e da cultura francesas, que gozavam ainda entre nós de muito prestígio; no cumprimento desta missão, esse leitor – Jean Girodon 1 – era uma figura nuclear da vida do então e ainda hoje  chamado Instituto de Estudos Franceses (que Eugénio de Castro havia criado na década de 30), órgão que a Embaixada Francesa e os seus Serviços Culturais entendiam – saudosos tempos! – como um verdadeiro centro representativo e fomentador da cultura do seu País no lato domínio das ciências humanas. Daí o apoio notável que lhe davam: através da Embaixada, a biblioteca do Instituto recebia regularmente contingentes de livros que a mantinham actualizada, beneficiava da assinatura de numerosas revistas, enriquecia-se de material audiovisual, acolhia, para conferências ou concertos, personalidades francesas de vulto e premiava com algumas bolsas de estudo jovens investigadores ou alunos que se tivessem distinguido. Por tudo isto, o Instituto de Estudos Franceses era um espaço que toda a Faculdade de Letras, professores e estudantes (mas também os havia de outras Faculdades), frequentava para ler e conversar um pouco, um espaço onde se respirava com algum desafogo no meio do fechamento que então pesava no País e tanto se reflectia na Universidade: onde mais se encontrariam, por exemplo, a Nouvelle Revue Française, Esprit ou Les Temps Modernes? Poderoso agente do intercâmbio entre a França e Portugal foi assim este núcleo de cultura francesa que dava apoio a investigadores e professores do ensino superior e do ensino secundário e que ajudava a despertar para a aventura intelectual e estética os jovens com alguma sensibilidade e capacidade interrogante. Homem de cultura abrangente e bom conhecedor das nossas coisas, o Leitor que recordei era exigente, como, aliás, o sistema escolar enquadrante. Preparar o exame final da disciplina que regia representava um esforço apreciável, já que implicava, para além do domínio das matérias e dos textos estudados nas aulas, o conhecimento de assuntos que não tinham sido leccionados, mas tão-só combinados entre o professor e cada aluno para serem alvo de prova oral: um naipe de assuntos de geografia e história de França, a tradução para francês de um texto de autor português razoavelmente longo (um conto de Eça, por exemplo) e, finalmente, o estudo de três obras literárias francesas seleccionadas pelo candidato – uma obra poética (lembro-me de ter escolhido num ano as Cinq Prières de Péguy), uma obra dramática (lembro-me de ter estudado, por exemplo, Antigone de Anouilh), uma obra narrativa (e foi assim que preparei Le Rouge et le Noir); o aluno devia ser capaz de realizar uma exposição de um quarto de hora a partir de um tema proposto pelo professor sobre qualquer das obras que tivesse eleito. Como se poderá concluir, este sistema que me compraz evocar, tão grande é o contraste que oferece ao que hoje se passa, impunha beneficamente aos estudantes um trabalho pessoal árduo mas compensador, que não só lhes desenvolvia a capacidade de pesquisa, a elaboração do pensamento e do discurso e o domínio do Francês, mas também lhes alargava o âmbito do que aprendiam nas duas disciplinas anuais de Literatura Francesa que o curriculum comportava, uma fundamentalmente consagrada ao século XVI – os poetas da “Pléiade” constituíam o seu núcleo forte –, a segunda centrada nas Luzes e no dealbar do Romantismo, tendo por protagonistas Voltaire e Chateaubriand. A França mais moderna chegava-nos assim através do Curso Prático de Francês, quer pelos assuntos e textos trabalhados sistematizadamente nas aulas, quer pela matéria que preparávamos sozinhos; mas as disciplinas de Literatura, a cargo de professores portugueses que, não sendo especialistas da área francesa, procuravam aproximar os conteúdos programáticos de campos da sua pesquisa e do seu interesse, não deixavam de ser motivadoras e formativas, quer pelos temas que propunham, quer pelas perspectivas comparatistas que frequentemente insinuavam, convocando, por exemplo, paralelismos com a nossa história cultural e literária.
(1 A Jean Girodon se devem trabalhos sobre o ensino do francês e ecos de autores franceses em escritores portugueses, particularmente Eça de Queirós, de quem traduziu O Crime do Padre Amaro (Le Crime du Padre Amaro, Paris, Éditions de la Différence,72 1985). Citem-se entre os seus estudos: “Eça de Queirós, Flaubert et Anatole France”, in Bulletin des Études Portugaises, 20, 1957, pp. 152-207; “O Egypto et Le Nil de Maxime du Camp”, ibid., 22, 1959-1960, pp.129-186; “Fiches queirosiennes”, ibid., 27, 1966, pp. 189-219.)


            A esta introdução, destacando o papel marcante de um professor responsável pela orientação intelectual de alunos fascinados por um país a que tinham acesso não só graças à competência desse mesmo professor, mas também à inteligência da divulgação de livros feita pela Embaixada Francesa de então, desenvolve Ofélia P. M. o tema escolhido, na forma elegante e sagaz que sempre lhe conhecemos, através de estudos seus que nos acompanharam no nosso percurso docente, e que tanto clarificaram as análises literárias de alguns autores, com relevo para Garrett.

          Um estudo precioso sobre Stendhal e o beylismo, e a posição pessoal relativamente à obra, de análise não separada das vivências pessoais do seu autor, justificativas do universo de complexidades psicológicas das personagens stendhalianas, ao contrário do que exigia a Nouvelle Critique ou mesmo o estruturalismo ou o formalismo, refractários a ponderações de maior subjectividade, para além de apontar influências nos escritores que se lhe seguiram e, entre nós, a perspectiva narrativa, do ponto de vista da focalização interna, de que Eça se beneficiou.

          Um trabalho rico de pormenores vários, resultantes do cuidado extremo posto na informação dos detalhes mais inesperados – por exemplo, a referência ao número de alunos frequentadores dos cursos de M. Jean Girodon - a elegância da exposição e da expressão, a clareza argumentativa, a inteligência da descoberta…

          Uma mulher discreta. Superior.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A gente não está lá


- Então que coisas conta hoje?
- Cada vez tenho menos. Não sabe que há crise? Isso tem influência. Por acaso, nas várias terras não se nota.
- De Portugal?
- Pois! Incluindo os festivais de marisco. Cada festa mostra aquilo que se come. Só se fala em comida. Só se cortam presuntos. Temos do melhor que há. Não haja invejas! Dito pelo estrangeiro. Mas algum país tem festas destas? Uma maravilha! Os apresentadores provam. Se querem manter a linha vão ficar desgraçados…
Consegui interromper o fluxo discursivo da minha amiga, lembrando Passos Coelho e as promessas da retoma em 2013:
- Dá para acreditar? Tudo diz que vamos cada vez pior, ele procastina, para usar um palavrão de encher a barriga…
- Passos Coelho é um bom rapazinho, a gente não pode levar-lhe a mal. Ouvi-o dizer: “Se julgam que podem continuar o forrobodó, estão enganados!”
- E os documentos dos submarinos?
- Submergiram, não se sabe onde param. Aqueles submarinos devem ter cá uma história! De vez em quando vem o assunto à baila. Acaba o assunto e o Portas continua, sorridente…
- O “Comendador Marques Correia” do Expresso, esta semana ataca-o, mas o humor dele está mais feroz ultimamente. Andamos todos assustados.
- O Portas está nos Açores e nos Açores não se fala em vigarices. É que eu já nem quero saber mais!
- É! Outros pagaram já, na Alemanha. O Portas não presta contas. Talvez esteja inocente. Não é caso deslindável. Como o de Camarate…
Mas a minha amiga também queria falar nas medidas económicas do Hollande, em oposição às teorias negativas do Vasco Pulido Valente a respeito da eficácia dele como governante:
- O Hollande mandou vender os carrões do Governo, para fazer dinheiro. Aqui ainda ninguém tomou essa iniciativa.
Defendi patrioticamente as iniciativas do nosso Governo:
- Mas há dias li que as grandes fortunas estão mais pequenas cá, o que significa que o Governo está a tomar iniciativas de vulto no sentido de os grandes pagarem a crise com resultados mais fecundos. Como o Obama…
Fala-se nas medidas do Obama e a minha amiga toda se desfaz em risos de simpatia e anuência.
Também lembrei a droga apanhada num barco abandonado em Sagres e a minha amiga disparou, inflamada:
- Os estrangeiros vêm cá fazer negócio. Descarrega-se aqui, pois têm tanto mar e a polícia não chega para as encomendas. E a droga está cada vez mais espalhada no mundo. Noutro dia deram um programa sobre a maldita droga. Agora há comprimidos, ninguém vê. No mundo inteiro. É pior que uma guerra. Não é só em Portugal. Vende-se, rouba-se, roubam tudinho… Em todas as classes sociais. Estas festas de verão… Metade daquela gente sai drogada ou bêbeda. São festivais giríssimos. Poucos os que se portam bem. A gente não está lá para ver. Estes pais de agora sofrem, mais do que no nosso tempo, pelos filhos que vão a estas festas. É natural que se entusiasmem, dão-lhes os cantores de que eles gostam, vêm cantores estrangeiros… Tudo bem. Se não houvesse a maldita droga!...