segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Esta não parte um dente


Não, a “engrenagem” que a minha mãe há dias aplicou, nas suas saídas de emergência, de uma prontidão de raciocínio que me põem boquiaberta, nada tem a ver com a que utilizamos, a minha amiga e eu, para condenar aquilo a que muitas outras vezes apelidamos de rede, graças aos muitos nós da sua coesão de intimidade, outras vezes teia, ambas úteis para pesca ou para caça, com maior ou menor viscosidade ou lubrificação. Ou as engrenagens sociais de uniões e separações entre os sexos ou do mesmo sexo, os sentimentos na sua base, a corrupção como directriz, ou a pura libertinagem… E outras muitas formas de engrenagens ao acaso dos noticiários.

               Também não tem a ver com a de Sartre, de “mãos sujas” que entram em manigâncias de governação cuja engrenagem, com revoluções como pano de fundo, ou com motivos económicos de dependência estrangeira – no caso de “L’Engrenage”, a exploração petrolífera estrangeira num qualquer país da América latina, impedindo a nacionalização dos poços de petróleo, qualquer que seja o governante que obteve o seu posto graças a promessas de libertação que se revelarão falaciosas e conduzirão o novo chefe pelos caminhos do anterior, com as mesmas consequências de fuzilamento, do anterior…

            O que a minha mãe me disse num dos meus responsos de irritação provocados por um mimo seu que excede toda a paciência, creio mesmo que das mais angélicas - o que não é decididamente o meu caso – foi taxativamente “Olha que isto é uma engrenagem que não parte um dente.”

            Uma frase empolgante, que admirei nobremente, preparando-me para assumir as consequências futuras da minha zanga presente. Rainha airosa e recalcitrante, a minha mãe conhece do mundo e da vida, nos seus aspectos de rodagem temporal que, ao que lhe parece, não perdoa desmandos. “Quem as faz, paga-as”, diria eu sem preconceito artístico. A minha mãe escolheu a engrenagem para metáfora, de roda dentada para melhor actuação.

Não quero ficar atrás de tanta elegância literária. Cito, assim, o “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate” da minha contrição.

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