A
minha filha Paula foi passar uns dias de férias a casa de uns primos nossos,
que nos estão ligados por amplas recordações de um passado que da aldeia se
continuou por terras de África. A amizade que mantemos hoje transpôs-se aos meus
filhos, sempre por eles recebidos com a alegria de que usufruíamos nós também,
no tempo em que ali nos deslocávamos, a recordar momentos vividos, a viver
novos momentos de alegria e amor para recordar.
E a
Paula fez um texto para uma revista - “Vox Maris” – do grupo coral a que
pertence e enviou-mo. Gostei, e comentei o seguinte:
“Um
título maroto, um descritivo primoroso, carregado de observação e com a sua
maliciazinha suave sobre um espaço de modernidade imposta num sítio mais ligado
a uma ancestralidade primitiva, a ternura do regresso a casa, para os silêncios
com os sons costumeiros, ou, o que é mais banal, para os sons com os silêncios
do costume e da rotina, um texto muito bonito.”
Eis o
texto, que com tanto prazer ponho no meu blogue, verificando embora, com tristeza,
que o dever de ofício lhe impôs estricta obediência às normas do Acordo
Ortográfico:
«O
som do silêncio»
(crónica
de umas férias portuguesas sem subsídio)
«O
Teixeira, criança já fantasma da futura barragem de Ribeiradio, estende-se em
frente, para ambos os lados, palpita ainda claro e fresco entre as pedras que
contornam a piscina natural. Depois cai e segue, saltando feliz, o seu caminho,
entre rochedos e plantas várias. Na outra margem, mais longe, o arvoredo sobe
pela montanha, verde riso claro e escuro, refletindo o sol quente da tarde de
agosto.
Em
repouso, nós, estendidos nas toalhas – conversa, leitura, contemplação, sono e
sonhos tranquilos – secamos ao sol ou à sombra. Na água, crianças, alvo da
atenção dos pais, riem e mergulham, fugindo… Boias, pequenos barcos e colchões,
movimentos ágeis de quem vive férias risonhas, apesar de tudo.
Ao
fundo, nesta margem, entre duas árvores, uma rede de badmington espera os
jovens do grupo que foi há pouco fazer uma caminhada pelo campo, para a animada
partida ao entardecer.
Secos,
retomamos o caminho da festa de anos a que pertencemos, cem metros acima: um
piquenique entre latadas, junto ao bar de pedra da praia fluvial, e encostado
ao rústico campismo, junto dos grelhadores. O nosso espaço, abrindo-se com a
sua porta de brilhantes e civilizadas fitas vermelhas soltas ao vento,
enfeita-se de capulanas, mantas coloridas, tochas espetadas no chão em volta,
candeeiros com velas pendurados entre a folhagem e as mesas postas com as
comidas que aos piqueniques competem. A rede de pano vivo baloiça entre os dois
frondosos castanheiros, sempre ocupada. No grelhador municipal, achas ardem
ainda, restos dos frangos e febras, algumas sardinhas mesmo, assados no momento
da refeição. Lá em cima, junto aos carros estacionados, dentro do habitual
tanque beirão de água fresca, boiam os melões e a melancia, esquecidos…
As
nossas crianças jogam à bola na erva que rescende, pisada. A aparelhagem
sofisticada toca um CD da tuna da Universidade de Évora e cantam os amigos,
acompanhando, de copos na mão. A família revê-se, pondo as conversas em dia,
sentada em mantas de algodão ou nos bancos trazidos para o efeito – risos,
emoções sobre a vida que passou e caminha, enchente determinada. Falam as
memórias e ouve-se o desenrolar dos acontecimentos inscritos no tempo dos que
não se encontram todos os dias. Escreve-se a crónica daqueles cuja história
começou, próxima, em locais muito distantes, agora refúgio das novas gerações
em dificuldades de trabalho.
Os
pássaros cantam o entardecer, acendem-se as tochas envolvendo o espaço de
pedra, erva e outros verdes. Os amigos anunciam gradualmente a despedida e
também a família se vai separando: todos têm de se fazer à estrada, o caminho
noturno é longo e demorado até casa.
E
“entra a chuva dissolvente, neste caminho de cabras…”
Fim
do campo, regresso de férias, ao nosso mar diário de quem já temos, aliás,
saudades: a praia ao sol que nos espera sempre, as ondas do nosso dia a dia com
o seu sal habitual, ao sabor das rotinas.
Vox
Maris…»
Praia
do Vau, agosto 2012
Paula
Lacerda
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