domingo, 28 de fevereiro de 2021

Reflexão


Para reflectir e curtir. Como habitualmente. Com António Barreto, a quem agradecemos a análise ponderada, como sempre. E num português bonito de se ler.

OPINIÃO:         Ainda as duas esquerdas

A esquerda é actualmente a mais importante força de estabilidade e de conservação política. Se pudesse, tudo ficava como está. Mas sabe que, mantendo-se imóvel, fica dependente e pode perder os trunfos actuais. Por isso vamos, quase inevitavelmente, assistir a grandes movimentos políticos e doutrinários no universo esquerdista.

ANTÓNIO BARRETO               PÚBLICO, 27 de Fevereiro de 2021

Por vezes, as grandes crises são propícias às transformações. A actual pandemia é disso um bom exemplo. Aliás, mesmo antes de esta última se ter revelado, já havia sinais de que se preparava uma reconfiguração da política portuguesa. Havia sinais inconfundíveis. O declínio assustador da direita democrática e da democracia cristã. A decadência do centro social-democrata. A frenética ascensão da extrema-direita e do Chega. O imobilismo comunista. A deriva da esquerda radical não comunista. O desenvolvimento das tendências e das “sensibilidades” socialistas. E a proliferação de pequenos partidos.

O protagonismo do Presidente da República acrescentou uma nota consistente e um peso específico próprio com o qual teremos de contar durante os próximos anos. Na sociedade em geral, no mundo sindical, nos meios católicos, nos ambientes maçónicos, nos círculos profissionais e no universo intelectual, surgem fenómenos inéditos que não desmentem a descrença política e sugerem novas afirmações políticas.

Por enquanto, em Portugal, a pandemia tem favorecido o que está estabelecido, o statu quo e o poder do dia. E tem beneficiado os socialistas. Não se sabe por quanto tempo. Por isso, com a necessidade de aprovar três novos orçamentos, com a aproximação das eleições autárquicas e já com as legislativas (antecipadas ou não) no horizonte, a urgência de revisão política é total. Tanto nas esquerdas como nas direitas.

Estranhamente ou não, a esquerda é actualmente a mais importante força de estabilidade e de conservação política. Se pudesse, tudo ficava como está. Aos outros, na oposição, nas margens e nas extremas, compete o mais difícil: reconquistar, reorganizar, renovar e consolidar. Mas a esquerda sabe que, mantendo-se imóvel, fica dependente e pode perder os trunfos actuais. Por isso vamos, quase inevitavelmente, assistir a grandes movimentos políticos e doutrinários no universo esquerdista. E aqui surge, uma vez mais, a necessidade de clarificar as semelhanças e as diferenças entre as duas esquerdas.

Há muitos anos, mais de um século, as divisões dentro das esquerdas são conhecidas. Martov e Kerenski, por um lado, Lenine e Trotski ou Estaline, por outro, representam boa parte dessas diferenças. Que atingiram estados elevados de violência, como é sabido: o assassinato de milhares de socialistas pelos bolchevistas constitui ainda hoje inesquecível marco.

Antes e depois deles, na Rússia e alhures, as discussões dentro das esquerdas nunca foram suaves. Karl Kautsky e Eduard Berenstein protagonizaram visões moderadas do socialismo. Tal como Ebert, na Alemanha, Leon Blum, em França, ou os trabalhistas ingleses Attlee, Bevin e Bevan. Enquanto os comunistas desses países se constituíram depositários do poder soviético e da tradição autoritária e despótica da esquerda.

Em todas as esquerdas europeias, passando pelas alemãs, as suecas, as italianas e as espanholas, encontramos fenómenos semelhantes: desde a segunda metade do século XIX e, até há bem pouco tempo, as separações dentro das esquerdas foram sempre um capítulo fundamental, muitas vezes violento, da história política europeia. Por exemplo, os confrontos entre as duas esquerdas, em plena guerra civil espanhola, ficaram para a história. Mais perto de nós e sem o carácter sangrento de outras paragens, o confronto entre socialistas e comunistas, ou entre Soares e Cunhal, transformou-se no mais sério contributo dos portugueses para a história política das esquerdas na Europa.

A associação do PS às esquerdas radicais (PCP e BE), no Parlamento e no governo, já criou uma situação inédita que dura há quase seis anos. Na crise actual, já se percebeu que as coisas não ficarão como estão ou como têm sido. E o que está em causa é muito importante. Juntam-se finalmente as esquerdas democráticas e as não democráticas? Separam-se de vez? A esquerda democrática consegue atrair e digerir as esquerdas não democráticas? Ou estas últimas obtêm a vitória histórica de mudar e dominar os socialistas democráticos?

Os socialistas têm o benefício das opiniões e dos votos. Por enquanto. Fortemente identificados com a Europa e a democracia (e a Aliança Atlântica), mostram vantagem. Mas a sua vulnerabilidade diante dos negócios, dos grandes grupos económicos, da corrupção e do jacobinismo abre-lhe um flanco mais fraco. Tal como a sua dificuldade em combater a desigualdade e em alicerçar uma aliança durável com o mundo do trabalho. Dependentes das outras esquerdas, os socialistas, para ganhar, podem ter de vender alma e doutrina.

Na sua melhor tradição, os socialistas opõem-se aos métodos revolucionários, ao terrorismo, à violência, à colectivização, à destruição da iniciativa privada, à opressão da Igreja, ao monopólio do Estado na educação e na saúde, à aniquilação das Forças Armadas e a formas de governo não democráticas e não parlamentares. Mas também sabem que nas esquerdas há muito fortes tendências exactamente contrárias, com especial inclinação para destruir o mercado livre e a iniciativa privada, com um estranho afecto por formas “populares” de governo, com a obsessão do monopólio do Estado e com uma absoluta aversão pelo investimento privado. Estão ainda conscientes de que as esquerdas radicais têm uma concepção elástica dos direitos fundamentais, sobretudo dos direitos cívicos e políticos; assim como têm convicções condescendentes sobre a guerra civil e a luta das classes, a violência e o terrorismo (se este for de esquerda, das minorias, de tudo quanto é anti-capitalista ou anti-americano…) contrárias às tradições socialistas. Como é sabido que nas esquerdas vegeta uma grande complacência, quando não admiração, por formas de governo muito especiais, como sejam as do despotismo tropical latino-americano, as das ditaduras militares africanas e asiáticas, as das burocracias parasitárias africanas e árabes, as dos movimentos radicais muçulmanos e as dos separatistas europeus violentos.

Quando, há seis anos, António Costa decretou “o fim do tabu”, isto é, dispôs-se a governar em aliança com as esquerdas radicais, iniciou-se uma nova e interessante fase na política nacional: a colaboração entre as duas esquerdas. Na Europa, com o desaparecimento dos partidos comunistas e aparentados, já não se falava disso. Mas, em Portugal, quase sempre atrasado, iniciou-se essa colaboração. Por necessidade, claro, mais do que por convicção. Mas, sem esclarecimento, trata-se de colaboração passageira. Sem objectivos. Sem horizonte. Quer isto dizer que a hora das escolhas está a chegar.

Sociólogo

TÓPICOS: OPINIÃO  ESQUERDA  PARTIDOS POLÍTICOS  PS  ANTÓNIO COSTA  BE  PCP

COMENTÁRIOS:

José Cruz Magalhaes MODERADOR: A solução que permitiu uma maioria de governo estável, desde 2015, não pode ser percepcionada como nefasta, ou contranatura, como AB, abnegadamente, pretende fazer crer. Os governos monopartidários, à semelhança do que sucede, desde há três décadas, pelo menos, por toda a Europa, são cada vez mais, simples miragens e as hegemonias partidárias, meros acidentes de percurso. Ao contrário, em todas as democracias estáveis, são os compromissos e a qualidade das alianças que determinam o sucesso ou fracasso de cada governo. Poderá objectar AB, como se depreende, que a qualidade, os objectivos e os programas dos partidos do que classifica como esquerda radical, não permitem soluções estáveis, o que representa preconceito, ou a avaliação da praxis destes, por transposição simples, de episódios condenados que a História finou           Fowler Fowler INICIANTE: Há seis anos que a esquerda democrática (PS) fez a sua escolha: governar em aliança com os partidos de esquerda com assento parlamentar, afirmando os seus valores democráticos nos programas de governo e a defesa da Constituição. Agora, está mais que na hora dos partidos do centro Direita se demarcarem da Direita radical. Mas, sobre isso, o autor nunca se pronunciou. Só se preocupa com a demarcação entre as esquerdas como se se tratasse de uma necessidade urgente e vital para o país. Não se estranhe, pois, o lavor obsessivo do sr. Barreto em relação às esquerdas que odeia e despreza, em tempo de crise ou fora dela. É uma luta de décadas que impõe a si próprio, irresistível.           Fragoso Borges INICIANTE Seria possível ao António Barreto explicar melhor o que significa "jacobinismo"?!!!          Luis INICIANTE: Wikipédia: "Originário da Revolução Francesa, o termo jacobinismo, também chamado jacobinos, é evolutivo ao longo dos tempos. Mas como expressão é, às vezes, usada na Grã-Bretanha de maneira pejorativa para políticas radicais revolucionárias de esquerda e qualquer corrente de pensamento republicana e laicista de extrema-esquerda, assim como, o de jacobino para quem fosse e seja "defensor de opiniões revolucionárias extremistas" dessa mesma linha política, social e económica." 27.02.2021 17:12           Gualter Cabral INFLUENTE: Ouço dizer, porque de bola não gosto, que nos campeonatos depois de todos os recontros, quem ganha é a Alemanha. Não gosto dos Partidos pela mesma razão que não gosto de bola: corrupção, e hipocrisia. Assim, arrisco um prognóstico; nas próximas eleições, depois de toda a disputa ganha a abstenção; e porquê? Estão fartos de blá...blá...e de muito pouca obra feita.          Jose MODERADOR: Caro Gualter Cabral Está a vista em que blá...blá...blá... vota, custe o que custar.            GMA EXPERIENTE: Nos modelos de sociedade de sociedade sem partidos é tudo "obra feita"! Que tal experimentar a Coreia do Norte?           Gualter Cabral INFLUENTE: É evidente que me vou abster. José. Além das razões referidas, acrescento, que não voto em eleições viciadas onde se não pode escolher candidatos e onde os movimentos estão, na prática, excluídos. Parece ao GMA, que diz ser do centro, uma "tentação,", que parece estar no cerne das pessoas que não sabem o que é democracia, em querer exilar cidadãos dos países onde nasceram para partes remotas do planeta, ficando eles, os "sensatos e bons" a governar a seu belo proveito. Enxerguem-se. Gualter sem subterfúgios escondidos em siglas.          GMA EXPERIENTE: No comments!...            chagas_antonio MODERADOR: A opção pela abstenção é compreensível, mas só obliquamente tem a ver com a falta de representatividade. Na maior parte das vezes, o desinteresse anda de mãos dadas com a falta de cultura política. E esse é o maior dos problemas da sociedade actual. Existe um enorme fosso entre os representantes e os representados, não só devido ao natural conflito de agência, mas principalmente porque os representados se demitem do seu dever cívico de se interessarem pela política. Este não é um problema recente: já Platão o identificou. Mas é precisamente por ser tão antigo que é confrangedor hoje continuarmos a assistir a essa demissão da vida política. Lamento que se abstenha, Gualter Cabral; perdemos todos.           Gualter Cabral INFLUENTE: Chagas - Há os que se abstêm por desinteresse, e os que se abstêm por considerarem as eleições, aqui, se não possa escolher os representantes democraticamente. Como está explícito eu estou nessa linha. Portanto a " pedagogia" do meu amigo cai, quase, pela base já que, curiosamente observa que os cidadãos não se consideram representados. Assim, a "representação" anda na casa dos 20% Convenhamos que a representação é pindérica. E, depois onde fica o "dever cívico?", votar, tipo totobola ou na esperança do milagre imorredouro dessas cabeças duras? Claro que com esta " pedagogia" do pensamento abstracto, sem fim que o valha, há sempre quem ganha, mas não é certamente o cidadão comum, esquecido e enxovalhado.          chagas_antonio MODERADOR: Talvez me tenha treslido, já que eu não referi que o problema fosse uma crise de representação - antes pelo contrário. E, se é verdade que votar é um dever cívico (e a abstenção seria, por essa via de raciocínio, uma fuga a esse dever), também é verdade que a participação na vida política para além do voto, nomeadamente nos fóruns partidários ou não, também o é. Era a isso que eu me referia, Gualter Cabral; não sei se agora terei sido entendido.      Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos Santos INICIANTE: O centro tem detido o poder em Portugal. A alternância de poder em Portugal fez-se com os partidos do arco da governação. A corrupção e a falta de escrutínio e o discurso TINA alimentado pelo estableshiment tem sido refém dos grandes interesses. A esquerda em Portugal não é só parlamentar é autárquica, sindical e ligada ao activismo. Equiparar o PCP e o BE ao Chega não é só um erro de avaliação, é falso e um insulto. Esqueceu-se de referir que a esquerda radical não comunista foi a única força parlamentar que se não foi banquetear com o Estado Chinês quando lhe abriram as portas dos negócios do país. Se isto não é uma concepção elástica dos direitos humanos e políticos fundamentais, é o quê? Certamente, não é anticapitalismo. Sabemos que não existe iniciativa livre na China, só o Estado Chinês pode ser capitalista.           viana EXPERIENTE: Muito bem visto! E AB também se deve ter "esquecido" quem é que tinha relações muito amigáveis com o regime ditatorial Angolano, em particular nos tempos em que jorrava dinheiro daquela zona do mundo... e quem é que sempre denunciou o carácter assassino e absolutamente corrupto desse regime. Não, não foi a Direita "democrática", nem o PS, ou o PCP... honestidade intelectual é algo difícil de encontrar nestes textos. Ao contrário da hipocrisia.          Mario Coimbra INFLUENTE: Caro AB, excelente crónica. Obrigado           GMA EXPERIENTE: Definitivamente, o Dr. Barreto é perseguido pela assombração da "esquerdas radicais", ao contrário das "direitas radicais", com as quais parece conviver pacificamente. Não sei se como sequela de noites assombradas pelos radicais de esquerda, meia volta e cá temos o Dr. Barreto a perorar sobre as suas assombrações esquerdistas. Está o Dr. Barreto na política para o Dr. Todo Bom (JdN e Expresso) na economia / gestão! Contra as "esquerdas radicais" marchar, marchar!...         Mario Coimbra INFLUENTE: Caro GMA, no parlamento tem, infelizmente, um deputado da direita radical. Da esquerda radical tem muitos mais - BE, PCP e Verdes. O PAN, nem percebo muito bem o que é. Acha que o autor deve preocupar-se com um deputado ou bancadas inteiras. A geringonça esteve e está ligada à governação de Costa para o bem e para o mal. E está a aburguesar-se cada vez mais. Portanto é uma questão de tempo até serem facções dentro do PS. Isto a mim no longo prazo preocupa-me claro. Mais por causa da resposta da direita e como ela vai reagir a isso. Eu continuo a preferir o centro e a governação ao centro e não nos extremos. Mas é o que é.      GMA EXPERIENTE: Caro Mário Coimbra, obrigado pelo seu comentário. O Mário prefere a governação "ao centro" que, julgo, ser sinónimo de governação em regime Democrático e de Estado de Direito. E, se assim é, então estamos do mesmo lado da barricada. Diz o Mário que a direita radical tem apenas um deputado; mas nas presidenciais teve mais de 10% dos votos. Mas, independentemente de números e percentagens, diga-me, caro Mário, uma proposta, posição, da dita esquerda radical que atente contra os princípios do Estado de Direito. Faça o mesmo exercício para a direita radical que "tem, infelizmente, um deputado...". Com consideração do Gualter.         pintosa INICIANTE: E ainda bem que temos António Barreto (suave) e Todo Bom (frontal)! Sem eles a esquerda radical dominava isto tudo, nos media.

 

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Dar voz aos que a têm


Uns são a favor, outros contra Alberto Gonçalves - como sempre, brilhante de perícia expositiva, numa acuidade de observação que, embora nitidamente vergada pela aversão – tanto ao poder que governa, como à submissão dos por ele governados – não aceita pura e simplesmente as decisões catastróficas desse governo, talvez só “aparentemente” convicto das suas razões em mandar confinar. De facto, e é isto o que penso, se António Costa e Cia afirma tanto o preocupar uma pandemia mortífera, zeloso que é pela vida dos cidadãos, e é por isso que manda encerrar o país - enfim, não todo, todavia, como se sabe - como se entende que aceite sem pejo uma despenalização da eutanásia, como lei sucedânea a um ano de flutuações no confinamento, e hoje mais feroz que nunca? Julgo que Alberto Gonçalves é não só brilhante na exposição da sua tese, como tem toda a razão nos seus argumentos de indignação, sobre uma passividade que o medo conduz – quanto mais não seja, medo das multas… Entretanto, repito Pessoa: “Na sombra, Cleópatra jaz morta.” Verdadeiramente assustador.

Maior é o perigo onde maior é o medo /premium

É facílimo mostrar que exemplos de restrições à liberdade muito inferiores levaram a resultados similares, melhores ou muito melhores em contágios e mortos (da Suécia à Dinamarca, da Flórida a Madrid)

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador          OBSERVADOR27 fev 2021

O único “argumento” dos “confinamentistas” é o medo. O medo fechou-lhes as cabeças à realidade, aos factos, a um soprozinho de dúvida, até. Mas eles não chamam medo ao medo: chamam-lhe ciência. O engraçado, se conseguirmos encontrar piada em alucinações colectivas, é que a “ciência” em questão tem muito pouco de científica. Na verdade, resume-se à informação tosca e aldrabada que uns estagiários de jornalismo difundem nos telejornais e à opinião de “especialistas”, no caso sujeitos conhecidos por nunca acertarem nas previsões e acertarem sempre naquilo que o governo quer ouvir.

O medo, ou a “ciência” (não se riam, por favor, que isto é patológico), tolheu as pessoas de tal maneira que lhes é absolutamente impossível abdicar das suas certezas, ou no mínimo abalá-las um pedacinho. É facílimo demonstrar, porque é verdade, que o Natal pouco teve a ver com o apogeu de infectados mais de um mês depois (a menos que o grau de virulência andasse entorpecido com as compotas natalícias). É facílimo demonstrar, porque é verdade, que o número de casos diários de Covid começou a cair antes de as medidas do confinamento terem produzido efeitos (a menos que a clausura possua faculdades retroactivas). É facílimo demonstrar, porque é verdade, que exemplos de restrições à liberdade muito inferiores levaram a resultados similares, melhores ou muito melhores em matéria de contágios e mortos (da Suécia à Dinamarca, da Flórida a Madrid). É facílimo demonstrar, porque é verdade, que, ainda que o confinamento fosse a única “solução”, o respectivo custo é intolerável nuns países e suportável noutros (por regra, os que não são tão exóticos ou socialistas).

Estranhamente, não vale a pena. Incontestável ou intrigante que seja, nenhuma informação “heterodoxa” penetra o cocuruto daqueles que, aterrorizados, se fecharam em casa por tempo indeterminado. Note-se que não falo dos empregaditos a soldo do poder. Nem dos devotos do PS. Nem dos calões com salário garantido enquanto contemplam as misérias da Netflix ou vagueiam no supermercado. Nem dos cretinos que recomendam prisão domiciliária para todos excepto para eles. Estes obedecem a ordens ou à fé ou à preguiça ou à hipocrisia, o que de algum modo é racional. Irracional é interromper a vida por causa de um vírus que, sozinho, não causa uma fracção dos danos mentais, sociais, económicos e sanitários causados pelo medo.

De onde vem o medo? Parece que da amígdala cerebelosa. E sobretudo dos noticiários que, reverentes para com o governo, teimam em condicionar comportamentos em vez de fazer jornalismo. E porque é que interessa ao governo a difusão do medo? Em primeiro lugar, porque é um apetite que corre no sangue dos medíocres: para o bem e para o mal, líderes a sério empolgam as massas; líderes de fancaria tendem a enxovalhá-las. Em segundo lugar, porque trancar à bruta a população saudável é mais simples do que proteger velhos e doentes, testar, rastrear, isolar sintomáticos, em suma executar tarefas excessivamente complexas para os laparotos que nos pastoreiam. Em terceiro lugar, porque um eleitorado obsessivamente angustiado com a Covid deixa o caminho livre aos maiores infames e às maiores infâmias, do “investimento” na TAP ao preço dos combustíveis, das expropriações francas ao controlo da internet, das trapaças na Justiça ao pandemónio no ensino, do saque fiscal ao regabofe da “bazuca”, dos abusos do cidadão aos atropelamentos da outrora sacrossanta Constituição. Por fim, porque nenhum socialista autêntico desperdiçaria a oportunidade de aumentar a dependência do Estado a “pretexto” da famosa pandemia.

Na ausência deste desvairado medo, sociedade nenhuma deixaria impunes governantes do gabarito dos nossos, candidatos a ser corridos por inépcia e julgados por crimes de gravidade sortida. Na presença do medo, a sociedade renuncia ao lazer, ao espaço público, ao contacto com familiares e amigos, àquilo que afinal define homens e mulheres inteiros, por contraponto a serventes voluntários, em fila para se entregarem aos seus carrascos, aos quais tudo permitem. É uma situação favorável a “autoridades” sem escrúpulos. Não admira que as “autoridades” alimentem o medo, e o mantenham vivo através de incessantes ameaças: as festas, os ajuntamentos, as estirpes, as vagas, as curvas, os índices e o diabo a quatro ou a cinco, numa espiral de loucura geral que só terminará no mítico dia em que os portugueses deixem de morrer “de” ou “com” Covid – mítico no sentido de imaginário, ou de um gigantesco logro.

É verdade que o governo, sob o baixíssimo patrocínio de Sua Excelência, o Presidente da República Popular, trata os cidadãos como crianças. Porém, é o dilema do ovo e da galinha: os cidadãos querem um tratamento assim. Aterrorizados com as lendas do Papão, imploram ao governo por protecção. Um erro básico, um erro trágico. Mesmo que a protecção existisse (não existe), os cidadãos não precisam de que o governo os proteja: precisam de ser protegidos do governo, tarefa que não compete a ninguém excepto aos próprios. Até ao momento em que será demasiado tarde, e a subjugação demasiado brutal para recuar. Se insistem em ter medo, tenham medo disso.                       PANDEMIA  SAÚDE

COMENTÁRIOS:

josé maria: A desonestidade intelectual do Dr. Gonçalves não tem limites. Omite descaradamente que a Suécia da 2ª vaga é radicalmente diferente da 1ª.Esta apostou na tonteria da imunidade de grupo a partir dos infectados, mas, depois de reconhecer o seu erro, alterou completamente a sua política insana, introduziu fortes restrições na movimentação dos seus cidadãos e chegou a fechar as escolas. Mas, para o Dr. Gonçalves, não interessa comparar a Suécia da 2ª fase com o Portugal da mesma fase, que ele tanto incentivou. É o despudor sem limites, a forma mais intelectualmente desonesta, contraditória e desavergonhada de comparar o incomparável. No fundo, aquilo que o Dr. Gonçalves está a dizer é isto: "olhem para o modelo da Suécia da 2ª vaga, mas não defendam a Suécia da 1ª vaga, como sempre defendi". Já agora, porque é que o Dr. Gonçalves não compara os resultados da Suécia com os resultados, incomparavelmente melhores, dos restantes países nórdicos ? Porque iria estragar o seu discurso demagógico e estruturalmente hipócrita. É preciso ter um carácter muito especial para se descer tão baixo. Só mesmo um pateta consegue defender a estulta tese de que os países, que não confinaram, obtiveram melhores resultados do que aqueles que confinaram.           David Pereira: Excelente texto. O dilúvio diário de notícias só leva ao pânico e ao medo que impede as pessoas de manterem a cabeça fria e leva a um efeito de manada em que ninguém reflecte em alternativas. “Se todos pensam da mesma forma, então alguém não está a pensar.” George Patton          Laurentino Cerdeira: Cada vez mais de acordo com as ideias clarividentes e excelentes textos de Alberto Gonçalves!          Rita Salgado: Completamente de acordo com o que diz! O frio do mês de Janeiro e a total e completa desadequação e impreparação do SNS e da DGS foram os grandes responsáveis pelo que se passou. Mas convém ter o povo amansado para estarem à vontadinha!           Ricardo Nuno: Nunca é demais recordar a solução proposta por Alberto Gonçalves numa das suas Ideias Feitas. Parafraseando: 'quem tiver medo do vírus que fique fechado em casa, sem direito a salário e a apoios sociais; quem precisar de sair para ganhar dinheiro que vá trabalhar.' Portanto, é este grande humanista que agora aparece aqui a zelar pelas nossas liberdades individuais (mais precisamente, a liberdade do vais trabalhar e apanhar o vírus porque não tens outro remédio).          Carlos Castro: Não precisamos de mais Salazares. Precisamos de mais Albertos Gonçalves. Aplauso!             Zapf Dingbats: Ultimamente o Alberto anda com umas ideias esquisitas. O país pode ter muitos defeitos, mas por enquanto é um sítio em que um tipo com formação em "ciências moles" e evidentes lacunas matemáticas pode escarnecer de especialistas em ciências a sério, sem consequências. Infelizmente, nisso não se distingue de outros grandes vultos do pensamento português como B.S. Santos e a dona Varela, o que me dá pena. Talvez devesse haver uma lei Dunning-Kruger para acalmar estas pessoas. Por outro lado, se acha mesmo que “a sociedade renuncia ao lazer, ao espaço público, ao contacto com familiares e amigos” – eh pá, quem não anda a sair nadinha nadinha de casa é o Alberto.          João Porrete > Zapf Dingbats: Se calhar é melhor pôr os cientistas "duros" a discorrer sobre a vida em sociedade... O Einstein tentou e fez uma figura tristíssima. Mal por mal venha de lá quem sabe escrever em português e apanhe os tiques das sociedades modernas.           Joaquim Moreira: Não posso deixar de admirar este combate de Alberto Gonçalves a esta sociedade larvar! Que vive numa democracia como numa qualquer ditadura viveria. E convém dizer, sem medo de errar, que o medo é um perigo pior do que se possa pensar. Desde logo, porque também está instalado, no profissional da saúde, que era suposto estar preparado. Até porque a pandemia é uma epidemia de âmbito alargado. E, era suposto, que qualquer profissional de saúde devia estar preparado. Mas, foi exactamente o contrário que ficou provado. Ou seja, o SNS, mais do que falido estava e está em muito mau estado. Também exactamente ao contrário do que tem sido propagandeado. Portanto, é muito natural que o medo esteja completamente instalado. Tanto mais que a CS se presta a espalhar o medo a todo o momento e por todo no lado. Neste cenário, superiormente orientado, e num povo já antes estava completamente anestesiado, foi muito fácil que o medo se tivesse instalado. Sobretudo nos que fazem parte do povo privilegiado. Que pode estar arrecadado, por ter todas as condições e inteiro, o ordenado. Enquanto que os do costume têm que trabalhar para que esses possam estar em casa a descansar. E, para quem o medo nem tempo tem para se instalar. Tudo isto é bem revelador desta sociedade larvar. A quem este desgoverno socialista só pode estar a agradar. Pudera! Descansam e ganham sem trabalhar!            Mario Nunes: Muito bom. Subscrevo integralmente. O problema é que as pessoas acreditam que viver em democracia é de 4 em 4 anos irem depositar uma folha de papel numa urna. Isso é o folclore. Democracia começa por instituir um Estado de Direito. Onde é que ele está? Fico-me por aqui.            Radykal Chic:  “trancar à bruta a população saudável é mais simples do que proteger velhos e doentes, testar, rastrear, isolar sintomáticos, em suma executar tarefas excessivamente complexas para os laparotos que nos pastoreiam” Chapeau!!! Uma perfeita síntese do que é o efeito pandémico neste Portugal de hoje... E estão lá todos, (des)governantes e (des)governados...          Gustavo Lopes: Caro AG: O problema não é a pandemia, nem o medo, nem nenhum dos argumentos que por aí usa, e que escritos com a sua pena refinada, parecem os mais sólidos que existem. O problema (que sempre aflorou e bem) é termos uma economia baseada em coisas supérfluas e instáveis (leia-se turismo), fomentadas pelo estado até ao extremo, e que ao mínimo imprevisto caem tipo castelo de cartas... E termos um estado gigante, cheio de gorduras estruturais, sem dinheiro para mandar cantar um cego (ou os cegos todos que votam no socialismo), e que depois não tem dinheiro para ajudar os cidadãos quando eles realmente precisam. A pandemia (ou seja, o instável, o acidente, o inesperado) só veio expor a fragilidade da nossa sociedade e do nosso modelo económico. Quem vive sem pensar nestas possibilidades, tropeça nestas alturas, e depois "ó Tio, ó Tio!!!" Querer que se deixe morrer só para que outros (os saudáveis) não tenham dificuldades parece-me extremamente redutor! E se ainda não percebeu o que significa Pandemia em termos sanitários e de cuidados de saúde, sobretudo em termos quantitativos, então não dá para conversar consigo!         João Porrete > Gustavo Lopes: Economicamente parece-me um mau argumento. O turismo é uma indústria como outra qualquer. Se calhar a indústria automóvel alemã também vai para o galheiro porque investiram pouco em carros eléctricos. (Pessoalmente acho que vão dar a volta mas para o argumento tanto faz.) Quem tem que ver onde estão as oportunidades de fazer dinheiro são os empresários. E discordo de que os governos tenham encorajado assim tanto o turismo. Recentemente já havia a história da "gentrificação" e outros supostos males associados ao turismo. Acho que na recuperação o turismo nos vai ajudar muito.           bento guerra: Trata-se de conter um vírus pelo corte dos contactos e não por terapêuticas. Esta é uma doença politica e social, que mata os velhos e atira pessoas mais novas, para hospitais desorganizados, em que desde o vírus às vacinas, há um comando global. Vítimas, os que vão perder empregos, os países mais fracos e a lucidez das massas. Políticos e beneficiários do "partido-Estado" passam incólumes. A comunicação social faz parte do esquema, dependente que está de subsídios.           F. B: "Ouve o que eu te digo, Vou-te contar um segredo, É muito lucrativo que o mundo tenha medo, Medo da gripe, São mais uns medicamentos, Vem outra estirpe reforçar os dividendos, "João Ruas / Capicua         Zé Ninguém: Mais uma vez na mouche. AG é dos pouquíssimos jornalistas que se podem ler. Demos o poder absoluto aos políticos. Alguém acha que eles alguma vez vão abrir mão disso?  Esqueçam! Adelino Lopes: Porquê o medo? É muito fácil. Não sou especialista, mas pelo que li, aqui vai. O medo tem origem (exactamente) no desconhecido, na ignorância, na falta de cultura. Se o intervalo de tempo em que se gera o medo for de curta duração, a adrenalina responde. Se for de longa duração (bastam algumas horas), a adrenalina acaba-se, e o corpo não tem resposta alternativa à solidão, seguida de depressão. Nesse contexto, todas as defesas do corpo diminuem, incluindo a protecção do sistema imunitário tão necessária para nos protegerem dos malefícios dos vírus. E portanto, sim é verdade, quem não se conseguir proteger da depressão vai sofrer mais (eventualmente morrer) caso contacte com um novo vírus mais agressivo. Mas, para além deste parâmetro, existe outro, que o AG aflora sem o referir: o conforto térmico. A falta de conforto térmico é responsável pelo enfraquecimento das defesas do corpo. É por isso que o influenza matava ~3500 pessoas por inverno, apesar da vacina. E portanto, porque é que o confinamento a que estamos sujeitos é estúpido? Exactamente porque não considera a ciência; porque ignora diversos parâmetros muito importantes. Ou talvez porque ache que tudo o resto se deve submeter à política.            Maria Nunes: Desde o início que o governo devia ter tomado medidas mais drásticas, como por exemplo fazer testes às pessoas que vinham via aérea de outros países. Andaram sempre a remediar em vez de prevenir. Compreendo que AG queira chamar a atenção para o facto de, cada vez mais, o governo ditatorial tomar medidas que restringem a nossa liberdade. Como os portugueses têm tendência para serem um bando de carneiros, está à vista o futuro deste povo. O medo está instalado, as tvs obsessivamente transmitem imagens que assustam as pessoas. Isto aliado à incompetência dos pseudo jornalistas é um caldo de cultura para se manipular todo um povo.         Zé Ninguém > Maria Nunes: E tornar o país num campo de concentração gigante.           Tristeza Pakivai:  E é facílimo encontrar exemplos de exactamente o contrário, e mesmo alguns exemplos que refere num dado momento do curso da pandemia foram maus exemplos. Esta persistência de AG em desvalorizar a pandemia e em ser contra as únicas medidas que comprovadamente a controlam em Portugal está presente desde o dia 1 da chegada do vírus ao nosso país, por isso escusa de se tentar suportar com exemplos de onde quer seja.          Zé Sousa: Brilhante AG. Obrigado pela crónica e lucidez da mesma.           Paulo Cardoso:  AG. Sou um apreciador dos seus artigos, do seu raciocínio e da sua acutilância. Este artigo é mais uma boa peça com que nos brinda, em particular tudo o que se segue ao 3.º parágrafo (incluído). Sou também um daqueles que não se deixa atemorizar pelo vírus, considerando que toda a estratégia de combate e mitigação tem estado menos certa. No entanto, não será assim tão “facílimo demonstrar” algumas das afirmações que fez nos 1.º e 2.º parágrafos. Penso que, instado a fazê-lo, o AG ficaria em maus lençóis. Não se descredibilize, caso contrário corre o risco de ficar muito parecido com aqueles que combate.         JB Dias: Fantástico como por aqui continuam aqueles que são, pelos vistos, incapazes de interpretar o que lêem - será que efectivamente irão para lá das "gordas"? - e de desenvolver raciocínios suportados em FACTOS. E até que seria muito fácil porque os factos são factos e é inteira verdade que o número de testes positivos e de mortes já crescia muito antes do Natal e começou a cair antes do último confinamento .... e que os números na Suécia são melhores que os que por cá se foram, e vão, vendo!              Eduardo Pinto Leite Brutal! Uma descrição e explicação apuradíssima do que está a passar. Todos os dias me  pergunto como é possível não ver reacções populares a este embuste? E o problema é que, com algumas honrosas excepções, isto se passa em vários outros países. O povo entrega-se sem condições ao autoritarismo dos governos. O maior embuste de sempre!        Carlos Quartel: Alguma virtude tem o autor: A persistência, pelo menos. Decidiu que o confinamento é disparate e apregoa-o todos os sábados, hoje com o argumento -estrela que toda a ciência, ou pelo menos toda a ciência nacional, passa por  pobres diabos que dizem o que o governo ter ouvir. Não o comovem os 5000 mortos de Janeiro, nem o convencem os números a baixar desde o último confinamento. O mal é que está a comprometer toda a sua credibilidade o que, num cronista, é muito grave. Se neste assunto funciona por teimosia, que crédito lhe podemos dar, quando abordar outro qualquer tema ???         Eduardo Pinto Leite > Carlos Quartel: Só para esclarecer: não foi o AG que decidiu que o confinamento é disparate. Foi mesmo a observação e o estudo da evidência que a realidade nos dá. Há casos como a Florida vs a California que o provam indubitavelmente. Mas também há estudos verdadeiramente científicos e de autores conceituados ex Ioannidis que chegam à mesma conclusão; e muitos outros. O problema é que isto os telejornais não dizem. Qq questão disponha.           Zé Ninguém > Carlos Quartel: As únicas pessoas que defendem o confinamento são pessoas como você que estão refasteladas em casa, radiantes por não trabalhar enquanto lhes cai o ordenado inteirinho na conta. Não é o meu caso nem de milhões de outros.         FME: Costa é um artista, ponto! Mas na verdade, Costa, desde o início (Março 20) que nunca quis confinar totalmente. Nunca quis suspender a actividade económica. Foi criticado por isso mesmo. Pior foi o PR. Talvez pelo conhecido pavor à doença, e por ter pouco a perder - nem casa própria tem - Marcelo é um confinamentista. Ainda agora, Marcelo quer confinar até depois da Páscoa (deste ano, creio), e Costa quer começar a desconfinar. O confinamento é um argumento político. Aliás, dificilmente poderia ser entendido de outra forma. E nesta leitura, caso a direita estivesse no poder, a coisa não seria muito diferente, bem, não teríamos Cabrita, Temido e a DGS faria alguma resistência, mas de resto seria praticamente igual. Quanto ao jornalismo, o medo é muito mais vendável que o racional. A Suécia (da qual agora não se pode falar porque já temos mais 3500 óbitos Covid do que eles, e que ainda por cima tem a economia aberta e não usam máscara) foi sempre o nosso melhor exemplo para fazer diferente. Tinham uma estratégia condenável que justificava o nosso confinamento. O nosso jornalismo explorou a Suécia e o medo que os suecos enfrentavam por não terem confinado. O jornalismo foi o vínculo para o medo. As pessoas ficaram com medo, e o confinamento era a nossa salvação e votos garantidos em urna.        FME FME: Hoje, morrerem 3000 portugueses de gripe como aconteceu em 2019 já não é aceitável, portanto, com Covid ou sem Covid o confinamento e as máscaras vieram para ficar. Se o nosso SNS for eficaz (o que não é; dito pelo pessoal que lá trabalha) pode ser que consigamos escapar a grandes confinamentos no inverno, caso contrário, confinar no inverno será o novo normal.        pereira b: Nesta questão o AG parece um bloquista enraivecido, passe a redundância. A realidade é uma chatice. Suscita dúvidas e obviedades. AG não tem nem umas nem outras, apenas certezas, e um desconhecimento da vida real só equiparável ao do governo. André Ondine: A pandemia afastou-me de Alberto Gonçalves. Sempre gostei muito de o ler e deliciei-me muitas vezes com o humor e a ironia com que retratava o regime que lamentavelmente nasceu com a usurpação do poder por parte do Habilidoso. Ainda hoje, Alberto Gonçalves é, na minha opinião, aquele que melhor retrata a desgraça e os desgraçados que nos calharam em sorte. Ninguém topa Marcelo, Costa e os seus acólitos como AG. Mas não me identifico com a sua visão, que me parece quase obsessiva, sobre a gestão da pandemia. Não tenho certezas de nada. As dúvidas são muitas. Mas esta cruzada de AG contra todas as medidas tomadas até agora parece-me totalmente inadequada e até um pouco fanática. É óbvio que as medidas restritivas e o confinamento são terríveis. Têm consequências dramáticas. Mas parece-me evidente que são um mal menor e que permitem limitar males muito maiores. Este confinamento não mostra resultados evidentes? Mostra, sem dúvida. Como estaríamos se não o tivéssemos feito? Claro que o bando do Habilidoso delapidou o Estado Social e as consequências desta pandemia em Portugal (nomeadamente na saúde e na educação) são trágicas e poderiam ter sido limitadas, se os anos anteriores não tivessem sido tão “cativados”. Mas essa é a realidade que temos. Cativou-se como nunca. Delapidou-se o Estado como nunca. Continua a delapidar-se, de Centeno para Leão. Mas esse é o nosso cenário real. E é perante este Estado degradado e degradante que temos que actuar. Parece-me evidente que restrições limitaram, efectivamente, as mortes, que estão a diminuir. Não se trata de rotular os “confinamistas” como medricas e os “negacionistas” como temerários heróicos. Trata-se de procurar alguma sensatez e equilíbrio e, perante as dúvidas e a ignorância natural sobre um fenómeno novo, ouvir quem sabe e procurar respeitar esse saber. E, aqui e lá fora, parece-me que as medidas restritivas foram defendidas como necessárias e urgentes. E é um facto que os resultados estão a surgir. Faz falta moderação no debate e no comentário político. E julgo que na questão da pandemia, a visão de AG é extremista. Tão extremista quanto aqueles irresponsáveis que ele retrata tão bem.         Gustavo Lopes > André Ondine: Caro André: subscrevo tudo, literalmente TUDO, o que escreveu. E não imagina a tristeza que foi perceber que neste tema da pandemia o pensamento do AG é diametralmente oposto do meu, e com um nível, como diz e bem, similar (embora oposto) dos extremistas que ele descreve. Deixou de ser um prazer acordar ao sábado e tomar o pequeno almoço a ler o AG... Obrigado pelos seus comentários, que são normalmente duma lucidez e clareza incrível. Procuro-o sempre a si e ao Cipião Numantino para os ler na íntegra. Um abraço e bom Fim de semana  Zé Ninguém > André Ondine: Como explicar então os melhores números da Suécia e do estado da Flórida? Têm as economias abertas e não usam máscara? Será porque têm sistemas de saúde mil vezes melhores que o nosso e não morrem de frio no inverno como nós? Será porque têm transportes públicos adequados às suas populações? Há que ponderar.           André Ondine > Gustavo Lopes: Muito obrigado pelas suas palavras Gustavo. Concordo inteiramente com o que escreve sobre AG. Um cronista brilhante, apesar do desacordo “pandémico”.            Cipião Numantino: Sinto-me pouco confortável quando afloro este tema. Primeiro porque tenho dúvidas sobre muito e, certezas, sobre quase nada. Em segundo, porque não sendo esta questão a minha praia talvez sinta mesmo o dilema do sujeito que dizia “que não acreditava em bruxas, mas que estava certo que as havia”. Posto isto, dá-me para concordar (quase sempre assim é) com o mestre AG. E de facto penso que a substância da coisa está mesmo radicada no medo. Mas atenção, o medo não excessivo é bom e salutar, até porque em última análise, a antropologia pensa de ciência certa que foi justamente o medo que nos trouxe até aqui e nos fez despontar como espécie dominante neste planeta que alguém designou como o 3º. calhau a contar do Sol. Sei lá, não sendo eu igualmente um expert nestas matérias, terá algo certamente a ver com a preservação da espécie e dos eventos relacionados com este mesmo propósito. Ora o que eu quis significar é que o medo pode ser útil, mas já não o será se exercitado em excesso ou este nos fizer trilhar caminhos ínvios em que nos confundimos a nós próprios e, por arrastamento, a todos os demais. Acrescerá o factor não despiciendo de que é justamente o excessivo medo que nos atira para uma espécie de vórtice emocional onde se deparará com outros sentimentos avulsos de entre os quais destacaria a autoflagelação psicológica, o recalcamento ou até a própria crueldade. Assim, os monges mendicantes da época medieval percorriam os caminhos vergastando-se com chicotes de cilícios com medo do inferno, certos bufos denunciavam familiares ou vizinhos antes que estes os pudessem acusar no Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), outro tanto fizeram outros destes bufos à PIDE e, ainda, nos dias de hoje, vemos por aí consistente bufaria (vulgo kovideiros) sempre à coca prontos a denunciar logo que vejam para aí uma meia dúzia de pessoas juntas. E tudo isto é medo meus caros. Tenho aliás para mim, que muitas destas atitudes são adoptadas com mais frequência por pessoas extremistas (esquerda ou direita) que, como aliás ainda pude ler recentemente, está comprovado que são mais dadas a este tipo de coisas. No meio disto subsiste um inultrapassável problema. E este consiste no perigo de posicionar os sentimentos sem se pensar que estes podem arrastar a economia. Quando se chegar aí, a coisa fiará mais fino. Caso para dizer que nós pomos e a economia dispõe. Estamos aparentemente num caminho sem regresso. Em que as moratórias servirão como primeiro embate do que aí virá. Estamos numa espécie de desfiladeiro em que nos iremos deparar com uma espécie de dois monstros míticos, Caribdis e Cila, que ladeavam o estreito de Messina, e em que se fugia de um e nos iríamos deparar com o outro. Ou algo assim do género do ditado brasileiro que diz “que se correr o bicho pega e, se ficar, o bicho come”. Acho mesmo que não vamos ter escapatória possível. E será sempre a bombar até ao completo desastre!... PS- O governo marxista da Venezuela do Sul (antes conhecida por Argentina) decretou que quem quiser tirar a carta de condução terá, antes, que frequentar um curso de Igualdade de Género!!! Ou “apertamos por aqui o pipo” a esta gente esquerdosa, ou teremos a curto/médio prazo uma Venezuela aqui bem plantada na Europa. Tudo em prol do socialismo e da justiça social, pois então!...          Paulo Cardoso > Cipião Numantino: Bravíssimo!!!         Manuel Ferreira21 > Cipião Numantino: Brilhante e muito ponderado artigo.          João Paulo  > Cipião Numantino: Brovo, já merece e de que maneira um espaço próprio no Observador

Mais uma aula de História


De Jaime Nogueira Pinto, que aponta Ronald Reagan como um exemplo. Um gosto, sempre, na harmonia de escutar uma voz sã.

Retratos à Direita: Ronald Reagan, o conservador liberal /premium

Reagan não era um intelectual, mas era inteligente; não era um pensador, mas pensava. De resto, os intelectuais nem sempre são inteligentes e muitos não chegam sequer a pensar.

JAIME NOGEIRA PINTO, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 fev 2021

Quando Ronald Reagan se tornou Presidente dos Estados Unidos, em 20 de Janeiro de 1981, da esquerda ao centro, dos comunistas radicais aos moderados bem-pensantes, todos irromperam em indignados clamores: Reagan era um actor secundário de segunda, um ignorante, um radical de direita que ia dar cabo do mundo. Clamores semelhantes aos que receberia Donald Trump em 2017, também ele um mero actor e produtor de reality shows, um ignorante, um radical de direita, pronto a dar cabo do mundo. A História tende a repetir-se, ainda que sempre com diferenças importantes.

Mas como Bismarck ficou irremediavelmente ligado à unidade alemã e Churchill à vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, Reagan foi o homem do fim da Guerra Fria e da derrota da União Soviética e do Comunismo. Embora o desfecho final – a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da URSS no Natal de 1991tivesse acontecido já com George H. Bush, a política e a estratégia que levaram à queda da URSS foram de Reagan, da Administração Reagan, da revolução conservadora de Reagan.

Esta revolução conservadora foi um movimento de ideias, um movimento de intelectuais e pensadores preocupados com o progresso do comunismo no mundo e com os avanços da nova esquerda radical nos Estados Unidos. Era preciso combater e vencer esses dois perigos.

Reagan não era um intelectual, mas era inteligente; não era um pensador, mas pensava. De resto, os intelectuais nem sempre são inteligentes; e muitos não chegam sequer a pensar, atarefados que estão a seguir o guião de acesso ao subsídio ou à sobrevivência mediática e académica. Há dias, vimos uma doutora em Ciências Sociais provar “cientificamente” a inocência do Sr. Mamadou Ba, enquanto esclarecia o povo, também “cientificamente”, que só os brancos podiam ser racistas. Porquê? Porque, ao que parece, “a Ciência” terá já cativado a palavra “racismo” e bloqueado o conceito para seu uso exclusivo ou dos seus iniciados – a saber, “todo um sistema económico, político e social branco e opressor”. Fora desta lapidar definição, não serão, evidentemente, permitidos desvios.

Born in the USA

Mas Reagan, não sendo um intelectual, era inteligente e pensava. Vinha de uma família de pequena classe média de Fulton, Illinois, onde nasceu, em 6 de Fevereiro de 1911. Pai católico com problemas de alcoolismo, mãe religiosa, dos Discípulos de Cristo. O pai era um entusiasta do New Deal e o jovem Ronald nunca esconderia a sua admiração por F. D. Roosevelt. O liberalismo do pai, lembraria depois o filho, ia ao ponto de não os deixar ver o clássico de Grifitth, Birth of a Nation, por pactuar com o racismo. A mãe era uma activista religiosa, dedicada a causas sociais e visitadora de presos e enfermos.

Depois de concluir estudos no Eureka College, Illinois, Reagan foi locutor e comentador desportivo, começando aí a sua carreira de grande comunicador. Em 1937 foi à Califórnia e a Warner Brothers contratou-o para um papel secundário. E durante 20 anos foi actor.

Nos seus anos de Hollywood, e como presidente da Screen Actors Guild, apanhou os inquéritos às “actividades anti-americanas” da HUAC (House of Un-American Activities Comitee), uma comissão criada sob outro nome em 1918 para investigar actividades pró-alemãs e pró-bolcheviques. Em 1947, Reagan foi chamado a depor como testemunha, afirmando-se então um “New Deal Liberal”.

Para entender a acção da HUAC é bom tentar perceber o espírito desse tempo (exercício que parece estar a cair em desuso).

O “RedScare” em Hollywood

A guerra contra Hitler tinha tornado os Americanos aliados dos Soviéticos e F.D. Roosevelt, à vontade no seu estatuto patrício, permitia-se achar uma certa graça ao “Uncle Joe Stalin”. Para parte das elites intelectuais e artísticas de Hollywood, os comunistas eram os idealistas dos romancistas do século XIX, russos, franceses e ingleses, e o comunismo uma utopia generosa, uma espécie de “Sermão da Montanha” laicizado. Houve vários filmes simpáticos para com a URSS, como Mission to Moscow, de Michael Curtiz, e Song of Russia. Não se sabia muito – ou não se queria saber – dos crimes e massacres da revolução e do regime soviético; ou então atribuíam-se à maldade de Estaline e dos seus sequazes, que teriam corrompido um sonho que permanecia válido. Assim, o clima dominante no meio progressista de Hollywood era ainda o “antifascismo” e a HUAC – e depois McCarthy – eram vistos como para-fascistas.

Só com o golpe de Praga e as notícias do Gulag e das Purgas – e com casos de espionagem, como o dos Rosenberg – a opinião pública começou a acordar para a realidade do comunismo real, do terror policial e dos campos de concentração. Mas, nessa altura, Mao-Tse-Tung ainda era apresentado ao público americano por Edgar Snow como “um reformador agrário” que combatia os corruptos senhores da guerra e da terra do Kuomintang.

Truman e o National Security Act iam mudar as coisas. E Hollywood, a “Máquina dos Sonhos”, não devia trabalhar para o inimigo – daí os inquéritos. Mas mesmo considerando o carácter inquisitorial e até o oportunismo e o mau carácter de alguns dos conselheiros de McCarthy (financiado e apoiado publicamente pela família Kennedy), a quantidade de grandes talentos perseguidos pela HUAC e a qualidade da perseguição não podiam comparar-se, nem remotamente, à sorte dos não-comunistas na URSS.

Hollywood, nos anos 50, tinha uma produção muito voltada para a apologia do Cristianismo e dos valores judaico-cristãos, nas grandes produções bíblicas de Cecil B. DeMille, e um forte cunho identitário americano nos westerns da dupla John Ford-John Wayne. E entre 1948 e 1954 houve três ou quatro dezenas de filmes declaradamente anticomunistas, desde uma reposição, em 1947, da fabulosa comédia da MGM Ninotchka, de Ernst Lubitsch, com guião de Billy Wilder e Greta Garbo como protagonista, até Peking Express e The Atomic City, da Paramount.

Assim, na Guerra Fria, na primeira Guerra Fria, a grande massa dos democratas e dos republicanos era anticomunista e não era grande a diferença ideológica entre os dois partidos – ainda que depois da morte de Estaline e da revelação pública dos seus crimes por um dos seus cúmplices, Kruschev, a Guerra Fria tivesse arrefecido. É que sem Estaline, o comunismo tornava-se quase benigno, passada que estaria a fase do terror. Sintomaticamente, em 1960, Daniel Bell publicava The End of Ideology: on the Exhaustion of Political Ideas in the Fifities.

Mas com os Kennedy, com os Direitos Civis, com a Guerra do Vietname, a ideologia e a política voltavam à América. E a radicalização à esquerda trouxe uma reacção patriótica e conservadora à direita.

A conversão

A transição e migração político-partidária de Reagan dá-se durante os anos 50. Em 1962 é já oficialmente republicano e em 1964 apoia Barry Goldwater, o candidato que teve então uma das maiores derrotas da história eleitoral dos EUA, frente a Johnson. Mas com a derrota, Goldwater acabaria por trazer uma novidade à direita americana – a necessidade de construir um pensamento alternativo, para que, na luta política e cultural, se pudessem combater ideias com ideias. Daqui nascia a revolução conservadora, nas suas três linhas e famílias – o conservadorismo dos valores cristãos; o anticomunismo e o patriotismo americano; e uma libertação da economia e da sociedade da burocracia federal.

Reagan fora eleito governador e governara a Califórnia com sucesso. Em 1967, perante uma manifestação anti-Vietname, em que manifestantes de gestos lânguidos e olhar alienado seguravam cartazes que diziam “Make love not war”, o então governador terá comentado: “Those guys look like they can’t make either of both. É este governador da Califórnia que virá a ser o instrumento, o porta-voz, da “revolução conservadora”.

Mas vale a pena ver as circunstâncias em que é eleito. No rescaldo da presidência de Jimmy Carter, era geral a convicção de que o Ocidente estava a perder a Guerra Fria. A derrota do Vietname levara toda a Indochina, com excepção da Tailândia, a ser dominada pelo comunismo, com os horrores dos Khmers Vermelhos no Camboja. A descolonização portuguesa também significara um avanço do comunismo em África; na América Central, os comunistas tinham tomado a Nicarágua e, na Ásia, o Afeganistão. O Xá do Irão fora derrubado em 1979 e os revolucionários iranianos tinham sequestrado o pessoal da embaixada americana em Teerão. A operação de resgate falhara miseravelmente.

É a partir deste quadro que se pode e deve entender a revolução conservadora de Reagan, que vai encontrar uns Estados Unidos internacionalmente debilitados e a economia americana com uma inflação de 13,5 % e sérios problemas de abastecimento energético; uma economia em stagflation, isto é, combinando contracção e inflação.

Reaganomics: um liberalismo com limites

Reagan avançou no campo económico com uma política de corte de impostosde 70% para 50% nos escalões mais elevados. Estes cortes foram aprovados pelo Congresso em 1982 e a economia americana cresceu 4,5% em 1983, 7,2% em 1984 e 4,5% em 1985. O desemprego cresceu primeiro para cerca de 11% em 1982, mas baixou para 7% em 1984. A chamada Reaganomics, baseada na supply-side, assentava na ideia de que a perda de rendimento fiscal para o Estado na primeira fase do corte de impostos seria compensada pelo crescimento da economia que alargava consequentemente a massa colectável. Outras medidas foram tomadas no sentido de aliviar a regulamentação do sector bancário. Mas as áreas da saúde, da segurança e do meio ambiente continuaram reguladas e houve um incremento proteccionista em relação às importações. A inflação também foi combatida, passando de 13,5% em 1980 (último ano de Carter), para 10,3% em 1981, 6,1% em 1982, e menos de 5% nos restantes anos da Administração Reagan.

O “liberalismo económico” de Reagan estava claramente condicionado pela razão de Estado e pela Segurança Nacional e longe de cortar despesas do Estado em matéria de Defesa, o Presidente subiu o orçamento de Defesa em 35%.

Toda a sua política liberal na economia destinava-se a fortalecer os Estados Unidos para resistir à União Soviética, financiando o rearmamento militar e forçando a URSS a fazer o mesmo.

A revolução conservadora

Reagan quis também repor na política interna americana uma ética conservadora baseada nos valores cristãos, patrióticos e familiares. Desde os estrategas da Heritage Foundation, aos militantes evangélicos da Moral Majority, Reagan não desiludiu a direita americana. A sua iniciativa liberal não embarcava num liberalismo desregulado ou regulado exclusivamente pelos “mercados” e muito menos num liberalismo individualista quanto aos valores. Também por isso, foi buscar o eleitorado moderado e muitos “blue collars” patriotas, desiludidos com os democratas. E tal como Thatcher, encontrou e enfrentou sindicatos muito poderosos. Foi memorável a sua batalha com o Sindicato dos Controladores Aéreos.

Assim, no Reaganismo, o liberalismo económico nunca foi um dogma ou um fim em si, mas antes um meio para restabelecer a força e a vitalidade da sociedade americana, para melhorar a condição dos Americanos e, acima de tudo, para combater a União Soviética e tudo o que representava.

Num país em que, nos anos oitenta, a convicção e a prática religiosa eram muito superiores às da Europa, Reagan pegou nos temas da direita religiosa e conservadora – foi pela oração nas escolas e contra o aborto e a eutanásia. E a mobilização dos cristãos seria crucial para a vitória esmagadora na reeleição de 1984, em que ganhou em 49 dos 50 Estados.

O programa da New Right que o Presidente trouxe para Washington, quer através das nomeações para a Administração, quer através da agenda política, trazia também já uma refundação do Partido Republicano, misturando cristãos evangélicos, católicos, operários, classe média, democratas desiludidos com a deriva radical no Partido Democrata, empresários, intelectuais e jornalistas nacionais-conservadores. E Reagan passava as ideias da direita patriota e conservadora de um modo agradável e tranquilo – nos antípodas do modo polémico e agressivo de Donald Trump.

Vitória na Guerra Fria

A repercussão mais importante da sua Presidência terá sido, sem dúvida, a surpreendente vitória na Guerra Fria: a determinação americana de fazer uma corrida aos armamentos e de criar dificuldades aos soviéticos nas suas “áreas de influência” – no Afeganistão, na Nicarágua, em África – acabaria por trazer para o poder, em Moscovo, Gorbachev. Para enfrentar os Estados Unidos, Gorbachev precisava de tornar a economia soviética mais competitiva mas, ao contrário do que fariam os chineses, achou que, para isso, precisava de liberalizar o sistema político. Ora o sistema, porque era baseado no medo, não aguentava brechas nem liberalizações. A derrota no Afeganistão (o Vietname soviético) e a baixa dos rendimentos do petróleo (W.B. Casey, director da CIA, convenceu os sauditas e pôr mais petróleo nos mercados, afundando o preço da grandecommodity soviética) desmantelaram a ideia da invencibilidade soviética e levaram à bancarrota as finanças russas. Os regimes políticos são um todo – dizia Montesquieu – e quando se governa pelo terror e pelo medo, mexendo-se no medo e no terror, o sistema desmorona-se.

No Reaganismo, os princípios morais, os valores, não eram liberais. O patriotismo, o espírito de fronteira, o anti-comunismo e o conservadorismo dos costumes foram essenciais. E se libertar a economia para a tornar mais eficaz contou muito, também contou muito que fosse a mesma economia sempre posta ao serviço de princípios e objectivos nacionais.

É nesse sentido que deve ser considerada a acção de Ronald Reagan, assente no primado dos interesses americanos, dos princípios éticos do cristianismo, do desenvolvimento nacional e da prosperidade dos cidadãos.

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COMENTÁRIOS:

Fidelino Ferreira: "e muitos não chegam sequer a pensar, atarefados que estão a seguir o guião de acesso ao subsídio ou à sobrevivência mediática e académica." Esta frase é mortífera, de tão certeira.          José Pinto de Sá: Desta vez não partilho a visão de Jaime, concretamente no que respeita ao liberalismo económico de Reagan. Reagan foi quem aprovou o "purple act", a desregulamentação do sector energético depois copiada por todo o mundo, e quem disse aos 3 de Detroit que pediam protecção contra os construtores de automóveis japoneses que, se a América não sabia fazer carros, fizesse outras coisas! Foi também quem cortou os financiamentos às Universidades e lhe recomendou que buscassem compensá-los em projectos com a sociedade. E esse liberalismo económico levou a uma profunda renovação económica dos EUA, dando-lhe novo alento inovador por mais 20 anos, e nunca foram as Universidades americanas tão produtivas e líderes mundiais como nesses 20 anos seguintes!     Alberto Mendes: Obrigado Prof. J N. Pinto             António Bernardino: Gostei. Imenso.              Paulo Chambel: Genial "os intelectuais nem sempre são inteligentes e muitos não chegam sequer a pensar". Esta pérola resume muitos dos problemas dos nossos dias. A diferença entre alguém que trabalha com problemas concretos (médico, eng., assistente social, etc.) e um intelectual é que este último não sofre directamente na pele as consequências das más ideias que professa.          Graciete Madeira: Mais uma excelente lição de história...          Francisco Tavares de Almeida: Este artigo consubstancia o melhor de JNP (que muito admiro desde "De Goa ao Largo do Carmo". Enquadramento histórico esclarecedor, notas biográficas sucintas mas reveladoras, arte de um bom contador de histórias, tudo envolto numa universalidade cultural admirável e culminado numa síntese conclusiva inquestionável.           Chevalier D'Arcy: O artigo é muito bom para se perceber as abissais diferenças políticas e de personalidade entre um homem grande e eficaz como Reagan e um ser pequeno e perigoso como Trump. Reagan era um gentleman conservador, com grande determinação e um conjunto de ideias políticas simples, sólidas, corajosas e adequadas ao seu tempo, que não temiam cortar com o passado. Mas como conservador, respeitava naturalmente as instituições, a legalidade constitucional e os seus processos. Certamente lhe eram repulsivas revoluções de rua, e o povo em armas. Havia nele também um fundamental ancoramento ético e religioso genuíno.  Trump é um "thug" revolucionário de direita. Um incendiário auto-centrado que descobriu que um demagogo com falta de princípios pode ganhar muitos votos; e que não hesita em incitar à violência popular contra adversários e instituições. De ético-religioso tem as diversas fachadas repugnantes que fartamente exibiu.            Fonseca Ralhão > Chevalier D'Arcy: O problema dos EUA (e muito menos do resto do mundo) não era o Trump, independentemente dos seus muitos defeitos (que os tinha). Mas muito mais como "gestor político" e muito menos como "ideário", de todo não concordo que não tivesse ideias políticas e outras, muito pelo contrário.            Francisco J Mello: Seria bom que este magnífico artigo fosse lido pelos jovens pois eles não sabem bem quem foi Reagan, e o pouco que sabem é-lhes transmitido pela media e pelos "patrulhadores" de opinião que no tempo de Reagan estavam no lado oposto...          Liberal Sempre em Pé: Reagan não precisava de pensar, isso ficava a cargo de Margaret Thatcher. Já em show business a Dama de Ferro não podia competir.         advoga diabo: Reagan e Thatcher, no esforço de acabar com o sonho de um mundo social nascido do pós guerra, foram o "ovo da serpente" do liberalismo feroz que redundou, sucessivamente, em Bin Laden, Bush Jr, crise sistémica global de 2008, Trump e os seus sucedâneos mundo fora!         Liberal Sempre em Pé > advoga diabo: Note-se bem que o socialismo não é feroz! E produz resultados comprovados, também. Portugal que o diga!          Paulo Silva > advoga diabo: Um órfão de Moscovo no purgatório, a carpir as mágoas com lágrimas de crocodilo          Adelino Lopes: A 1ª metade do século XX foi (exclusivamente) dos EUA. Na 2ª metade começou o declínio dos EUA. New York é um exemplo real. Nesta 2ª metade, Reagan foi, sem margem para dúvidas, o presidente que conseguiu disfarçar o declínio. Nessa época (2ª metade) os EUA viveram à custa da credibilidade que conseguiram anteriormente. Por exemplo, recordam-se das cassetes VHS? Pois, o sistema beta (alemão) era tecnicamente superior, mas perdeu a guerra. Claro que os filmes pornográficos ajudaram, mas o beta era muito superior. Posteriormente, com o blu-ray (dos japoneses) já não tiveram hipóteses. Hoje os americanos, mais socialistas do que nunca, vivem de crédito e daquilo que conseguem “sacar ao mundo”: pobreza à vista.          Liberal Sempre em Pé > Adelino Lopes: As notícias sobre o declínio do Império Americano têm-se mostrado algo precipitadas!           Manuel Magalhães: Como sempre muito bom e instrutivo, é sempre bom haver alguém que nos ajude entender os porquês das coisas... obrigado Jaime!!!            Lourenço de Almeida: Bom artigo. Obrigado.            Francisco Figueiredo: Gostei imenso. Artigo interessantíssimo         Manuel Vilhena > Francisco Figueiredo: Peço desculpa, isto não é um artigo, isto é a aula de sexta-feira a que jamais falto. Luis Teixeira-Pinto: A História e a sua contextualização estão magnificamente expostas. Passe o carácter resumido os pontos essenciais estão muito bem apresentados. Falta, se me permite, explanar o que terá de ser feito na actualidade com os actores disponíveis e sobretudo com as necessidades que são evidentes. Que passos terão de ser dados para enfrentar os desafios do presente? A esquerda está muito mais radicalizada, a deriva intelectual atingiu níveis de demência, será que ainda é possível inverter/reverter a situação sem ser pelos meios mais convencionais (confronto, violência, guerra)? É que me parece, dada a apatia geral da Direita, que essa será a infeliz e quase inevitável solução.

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