sábado, 20 de fevereiro de 2021

Os paradoxos da ilusão


No fundo, todos os países impuseram regras de confinamento. Caso o nosso governo não tivesse feito o mesmo, seria acusado de levar os cidadãos à hecatombe mortífera. Assim, será acusado de os levar, sobretudo, à hecatombe económica, apesar da mortífera. É certo que os outros países têm outra estrutura produtiva e de submissão a regras de responsabilidade pessoal e cívica que os fará erguerem-se mais rapidamente, já que a nós nos falham as regras. É compreensível o desespero de AG, que sobretudo anota os absurdos das imposições contraditórias, e tem razão nisso, mas não temos a certeza de que outros governantes fariam muito melhor, contra uma doença proveniente de um vírus invisível que deixará, talvez, marcas bem visíveis de degradação nos corpos e nas almas. Mas é bom que existam escritores como Alberto Gonçalves, que contribui para manter a chama de alguma inteligência nisto tudo.

Crónica aberta aos campeões do confinamento /premium

Nas democracias, a liberdade não é condicional, nem ao pavor irracional de cidadãos, nem à cobardia inata de políticos. Não admira que aqueles elejam estes, nem que gente tão fraca se valha da força.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador               OBSERVADOR, 20 fev 2021

Vamos imaginar, como pedia o Lennon na época em que se disfarçava de faquir? Vamos a isso. Imaginem que o governo conseguia acertar na maneira de combater uma pandemia (embora a inépcia destes laparotos os torne incapazes de resolver um surto de resfriado, e a desonestidade os convencesse a açambarcar o paracetamol). Imaginem que os confinamentos intermináveis e intermitentes eram a única forma de conter a disseminação do vírus (embora, por  engenho ou acaso, alguns países e territórios com restrições muito menores o tenham “contido” muito melhor). Imaginem que os pormenores do estado de emergência faziam sentido (embora prossigam misteriosos os motivos de os transportes públicos ou as raspadinhas não contagiarem ninguém e o comércio de água, livros ou peúgas sim). Imaginem que a ciência estava realmente por trás das decisões tomadas e impostas (embora eu desconheça o estudo científico que prova os malefícios da vitamina D e as vantagens de atropelar a Constituição encerrando as fronteiras aos autóctones). Imaginem que os lares de velhos não existiam (embora existam, sejam a origem de larga percentagem das vítimas mortais e permaneçam ao abandono sempre que não são visitados por um governante em acção folclórica). Imaginem que a “informação” transmitida pelos noticiários é uma cópia fiel da realidade (embora de facto hesite entre a propaganda e o pânico, isto se houver distinção). Imaginem que havia lógica nos apelos para evitar o famoso colapso do SNS (embora, por obra das “cativações” e do genuíno amor do PS à coisa pública, o SNS tivesse colapsado muito antes da Covid). Imaginem que as medidas de controlo do vírus não causavam danos adicionais (embora causem, e esses danos se traduzam em milhares de falências, por via do fecho parcial da economia, e milhares de mortos por via do fecho parcial da saúde pública). Imaginem que o único empecilho ao sucesso das ponderadas regras do dr. Costa seriam os delinquentes que teimam em infringi-las (embora só se contaminem entre si e nunca os cidadãos cumpridores, devidamente enclausurados há semanas, meses ou quiçá anos). Imaginem, afinal, que o derradeiro obstáculo à felicidade dos portugueses em geral são alguns portugueses, os “negacionistas” e os desordeiros que mereciam cadeia, precedida de espancamento firme.

Imaginem então os disparates que quiserem, que eu faço o favor de, durante cinco minutos, fingir que vocês têm razão. E se vocês têm razão nas palermices acima (é a fingir, lembram-se?), também supõem tê-la na consequência que mais vos interessa: a possibilidade de exercitarem o pequenino poder típico dos frustrados e desatarem a insultar, denunciar e idealmente punir os “irresponsáveis” que negam ou desafiam a sapiência dos nossos governantes. É por causa dos “irresponsáveis” que estamos todos nesta situação, não é? Por uns, pagam todos, não é?

Meus amigos (continuo a fingir, não se esqueçam), a vida em sociedade é assim: as escolhas de alguns suscitam o transtorno, e frequentemente a desgraça, dos demais. Ainda que houvesse uma gota de razoabilidade em atribuir o desastre vigente às violações do confinamento, apenas vos posso desejar saúde e bichas. Neste e nos restantes desastres em que somos pródigos, nunca foi de maneira diferente. Um exemplo? De cada vez que alguém vota no PS ou nas respectivas muletas de extrema-esquerda está a condenar o país à bancarrota e uma data de inocentes a pagá-la sabe-se lá com que sacrifícios. Três quartos dos portugueses, pois, sofrem sazonalmente na pele a irresponsabilidade do quarto de “negacionistas” que, à semelhança das vacinas, sobra. E não se queixam. Ou melhor, queixam-se em vão, porque, por absurdo que pareça (mas não é), as pessoas são livres de votar na corrupção socialista e na demência comunista. Em contrapartida, por absurdo que pareça (e é), em matéria de Covid as pessoas não são livres de decidirem a sua existência à revelia dos palpites que saltitam nos cerebelos do dr. Costa, da ministra da Saúde, da orquídea da DGS e dos “especialistas” de serviço. E, se comparamos os danos directos que provoca, em última instância a Covid é uma brincadeira perante o rastro de destruição que fica quando o PS sai do poder para ganhar fôlego e esperar que alguém limpe o esterco – e nem falo do governo actual, cujo esterco será indelével. Em suma, um sujeito saudável não pode abrir o negócio para vender café ou camisas que logo lhe soltam os cães e a polícia em cima. Porém, um sujeito, evidentemente desequilibrado, pode optar pelo eng. Costa ou pelo arq. Costa para estraçalhar Portugal que tudo o que lhe acontece é receber um aplauso pelo zelo cívico. É isto uma democracia?

Em democracia, eu não tenho o direito de limitar o vosso voto, por prejudicial que comprovadamente seja. Mas vocês também não têm o direito de limitar os meus movimentos, o meu trabalho e os meus dias, por prejudiciais que discutivelmente os julguem. O problema é que os meus limites continuam em vigor, e os vossos não. O problema é que isto já não é uma democracia. Nas democracias, a liberdade não é condicional, nem ao pavor irracional de cidadãos, nem à cobardia inata de políticos. Não admira que aqueles elejam estes, nem admira que gente tão fraca se valha da força. Sucede que o recurso cego à força não define um regime minimamente civilizado: decreta o fim do que tínhamos.                CORONAVÍRUS  SAÚDE PÚBLICA  SAÚDE  PANDEMIA

COMENTÁRIOS:

JB Dias: Nunca antes em lado algum se encontrou anarquista tão dogmáticamente situacionista ... não admira que se afirme "inconformado"!       Anarquista Inconformado: Parabéns A.G., conseguiste alcançar o patamar do Ascenso. Reconheço que não é fácil mas tu chegaste lá.        Cipião Numantino: Eheheheh! Soltei umas boas gargalhadas! E “acarditem” que não é caso para menos. Coitados dos xuxualeiros e apêndices ao ler esta divinal prosa do AG. Por mim acho mesmo que vão ficar a bater mal! O maior dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, postulava “que a maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade”. Seja assim ou não, fica-se a pensar que por muita força que a nossa ética democrática exerça, sempre nos resta um sabor amargo em que acabamos por ser exasperantes vítimas de uma imensidão de imbecis. Certamente já aconteceu a muitos dos que me lêem, sempre que trocam impressões com alguns dos seus concidadãos, pensar para com os seus botões: pooorra, este gajo é um completo imbecil, e não é que o voto dele vale tanto como o meu? Não me estico mais quanto a este ponto, sob pena de vir imediatamente a ser atacado pelas “vespas” xuxas e comunas chamando-me um abjecto “fachista” e outras coisas mais que Maomé não se atreveria a chamar ao toucinho. Por isso, calmex pessoal. Não se ofendam as virgens vestais esquerdosas, já que se tratou de uma boutade minha que não passa para além de um mero desabafo, entendido? Seja como for, é um pouco frustrante. E talvez ainda nos frustre bem mais vivermos no meio de tanto retardado mental, ser obrigado ainda a compreender e aceitar os seus ditames e, como corolário disto tudo, sermos para mal dos nossos pecados, governados por gente ainda mais imbecil do que quem votou neles! Enfim, é o que temos nas sociedades ocidentais que, do mal o menos, sempre será melhor que a piolheira cubana ou da folclórica Venezuela. Mas que se torna bem assustador, convenhamos, quando vemos alguns outrora bastiões da democracia, resvalarem em direcção a estes perigosos engodos. E estou até convencido (talvez ainda seja durante a minha vida) que teremos como “faróis civilizacionais” a actual Venezuela, a Venezuela do Sul (Argentina) e a Venezuela do Norte (E. U. A.), numa espécie de tríplice aliança que irá proporcionar uma espécie de “cloaca máxima” ideológica, social e cultural, com uma pestilência ética e moral de tal ordem, que ainda vamos ter imensas saudadinhas das desgraças atontadas emanadas do Largo da Rataria. É isto. O OBS parece que não quer comentários longos e estão no seu pleno direito. Conquanto nos vão permitindo deliciar-nos com os artigos do AG e mais uns quantos, já não é mau de todo. PS- Os xuxarecos não param de nos surpreender. São uma espécie de cucos que adoram colocar os seus ovos em todo o tipo de ninhos e, posteriomente, claro derrubar os ovos dos outros. Um laparoto que responde pelo nome de Ascención Simonetes, alvitrou que se deveria derrubar o padrão dos Descobrimentos. Minha gente, vão por mim. É mister derrubar esta gentalha antes que eles nos derrubem a todos nós!...         Anarquista Inconformado > Cipião Numantino: Tu há muito, que atingiste o patamar do Ascenso. Mas tens uma diferença notória, és chato e comprido como o peixe-espada, E os assuntos que tratas são apenas uma forma de passares o tempo a escrever umas lérias ocas e sem préstimo. Obrigado pelo divertimento, revolucionário de sofá da banda direita.

 

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