domingo, 14 de fevereiro de 2021

Vive-se como se pode


E assim vamos vivendo. Felizmente que há quem saiba definir, embora isso seja imperdoável, para os que se sentem atingidos. Eles não perdoam a António Barreto, sobretudo a qualidade de um discurso que acerta no ponto, bem conhecedor das malhas…

OPINIÃO

As duas esquerdas

O PS parece ter renunciado definitivamente à ambição maioritária. A aliança com a esquerda radical, não democrática e revolucionária, parece ser a mais provável.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 13 de Fevereiro de 2021

Não é inevitável, mas tudo leva a crer que, dentro de poucos meses, se abra o debate sobre as alianças políticas. Dado o afastamento dos governos de iniciativa presidencial e de unidade nacional, as hipóteses são conhecidas: esquerda contra direita? Bloco central?

Com o que sabemos hoje, não será exagerado prever que a decisão pertencerá sobretudo à esquerda, ao PS em particular. É verdade que a pandemia tem provocado uma enorme erosão do Governo, mas também é certo que a direita não parece beneficiar dessa evolução. Cumprida ou não a legislatura até ao fim, a mais importante decisão será a que diz respeito às esquerdas: unidas ou separadas?

Esquerdas sempre as houve, duas ou mais. O que as define e divide é o essencial da política, como a liberdade e a democracia. Nas questões sociais (saúde, educação, segurança social, trabalho…) pode haver diversidade, mas não separação definitiva. É a política que as divide, não o social nem a economia, muito menos a cultura. São poucos os critérios decisivos. A democracia e o respeito pelas regras democráticas vêm à cabeça. Estas constituem os principais elementos definidores da democracia: igualdade de estatuto e de direitos entre cidadãos; direito de voto em eleições periódicas e regulares; quem ganha eleições governa e respeita quem perde; garantia de liberdade de expressão; e instituições livres. Isto é o fundamental. As variantes adjectivas, democracia “cultural”, “social” ou “económica”, por exemplo, são outras coisas. Em geral, fantasias.

O entendimento da liberdade individual é outro critério. Quando a liberdade e a dignidade da pessoa humana começam no indivíduo, estamos numa esquerda. Quando a liberdade individual está submetida à “liberdade colectiva”, quando os “direitos individuais” dependem dos “direitos colectivos” e quando é o “colectivo” que determina a amplitude do “individual”, estamos noutra esquerda. Uma e outra são incompatíveis, a não ser com enorme dose de oportunismo.

O papel da iniciativa privada pode ser mais um critério. A esquerda democrática ou a social-democracia respeitam e dão uma larga margem à iniciativa privada. A esquerda radical, comunista, socialista e revolucionária, não lhe confere qualquer papel, tolera-a a contragosto ou elimina-a.

Há uma esquerda que pretende controlar a iniciativa privada. Os socialistas e os sociais-democratas andam por aí. O princípio é simples: o poder político tem o primado sobre o poder económico. Há outra esquerda que quer simplesmente acabar com a iniciativa privada, a não ser que seja pequena, pobre e obediente. Os famosos “pequenos e médios” (agricultores, camponeses, comerciantes, industriais…) formam essa iniciativa privada tolerada e dependente.

Há uma esquerda que aceita a economia de mercado, o capitalismo, a livre empresa, os empresários e a iniciativa privada, mas entende que toda esta realidade deve ser compensada, contida, regulada ou equilibrada pela política e pelo Estado Social. Enquanto há uma outra esquerda que tem como objectivo último a destruição do capitalismo, da iniciativa privada, das empresas, das classes proprietárias, da banca, dos seguros e dos serviços privados de saúde e educação.

Costuma referir-se outros critérios como a igualdade social e económica, o papel do Estado, a centralização do poder, a regionalização e outros. Mas não são realmente conceitos que identificam ou distinguem. Revelam simplesmente a variedade programática das tendências. Por exemplo, a esquerda democrática, em Portugal, já foi centralista e adversária da regionalização; agora ainda é centralista, mas já é favorável à regionalização. Quanto à esquerda comunista, sempre foi fortemente centralizadora, mas também, paradoxalmente, defensora da regionalização.

Outros critérios importantes são a nação e a identidade nacional. Constituem distinção importante entre esquerda e direita, mas não muito para as duas esquerdas. Conforme os tempos e as necessidades, há nacionalismo, patriotismo e internacionalismo numa ou noutra esquerda, ou nas duas. Ou em nenhuma. A União Soviética, por exemplo, era ferozmente nacionalista e proclamadamente internacionalista.

Novo critério ainda, o da religião. Os republicanos, os maçónicos e os jacobinos, que frequentam com assiduidade o socialismo e a social-democracia, não gostam em geral da religião, receiam-na, utilizam-na quando lhes convém, adulam-na quando precisam, hostilizam-na quase sempre. Já os comunistas, conservadores como são, respeitam a religião enquanto estão na oposição. Se um dia chegam ao poder, perseguem-na.

Interessante é perceber que o que distingue as duas esquerdas não é o que separa a esquerda da direita. Com efeito, o papel do Estado, por exemplo, pode ser defendido com ferocidade por correntes da esquerda, mas também da direita. Os fascismos, o nazismo e as ditaduras ibéricas eram favoráveis ao papel dominante do Estado, tal como a esquerda radical, sempre, e a esquerda moderada por vezes. A regionalização também não é carácter distintivo: tem os favores de várias correntes de direita e várias de esquerda.

O que separa realmente as duas esquerdas é a liberdade e a democracia. É verdade que ambas dão mais importância à igualdade do que à liberdade. Ambas preferem o Estado e o poder político às empresas e ao poder económico. E ambas privilegiam o Estado como fornecedor dos serviços de educação e saúde. Mas há diferenças fundamentais entre as duas esquerdas: a liberdade individual e a democracia.

O PS parece ter renunciado definitivamente à ambição maioritária. O que quer dizer que a sua política de alianças passou a ser a pedra de toque. Aliança com o centro e a direita social-democrata ou democrata-cristão. Ou aliança com a esquerda radical, não democrática e revolucionária. Esta parece ser a mais provável. O que tem o mérito de obrigar a uma discussão séria sobre os limites dessa aliança, o seu objecto e o seu horizonte.

Como é sabido, o Estado democrático é, para os comunistas e talvez também para o Bloco, etapa ou fase de transição. O que vem a seguir, mais ou menos socialista, mais ou menos comunista, mais ou menos ditadura do proletariado, mais ou menos democracia avançada, é uma grande incógnita. Que precisa urgentemente de esclarecimento. Em tudo o que é essencial, os direitos individuais, o Estado, a democracia, a defesa nacional e a propriedade, a separação entre as duas esquerdas é total, o obstáculo é intransponível. A não ser que uma abdique a favor da outra.

Sociólogo

TÓPICOS

GOVERNO  PARTIDOS POLÍTICOS  DEMOCRACIA  ESQUERDA  ESTADO  HISTÓRIA  PS

COMENTÁRIOS:

RUI ESTEVES EXPERIENTE: Questão: abortada a intentona Governo de Salvação Nacional, quantos novos empresários de sucesso perderemos nos próximos anos? Quantos novos migueis relvas, dias loureiros e duartes limas desistirão de ajudar a levantar Portugal? Mais grave, será que Portugal conseguirá manter o honroso 3.ºlugar no ranking dos offshores, ou todo o esforço do governo Passos foi inglório? FzD INFLUENTE: Mais um texto de antologia política de A. Barreto. 13.02.2021         orion INFLUENTE O interessante, para já, é Governo fazer o seu trabalho que lhe compete. Que actualize os cadernos eleitores, porque falar numa Lei Eleitoral fia mais fino. Os cadernos eleitores têm muitos mortes e isto é meio caminho andado para a fraude. Adolfo-Dias EXPERIENTE: Espantosa lucidez a de António Barreto. Que nunca lhe doam os dedos de escrever.      viana EXPERIENTE: Ui, tanto medo de partidos que reiteradamente afirmam respeitar a Constituição da República Portuguesa. Estão a mentir?... E se tivessem não há um Tribunal Constitucional? O que António Barreto tem medo não é do que PS aliado com BE e/ou PCP possa fazer de anticonstitucional, pelo contrário! Mais um texto duma Direita desnorteada que uma maioria de portugueses rejeita reiteradamente. Uma Direita que em vez de propor ideias mobilizantes resume-se a tentar meter medo. Bu! O medo, o motor do conservadorismo. E depois ainda tem a lata de dizer que a Esquerda é que é conservadora. Uma Direita que tolera quem queria abertamente mudar a Constituição para diminuir a Democracia. Olhe para o seu lado, António Barreto, e verá os verdadeiros anti-democracia, anti-liberdade, anti-igualdade,        Fowler Fowler INICIANTE: Depois de Marcelo ter afastado a veleidade de um governo de salvação nacional, os cães de guarda da Direita vêm agora especular, em tom presumido e professoral, sobre o futuro próximo do governo minoritário do PS. Recordo aqui que, em 1974, Mário Soares deu murros na mesa em conselho de ministros dos governos provisórios (ver actas), afirmando que não queria um “Estado patrão”. Também podemos lembrar o seu “socialismo em liberdade” no qual a democracia, as liberdades e a identidade nacional tinham lugar. Que eu saiba, desde a experiência da “geringonça” até hoje, o PS nunca deu qualquer sinal no sentido de um dia poder abdicar do seu património político a favor de uma aliança governativa com a esquerda não democrática (BE e PCP). Não é qualquer um que pode dar lições ao PS.         Boris Vian MODERADOR: Carlos do Carmo, que tinha o estatuto de ’compagnon de route’ do PCP, conta que uma dia à conversa com Álvaro Cunhal, este lhe agradeceu a sua participação nos comícios eleitorais do partido. E o fadista respondeu-lhe: “Sabe, Dr. Cunhal, tenho uma grande admiração por si, mas no dia em que tomasse o poder, eu seria o primeiro a emigrar”. joaocardoso INICIANTE: As opções de A. Barreto, o "cientista social" ou o "homem da Reforma Agraria no PREC" sobre as alianças do PS: 1- O centro e a direita social-democrata ou democrata-cristão 2- A esquerda radical, não democrática e revolucionária i.é, o senhor Barreto, do alto da sua cátedra, tem uma grelha. Eu também: A.Barreto é um radical de direita não democrático.           Adolfo-Dias EXPERIENTE: A diferença é que António Barreto tem literalmente uma cátedra. Já o João Cardoso provavelmente não. E a diferença vê-se... é que António Barreto sustenta a a sua opinião em factos e conhecimento histórico. O senhor não. Afirma que ele é um radical de direita, só porque sim...          Pepe iLegal MODERADOR: Tantos indignados com António Barreto por este constatar o óbvio!     carlos.falcao.960803 INICIANTE: mas será que António Barreto ficou congelado na Guerra Fria? Parece que estou a ler um texto escrito em 1980. Ditadura do Proletariado, quando praticamente já não existe o proletariado como era definido pelos marxistas. Será que AB não sabe que o muro de Berlim caiu em 1989, que o neoliberalismo, ou capitalismo popular para uns ou economia de casino para outros estoirou em Wall Street em 2008? Que os programas das direitas e esquerdas mudaram perante os desafios do mundo moderno? Que o maior desafio à democracia liberal está a ser colocado pela nova direita radical, que esteve no poder nos USA, está no Brasil e em países da UE como a Hungria e a Polónia? Será que AB pensa que quem assaltou o Capitólio eram Marxistas?       RUI ESTEVES EXPERIENTE: Falhou a tentativa de golpe de Estado denominada Governo de Salvação Nacional. Grande indignação por o PR preferir o país em paz. A direita que quer a todo o custo deitar a mão ao dinheiro da bazuca que aí vem, está completamente desvairada. Marcelo não é um PR faccioso como Cavaco. Felizmente para o país. Marcelo prometeu ser o presidente de todos os portugueses. Marcelo não quer ser o PR dos que só se sentem bem quando mergulham na piscina do Tio Patinhas. Estão a ver o Ventura das Verdades a dar grandes braçadas na piscina do dinheiro público? Ou o grupelho dos amigos do santinho de Massamá?         Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos Santos INICIANTE: Um artigo que diz tudo sobre o pensamento político de António Barreto e nada sobre a esquerda. Para quem teve uma carreira académica esperava algum cuidado com as generalizações sem argumentos válidos. Não basta afirmar os seus vaticínios como se fosse o oráculo de Delfos, em política e no espaço público isso é pouco ou nada. Enfim, mais um sábio entronizado na sua própria vacuidade.        EduardoD INICIANTE: Ah, sim. Aquela esquerda radical e anti-democrática perigosíssima. Amigo, o PCP há muito tempo que já não é o que era. Preocupe-se mais com certas balelas populistas que incentivam ao ódio, que essas sim, já mataram e interferem nas liberdades individuais das pessoas.     mamaciel INICIANTE: Felizmente temos António Barreto. Tudo o que escreve é de tamanha lucidez, que somente os que sofrem de fanatismo não entendem. Jose MODERADOR: AB não sabe, nunca soube o que é a esquerda. Foi servo de Álvaro Cunhal e não percebeu. Foi servo de Mário Soares e não percebeu. Quis depois ser servo de Sá Carneiro e não serviu. Desiludido foi servir a patrão do Pingo Doce e não se deu bem. É galardoado por Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa dois políticos que vieram do fascismo para a área democrática. Premiado por quem toda a vida fez tudo o que se pode fazer razoavelmente e com decência para imobilizar a sociedade num status quo petrificado. AB não percebeu as acções em que participou nem percebe que as condecorações que recebeu lhe colam ao corpo o servicinho que prestou à Direita Conservadora. Não percebeu que esquerda age para mudar a sociedade e que Direita age para manter, conserva tudo como está para continuar por cima.        joaquim pocinho INICIANTE: Os comunistas e as suas ofensas pessoais sem nunca irem ao assunto. Típico!          Mario Coimbra INFLUENTE: Que redutor José. A esquerda quer mudar a sociedade e a direita conserva-la???? Francamente. E por favor pára de atacar AB pelo fim da Reforma Agrária. Fez e bem o que tinha que ser feito. Já lá vão 50 anos, se não fosse ele tinha sido outra pessoa qualquer.

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