Não vale a pena ofender, todos somos
homenzinhos, afinal, ou mulherzinhas, embora uns mais de bancada do que outros. Por lá e
por cá – houve-os por cá, os Otelos e os Spínolas, que falaram e escreveram,
que utilizaram armas várias para alcançar o poder, como hoje se vê também, especificamente…
Só que naquele tempo, dos Otelos e C.ia, por cá, havia um exército a apoiar os
desmandos escritos e os orais dos capitães, com alguns generais de galões,
estes mais vaidosos do que iracundos, como iracundo fora o sinistro “homenzinho”
alemão. Hoje, de resto, já não há exército que apoiasse os palradores, e tudo o
que resta dele está nas mãos dos vencedores, a que pertence Rui Tavares. Não é necessário recear as vozearias desse
que Tavares compara ao “homenzinho” alemão nos seus primórdios. Não é
necessário ofender. E sobretudo comparar o incomparável – o povo português com
o alemão, está visto. Além de que homenzinhos a perorar pelos cafés, por cá, com
dinamismo acalorado, só mesmo na área dos futebóis. Não, não é preciso recear. Nem
ofender. Todos somos homenzinhos (as mulherzinhas, para já, sem aplicação
visível no caso). Hoje, quem palra mesmo bem, com todos os apoios próprios são os
senhores que detêm o mando, os únicos que contam, afinal, cá por casa.
OPINIÃO
Eles não eram mais estúpidos do que nós
Como hoje, os políticos nacionalistas
passavam a vida a olhar para lá de fronteiras e a inspirar-se em exemplos
estrangeiros.
PÚBLICO; 15 de
Fevereiro de 2021
Faz
este mês cem anos que um homenzinho sem eira nem beira, veterano deslustrado da
I Guerra Mundial e agente infiltrado em movimentos nacionalistas, começou
a ter sucesso como orador nos comícios do Partido Nacional-Socialista do
Trabalhador Alemão, mais tarde conhecido como o partido Nazi. Há registo de, em fevereiro de 1921, Adolf
Hitler ter discursado perante umas seis mil pessoas num desses
comícios e de a partir daí se ter tornado numa figura mais ou menos
imprescindível do partido de que então era somente funcionário a tempo inteiro,
depois de ter sido desmobilizado do exército uns meses antes.
Hoje
1921 parece-nos longínquo, um ano de fotografias a preto-e-branco numa Europa
saída da guerra, mas há maneira de encontrar nessa época uma certa
familiaridade com os dias de hoje. Vivia-se numa época pós-pandémica — a “gripe
espanhola” tinha levado mais de 60 milhões de vidas num planeta que à época
contaria com cerca de mil e quinhentos milhões de humanos — havia uma enorme efervescência e polarização
exacerbada pelos panfletos políticos, os jornais e em breve a rádio, além dos
encontros cara a cara nos cafés e cervejarias da Europa. Havia, além disso, uma
infoesfera globalizada e uma cultura da celebridade que amplificava a
circulação de opiniões, teorias da conspiração e fantasias ideológicas às quais
iam beber os discursos de oportunistas políticos como Adolf
Hitler. Era uma celebridade então o industrialista
Henry Ford, cuja
biografia vendera milhões em todo o mundo, e cujo opúsculo anti-semita “O
Judeu Internacional” contém passagens que Hitler pilhava para mascarar a sua
falta de cultura e que mais à frente plagiaria no seu livro.
Como
hoje, os políticos nacionalistas passavam a vida a olhar
para lá de fronteiras e a inspirar-se em exemplos estrangeiros. Quando Mussolini tomou o poder em Itália com a sua “marcha
sobre Roma” (há uns tempos o deputado de extrema-direita português disse nas
redes sociais que também “teremos a nossa marcha sobre Lisboa”, certamente por
acaso, claro, pura coincidência), Hitler tirou a conclusão errada de que era através de
sublevações e amotinações que se chegava ao poder quando, na verdade, a lição
italiana era que o rei de Itália já estava disposto a entregar o poder a
Mussolini e a marcha sobre Roma fora apenas o pretexto. Mas levado pelo entusiasmo, o já então líder do
NSDAP Adolf Hitler decide tentar a sua sorte naquilo que ficou conhecido como o
Golpe — a palavra alemã é Putsch —
da Cervejaria, em 8 e 9 de
Novembro de 1923. Saídos da Cervejaria Bürgerbräu para depor o governo que
consideravam corrupto e traidor da Baviera, o golpe foi uma farsa de
desorganização e incompetência do princípio ao fim e a carreira de Hitler
poderia e deveria ter acabado ali.
Fará
na próxima semana 97 anos de quando Hitler foi julgado pela sua autoria moral
do golpe e condenado a cinco anos de prisão no dia 24 de fevereiro de 1924.
O
que aconteceu a partir daí constitui ainda hoje uma lição para as democracias.
Em vez de ter sido eliminado da política alemã — de que na altura nem podia ser
candidato, por ser cidadão austríaco — Hitler foi transformado numa
celebridade. Em vez de
ter cumprido os cinco anos de cadeia, Hitler comportou-se como um preso
modelo e estava cá fora antes do fim do ano. Em vez de ter sido entendido como um perigo para
a República, foram-lhe dadas condições ímpares para receber visitas num
excelente alojamento e para ditar o seu livro, que depois se tornaria num
sucesso e faria dele um homem rico. Mal saído da prisão, Hitler visitou o
governador da Baviera e disse-se regenerado, pedindo permissão para voltar a
publicar o jornal do seu partido. A autorização foi-lhe dada.
Este período de 1921 e 1924,
decorrido velozmente numa Europa confusa e convulsa, é essencial para perceber
não tanto o que veio a acontecer depois — a II Guerra
Mundial e o Holocausto, que ainda estavam a mais de década e meia de
distância — mas antes como os regimes democráticos constitucionais se perdem
quando não agem credibilizando os seus valores perante personalidades
autoritárias, oportunistas e desleais que não deixarão de usar a tolerância com
que são tratados para se prepararem melhor para a próxima vez, agirem com mais
astúcia, e não deixarem escapar o poder quando tiverem uma segunda
oportunidade.
Há, porém, um preconceito tolo que
nos diz que podemos fazer comparações com tudo, menos com o caso de Hitler,
pela magnitude do que se passou depois, esquecendo-se quem assim argumenta que
os ensinamentos mais relevantes para nós hoje são, na verdade, os da banalidade
do que se passou no início e como se deixou proceder uma ascensão política que
teria sido fácil impedir em vários momentos. Eles em 1921 não eram mais
estúpidos do que nós. Estupidez é não querermos aprendermos com o que se passou
com eles.
COMENTÁRIOS:
Bom dia, Lisboa! INFLUENTE: Interessantíssimo, o paralelismo implícito entre ontem
e hoje. Isto faz pensar obviamente no "deputado de extrema-direita
português". A questão em cima da mesa talvez pudesse ser a seguinte: como
tolher-lhe a perniciosidade da acção?
DemocrataXXI EXPERIENTE: As semelhanças são arrepiantes, e ontem mesmo, deu- se
mais um passo nessa similaridade, nos EUA
Gil Paulo EXPERIENTE: Penso eu e posso estar errado: o sucesso da personagem
também se ficou a dever ao que foi imposto à Alemanha, em 1918/9 no final da I
GG. Houve um armistício, em consenso dos beligerantes. Uniram-se os aclamados
vencedores, impondo à fragilizada Alemanha a maior 'dívida de guerra' de
sempre. Isto criou o caldo para qualquer populista, e foi o que se sabe. No
final da II GG, o sensato americano Marshall, criou o famoso plano, para que
não se repetisse. Tratar os vencidos sem a mínima dignidade, nega a condição
humana.
Jorge Sm MODERADOR: Sim, falta isso ao bom texto de RT e é uma omissão
importante.
Maria Elisa Morgado INICIANTE: Tal como o Trump se escondeu na Casa Branca a 6 de
Janeiro, o Mussolini estava em Milão, pronto para fugir para a Suíça, durante a
Marcha sobre Roma. A cobardia e a desonestidade é uma característica comum
nesta gente
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