segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Sejamos modestos


Não vale a pena ofender, todos somos homenzinhos, afinal, ou mulherzinhas, embora uns mais de bancada do que outros. Por lá e por cá – houve-os por cá, os Otelos e os Spínolas, que falaram e escreveram, que utilizaram armas várias para alcançar o poder, como hoje se vê também, especificamente… Só que naquele tempo, dos Otelos e C.ia, por cá, havia um exército a apoiar os desmandos escritos e os orais dos capitães, com alguns generais de galões, estes mais vaidosos do que iracundos, como iracundo fora o sinistro “homenzinho” alemão. Hoje, de resto, já não há exército que apoiasse os palradores, e tudo o que resta dele está nas mãos dos vencedores, a que pertence Rui Tavares. Não é necessário recear as vozearias desse que Tavares compara ao “homenzinho” alemão nos seus primórdios. Não é necessário ofender. E sobretudo comparar o incomparável – o povo português com o alemão, está visto. Além de que homenzinhos a perorar pelos cafés, por cá, com dinamismo acalorado, só mesmo na área dos futebóis. Não, não é preciso recear. Nem ofender. Todos somos homenzinhos (as mulherzinhas, para já, sem aplicação visível no caso). Hoje, quem palra mesmo bem, com todos os apoios próprios são os senhores que detêm o mando, os únicos que contam, afinal, cá por casa.

OPINIÃO

Eles não eram mais estúpidos do que nós

Como hoje, os políticos nacionalistas passavam a vida a olhar para lá de fronteiras e a inspirar-se em exemplos estrangeiros.

RUI TAVARES

PÚBLICO; 15 de Fevereiro de 2021

Faz este mês cem anos que um homenzinho sem eira nem beira, veterano deslustrado da I Guerra Mundial e agente infiltrado em movimentos nacionalistas, começou a ter sucesso como orador nos comícios do Partido Nacional-Socialista do Trabalhador Alemão, mais tarde conhecido como o partido Nazi. Há registo de, em fevereiro de 1921, Adolf Hitler ter discursado perante umas seis mil pessoas num desses comícios e de a partir daí se ter tornado numa figura mais ou menos imprescindível do partido de que então era somente funcionário a tempo inteiro, depois de ter sido desmobilizado do exército uns meses antes.

Hoje 1921 parece-nos longínquo, um ano de fotografias a preto-e-branco numa Europa saída da guerra, mas há maneira de encontrar nessa época uma certa familiaridade com os dias de hoje. Vivia-se numa época pós-pandémica — a “gripe espanhola” tinha levado mais de 60 milhões de vidas num planeta que à época contaria com cerca de mil e quinhentos milhões de humanoshavia uma enorme efervescência e polarização exacerbada pelos panfletos políticos, os jornais e em breve a rádio, além dos encontros cara a cara nos cafés e cervejarias da Europa. Havia, além disso, uma infoesfera globalizada e uma cultura da celebridade que amplificava a circulação de opiniões, teorias da conspiração e fantasias ideológicas às quais iam beber os discursos de oportunistas políticos como Adolf Hitler. Era uma celebridade então o industrialista Henry Ford, cuja biografia vendera milhões em todo o mundo, e cujo opúsculo anti-semita “O Judeu Internacional” contém passagens que Hitler pilhava para mascarar a sua falta de cultura e que mais à frente plagiaria no seu livro.

Como hoje, os políticos nacionalistas passavam a vida a olhar para lá de fronteiras e a inspirar-se em exemplos estrangeiros. Quando Mussolini tomou o poder em Itália com a sua “marcha sobre Roma” (há uns tempos o deputado de extrema-direita português disse nas redes sociais que também “teremos a nossa marcha sobre Lisboa”, certamente por acaso, claro, pura coincidência), Hitler tirou a conclusão errada de que era através de sublevações e amotinações que se chegava ao poder quando, na verdade, a lição italiana era que o rei de Itália já estava disposto a entregar o poder a Mussolini e a marcha sobre Roma fora apenas o pretexto. Mas levado pelo entusiasmo, o já então líder do NSDAP Adolf Hitler decide tentar a sua sorte naquilo que ficou conhecido como o Golpe — a palavra alemã é Putschda Cervejaria, em 8 e 9 de Novembro de 1923. Saídos da Cervejaria Bürgerbräu para depor o governo que consideravam corrupto e traidor da Baviera, o golpe foi uma farsa de desorganização e incompetência do princípio ao fim e a carreira de Hitler poderia e deveria ter acabado ali.

Fará na próxima semana 97 anos de quando Hitler foi julgado pela sua autoria moral do golpe e condenado a cinco anos de prisão no dia 24 de fevereiro de 1924.

O que aconteceu a partir daí constitui ainda hoje uma lição para as democracias. Em vez de ter sido eliminado da política alemã — de que na altura nem podia ser candidato, por ser cidadão austríaco — Hitler foi transformado numa celebridade. Em vez de ter cumprido os cinco anos de cadeia, Hitler comportou-se como um preso modelo e estava cá fora antes do fim do ano. Em vez de ter sido entendido como um perigo para a República, foram-lhe dadas condições ímpares para receber visitas num excelente alojamento e para ditar o seu livro, que depois se tornaria num sucesso e faria dele um homem rico. Mal saído da prisão, Hitler visitou o governador da Baviera e disse-se regenerado, pedindo permissão para voltar a publicar o jornal do seu partido. A autorização foi-lhe dada.

Este período de 1921 e 1924, decorrido velozmente numa Europa confusa e convulsa, é essencial para perceber não tanto o que veio a acontecer depois — a II Guerra Mundial e o Holocausto, que ainda estavam a mais de década e meia de distância — mas antes como os regimes democráticos constitucionais se perdem quando não agem credibilizando os seus valores perante personalidades autoritárias, oportunistas e desleais que não deixarão de usar a tolerância com que são tratados para se prepararem melhor para a próxima vez, agirem com mais astúcia, e não deixarem escapar o poder quando tiverem uma segunda oportunidade.

Há, porém, um preconceito tolo que nos diz que podemos fazer comparações com tudo, menos com o caso de Hitler, pela magnitude do que se passou depois, esquecendo-se quem assim argumenta que os ensinamentos mais relevantes para nós hoje são, na verdade, os da banalidade do que se passou no início e como se deixou proceder uma ascensão política que teria sido fácil impedir em vários momentos. Eles em 1921 não eram mais estúpidos do que nós. Estupidez é não querermos aprendermos com o que se passou com eles.

COMENTÁRIOS:

Bom dia, Lisboa! INFLUENTE: Interessantíssimo, o paralelismo implícito entre ontem e hoje. Isto faz pensar obviamente no "deputado de extrema-direita português". A questão em cima da mesa talvez pudesse ser a seguinte: como tolher-lhe a perniciosidade da acção?

DemocrataXXI EXPERIENTE: As semelhanças são arrepiantes, e ontem mesmo, deu- se mais um passo nessa similaridade, nos EUA

Gil Paulo EXPERIENTE: Penso eu e posso estar errado: o sucesso da personagem também se ficou a dever ao que foi imposto à Alemanha, em 1918/9 no final da I GG. Houve um armistício, em consenso dos beligerantes. Uniram-se os aclamados vencedores, impondo à fragilizada Alemanha a maior 'dívida de guerra' de sempre. Isto criou o caldo para qualquer populista, e foi o que se sabe. No final da II GG, o sensato americano Marshall, criou o famoso plano, para que não se repetisse. Tratar os vencidos sem a mínima dignidade, nega a condição humana.

Jorge Sm MODERADOR: Sim, falta isso ao bom texto de RT e é uma omissão importante.

Maria Elisa Morgado INICIANTE: Tal como o Trump se escondeu na Casa Branca a 6 de Janeiro, o Mussolini estava em Milão, pronto para fugir para a Suíça, durante a Marcha sobre Roma. A cobardia e a desonestidade é uma característica comum nesta gente

 

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