sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

VANITAS VANITATUM


Encaixando na singularidade do nosso exibicionismo pretensioso, quando falham o saber e a integridade… Mas temos receio da desistência dos lúcidos… Como NP… Porque contra palavras loucas, poucas existem por cá de orelhas moucas de marca. A degradação, pelo disparate e pela passividade, impõe-se, aqui no sítio, também por conta da ignorância e da geral indiferença, acomodada…

Cultura-Ípsilon

OPINIÃO: Os factos de Marcelo e o fato sem salvação de Santana

O “fato” ortográfico de Santana está há muito no fio – e não há remendo que o salve.

NUNO PACHECO           PÚBLICO, 25 de Fevereiro de 2021

Muito antes de imaginar que viria a ser Presidente da República (feito que bisou), Marcelo Rebelo de Sousa foi conhecido como “criador de factos políticos”, tarefa que desempenhou afincadamente a partir de vários jornais, para gáudio de uns e desespero de outros. Já Pedro Santana Lopes, politicamente formado no mesmo PPD (hoje PSD) que Marcelo, viria a ser conhecido pela criação de um “fato” ortográfico: o acordo assinado na Ajuda em 1990.

E “fato” porquê? Porque foi ele quem escreveu, em 2012: “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa).” Acrescentando, em defesa deste raciocínio: “Mas também ‘caso’ (de Justiça) é igual a ‘caso’ (do verbo casar) e ‘falta’ (no desporto) é igual a ‘falta’ (de carência). E nem vale a pena falar do que os nossos avós tiveram de se habituar, para deixar de escrever ‘pharmácia’, palavra com tantas tradições.” Se fosse ao dicionário, teria milhares de exemplos, tantas são as palavras com dois, três ou mesmo dezenas de significados, no português como noutras línguas.

Mas o que levou Santana a vestir aquele “fato” foi a defesa do acordo ortográfico (AO90) no qual se empenhou. Num artigo publicado em 14/2/2012 no semanário Sol, Santana insurgia-se contra o facto de Vasco Graça Moura “desrespeitar” o AO90 na Fundação das Descobertas: “Não é aceitável”, dizia. E dava exemplos de como se escrevia no século XIX, afirmando que “a língua mudou e a pátria […] não acabou”, numa bizarra confusão entre língua e escrita. Depois puxava lustro aos seus botões, garantindo que foi Cavaco quem lhe entregou a tarefa de “negociar e assinar o Acordo Ortográfico”:A este propósito, Cavaco Silva foi peremptório: em seu entender, o Acordo Ortográfico era essencial para que, no século XXI, o português falado em Portugal não ficasse com um estatuto equivalente ao do latim.” É curioso que nem Cavaco escrevia no dito acordo. Em casa, escrevia “à antiga”. Depois… “traduziam-no”.

Só Cavaco? Não, Santana também continuou a escrever sem vestir o “fato” novo. O seu artigo no Sol, embora publicado em 2012, era escrito na grafia de 1945. E com esta explicação, de incomensurável descaramento: “Eu não escrevo os meus textos com a nova grafia porque ainda não o decidi fazer.” (?!) Fê-lo mais tarde, quando quis puxar as orelhas a Marcelo depois de o ter tentado fazer a Graça Moura. Sob o título “Os Presidentes também erram”, desta vez no Correio da Manhã (3/5/2016), Santana atirava-se a Marcelo por este ter posto em dúvida, numa visita oficial a Moçambique, a utilidade do AO90. E até terminava o artigo com esta gracinha: “Qualquer mudança de posição nesta matéria mereceria uma ponderação, um cuidado e uma sabedoria diplomática exemplares para Portugal não ficar mal na foto... grafia.” Na verdade, por mais “fatos” que experimente, é Santana quem fica sempre mal nesta foto… ortografia.

Primeiro, facto não é igual a “fato”, a não ser na grafia brasileira. Ele próprio o reconhece, na recente carta de despedida do partido que fundou, “A Aliança e eu”, ao escrever quatro vezes “facto” e nenhuma “fato”. Além disso, para quem se bateu também por essa inutilidade que é o AO90, Santana mostra-se nessa mesma carta ignorante das regras do palimpsesto que nos fez engolir: a par de acordismos avulsos (“atuais”, “projeto”, “aspeto”, “exceto”, “redações”), escreve “recta” com C em vez de “reta”; ignora os novos ditames do hífen ao escrever “anti-sistema” e “anti-políticos”; ou mesmo os antigos, escrevendo “cabeça-de-lista”, que não tem hífen em qualquer das normas, à semelhança de “cabeça de cartaz”; e grafa todos os meses citados, e são muitos, com maiúscula (Janeiro, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Dezembro), quando no acordo que se orgulha de ter assinado passaram a ser, claramente, sem maiúscula.

Distracção? Não, ignorância. Três décadas após a assinatura do AO90, nem um seu defensor e arauto como Santana Lopes sabe escrever com ele! E os que pensam que sabem vão escrevendo numa mixórdia de grafias ou até inventando, por excesso de “zelo”, palavras tão lindas como “tenologia”, “ténica”, “abruta”, “compato”, “inteletual”, “nétar”, “adatação”, “corruto”, “oção”, etc., começando até (oh extraordinária evolução!) a transpor para a fala várias das aberrações que escrevem, o que talvez torne realidade o disparate de dizer que “a língua mudou”. O facto é este: o “fato” ortográfico de Santana está há muito no fio – e não há remendo que o salve.

tp.ocilbup@ocehcap.onun

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COMENTÁRIOS:

ipsolorem EXPERIENTE: Eu vejo com muita preocupação o PÚBLICO contemporizar cada vez mais com o acordo ortográfico publicando cada vez mais textos em acordês e permitindo também as invenções aberrantes do Malaca Casteleiro como "robô" (que faz com que robótica seja a disciplica que estuda... "robôs"). O Malaca Casteleiro foi o mais pernicioso destruidor da ortografia e linguística portuguesa de todos os tempos. Já está no outro mundo, enterrem-se as suas perniciosas obras. Livremo-nos desta peçonha e voltemos a ser um país racional e normal!       pg INICIANTE: É de louvar a sua defesa acérrima e insistente da anulação do famigerado AO. As consequências desta inércia dos responsáveis políticos na aprendizagem das crianças e jovens é devastadora. Como é que não há coragem para travar esta barbaridade nas escolas? As editoras são assim tão poderosas que se preferem gerações de analfabetos funcionais?           josé bastos INICIANTE: E não é um facto que o criador do AO se prepara para voltar a vestir um fato de PCM?!...           José Luís EXPERIENTE: Não sabia que a aprovação do desgraçado (des)acordo se ficou a dever ao famigerado Santana Lopes.           Rui Leite de Castro INICIANTE: Leio o Expresso todos dias e já nem noto que ele é escrito com o novo AO. .... Os exemplos que dá de palavras que ninguém escreve como ténica, compato, oção, e outras pérolas, só mostram que já chateia e cheira a mofo a posição dos detratores do acordo. Boa sorte!   chagas_antonio MODERADOR. Não, está errado, Rui Leite de Castro. Hoje, em Portugal, há quem escreva "contato", "infeciologista" e "veredito", tudo formas consideradas erradas pelo AO, mas que à boleia do mesmo começam a ser "consagradas" pelo uso e por posturas como a sua. No Brasil, é pior ainda: escreve-se (mesmo) "amídala", "arimética" e outras coisas que tais. Mas não se preocupe: se não nota, não notou, nem notará quando o AO for revogado. A sua opinião, portanto, conta pouco.António Marques INFLUENTE: De facto nunca se viu que uma língua tivesse formas consagradas pelo uso. E é lamentável que todas as palavras que usamos hoje sejam corruptelas de outras que em tempos foram corretas. O que vale é que o digital, com a sua impossibilidade de variações e de erros, vai conservar os códigos invariáveis para a eternidade...   ipsolorem EXPERIENTE: O expresso foi sempre o paladino das ideias do Malaca Casteleiro e aplicou o aborto ortográfico ainda antes de ser assinado. Aplica em tudo menos em "sector" que continua "sector" porque como em tudo o que diz respeito ao AO, respeita-se só o que nos apetece e o resto não. Não estranho que já não note nada depois de tantos anos de lavagem ao cérebro.            mzeabranches EXPERIENTE: Temos de continuar a denunciar este AO90, cuja inutilidade e nocividade são cada vez mais evidentes. E há que destacar a responsabilidade dos políticos que, desde o início, apadrinharam, em nome de Portugal, esta destruição da nossa língua. E também de todos os que, estando actualmente no exercício do poder, eleitos por todos nós, nos mantêm numa situação linguística e politicamente indefensável e criminosa: «Não faz sentido mexer no Acordo Ortográfico. Eu, por mim, não teria tomado a iniciativa de fazer o Acordo, mas não tomo a iniciativa de o desfazer.» (António Costa, "Quadratura do Círculo", 08/01/2016). E a Assembleia da República o que tem feito, perante os repetidos apelos dos cidadãos? E a recente campanha eleitoral o que fez? Caiu a ditadura e não se mudam os comportamentos?!... Jose Luis Malaquias EXPERIENTE: Nem sabia que tinha sido PSL a negociar essa aberração do AO90. Mas condiz com o fraco valor da personagem.            António Marques INFLUENTE: Às vezes penso que me seria confortável o mundo ser como eu gostava que fosse. Mas já está demonstrado que no conforto a vida morre: é preciso que a água chova e evapore. É o desconforto que nos faz mover e quando o ambiente está demasiado calmo, arranjamos qualquer pormenor que nos indigne e ponha a mexer. É bom para a saúde porque dá sentido ao nosso movimento: a perfeição suprema da divindade ao não criar nada perfeito. O melhor mesmo é termos a convicção de estar do lado certo e o resto do universo ser uma cáfila. Aliás, é sempre possível encontrar uma nódoa exemplar no fato dos que não pensam como nós.         jjjsr INICIANTE: Que "poetaço" !!! Que faria um pobre agricultor se a água que chove se evapore... Tanta conversa ... diga logo que é adepto do "fato", homem... António Marques INFLUENTE: Lapso meu. É óbvio que a água que chove vem do Céu... uma bênção a hidratar a Terra plana.        jjjsr INICIANTE: Marques, não leve a mal, mas tanta erudição a meter água, hidrataria muitas Terras INFLUENTE: Nunca levo a mal uma opinião. Às vezes até aprendo e mudo a minha. Mudo de mudar que ficar mudo é mais complicado. Agora vou regar para outro lado. RosmaninhoINICIANTE: O acordo ortográfico foi uma verdadeira aberração que apenas serviu a uma minoria.            manuel.m2 INICIANTE: Assinou o Reino Unido um acordo ortográfico com os Estados Unidos? Obviamente que não e os Britânicos têm muita honra, (honour, e nao honor), de continuarem a falar e a escrever "The Queen's English". 25.02.2021

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