quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Serenidade


O retrato moral de Esther Mucznik salienta-se em todo o texto seguinte - de resposta a um coronel na reforma - Rodrigo Sousa e Castro, no caso presente - em frases plenas de conteúdo racional e moral, como as seguintes: o passado de cada ser humano, tal como as condecorações, não os torna imunes e intocáveis para a eternidade. São o reconhecimento de um passado, e não um seguro de garantia para o futuro. Este depende do que nós fazemos dele”; “ E sim, senhor coronel, também eu, à minha maneira bem modesta e errando frequentemente nos caminhos, lutei contra a ditadura e pela liberdade. Mas isso, o senhor não sabe, nem precisa de saber. São frases reveladoras de experiência, reflexão, modéstia e honestidade, que bem podiam penetrar no espírito de muitos seres, galardoados ou não, que exploram as suas realizações na vida com demasiado optimismo.

OPINIÃO   Resposta ao coronel Rodrigo Sousa Castro

Pessoalmente felicito-o por se ter retratado, mas desta vez sou eu que me interrogo: e o pensamento que produziu o tweet, também foi apagado?

ESTHER MUCZNIK        PÚBLICO, 17 de Fevereiro de 2021

Na sua resposta ao meu artigo “Há anti-semitismo em Portugal?”, publicado neste jornal no passado dia 11 deste mês, o coronel na reforma, Rodrigo Sousa e Castro, interroga-se longamente sobre as motivações que me levaram a escrever esse artigo, acabando por concluir que se trata de uma espécie de “libelo acusatório” do tipo da “Santa Inquisição” contra a sua pessoa, “ofendendo gravemente o meu carácter e fazendo tábua rasa de toda uma vida de serviço”.

Desta feita seria a minha vez de me ofender com as acusações do senhor coronel. Mas não me ofendem, porque não me atingem. Prefiro explicar-lhe pacientemente que a resposta às suas interrogações não estão em obscuros motivos da minha parte, mas tão-somente nas suas próprias palavras atingindo os judeus de uma forma geral e os “nazi-sionistas” também de uma forma genérica. Pessoalmente felicito-o por se ter retratado, mas desta vez sou eu que me interrogo: e o pensamento que produziu o tweet, também foi apagado?

Também quero esclarecer que não pus nem ponho em causa o seu passado de combatente contra a ditadura e pela liberdade. O que eu disse é precisamente o contrário: é exactamente esse passado que lhe atribui uma responsabilidade perante o presente e que torna mais graves as suas palavras. Contrariamente ao que quer fazer crer, o passado de cada ser humano, tal como as condecorações, não os torna imunes e intocáveis para a eternidade. São o reconhecimento de um passado, e não um seguro de garantia para o futuro. Este depende do que nós fazemos dele. Mas isso, o senhor não sabe, nem precisa de saber

O senhor coronel prefere ir por outro caminho: o de questionar a minha autoridade moral pelo facto de nunca me ter visto “denunciar em tempo da ditadura a ostracização a que foi votado Aristides de Sousa Mendes”.

Não pude deixar de ler isto com um sorriso. Não só não era nascida no tempo em que Sousa Mendes regressou à pátria e não passava de uma criança quando ele morreu, como ao longo da minha vida adulta tenho defendido a sua memória, assim como dos outros “justos” portugueses que salvaram os perseguidos pelo nazismo. E sim, senhor coronel, também eu, à minha maneira bem modesta e errando frequentemente nos caminhos, lutei contra a ditadura e pela liberdade. Mas isso, o senhor não sabe, nem precisa de saber.

Termino, respondendo a mais uma acusação. A de não de “lamentar as injustiças dos actuais dirigentes israelitas contra o povo palestiniano”. Mais uma vez, não tem razão. Sou portuguesa, judia e sionista. Defendo a existência do Estado de Israel e discordo das políticas seguidas pelo seu governo, e não é esta a primeira vez que o digo ou escrevo em público. Mas nunca reconhecerei a autoridade nem a idoneidade de quem quer que seja que se permita utilizar a expressão “nazi-sionista”. Ela revela simplesmente a ignorância do que foi o nazismo e o ódio engendrado por uma total cegueira ideológica.

Estudiosa de temas judaicos

TÓPICOS: OPINIÃO  JUDEUS  ISRAEL  HISTÓRIA  HOLOCAUSTO  LIBERDADE

COMENTÁRIO: DemocrataXXI EXPERIENTE:E muito bem respondido. É a incapacidade em distinguir e isolar, inequivocamente, o horror do holocausto nazi, ao misturá-lo com outras temáticas, que conduz à 'banalização do mal'. E ele está aí, de novo, a bater- nos à porta. Há dias, Rui Tavares, neste mesmo jornal, fez notar do preconceito, em evocarmos o holocausto, como experiência passível de repetição

 

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