sexta-feira, 30 de abril de 2021

A propósito de um discurso


Um texto de uma jovem - Raquel Abecasis - corajoso e moderado, desejando confiar, talvez, numa visão positiva a respeito da História pátria, já consciente da necessidade de a respeitar, contrariando os malefícios de uma esquerda que a desvirtuou, assustadoramente, numa pseudo elegância moral de condenação do fascismo que mais não é que ambição do poder, subjugando e manietando os povos.

 

O discurso do Presidente e a esquerda caviar /premium

Sim, podemos repetir os mesmos erros do passado. Razões mais do que suficientes para dar atenção ao que nos disse o Presidente da República, que é bem conhecido por saber ler os sinais do presente.

RAQUEL ABECASIS

OBSERVADOR, 27 abr 2021

Conhecer a História torna-nos mais aptos para perceber o presente e olhar para o futuro. Conhecer a História prepara-nos para acusar sinais de alerta que a ignorância desvaloriza. Conhecer a História é a arma mais poderosa para não repetir erros do passado. E eles tendem a repetir-se, porque a natureza   humana é a mesma, no passado, no presente e no futuro.

É por tudo isto que o discurso do Presidente da República no 25 de Abril é muito mais do que um bom discurso. O que Marcelo Rebelo de Sousa nos disse é que as grelhas ideológicas do presente não são a chave de leitura para olhar para o passado, algo que deveria ser óbvio, mas que infelizmente, nos tempos que correm, não é.

Coincidência ou não, foi publicado por estes dias o livro que conta a história das FP-25 de Abril. Um capítulo muito negro da nossa história democrática, que o regime tem feito por esquecer. Só que esquecer, ignorar ou desvalorizar, disse-nos o Presidente, não é o caminho para construir um país mais desenvolvido e uma democracia adulta. Temos que olhar para o que fizemos mal e para o que fizemos bem e daí retirar conclusões que nos fortaleçam.

A verdade é que, como em toda a Europa, os extremismos começam a medrar, aproveitando o desgaste das crises e a crise das ideologias que construíram o velho continente no pós-guerra. Partidos de extrema-esquerda e extrema-direita surgem agora com o discurso fresco de quem traz todas as soluções. Mas os métodos e as ideias são os mesmos e os resultados de tão maravilhosas soluções só podem conduzir aos desastrosos resultados do passado. Conhecer a História é, de facto, a chave para não voltar a cair no abismo.

Na mais famosa vila do pós-25 de Abril, Grândola, esconde-se um saudosista desse passado de má memória com que a extrema-esquerda aterrorizou o país na década de 80. José Ramos é militante do Bloco de Esquerda, foi candidato autárquico pelo BE nas eleições de 2017, é um dos amnistiados das FP-25 e passa grande parte do seu tempo a vangloriar-se nas redes sociais da sua actividade terrorista. Chega mesmo a desejar o regresso desses tempos, que considera gloriosos.

Podemos fazer de conta que daqui não vem nenhum perigo e até fingir que acreditamos que o BE já não é um partido extremista. Mas o José Ramos a valorizar os assassinatos da década de 80 em Portugal, quase vinte pessoas, e o Francisco Louçã a desvalorizar os horrores do estalinismo, aproveitando de caminho para ridicularizar quem os denuncia, são sinais que nos deviam fazer soar todas as campainhas.

Não, não é só passado. Sim, tem importância. Sim, podemos repetir os mesmos erros do passado. São razões mais do que suficientes para dar muita atenção ao que nos disse o Presidente da República, que é bem conhecido por saber ler os sinais do presente. Alguma razão ele terá, para ter escolhido este tema para o discurso dos 47 anos do 25 de Abril. E, já agora, aconselho vivamente a leitura de “Presos por um fio – Portugal e as FP-25 de Abril”, para saber do que é capaz esta esquerda caviar.

Receba um alerta sempre que Raquel Abecasis publique um novo artigo.

EXTREMISMO   SOCIEDADE   25 DE ABRIL   PAÍS MARCELO REBELO DE SOUSA    PRESIDENTE DA  REPÚBLICA   POLÍTICA   DEMOCRACIA   HISTÓRIA   CULTURA

 

COMENTÁRIOS

António Duarte: Ao Marcelo aconselho a poetisa Sophia, que se imortalizou com os versos “vemos, ouvimos e Lemos, não podemos ignorar”... Ele poderá ver, ouvir e ler, mas é evidente que ignora a natureza dos políticos que nos governam.      Português indignado: Excelente artigo ! Realmente o Bloco de Esquerda ter militantes que foram membros das FP 25 de Abril e responsáveis por actos terroristas, homicídios, roubos, violência extrema é coisa que não me surpreende....que nojo !!!          Clarisse Seca > Português indignado: E são esses radicais de esquerda que chamam fascistas aos outros? Olhem-se no espelho!. O povo tem fraca memória para votar nesses antidemocráticos, alguns até terroristas, oriundos do  LUAR, braço armado do Partido  Comunista. O Pai das manas Mortágua será um deles?       Pedro Castanheira: Mais uma marcelada... diz uma coisa e o seu contrário... nada de novo nos 'discursos' do marselfie ..     .Alberico Lopes > Pedro Castanheira: : E não é que tem razão quanto ao das selfies?      Antes pelo contrário: Cara Raquel, Conhecer a História é de facto muito importante, e exactamente pelas razões que aponta no início - infelizmente temos aqui mesmo em muitos comentários o exemplo de pessoas que por ignorância, e julgando defender a sua liberdade ou a dos outros, na realidade defendem a destruição de tudo o que já foi alcançado, com muito sangue, suor e lágrimas, pelas gerações que nos antecederam. Pois a sua memória não vai além dos últimos 60 ou 70 anos, os mais mediatizados, e o conhecimento que possam ter do que ficou para trás vem-lhes apenas dessa mediatização, feita nas últimas décadas, que tentou "fixar" a narrativa e condicionar não apenas a sua interpretação, mas igualmente a investigação e qualquer tipo de conhecimento que possa ter implicações políticas. Porém, as implicações científicas, sociais e políticas de maior monta, são aquelas que vão surgir à medida que se abandonarem os registos em papel e que vão desaparecendo sem deixar rasto próprios registos informáticos dos acontecimentos - que ainda por cima estão a ser crescentemente substituídos ou submergidos por notícias falsas, opiniões e propaganda. O futuro, vai ser de ignorantes manipulados pelos mitos que se criaram nos últimos anos e se criam hoje em dia. O discurso do Presidente e a esquerda caviar são o sinal do futuro, ou seja - da decadência. Contra isso é que temos de lutar, se não quisermos ser colonizados por gente ainda mais ignorante do que os que já cá andam.           Carminda Damiao: Excelente artigo.         Manuel Magalhães:  Bom artigo e que sobretudo os nossos jornalistas e suas direcções bem como os membros do PS e alguns do PSD  deveriam ler para realizarem o perigo que estão a fazer correr ao país e à nossa actualmente frágil democracia, andam todos a dizer que o perigo está à direita e não entendem que apenas estão a fazer o jogo dos verdadeiros inimigos das democracia! Quanto à interpretação que faz do discurso de Marcelo, até posso concordar com ela, só que Marcelo, se essa era a sua intenção, deveria explicitar muito mais vezes e deixar-se de ambiguidades como tem feito ao longo das suas decepcionantes presidências, o assunto é demasiado importante para não se ser claro!!!          Antes pelo contrário: "o que nos disse o Presidente da República, que é bem conhecido por saber ler os sinais do presente" Por outras palavras, um catavento populista que só diz aquilo que as pessoas querem ouvir... muda o vento, muda o discurso. É o que acontece quando se fala sempre do presente... Ele devia ter continuado como "comentador" em vez de Presidente. Pois um presidente, tem de saber fazer a ponte entre o passado que é a nossa identidade - para isso é que existe a Constituição que é tarefa do presidente defender - e o futuro que é a nossa continuidade. Quem se deve ocupar do "presente", é o poder executivo. E é por isso que há Orçamentos anuais, contas, eleições e legislaturas. Um catavento não é de qualquer utilidade, pois nem sequer serve de barómetro para prever as tempestades. Só indica de onde sopra o vento... Manuel Ferreira21: Excelente artigo, mais importante para os mais novos. Os mais velhos lembram-se bem dos partidos UDP e PSR elementos estruturantes do BE e dos tempos da ocupação da sede da rua da palma em Lisboa. São um perigo!           Zé da Esquina: Estou plenamente de acordo!             Ana Paiva: em toda a razão! Acresça-se, ainda, a esta actividade terrorista, uma outra actividade terrorista que, embora sem mortos, não deixou de ser muito violenta e acabou com a vida de muitas pessoas honestas, trabalhadoras e competentes: os saneamentos à la Mao.          AL MA: É bom haver quem nos alerte para as atitudes de criminosos , que se vangloriam dos seus crimes. O aue não é aceitável é que esses criminosos integrem partidos ditos democráticos e que sustentam este Governo e o anterior.         Esgoto a céu aberto: Sou da opinião que o termo esquerda caviar está ultrapassado. O BE cresceu, já não é um recém-nascido que tinha de ser tratado com mimos. O caviar associa-se mais à  riqueza de berço do que à riqueza intelectual, todavia, a diferença entre os jurássicos e abrutalhados comunistas dos anos 70/80 da prol de Álvaro Cunhal que tinham engolido uma cassete e os dissidentes neo-comunistas bem falantes de Francisco Louçã dos anos 90, faziam da intelectualidade a principal diferença entes novos e velhos comunistas, o tal caviar. Mas os anos passaram, e apesar da cassete poder ser diferente, a música é a mesma.  Hoje, a pintura das unhas está descascada, a maquilhagem esboroada, as sobrancelhas parecem campos de trigo desgovernados e o musgo cresce em abundância nas orelhas. Já não há nada de caviar. O candidato das FP25 a Grândola é a evidente cunhalização do BE. Ainda tentam - em desespero - dizerem-se social-democratas, mas a foice e o martelo pisca-lhes na testa como um alarme de incêndio.

 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Males de raiz

 

A nobreza puxando dos pergaminhos, desde sempre, com arrogância e desprezo, quantas vezes sem elevação mental nem moral suficientes para o justificar, é bem prova de que o mal vem dos primórdios. A burguesia seguinte, alcandorando-se igualmente em riquezas e vaidades que os Descobrimentos possibilitaram, dificilmente ultrapassou a mediania cultural, que foi nosso apanágio. E a classe letrada que ela favoreceu, educada em mediocridade de valores, deixa-se arrastar por essa vaidade tola de um título que noutros países, há mais tempo letrados e democratizados, será entendido com menos empáfia do que no nosso. Cada um é como cada qual, não se muda assim...

            

PELO TOQUE DA ALVORADA - 10

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 28.04.21

 

DA TITULITE

 

Se «em terra de cegos, quem tem olho é rei», então também na terra dos analfabetos, quem soletra é Doutor sendo que esta «titulite» nacional mais não é do que a vingança republicana à míngua dos da nobreza.

 

Tags: avulsos

 

COMENTÁRIOS

 Anónimo  28.04.2021  12:31: Exactamente

 Adriano Miranda Lima  28.04.2021: Tem toda a razão, Dr. Salles da Fonseca. A ironia não é demasiado cáustica para caracterizar esta "titulite". Não é com a banalização de licenciaturas que se constroem os alicerces para um futuro melhor e mais próspero. As licenciaturas deviam ser o produto de trabalho árduo e cientificamente bem orientado para a aquisição do saber, e deviam ir para além do simples assimilar do conteúdo de sebentas, e isso só se alcança com a posterior continuação do estudo por conta própria em ordem a consolidar e a expandir o saber adquirido. Há dias, alguém dizia-me que actualmente há pessoas licenciadas que em cultura geral pouco mais sabem que as que obtinham o 5º ano do antigo ensino liceal.

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Até onde chegará a luneta?


Uma história a relembrar, de Galileu, evocada por uma entusiástica admiradora da Ciência, Carmen Garcia, que mereceu comentários de apreço ou de discordância. Como exemplo da progressão na ciência astronáutica, e homenagem a esse cientista a quem o arrojo das opiniões científicas tramou, incluo mais descobertas recentes de asteróides especiais, de que se não dá conta, a não ser por via de telescópios que começaram por uma tal luneta de Galileu Galilei

CRÓNICA  :“E ainda assim ela move-se”

Digo muitas vezes que nada neste mundo se assemelha tanto a um milagre como a ciência e acredito mesmo que a esmagadora maioria dos crentes a devia encarar como um dom divino.

CARMEN GARCIA             PÚBLICO, 11 de Abril de 2021to

FOTO: Galileu enfrenta a Inquisição Romana, numa pintura de Cristiano Banti, de 1857

No longínquo ano de 1564, em Itália, nascia um menino chamado Galileu. Os pais, intelectuais em declínio financeiro, cedo perceberam que o seu filho era invulgarmente inteligente e, por isso, estimularam-no a estudar e, mais tarde, a frequentar a universidade. O pai queria que Galileu fosse médico e ele acabou mesmo por se inscrever em Medicina. Mas pouco tempo depois percebeu que aquela não era a sua verdadeira vocação e, afirmando que “o universo está escrito em linguagem matemática”, Galileu mudou de curso. Com os anos, tornou-se um polímata. Provavelmente, um dos maiores de sempre com conhecimentos profundos de astronomia, física, matemática e engenharia. E foi a primeira destas áreas que originou a história que hoje me importa contar.Existem diferentes versões sobre o primeiro contacto de Galileu com uma luneta. De acordo com alguns registos, este contacto aconteceu numa visita ao porto de Veneza. Segundo outros, Galileu nunca tinha visto realmente uma luneta quando, baseado nas descrições de Hans Lippershey, construiu a sua com uma ampliação de até três vezes. Seja como for, sabemos que ao longo dos anos o nosso cientista melhorou as suas criações e chegou a construir telescópios com capacidade de ampliação de até 30 vezes. E foi com eles que observou e registou aquilo que viu nos céus.

Durante a sua vida, Galileu descobriu muitas coisas. O problema é que muitas delas colidiam com a doutrina católica. Vejamos por exemplo a Lua, que, defendia a Igreja, era uma esfera perfeita, a “pérola eterna” que provava como eram imaculados os céus. Galileu, com as suas observações, percebeu que essa perfeição, afinal, não era assim tão grande, uma vez que, pela forma como via “manchas” e desigualdades de luz, teriam forçosamente de existir montanhas.

FOTO: Lua cheia fotografada a partir de Madison, Alabama, EUA, através de um telescópio Celestron 9.25 Schmidt-Cassegrain GREGORY H. REVERA/WIKIMEDIA COMMONS

Já no que toca a Júpiter, é a Galileu que devemos a descoberta dos seus satélites. E sabem o que é que esta descoberta fez? Deu um tiro no porta-aviões de quem argumentava que a Terra tinha forçosamente de estar parada porque, caso se mexesse, perderia a Lua. Afinal, graças ao menino nascido em Pisa, percebeu-se que os planetas poderiam ter satélites a orbitá-los.

Mas, apesar de tudo isto, seria a defesa do modelo heliocêntrico que levaria Galileu ao julgamento pela Inquisição. Uma vez que a Igreja defendia que a Terra era o centro do universo e que tudo girava ao seu redor, a defesa deste modelo por Galileu não foi bem aceite. É possível que Galileu tenha piorado as coisas para si próprio quando publicou o livro Diálogo sobre os dois Principais Sistemas do Mundo que é, basicamente, um diálogo entre três personagens: Sagredo, sem ideia inicial definida, Salviati, heliocentrista, e Simplício, um geocentrista um “bocadinho” limitado. Como seria de esperar, a Igreja não gostou de ver a sua posição defendida por um personagem meio idiota que acaba esmagado em argumentos e Galileu acabou a prestar contas à Santa Inquisição, que, como sabemos, de santa sempre teve muito pouco.

FOTO: Frontispício de Diálogo sobre os dois Principais Sistemas do Mundo, publicado em língua italiana em 1632. Nesta obra Galileu compara o sistema coperniciano com o sistema tradicional ptolemaico

Faz amanhã 388 anos que o pai da ciência moderna começou a ser julgado. E para se livrar da fogueira acabou a abjurar, ajoelhado. Reza a lenda popular, imortalizada em quadros e poemas, que, num acto de rebeldia, depois de ter renunciado à hipótese de a Terra se mover em redor do Sol, Galileu terá dito entredentes “e ainda assim ela move-se”. Mas esta parte, na verdade, parece muito pouco provável. Facto é que uma das mentes mais brilhantes de sempre, renegando a ciência e tudo aquilo em que acreditava, conseguiu livrar-se da fogueira. Mas não se livrou de prisão domiciliária até à sua morte e de ver proibida a reprodução e comercialização de todas as suas obras. A Igreja Católica, pela voz de João Paulo II, só viria a reconhecer formalmente ter errado com Galileu em 1992, 359 anos depois da sentença.

E porque é que escolhi falar sobre Galileu hoje? Porque, atendendo aos tempos que vivemos, creio ser a altura certa para prestar a minha homenagem à ciência. E não me lembrei de melhor forma de fazê-lo do que contar a história do homem que é considerado o pai da sua era moderna.

Todos nós, humanos, devemos muito à ciência, que salvou e continua a salvar milhões e milhões de vidas todos os dias. Vacinas, antibióticos, transplantação de órgãos, stents cardíacos… Eu, por exemplo, devo à ciência a audição do meu filho mais velho, que, sendo surdo profundo bilateral, nunca teria a oportunidade de ouvir o som da chuva se não fosse pelo implante coclear que lhe foi colocado em 2019. Digo muitas vezes que nada neste mundo se assemelha tanto a um milagre como a ciência e acredito mesmo que a esmagadora maioria dos crentes a devia encarar como um dom divino. É uma pena que uns quantos continuem a desconfiar dela e a pôr em causa a validade do seu método e das suas conclusões.

A ciência é bonita. É dinâmica. Reinventa-se. É validável e cheia de luz. Foi a força que destruiu o obscurantismo que condenou Galileu. É a resposta às nossas mais prementes questões. E, acima de tudo isto, é a ciência que, juntamente com o melhor de cada um de nós, nos permite sonhar com um mundo mais equilibrado e justo.

FOTO: Retrato de Galileu Galilei pintado por Justus Sustermans, 1636

Os alimentos transgénicos, por exemplo, que são ainda tão assustadores para algumas pessoas nos países desenvolvidos, são a nossa maior esperança para acabar com a fome nos países pobres. Talvez para nós, europeus, seja questionável a necessidade de criar um milho com genes de cacto que lhe permita sobreviver à seca extrema. Mas na África subsariana, onde os alimentos são escassos e as secas extremas e repetidas, este milho pode fazer toda a diferença. A diferença entre a fome e a saciedade.

É óbvio que a ciência deve obedecer a regras e ser regulada. É óbvio que limites devem ser estabelecidos. A ciência é incrível quando usada para o bem, mas pode ser destrutiva quando usada para o mal. O ponto é que, dentro de limites de aplicação bem definidos, a ciência é quase sempre sinónimo de esperança.

Tinha 12 anos quando a minha mãe me ofereceu o primeiro livro da saga Harry Potter. E aquele mundo de magia sempre me fascinou. Sentia até uma certa inveja dos personagens, confesso. Mas agora, já adulta, percebo que nas nossas escolas ensinamos coisas tão fantásticas como em Hogwarts. Porque a ciência pode não ser tão rápida como a magia, mas os seus resultados são muitas vezes equiparáveis.

Galileu começou a ser julgado no dia 12 de Abril de 1633. E eu tenho a certeza de que, voltasse ele à vida amanhã, dia 12 de Abril de 2021, e iria orgulhar-se de muitas das coisas que encontraria e daquilo que a humanidade foi fazendo com a semente que ele plantou. É que o menino de Pisa foi forçado a abjurar perante um tribunal de dogmas, mas hoje, felizmente, vivemos na luz e na liberdade que o conhecimento científico nos oferece.

E sabem que mais? Queiram ou não, e ainda que muitos o tentem impedir, a ciência é como a Terra de Galileu: move-se. Ainda assim. Sempre.

FOTO:  Esta é talvez a fotografia mais conhecida da Terra. Foi captada a 7 de Dezembro de 1972 por Harrison Schmitt ou por Ron Evans, durante a missão Apollo 17, quando os astronautas se encontravam a caminho da Lua e a 29 mil quilómetros da "bolinha azul"

Enfermeira, autora de A Mãe Imperfeita

TÓPICOS

ÍMPAR  TANTO FAZ NÃO É RESPOSTA  BEM-ESTAR  RELAXAR  ASTRONOMIA  IGREJA CATÓLICA  INQUISIÇÃO

COMENTÁRIOS:

Pepe iLegal MODERADOR: Muito bom texto e depois de tantas provas de sucesso do contributo da ciência para a humanidade, é difícil perceber que haja quem a renegue.      JPR_Kapa INFLUENTE: Um texto muito bom e oportuno, num momento em que a dúvida, para alguns, é transformada em "facto alternativo", um dos ingredientes mais tóxicos que invadiram as nossas sociedades.          viana  EXPERIENTE: Um excelente artigo manchado por considerações que nada têm a ver com ciência. "Os alimentos transgénicos (...) são a nossa maior esperança para acabar com a fome nos países pobres." Uma falsidade completa. Em todos os países e regiões do mundo existem variedades locais adaptadas ao solo e clima, e produção suficiente para alimentar quem nelas habita. Desde que os solos, a água e a mão-de-obra não seja utilizada para produção para exportação para os países ricos, beneficiando apenas as elites locais. Existem técnicas ancestrais capazes de lidar com ciclos climáticos, mas que estão a ser destruídas pela indústria agro-alimentar e seus capatazes. A manipulação genética nada tem a ver com ciência. É apenas uma tecnologia ao serviço dos poderosos para aumentar ainda mais o seu Poder.             Pepe iLegal MODERADOR: Então se não fosse a ciência como fazia um alimento transgénico? Pode não gostar do resultado, mas não pode negar que tem tudo a ver com a ciência. fc43363  INICIANTE: Uma bela imaginação tem o viana... Pena que os estudos científicos discordem dele. Os transgénicos de facto ajudam a combater a fome, já lhe mostrei isso por mais que uma ocasião. Mas como tem que fazer o seu lobby anti-OGM, finge não ver, e fala noutras notícias como se nada tivesse sido refutado no seu argumento. Marca típica de pessoa anti-ciência a mascarar o seu negacionismo puro por cepticismo.          João Rijo  INICIANTE: Não é magia negra de certeza. É mesmo ciência...          L. Mauger INICIANTE: Gostei do muito deste artigo mas não concordo com a sua fé nos alimentos transgénicos para matar a fome nos países pobres. Infelizmente a maioria das plantas transgénicas não é desenvolvida para responder a alteração climática ou aumentar a colheita, é tão somente para ultrapassar os inúmeros problemas causados pelas monoculturas intensivas, e ainda tem a desvantagem de criar dependência dos agricultores que ficam à mercê das empresas fornecedoras das sementes. Acredito mais na agricultura biológica diversificada, com base nas espécies tradicionais da região de plantas e animais. Os javalis africanos têm resistência natural à peste suína e as plantas naturais estão normalmente bem adaptadas às condições climáticas locais. Os cruzamentos de plantas são normalmente suficientes para obter melhorias sem ter de se interferir com o código genético. Os avanços na medicina por outro lado são extremamente importantes para melhorar as condições de vida das populações. Só tenho pena que o mundo da ciência não junte esforços para criar e fabricar uma vacina efectiva contra o paludismo como fez para combater a pandemia de Covid-19.         M Cabral  INICIANTE: Nunca é demais relembrar e chamar a atenção para o que o artigo relembra e chama a atenção. Muito bem, parabéns. Armando Mendonça.203695  INICIANTE: à parte a factualidade conhecida, com a qual concordo, o antagonismo entre o subtítulo e o artigo em si, particularmente no final leva-me a não ter gostado: a ciência é um dom divino? será o mesmo dom divino que permite o aparecimento de vírus e doenças terminais? não me parece que haja nenhum dom divino na ciência, há é muito trabalho de investigação e muita inteligência de quem o faz.          maeimperfeita INICIANTE: O que eu digo é que os crentes a deviam encarar como um dom divino em vez de a antagonizarem. Não digo que o seja ou que seja nisso que creio. Mas acredito que seria a forma mais saudável de a religião lidar com a ciência.     GMA EXPERIENTE: Aplauso!... Pedotecn INICIANTE: Que artigo fantástico Carmem. Parabéns !!          fernando f franco EXPERIENTE: Convenhamos que a história assim contada parece uma fábula contida num frasco de mel. A ciência, não sendo uma saga Harrypottiana parece fugir aos olhos de criança com que Carmen sugere o paraíso na terra. Vivemos em confronto sistémico com a inovação, o que para uns é progresso para outros é pesadelo, desespero e miséria, muita da nossa resiliência provém da esperança de algum génio abrir a caixa de pandora e extrair de lá o gesto milagreiro que nos salvará. Outrora a vaca sagrada, depois a religião, agora a ciência. Não importa que os procedimentos transgénicos estejam a transformar o humano num artigo de luxo, sem falhas e ao gosto do dinheiro, como se prevê com os argumentos do CRISPR, provavelmente seremos todos vacinados contra a "ignorância" e porque não, aboliremos a inteligência.

II - ASTROFÍSICA: ESPAÇO: Novo telescópio protege a Terra de asteróides perigosos

Um novo telescópio da Agência Espacial Europeia, no Chile, começou a funcionar para ajudar a encontrar e identificar pequenos objectos perto da Terra

PÚBLICO 27 de Abril de 2021

FOTO: Novo telescópio no Chile estará atento a qualquer asteróide que possa apresentar riscos para a Terra ESA

É mais um parceiro para participar na tarefa à escala mundial de encontrar e identificar pequenos objectos perto da Terra. O Telescópio de Teste TBT2 (sigla do inglês para Test-Bed Telescope 2) da Agência Espacial Europeia, instalado no Observatório de La Silla do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, começou a funcionar. A trabalhar em conjunto com outro telescópio parceiro colocado no hemisfério Norte, o TBT2estará atento a qualquer asteróide que possa apresentar riscos para a Terra, testando ao mesmo tempo hardware e software que será utilizado numa rede de telescópios futura”, refere um comunicado do ESO.

“Apesar de extremamente raros, os impactos na Terra de asteróides perigosos não são inconcebíveis. Desde há milhares de milhões de anos que a Terra é bombardeada periodicamente por asteróides, tanto grandes como pequenos”, assinala o comunicado do ESO dando como exemplo “evento de meteoros de Cheliabinsk que ocorreu em 2013 e que causou cerca de 1600 feridos”. Apesar de frisar que os objectos maiores são mais fáceis de reconhecer e que as suas órbitas são acompanhadas pelos cientistas, o ESO também refere que, por outro lado, existe “um grande número de objectos mais pequenos ainda por descobrir, que podem causar danos sérios se atingirem uma região povoada da Terra”.

É neste contexto que se apresenta o projeto TBT e a futura rede planeada de telescópios Flyeye. “Uma vez totalmente operacional, esta rede varrerá o céu nocturno em busca de objectos que se movam rapidamente, um avanço significativo na capacidade europeia em descobrir objectos potencialmente perigosos perto da Terra”, concluem.

Citado no comunicado, Ivo Saviane, o gestor de local no Observatório de La Silla do ESO, no Chile, justifica: “Para podermos calcular o risco de objectos do sistema solar potencialmente perigosos, primeiro temos que fazer o censo desses objectos. O projecto TBT é um importante passo nessa direcção”. O projecto é uma colaboração entre o Observatório Europeu do Sul e a Agência Espacial Europeia (ESA). É também, nas palavras de Clemens Heese, cientista da ESA que lidera este trabalho, “um teste para demonstrar as capacidades que são necessárias para detectar e seguir objectos que se encontram próximo da Terra, com o mesmo sistema de telescópios”.

O novo Telescópio de Teste 2, um telescópio da Agência Espacial Europeia, encontra-se instalado no Observatório de La Silla do ESO no Chile. I. SAVIANE/ESO

O telescópio TBT2 de 56 centímetros junta-se agora ao TBT1 – um telescópio idêntico da ESA situado em Cebreros, na Espanha. Juntos formam os primeiros olhos abertos apontados para o céu da rede de telescópios Flyeye, um projecto para rastrear e seguir objectos que se deslocam rapidamente no céu. Há cerca de um ano, a Agência Espacial Europeia já destacava a importância desta rede, que pretende facilitar a detecção automática de asteróides e se vai juntar às observações que são realizadas mais a longo prazo e ao esforço do Centro de Coordenação de Objectos Próximos à Terra (que coordena observações de asteróides). “Um impacto de um asteróide é um desastre natural que poderá ser evitado se o virmos aproximar-se com antecedência”, assinalou Jan Wörner, director-geral da ESA.

A rede Flyeye será completamente robótica: “O software realizará o planeamento das observações em tempo real e, no final do dia, apresentará as posições e outras informações relativas aos objectos detectados.” Assim, este primeiro passo do projecto TBT foi concebido para mostrar que o software e o hardware trabalham como se espera. “O início das observações do TBT2, em La Silla, permite ao sistema de observação operar com a configuração prevista de dois telescópios, atingindo-se assim os objectivos deste projecto,confirma Clemens Heese.

O comunicado adianta ainda que “a instalação e “primeira luz” do TBT2 no Observatório de La Silla, do ESO, foram levadas a cabo sob condições de saúde e segurança muito restritas”. “Os observatórios do ESO interromperam temporariamente as suas operações no ano passado devido à pandemia de covid-19. Entretanto, as observações científicas já recomeçaram, mas com restrições que garantem a segurança e protecção de todas as pessoas a trabalhar nestes locais.”

TÓPICOS: ESPAÇO  CIÊNCIA  ASTRONOMIA  ASTROFÍSICA  PLANETAS  AGÊNCIA ESPACIAL EUROPEIA  ASTERÓIDES

III - Chariklo, o primeiro asteróide com anéis

Até agora, conheciam-se apenas anéis à volta de planetas.

Lusa

PÚBLICO, 27 de Março de 2014

FOTO: Ilustração científica do asteróide Chariklo e os seus anéis ESO/L. CALÇADA/M. KORNMESSER/NICK RISINGER

Trata-se de dois anéis, densos e estreitos, cuja origem poderá estar numa colisão que criou um disco de detritos, segundo um comunicado de imprensa do Observatório Europeu do Sul (ESO), organização intergovernamental europeia de astronomia.

Descobertos a partir de observações em vários locais da América do Sul, incluindo o Observatório de La Silla do ESO, no Chile, os dois anéis estão “bastante confinados”, com três e sete quilómetros de largura, separados entre si “por um espaço vazio de nove quilómetros”.

O Chariklo tem 250 quilómetros de diâmetro e a sua órbita é entre Saturno e Úrano. É o maior membro de uma classe de objectos celestes conhecidos por Centauros, situados naquela região do sistema solar.

Até agora, é o corpo celeste mais pequeno do sistema solar a apresentar anéis em seu redor e o quinto com esta característica, depois dos planetas Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno. É provável que o asteróide tenha também, pelo menos, “um pequeno satélite à espera de ser descoberto”, refere o físico Felipe Braga-Ribas, do Observatório Nacional, tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, e que é o principal autor do artigo científico que descreve estes resultados esta quinta-feira na revista Nature.

Não estávamos à procura de anéis nem pensávamos que pequenos corpos como o Chariklo os poderiam ter, por isso esta descoberta – e a quantidade extraordinária de detalhe deste sistema – foi para nós uma grande surpresa”, assinalou Felipe Braga-Ribas, que liderou a equipa.

Aos anéis de Chariklo, os cientistas os nomes informais de Oiapoque e Chuí, dois rios nos extremos Norte e Sul do Brasil.

TÓPICOS   CIÊNCIA  ASTROFÍSICA  SISTEMA SOLAR  ASTERÓIDES

Imparável

 

Descolemos tambémO progresso oblige. Como a noblesse. O pior, são as reviravoltas. E os tsunamis.

ESPAÇO

Rússia põe em órbita 36 novos satélites para fornecer um novo serviço de internet a partir do espaço em todo o mundo. É o segundo lançamento dos satélites OneWeb neste ano, propriedade do governo britânico que quer ter uma rede de internet global operacional até ao final de 2022, com 650 satélites em órbita

OBSERVADOR, 26 abr 2021

FOTO: O foguete Soyuz-2.1b descolou com sucesso à 1h14, hora de Moscovo, do cosmódromo russo Vostotchny

 

Vostotchny

ROSCOSMOS PRESS SERVICE / HANDOUT/EPA

ROSCOSMOS PRESS SERVICE / HANDOUT/EPA

A Rússia pôs esta segunda-feira em órbita 36 novos satélites do operador britânico Oneweb, que quer fornecer um novo serviço de internet a partir do espaço em todo o mundo.

De acordo com um comunicado da agência espacial russa Roscosmos, o foguete Soyuz-2.1b descolou com sucesso à 1h14, hora de Moscovo (22h14 de domingo em Lisboa), do cosmódromo russo Vostotchny. “Todos os satélites foram colocados com sucesso nas órbitas de destino”, pode ler-se na nota.

Este é o segundo lançamento dos satélites OneWeb este ano, tendo o anterior ocorrido em 25 de março, com 36 engenhos colocados em órbita. Outros lançamentos ocorreram em 2020 e 2019.

A Oneweb, propriedade do governo britânico com o consórcio indiano Bharti Global, quer ter uma rede de internet global operacional até ao final de 2022, com 650 satélites em órbita. Ao abrigo de um contrato com a companhia aeroespacial francesa Arianespace, estão previstos 16 lançamentos da Soyuz entre dezembro de 2020 e o final de 2022 para completar a rede Oneweb.

Este não é o único projecto em curso de fornecimento de internet global a partir do espaço. O multimilionário norte-americano Elon Musk, responsável da empresa espacial SpaceX, já pôs em órbita mil satélites para este fim, com o objetivo de criar a rede Starlink. O fundador da Amazon, Jeff Bezos, tem um projeto semelhante, batizado com nome Kuiper.

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COMENTÁRIOS:

Luke Tree,10-14: ...  Mas pior: 650 satélites, essa One Web? E os outros Países...? Como tristemente eu tenho sempre razão quando gostaria de não ter! Caros Senhores: NADA APRENDERAM A RESPEITO DE RESPEITO PELA NATUREZA. Nada mudou — apenas a casaca. Ainda por aí falando do meio-ambiente, das energias verdes... e do "clima"; enquanto a criar um verdadeiro Inferno na atmosfera Terrestre. O problema é o mesmo das outras poluições anteriores, e é grave — e no entanto somente a ganância conta, sem terem em conta a Terra e os seus seres, que necessita(m) de contenção e inteligência, também em relação a esta nova poluição tecnológica. Agora, enchem desmesuradamente o Espaço de lixo Sem planeamento, sem amor; sem se interrogarem sobre efeitos e consequências Informem-se e vejam como está o espaço em volta da Terra — o "Céu". Os únicos que realmente amam a Natureza e o ser Humano são os mesmos pioneiros equilibrados de sempre, que continuam a ser tão ignorados como sempre foram, e não aqueles que apenas descobriram, actuam no seio de um novo negócio, como é hoje em dia tudo o que tem a ver com o "meio-ambiente". O Céu, ou os Céus, são como os Oceanos, são como as Florestas... são como... a Natureza. Ainda mais sensíveis. Não são Espaço morto e vazio que se pode ocupar indiferentemente com seja o que fôr, explorar e manipular de qualquer maneira. É preciso amor, cuidado, VISÃO, para se FAZER BEM, o que é necessário fazer. E NÃO APENAS A GANÂNCIA de estar à frente com o maior lucro e poder do futuro. ESTAS MODERNAS TECONOLOGIAS AFECTAM A TERRA — E, portanto também ao ser humano — AINDA   MUITO MAIS do que a exploração do óleo, e todas as outras.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Mais lenha


Ao que parece, para nos queimarmos. Um excelente texto de Helena Matos, que mereceu mais de 250 comentários, alguns de reflexões curiosas, e outros o habitual grotesco das suas pretensas ideologias de conveniência. Um mundo a desfazer-se cada vez mais, minado pelos manipuladores do poder, que vão alimentando as idiotias públicas, até ver…

 

Dos cravos à ciclovia /premium

Os cravos já foram. A luta de classes também. A ciclovia lisboeta é o símbolo dos novos tempos: não é usada; dificulta a vida a todos e é imposta por pessoas a quem pagamos carro de serviço.

HELENA MATOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 25 abr 2021

Quantos ciclistas utilizam as ciclovias, em Lisboa? Não estou a referir-me aos fins-de-semana ou aos feriados. Estou a pensar no dia-a-dia. Sim, quantas pessoas vão de bicicleta para o trabalho? Ou fazer compras ao supermercado? Ou ver o pai que está doente?

Lisboa está atravancada por pilaretes que delimitam umas faixas esverdeadas onde, de segunda a sexta, passam algumas pessoas nas suas caminhadas, os distribuidores de take away e de-quando-em -quando um ciclista. Não só porque os ciclistas são poucos mas também porque a maior parte deles se obstina em pedalar nos passeios e no alcatrão. Nas ciclovias é que não.

As ciclovias em Lisboa são  o sinal exterior do poder de uma casta que vive numa bolha,

Uma bolha onde se fala muito de clima mas se faz de conta que em Lisboa os verões não são arrasadores (as alterações climáticas não são para aqui chamadas!): quantos de nós aguentamos pedalar sob a inclemência das temperaturas que se fazem sentir entre Junho e Setembro, na capital?

Uma bolha exclusiva a gente que diz adorar a natureza e depois subestima a topografia da cidade com colinas e mais colinas. Gente que acha que não tem de prestar contas pela forma como gasta o dinheiro público, criando umas estruturas, as ciclovias, que não correspondem a uma necessidade mas sim a um capricho seu. Gente que não considera ser seu dever resolver os problemas reais, como são a falta de parques de estacionamento ou a fraca qualidade dos transportes públicos.

O inquérito que a EMEL leva a cabo junto dos “Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros” para apurar o que lhes desagrada no uso da bicicleta em Lisboa é bem sintomático deste estado de autoritarismo de capricho: porque não interroga a EMEL os “Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros” sobre o que os leva a andar ou não andar de comboio suburbano? Se têm ou não receio de sair na estação da Amadora à noite? Ou sobre os tempos de espera pelos autocarros?

Nada disso interessa à casta. Eles acham que os outros devem andar de bicicleta e como tal esventram a cidade para desenhar nela as ciclovias. Obviamente, elas, as autoridades, continuam a usar automóveis mas, tal como acontece com o confinamento, as autoridades afirmam-se enquanto autoridades  não pelo acerto do que fazem mas sim pelas excepções que se concedem a si mesmas. Ter poder é cada vez mais em Portugal sinónimo de viver num regime de excepções dos regulamentos e normas que se impõem aos outros.

A construção das ciclovias gera neste momento situações grotescas na avenida Almirante Reis, na avenida Lusíada ou junto ao IPO. Neste último caso, entre espaço para táxis e para as bicicletas imaginárias, aos residentes da zona resta-lhes estacionar os seus carros nas varandas das suas casas. Sim, apesar da propaganda, as pessoas continuam a ter automóveis. Porque na vida real das pessoas reais, aquelas que têm de trabalhar, que têm filhos, netos ou pais a cargo, essas pessoas que carregam sacos e saquinhos, que vão a dois ou três sítios antes de chegar a casa, para elas andar de bicicleta não é a primeira opção. E, sublinho, não têm de se sentir culpadas por isso.

Em 2021, os cravos já foram. A luta de classes também. Agora a casta aposta no emergentismo  (somos convocados a salvar o planeta mas não conseguimos tratar dos problemas  do nosso país) nas “identidades”  (a mesma UE que patrocina o inquérito da EMEL dirigido aos Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros falhou com estrondo a aquisição de vacinas para os seus cidadãos) e na propaganda de um sucesso que  cada vez mais tem dificuldade em iludir o sabor a falhanço. A ciclovia lisboeta é um dos símbolos dos novos tempos:  imposta por pessoas a quem pagamos motorista e carro de serviço. não serve a quase ninguém e dificulta a vida a todos.

PS. Chamava-se Stephanie. Tinha 49 anos. Acabava de chegar ao seu local de trabalho: o comissariado de polícia de Rambouillet, uma localidade a 60 quilómetros de Paris. Um homem empunhando uma faca e gritando “Allah Akbar” dirige-se para Stephanie. Faz-lhe dois golpes no pescoço. Ela cai. Morre pouco depois. Aconteceu esta sexta-feira. A partir daí cumpriu-se o guião para este tipo de ataques: o ministro francês do Interior, Gèrald Darmanin, declarou a sua solidariedade às forças policiais que diz defenderem os valores republicanos. Na véspera do atentado que vitimou Stephanie, o mesmo ministro declarara a sua solidariedade republicana para com os bombeiros atacados em Lille quando combatiam as chamas que consumiam uma creche. Anoitecia quando o incêndio deflagrou numa creche localizada num bairro popular daquela cidade francesa. Várias corporações dirigiram-se para o local. Aí chegados os bombeiros foram atacados. A creche ficou parcialmente destruída. O fogo era de origem criminosa.

Note-se que não há semana em que o ministro do Interior francês não se declare consternado e não expresse a sua solidariedade perante as vítimas de agressões, atentados e violências de toda a ordem. Quando há vítimas mortais Macron visita a família dos falecidos. Como é da praxe em França as cerimónias fúnebres decorrem com solenidade e frases barrocas.

Mas voltemos ao guião que invariavelmente acompanha estes casos: rapidamente surgiu a explicação da “perturbação mental”. Não há atentado levado a cabo pelos fundamentalistas islâmicos na Europa em que não apareça a tese da perturbação mental. O rumo da psiquiatria na Europa é de facto um mistério: para se desculparem os terroristas lança-se sobre os doentes mentais um estigma de violência.

Por fim, temos o silêncio e a menorização por parte do mundo das notícias e dos activismos. Ou mais rigorosamente por parte das redacções guionadas pelos activismos.

Onde estão as feministas? E os activistas das causas acontecidas e por acontecer? O assunto não lhes interessa.

Fora de França, a morte de Stephanie, 49 anos, mãe de dois filhos, passou quase incógnita. Já ninguém se diz Stephanie. Há seis meses quando o professor Samuel Paty foi degolado a escassos quilómetros do comissariado onde Stephanie foi assassinada, ainda houve alguma comoção. Depois fez-se por esquecer e quando em Janeiro deste ano, um outro professor veio denunciar o clima de medo  e auto-censura imposto pelos fundamentalistas  naquela zona foi tratado como lunático. Agora foi degolada Stephanie. Mas vamos fazer de conta que não aconteceu nada.

Começámos por ter medo do outro. Agora temos medo da nossa própria sombra.

 

COMENTÁRIOS:

Francisco Albino: Obrigado pelo seu texto, Helena.          Joel Paula: Normalmente adoro esta cronista mas neste caso estou completamente em desacordo. Antes da pandemia, todos os dias fiz o percurso de bicicleta entre o Marquês de Pombal e entrecampos de bicicleta. E o mesmo no regresso. Excepto nos dias em que chovia. Tinha uma assinatura  da Gira, as bicicletas de Lisboa, que são eléctricas. A quantidade de pessoas que usam as ciclovias é tal que muitas vezes havia engarrafamentos e filas na ciclovia. A escriba fala do que não sabe. Se não usa e não quer usar não tem problema. Só não faça dos outros os maus e os parvos.              Liberales Semper Erexitque > Joel Paula: As excepções confirmam a regra. E, se o preço do metropolitano fosse acessível como antigamente era, nem essa excepção possivelmente existiria. Além disso, se vocês pagassem mesmo as "giras" em vez se ser eu e os outros munícipes a pagá-las à força, a coisa mudaria logo de aspecto.          Joel Paula > Liberales Semper Erexitque: As ciclovias entre o Marquês e o campo Grande estão sempre com movimento. Principalmente às horas de ponta. Não é uma excepção - é a regra. Não tem nada que ver com o preço do Metro. É uma questão de escolha.           Sergio Coelho: Excepcional. Cá o burgo mesquinho, pobretanas e mal frequentado continua alegremente a definhar e a tornar-se no "melhor dos melhores" das caudas da Europa e OCDE. Haja futeboladas em todas as tvs, em horário nobre, e jornalecos para entreter os inaptos que elegem nódoas inaptas. Este sitio muito mal frequentado MERECE-SE.        Tiago Maymone: Apoiada de fio a pavio! João Porrete: Sobre os "problemas mentais" que assolam a comunidade islamita francesa, só tenho a dizer que à luz da mentalidade urbana contemporânea fazer o que quer que seja por causa de um ditame divino é de facto uma loucura. Mas não é; é e será a condição humana obedecer a Deus. Por isso é tão importante escolhermos um Deus clemente e compassivo cujo Filho se irmanou no sofrimento com homens e mulheres de todos os tempos. Esse não nos manda matar para conquistar; manda-nos oferecer a face aos que nos agridem; manda-nos anunciar esta boa nova; e proíbe-nos de atirar a primeira pedra a menos que sejamos puros, coisa que no íntimo todos sabemos não ser.              Liberales Semper Erexitque > João Porrete: Jesus é profeta do Islão. Suponho é que o João Porrete não saiba o que é o Islão, e o reduza à sua caricatura, o fundamentalista. Frederico Nunes Nunes > Liberales Semper Erexitque: Segundo o Islão, Moisés, David, Jesus etc etc eram todos islamitas (só que não sabiam). Ainda segundo o Islão, a Segunda Vinda servirá apenas o propósito de "meter ordem na casa" e oficializar de uma vez por todas que toda a gente foi, é e será islamita (até à noite dos tempos)... A chamada presunção e água benta...         João Porrete: É a mania de acharem que sabem o que é melhor para os outros. Mencionam umas coisas vagas nas campanhas eleitorais e depois ocupam 25% das vias públicas com ciclovias para 1% dos que se deslocam para o trabalho.         joão Teixeira: Casta que vive numa bolha. In a nutshel          Alguidar de Henares: Brilhante como sempre mas perante um povo adormecido e apático que se deixou totalmente subjugar por uma bando de políticos corruptos dúvido que o texto tenha algum efeito.          Frederico Nunes Nunes: Há alguns anos os ciclistas foram brindados com algumas leis específicas, que lhes outorgaram um capital de importância para que não estavam preparados, e embandeiraram em arco. Subitamente descobriram que eram gente e que leis eram feitas a pensar neles... É óbvio que uma juventude que já percebeu que jamais atingirá o nível de conforto e estabilidade dos seus pais, que por mais que trabalhe nunca passará da cepa torta na escala social, essa juventude agarrou-se com unhas e dentes à hipótese ciclística quase como única forma de expressão de que dispõe, utilizando-a para exercer o direito de vingança sobre os mais velhos, que culpam pela sua falta de horizontes.               Liberales Semper Erexitque > Frederico Nunes Nunes: Passa por aí, sim. O tolo há anos julgava-se o maior ao volante do carrito, agora julga-se o maior sentado no selim. Continua, no entanto, sendo apenas o tolo. A lei? Não é para ele, ora essa! Adriano Marques > Frederico Nunes Nunes: O seu post é muito pertinente. Permita-me apenas acrescentar uma nova dimensão. Estas ciclovias não caíram do céu. São o resultado de acordos internacionais nos quais o mundo ocidental se compromete a reduzir as suas emissões poluentes. O problema é que não existe da parte dos países em vias de desenvolvimento e da China qualquer interesse em cumprir. As consequências serão catastróficas uma vez que as nossas indústrias serão deslocalizadas, o desemprego aumentará, o custo de vida tornar-se-á cada vez mais elevado por efeito dos custo energéticos associados a energias renováveis significativamente mais caras e menos eficientes. Ou seja as novas gerações não vão ser apenas mais pobres que os pais, vão ser também mais pobres que um chinês ou indianos de classe média.         Frederico Nunes Nunes > Adriano Marques: Salvar-se-há a qualidade de vida, ao menos?... Viver numa metrópole chinesa sob uma redoma de fumo espesso não será muito bom negócio, em troca de experimentar alguma riqueza. Liberales Semper Erexitque  > Frederico Nunes Nunes: Não se baralhe, os chinocas queimam carvão à Pai Adão, enquanto fazem propaganda "verde" e facturam, claro, equipamentos para energias "verdes". Duarte Lisboa: Mais que ciclovias, o que é preciso é que as bicicletas não sejam roubadas. Mesmo com bons cadeados são roubadas das garagens, interiores de prédios, pátios, ruas, etc. a qualquer hora do dia ou da noite. Há marcação cerrada aonde elas estão, ou às voltas que as pessoas dão e são roubadas com todo à vontade, serrando cadeados com rebarbadoras a bateria. Só por isto, as ciclovias não têm futuro. Não há orçamento familiar que aguente tanta compra de bicicletas.        Liberales Semper Erexitque > Duarte Lisboa: Alá é grande! E eu até dou um prémio ao ladrão que a roube quando abusivamente parada num passeio, dificultando a passagem dos peões. Idem para qualquer outro veículo. Ana Rebelo > Duarte Lisboa: Estou consigo, também já fui roubada. O problema é que uma bicicleta eléctrica é cara. E se não for eléctrica não se sobe a av Infante Santo. Medina quis fazer disto Amsterdão, Copenhaga ou qualquer coisa parecida,  mas isso não se faz por decreto!  Essas cidades cresceram e desenvolveram-se na cultura da bicicleta. E são planas.       Ricardo Ferreira: É uma pena que jornais que pretendem ser de referência continuem a dar voz ao preconceito e à ignorância. A autora fala do número de utilizadores das ciclovias, sem conhecer esse número e, mais importante, o crescimento exponencial do mesmo que tem acompanhado as melhorias na infraestrutura. Fala das colinas de Lisboa e ignora que cerca de 70% das ruas da cidade têm declives suaves, inferiores a 5%. E fala do calor numa cidade onde as temperaturas raramente vão acima dos 35º, e quase sempre varrida por uma agradável brisa. Nunca ouvi falar de alguém morrer de calor por andar de bicicleta, mas no mundo inteiro morrem crianças e animais dentro de carros... Este tipo de “opinião” não é só lamentável, é nojenta!

Luís Marques > Ricardo Ferreira: Nojenta será a sua mente.

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