Sem a razão não existe justificação para
a existência, ou não, de fé. Não me refiro, naturalmente, às pessoas criadas
dentro dos princípios da fé, que nunca os puseram em dúvida, porque lhes foram incutidos
quer pela tradição familiar, quer pelo imperativo do padre, que transmite os
princípios bíblicos como verdades absolutas, e ai de quem os ponha em dúvida. Mas
o mundo com Deus e com almas é bem mais feliz, na expectativa simplista de
retomarmos os que amámos…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 31.03.21
Desta
vez, dedico-me a matéria de grande elevação e recorro a pensadores que me
merecem todo o respeito.
Começo
por colocar a tónica na formação racionalista como fundamental para a tomada
de consciência e para o reconhecimento dos limites da liberdade, ou da
autenticidade do sentido de democracia.
Cito
Karl Popper a págs. 32
da sua autobiografia intelectual, «BUSCA INACABADA» (edição ESFERA DO CAOS, 1ª edição, Fevereiro de
2008) em que ele afirma que “a teologia (...) é devida à falta de fé”, conceito com que concordo plenamente pois quem
tem fé não precisa de explicações e a quem a não tem, pode não haver
explicações que bastem. Foi para estes últimos que a Teologia
foi edificada.
Compreendo
perfeitamente que D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, faça
prevalecer o “espiritualismo apoiado nos valores transcendentais”
precisamente por ser homem de fé; eu não sou Cardeal.
Mas
a Igreja há muito que se fez evoluir por caminhos complementares ao da fé com
vista à ultrapassagem de erros históricos (os episódios de Galileu e de Darwin)
e de resposta a movimentos políticos e sociais tão significativos como a
Revolução Francesa e o cenário social da revolução industrial. Não era mais possível manter a
nostalgia duma cristandade assente apenas no poder da fé; havia que atrair os
adeptos da razão, atracção que não repudio liminarmente.
Foi
também nesta senda complementar à da fé que se reuniu em Roma nos anos de
1869-70 o Concílio Vaticano I que foi abruptamente interrompido com a invasão
do que restava dos Estados Papais pelas forças de Garibaldi. Contudo,
tiveram ainda os Padres conciliares tempo para aprovarem um documento de tal
modo importante que obteve a classificação mais elevada dos produzidos pela
Igreja, uma Constituição. Mais: obteve a classificação de Constituição
Dogmática. Recebeu o título Dei Filius a partir das
primeiras palavras do seu texto “O Filho de Deus e redentor...”
A
ideia central e fundamental do documento diz que há duas possibilidades de
conhecimento: a razão natural e
a fé divina. Mais diz que estas duas ordens do conhecimento são
distintas não só no seu princípio como também no seu objecto, onde fica claro
que sem fé a razão não consegue alcançar os mistérios escondidos de Deus e
“jamais poderá haver verdadeira desarmonia entre a fé e a razão porque o mesmo
Deus que revela os mistérios e comunica a fé, também colocou no espírito humano
a luz da razão”.
E
foi por caminhos assim que a Igreja evoluiu... e o Papa João Paulo II pediu desculpas pelo erro cometido contra Galileu
referindo em 1998 na sua encíclica Fides et Ratio que “O homem encontra-se num caminho de busca
humanamente infindável”.
Concluindo,
regresso a Karl Popper quando ele
afirma que na sucessão contínua de tentativa-erro-correcção-tentativa-erro-correcção-tentativa... do método científico, a verdade é um ponto no infinito. Como muito provavelmente terá dito Santo
Anselmo na formulação das premissas
racionais que levaram à construção do seu argumento ontológico e antecederam a
publicação do seu Prologion, “Haja Deus!”
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA: Nuno Santos – Fé e Razão, um mútuo reconhecimento
desde o Concílio Vaticano I – Dei Filius, BROTÉRIA, Fevereiro de 2013, pág. 125
e seg.
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filosofia
Henrique Salles da
Fonseca 01.04.2021: Sim: a Fé consiste em
adesão de vida. É uma dádiva que carece de cultivo. Obrigado pela investigação
e partilha! Elias Quadros
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