sexta-feira, 2 de abril de 2021

O certo é que


Sem a razão não existe justificação para a existência, ou não, de fé. Não me refiro, naturalmente, às pessoas criadas dentro dos princípios da fé, que nunca os puseram em dúvida, porque lhes foram incutidos quer pela tradição familiar, quer pelo imperativo do padre, que transmite os princípios bíblicos como verdades absolutas, e ai de quem os ponha em dúvida. Mas o mundo com Deus e com almas é bem mais feliz, na expectativa simplista de retomarmos os que amámos…

A FÉ E A RAZÃO

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  31.03.21

Desta vez, dedico-me a matéria de grande elevação e recorro a pensadores que me merecem todo o respeito.

Começo por colocar a tónica na formação racionalista como fundamental para a tomada de consciência e para o reconhecimento dos limites da liberdade, ou da autenticidade do sentido de democracia.

Cito Karl Popper a págs. 32 da sua autobiografia intelectual, «BUSCA INACABADA» (edição ESFERA DO CAOS, 1ª edição, Fevereiro de 2008) em que ele afirma que “a teologia (...) é devida à falta de fé”, conceito com que concordo plenamente pois quem tem fé não precisa de explicações e a quem a não tem, pode não haver explicações que bastem. Foi para estes últimos que a Teologia foi edificada.

Compreendo perfeitamente que D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, faça prevalecer o “espiritualismo apoiado nos valores transcendentais” precisamente por ser homem de fé; eu não sou Cardeal.

Mas a Igreja há muito que se fez evoluir por caminhos complementares ao da fé com vista à ultrapassagem de erros históricos (os episódios de Galileu e de Darwin) e de resposta a movimentos políticos e sociais tão significativos como a Revolução Francesa e o cenário social da revolução industrial. Não era mais possível manter a nostalgia duma cristandade assente apenas no poder da fé; havia que atrair os adeptos da razão, atracção que não repudio liminarmente.

Foi também nesta senda complementar à da fé que se reuniu em Roma nos anos de 1869-70 o Concílio Vaticano I que foi abruptamente interrompido com a invasão do que restava dos Estados Papais pelas forças de Garibaldi. Contudo, tiveram ainda os Padres conciliares tempo para aprovarem um documento de tal modo importante que obteve a classificação mais elevada dos produzidos pela Igreja, uma Constituição. Mais: obteve a classificação de Constituição Dogmática. Recebeu o título Dei Filius a partir das primeiras palavras do seu texto “O Filho de Deus e redentor...”

A ideia central e fundamental do documento diz que há duas possibilidades de conhecimento: a razão natural e a fé divina. Mais diz que estas duas ordens do conhecimento são distintas não só no seu princípio como também no seu objecto, onde fica claro que sem fé a razão não consegue alcançar os mistérios escondidos de Deus e “jamais poderá haver verdadeira desarmonia entre a fé e a razão porque o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé, também colocou no espírito humano a luz da razão”.

E foi por caminhos assim que a Igreja evoluiu... e o Papa João Paulo II pediu desculpas pelo erro cometido contra Galileu referindo em 1998 na sua encíclica Fides et Ratio que “O homem encontra-se num caminho de busca humanamente infindável”.

Concluindo, regresso a Karl Popper quando ele afirma que na sucessão contínua de tentativa-erro-correcção-tentativa-erro-correcção-tentativa... do método científico, a verdade é um ponto no infinito. Como muito provavelmente terá dito Santo Anselmo na formulação das premissas racionais que levaram à construção do seu argumento ontológico e antecederam a publicação do seu Prologion, “Haja Deus!”

Henrique Salles da Fonseca

 BIBLIOGRAFIA: Nuno Santos – Fé e Razão, um mútuo reconhecimento desde o Concílio Vaticano I – Dei Filius, BROTÉRIA, Fevereiro de 2013, pág. 125 e seg.

 Tags:: filosofia

 COMENTÁRIOS

  Henrique Salles da Fonseca  01.04.2021:  Sim: a Fé consiste em adesão de vida. É uma dádiva que carece de cultivo. Obrigado pela investigação e partilha! Elias Quadros

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