Poderia ser símbolo de um país resistente
A todos os golpes
da sorte…ou do azar…
Nós morreremos,
mas a oliveira frondosa,
Bifurcada que seja
e até maltratada
Salva in extremis por gente capaz
Permanecerá protegendo
a nação impotente,
Sombra clemente
Por saecula saeculorum mantendo esperança
Por saecula saeculorum continuando vivaz…
Belas imagens que o
Público publica,
Numa república que
se diz das bananas
Mas de azeitonas e
azeite afinal
Para exportar, como
sempre,
E assim nos salvar,
eficaz…
Como se pôs uma oliveira contemporânea
dos faraós a puxar por uma terra ribatejana
Um monumento vivo com 3354 anos chegou
aos nossos dias, deixando em aberto uma questão pertinente: por quanto tempo
mais terá condições para viver uma das árvores mais velhas do mundo.
PÚBLICO, 25 de Abril de 2021,
A oliveira do Mouchão esperou mais de três mil anos para que os humanos se
apercebessem da sua idade. José Luís Louzada, investigador
auxiliar com agregação do departamento florestal na Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro (UTAD), que patenteou, em 2008, um método de
datação das oliveiras antigas, recorre a uma frase adequada a árvores tão
vetustas: “Arrisco-me a dizer que as oliveiras como a de Mouchão são quase
eternas”. E, no
entanto, este exemplar que já completou 3354 anos em
2021 escapou por um triz a um abate que chegou a estar anunciado e por
estes dias ainda enfrentou uma ameaça química.
Esta árvore foi salva de ser reduzida a lenha in extremis. André Luiz Lopes, administrador da Ourogal, empresa
com sede em Abrantes e que se dedica à produção de azeite proveniente de
variedades tradicionais portuguesas, algumas das quais com mais de 2000 anos,
descreveu ao PÚBLICO o seu espanto quando, em 2017, um amigo o levou a um
olival antigo que já foi conhecido por Mata de Alfanzira, na povoação de
Cascalhos, freguesia de Mouriscas. Ali permaneciam em bom
estado vegetativo dezenas de árvores milenares e, entre elas, a oliveira do Mouchão.
E
foi sobre este exemplar que o amigo lhe pediu uma opinião: “Você, que é
agrónomo, diga lá se esta oliveira não tem 300 anos?...” Luíz Lopes olhou
perplexo para o exemplar de caule contorcido e ressequido, com um enorme buraco
no caule – uma oliveira com mais de 150 anos já não tem o seu núcleo central –
mas com a copa ainda verdejante, e fez um comentário marcado pela surpresa: “Com
500 anos tenho-as na minha propriedade e cabem três no diâmetro desta”. Nunca
tinha visto uma árvore assim. E, no entanto, o seu abate já fora várias vezes
anunciado. Garantia umas boas carradas de lenha.
O empresário encarou a velha oliveira
como um testemunho vivo de um património natural em risco de desaparecer, mas
que poderia ajudar a promover o azeite de Abrantes. “Fazia todo o
sentido, aquela oliveira, levar a região atrás. Era o seu ADN.” Em zona de minifúndio, o olival centenário e milenar
representa um suporte importante para os pequenos agricultores cujas courelas
não são economicamente sustentáveis. “Pretendíamos um pouco de marketing que
seria bom para a Ourogal e importante para promover o concelho de Abrantes”,
relata Luiz Lopes.
E é a partir daqui que se desenrola a história que levou ao
conhecimento público a existência da oliveira do Mouchão, através de um
percurso que viria a revelar-se “bastante complicado”.
Superar obstáculos
“Actuámos
mesmo a tempo, pois havia muita vontade de a transformar em lenha”, recorda
o administrador da Ourogal. Evitou-se
o seu abate, mas faltava superar os obstáculos que dificultavam a recuperação
da oliveira.
Em
primeiro lugar, teria de se apurar a idade da árvore. O empresário, que já
conhecia a existência de uma fórmula para obter a datação das oliveiras antigas,
chegou “à fala com o professor da UTAD José Louzada para fazer a datação da
oliveira. Que concluiu:
“Esta árvore apresentava, em 2016, um perímetro-base de
11,2 metros, um perímetro à altura do peito de 6,5 metros e uma altura de
tronco até às primeiras pernadas de 3,2 metros, tendo-lhe sido estimada uma
idade de 3350 anos”. E o respectivo certificado comprovativo foi
atribuído.
Superado
o primeiro obstáculo, surge outra dificuldade: importava saber quem era
o dono da oliveira. E aqui o
imbróglio adensa-se.
Recuando ao século XVIII, na tradição local, qualquer pessoa podia
adquirir uma oliveira na courela de outros ou, então, os donos das terras
cediam o exemplar mais bonito à Igreja para fornecer azeite que era utilizado
nos lampadários. Em
troca, o pároco rezava umas missas pelos defuntos da família. Hoje esta prática
já não existe, mas, quando Luiz Lopes procurou saber a quem pertencia a secular
oliveira, deparou-se com uma situação imprevista: a árvore
encontrava-se, precisamente, na linha divisória entre duas courelas, abrangia
dois proprietários e pertencia a uma terceira pessoa, que a herdou do pai que a
tinha adquirido não se sabe quando.
A Ourogal fez um
acordo de cavalheiros com os dois proprietários das courelas e a empresa passou
a patrocinar a preservação da oliveira milenar. Paralelamente, comprometeu-se com Fernando Matos, o
proprietário de uma das courelas, a fazer-lhe a entrega de 500 litros de
azeite. O compromisso previa ainda o tratamento da terra e o transplante de
meia dúzia de oliveiras.
Teresa Abreu e Francisco
Fernandes, proprietários da outra exploração,
pediram o transplante de 50 oliveiras e a construção de um muro. Por sua vez, a
árvore pertence a Ermelinda Marques, de 95 anos, que recebeu da Ourogal a
garantia de que a árvore seria protegida.
O
passo seguinte era a classificação da oliveira como exemplar de
Interesse Público. “Contactei
o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas nesse sentido e fui
informado que tinha de estar destacada num círculo com 50 metros de diâmetro”,
refere o administrador da empresa.
Aconchegar com terra
O estado deplorável em que a árvore
se encontrava exigia uma intervenção urgente, “senão podia perder-se”, recorda ao PÚBLICO António Cordeiro, Investigador no Instituto Nacional de Investigação
Agrária e Veterinária (INIAV), que coordenou os trabalhos. É que, em décadas anteriores, foram
retiradas terras de barro em redor da oliveira para utilização na indústria
cerâmica, deixando expostas as primeiras raízes e levando ao definhamento da
árvore. Foi necessário construir um murete de protecção em redor da árvore com
o diâmetro da copa, aconchegá-la com terra e podá-la.
As oliveiras milenares precisam sempre
de imensos cuidados. O
exemplar do Mouchão, como
todos os que têm milhares de anos, é, na sua génese, um zambujeiro (Olea
europaea var. sylvestris). São
oliveiras-bravas que foram enxertadas com a variedade portuguesa, a galega. Mas
com a falta de manutenção, a árvore acabou por retomar a sua condição inicial
de zambujeiro.
No
último Verão, o investigador do INIAV deslocou-se a Cascalhos para observar a
árvore e reparou “que
esta tinha reagido bem ao tratamento feito, sobretudo na copa e na protecção
radicular, que deram estabilidade à planta.”
O local onde se encontra a oliveira do Mouchão passou a receber
turistas das mais variadas partes do mundo para observar a árvore que produz
azeite desde o tempo dos faraós.
O
investigador da UTAD explicou ao PÚBLICO, em Fevereiro de 2017, o segredo da
longevidade das oliveiras milenares, salvaguardando um aspecto essencial: “Quando se diz que uma oliveira
tem 2000 anos, é óbvio que não há nenhuma célula com 2000 anos. À medida que a
parte mais velha vai morrendo, a árvore rejuvenesce e emite novos rebentos que
mantêm a árvore viva e de uma forma quase infinita.” Se não ocorrer nenhum
processo anormal à árvore, “esta poderia ter uma vida quase eterna.”
Isso se os riscos se
mantiverem controlados. Mas, há cerca
de um mês e meio, uma pessoa amiga alertou o administrador da Ourogal: “Venha
ver a oliveira!” Luiz Lopes não perdeu tempo. “E, para espanto meu, vejo uma
desfolhação na árvore. Pensei que faltassem micronutrientes, mas afinal houve alguém
que colocou herbicida (glifosato) que terá chegado às raízes. A oliveira não morreu, mas levou uma valente
bofetada!...”, refere Luíz Lopes.
O
PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao presidente da Junta de Freguesia de
Mourisca, Pedro Matos, entidade que detém a propriedade, a posse e os direitos
sobre a árvore, sobre o que terá provocado a situação anómala na oliveira. O
autarca alegou que “em certas alturas a árvore altera a folhagem”,
classificando este processo como “normal”. E sublinhou que a junta de freguesia
não pode fazer intervenções na oliveira sem autorização do ICNF.
O
PÚBLICO questionou esta última entidade sobre as causas que estarão a provocar
o desfolhamento da oliveira, mas não obteve resposta.
É um dado adquirido que as oliveiras (Olea europaea L.) chegaram
por mar ao território que é hoje Portugal “trazidas por fenícios, gregos e
cartagineses”, explicou ao
PÚBLICO José Gouveia, professor no Instituto Superior de Agronomia
(ISA), acrescentando que estes povos
mercadores estabeleceram-se inicialmente “na foz dos rios Tejo, Sado e
Guadiana”, portas de entrada para o interior das regiões hoje Alentejo e
Ribatejo. Para a região Centro do país, o rio Mondego foi a via de comunicação
escolhida.
Foi
assim que Lisboa e Santarém receberam a influência civilizacional dos povos
vindos da orla mediterrânica. “Não foi por acaso que o Castelo de S. Jorge
chegou a estar rodeado por um extenso olival e que na margem sul do Tejo existe
uma terra chamada Azeitão”, observou o docente.
A
informação que recolheu na leitura dos forais da época aponta que o olival
terá chegado ao Alentejo no reinado de D. João I. “Recentemente, observei
oliveiras muito antigas no concelho do Alvito, a norte do distrito de Beja, que
terão sido para ali transportadas através do rio Sado.”
Foi
a partir do zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris), que
os gregos transformaram em porta-enxerto, que a propagação da oliveira ocorreu.
Também as aves que se alimentavam de azeitona tiveram um papel determinante na
disseminação desta planta de características arbustivas pelo território com
clima mediterrânico.
O
professor do ISA, baseando-se nas obras do poeta romano Virgílio, admite que os
fenícios terão transportado oliveiras, “árvores de grandes canseiras”, para a
Península Ibérica, pormenor que indicia o transplante de exemplares já
constituídos com alguma dimensão.
António
Cordeiro, Investigador no Instituto Nacional de Investigação Agrária e
Veterinária (INIAV), avançou ao PÚBLICO que a oliveira também se reproduziu
através de semente (regeneração), tal como se propagou por enxertia ou estaca.
Ao
longo de milénios, o homem foi seleccionando as árvores que se destacavam
dentro de um determinado ambiente rural. No mundo olivícola actual, “há mais de
3000 variedades, mas as que se plantam para a produção são mais
reduzidas, cerca de uma centena”, explica o investigador, dando conta de que
existem 172 variedades portuguesas.
André
Luíz Lopes, administrador da Ourogal, confirmou ao PÚBLICO que produz azeite de
oliveiras centenárias e milenares, a partir da variedade galega e do
zambujeiro, mas o volume obtido “é residual”. São os
coleccionadores que mais interesse revelam pelo azeite do tempo dos
faraós, mas, do ponto de vista organoléptico, “não se pode dizer que seja
superior ao azeite das outras variedades”, conclui o empresário.
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DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
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