segunda-feira, 26 de abril de 2021

Oliveira eterna


Poderia ser símbolo de um país resistente

A todos os golpes da sorte…ou do azar…

Nós morreremos, mas a oliveira frondosa,

Bifurcada que seja e até maltratada

Salva in extremis por gente capaz

Permanecerá protegendo a nação impotente,

Sombra clemente

Por saecula saeculorum  mantendo esperança

Por saecula saeculorum continuando vivaz…

Belas imagens que o Público publica,

Numa república que se diz das bananas

Mas de azeitonas e azeite afinal

Para exportar, como sempre,

E assim nos salvar, eficaz…

 

AMBIENTE

Como se pôs uma oliveira contemporânea dos faraós a puxar por uma terra ribatejana

Um monumento vivo com 3354 anos chegou aos nossos dias, deixando em aberto uma questão pertinente: por quanto tempo mais terá condições para viver uma das árvores mais velhas do mundo.

CARLOS DIAS

PÚBLICO, 25 de Abril de 2021,

A oliveira do Mouchão esperou mais de três mil anos para que os humanos se apercebessem da sua idade. José Luís Louzada, investigador auxiliar com agregação do departamento florestal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que patenteou, em 2008, um método de datação das oliveiras antigas, recorre a uma frase adequada a árvores tão vetustas: “Arrisco-me a dizer que as oliveiras como a de Mouchão são quase eternas”. E, no entanto, este exemplar que já completou 3354 anos em 2021 escapou por um triz a um abate que chegou a estar anunciado e por estes dias ainda enfrentou uma ameaça química.

Esta árvore foi salva de ser reduzida a lenha in extremis. André Luiz Lopes, administrador da Ourogal, empresa com sede em Abrantes e que se dedica à produção de azeite proveniente de variedades tradicionais portuguesas, algumas das quais com mais de 2000 anos, descreveu ao PÚBLICO o seu espanto quando, em 2017, um amigo o levou a um olival antigo que já foi conhecido por Mata de Alfanzira, na povoação de Cascalhos, freguesia de Mouriscas. Ali permaneciam em bom estado vegetativo dezenas de árvores milenares e, entre elas, a oliveira do Mouchão. 

E foi sobre este exemplar que o amigo lhe pediu uma opinião: “Você, que é agrónomo, diga lá se esta oliveira não tem 300 anos?...” Luíz Lopes olhou perplexo para o exemplar de caule contorcido e ressequido, com um enorme buraco no caule – uma oliveira com mais de 150 anos já não tem o seu núcleo central – mas com a copa ainda verdejante, e fez um comentário marcado pela surpresa: “Com 500 anos tenho-as na minha propriedade e cabem três no diâmetro desta”. Nunca tinha visto uma árvore assim. E, no entanto, o seu abate já fora várias vezes anunciado. Garantia umas boas carradas de lenha.

O empresário encarou a velha oliveira como um testemunho vivo de um património natural em risco de desaparecer, mas que poderia ajudar a promover o azeite de Abrantes. “Fazia todo o sentido, aquela oliveira, levar a região atrás. Era o seu ADN.” Em zona de minifúndio, o olival centenário e milenar representa um suporte importante para os pequenos agricultores cujas courelas não são economicamente sustentáveis. “Pretendíamos um pouco de marketing que seria bom para a Ourogal e importante para promover o concelho de Abrantes”, relata Luiz Lopes.

E é a partir daqui que se desenrola a história que levou ao conhecimento público a existência da oliveira do Mouchão, através de um percurso que viria a revelar-se “bastante complicado”.

Superar obstáculos

Actuámos mesmo a tempo, pois havia muita vontade de a transformar em lenha”, recorda o administrador da Ourogal. Evitou-se o seu abate, mas faltava superar os obstáculos que dificultavam a recuperação da oliveira.

Em primeiro lugar, teria de se apurar a idade da árvore. O empresário, que já conhecia a existência de uma fórmula para obter a datação das oliveiras antigas, chegou “à fala com o professor da UTAD José Louzada para fazer a datação da oliveira. Que concluiu: “Esta árvore apresentava, em 2016, um perímetro-base de 11,2 metros, um perímetro à altura do peito de 6,5 metros e uma altura de tronco até às primeiras pernadas de 3,2 metros, tendo-lhe sido estimada uma idade de 3350 anos”. E o respectivo certificado comprovativo foi atribuído.

Superado o primeiro obstáculo, surge outra dificuldade: importava saber quem era o dono da oliveira. E aqui o imbróglio adensa-se.

Recuando ao século XVIII, na tradição local, qualquer pessoa podia adquirir uma oliveira na courela de outros ou, então, os donos das terras cediam o exemplar mais bonito à Igreja para fornecer azeite que era utilizado nos lampadários. Em troca, o pároco rezava umas missas pelos defuntos da família. Hoje esta prática já não existe, mas, quando Luiz Lopes procurou saber a quem pertencia a secular oliveira, deparou-se com uma situação imprevista: a árvore encontrava-se, precisamente, na linha divisória entre duas courelas, abrangia dois proprietários e pertencia a uma terceira pessoa, que a herdou do pai que a tinha adquirido não se sabe quando.

A Ourogal fez um acordo de cavalheiros com os dois proprietários das courelas e a empresa passou a patrocinar a preservação da oliveira milenar. Paralelamente, comprometeu-se com Fernando Matos, o proprietário de uma das courelas, a fazer-lhe a entrega de 500 litros de azeite. O compromisso previa ainda o tratamento da terra e o transplante de meia dúzia de oliveiras.

Teresa Abreu e Francisco Fernandes, proprietários da outra exploração, pediram o transplante de 50 oliveiras e a construção de um muro. Por sua vez, a árvore pertence a Ermelinda Marques, de 95 anos, que recebeu da Ourogal a garantia de que a árvore seria protegida.

O passo seguinte era a classificação da oliveira como exemplar de Interesse Público. “Contactei o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas nesse sentido e fui informado que tinha de estar destacada num círculo com 50 metros de diâmetro”, refere o administrador da empresa.

Aconchegar com terra

O estado deplorável em que a árvore se encontrava exigia uma intervenção urgente, “senão podia perder-se”, recorda ao PÚBLICO António Cordeiro, Investigador no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que coordenou os trabalhos. É que, em décadas anteriores, foram retiradas terras de barro em redor da oliveira para utilização na indústria cerâmica, deixando expostas as primeiras raízes e levando ao definhamento da árvore. Foi necessário construir um murete de protecção em redor da árvore com o diâmetro da copa, aconchegá-la com terra e podá-la.

As oliveiras milenares precisam sempre de imensos cuidados. O exemplar do Mouchão, como todos os que têm milhares de anos, é, na sua génese, um zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris). São oliveiras-bravas que foram enxertadas com a variedade portuguesa, a galega. Mas com a falta de manutenção, a árvore acabou por retomar a sua condição inicial de zambujeiro.

No último Verão, o investigador do INIAV deslocou-se a Cascalhos para observar a árvore e reparouque esta tinha reagido bem ao tratamento feito, sobretudo na copa e na protecção radicular, que deram estabilidade à planta.”

O local onde se encontra a oliveira do Mouchão passou a receber turistas das mais variadas partes do mundo para observar a árvore que produz azeite desde o tempo dos faraós.

O investigador da UTAD explicou ao PÚBLICO, em Fevereiro de 2017, o segredo da longevidade das oliveiras milenares, salvaguardando um aspecto essencial“Quando se diz que uma oliveira tem 2000 anos, é óbvio que não há nenhuma célula com 2000 anos. À medida que a parte mais velha vai morrendo, a árvore rejuvenesce e emite novos rebentos que mantêm a árvore viva e de uma forma quase infinita.” Se não ocorrer nenhum processo anormal à árvore, “esta poderia ter uma vida quase eterna.”

Isso se os riscos se mantiverem controlados. Mas, há cerca de um mês e meio, uma pessoa amiga alertou o administrador da Ourogal: “Venha ver a oliveira!” Luiz Lopes não perdeu tempo. “E, para espanto meu, vejo uma desfolhação na árvore. Pensei que faltassem micronutrientes, mas afinal houve alguém que colocou herbicida (glifosato) que terá chegado às raízes. A oliveira não morreu, mas levou uma valente bofetada!...”, refere Luíz Lopes.

O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao presidente da Junta de Freguesia de Mourisca, Pedro Matos, entidade que detém a propriedade, a posse e os direitos sobre a árvore, sobre o que terá provocado a situação anómala na oliveira. O autarca alegou que “em certas alturas a árvore altera a folhagem”, classificando este processo como “normal”. E sublinhou que a junta de freguesia não pode fazer intervenções na oliveira sem autorização do ICNF.

O PÚBLICO questionou esta última entidade sobre as causas que estarão a provocar o desfolhamento da oliveira, mas não obteve resposta.

É um dado adquirido que as oliveiras (Olea europaea L.) chegaram por mar ao território que é hoje Portugal “trazidas por fenícios, gregos e cartagineses”, explicou ao PÚBLICO José Gouveia, professor no Instituto Superior de Agronomia (ISA), acrescentando que estes povos mercadores estabeleceram-se inicialmente “na foz dos rios Tejo, Sado e Guadiana”, portas de entrada para o interior das regiões hoje Alentejo e Ribatejo. Para a região Centro do país, o rio Mondego foi a via de comunicação escolhida.

Foi assim que Lisboa e Santarém receberam a influência civilizacional dos povos vindos da orla mediterrânica. “Não foi por acaso que o Castelo de S. Jorge chegou a estar rodeado por um extenso olival e que na margem sul do Tejo existe uma terra chamada Azeitão”, observou o docente.

A informação que recolheu na leitura dos forais da época aponta que o olival terá chegado ao Alentejo no reinado de D. João I. “Recentemente, observei oliveiras muito antigas no concelho do Alvito, a norte do distrito de Beja, que terão sido para ali transportadas através do rio Sado.”

Foi a partir do zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris), que os gregos transformaram em porta-enxerto, que a propagação da oliveira ocorreu. Também as aves que se alimentavam de azeitona tiveram um papel determinante na disseminação desta planta de características arbustivas pelo território com clima mediterrânico.

O professor do ISA, baseando-se nas obras do poeta romano Virgílio, admite que os fenícios terão transportado oliveiras, “árvores de grandes canseiras”, para a Península Ibérica, pormenor que indicia o transplante de exemplares já constituídos com alguma dimensão.

António Cordeiro, Investigador no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), avançou ao PÚBLICO que a oliveira também se reproduziu através de semente (regeneração), tal como se propagou por enxertia ou estaca.

Ao longo de milénios, o homem foi seleccionando as árvores que se destacavam dentro de um determinado ambiente rural. No mundo olivícola actual, “há mais de 3000 variedades, mas as que se plantam para a produção são mais reduzidas, cerca de uma centena”, explica o investigador, dando conta de que existem 172 variedades portuguesas.

André Luíz Lopes, administrador da Ourogal, confirmou ao PÚBLICO que produz azeite de oliveiras centenárias e milenares, a partir da variedade galega e do zambujeiro, mas o volume obtido “é residual”. São os coleccionadores que mais interesse revelam pelo azeite do tempo dos faraós, mas, do ponto de vista organoléptico, “não se pode dizer que seja superior ao azeite das outras variedades”, conclui o empresário.

tp.ocilbup@arohamitlu

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