terça-feira, 20 de abril de 2021

Falta de elasticidade


Nos procedimentos teóricos, que tudo emperram e retardam, em nome da convenção, limitando, por vezes, uma prática de trabalho mais honestamente activa e eficiente, sendo, quanto a mim, um verdadeiro cancro social. É o caso, por exemplo, do que se passa na Educação: Nunca, como depois do 25 de Abril, os professores tiveram tanta papelada – monocórdica, megalómana e as mais das vezes inútil e falsa – a preencher, bla bla bla esgotante e castrador, que pretendendo ser mais controlador e rigoroso, na realidade, pela perda massacrante de tempo, é obstáculo a uma formação científica docente mais apurada, com reflexos, certamente, sobre a formação discente. Mas é apenas um exemplo desta “burrocracia” que, alastrando, vai empatando, numa prática atulhadora de vazio, impeditiva de um real desenvolvimento nos vários níveis trabalho, para o progresso real de uma nação.

Os rezingões da vida /premium

O problema da burocracia não é a burocracia. É o mau uso que se faz dela. E a forma como, amiúde, é vista, como o “lado A” da corrupção.

EDUARDO SÁ

OBSERVADOR, 18 abr 2021

É claro que há sempre um formulário. Um código de conduta. Uma avaliação de desempenho. Um protocolo. Uma prova concursal. Um provedor do cliente. Um livro de reclamações. Um questionário de qualidade. Uma curva normal. Um manual de boas práticas. Ou uma comissão técnica. E mil coisas mais que fazem da burocracia uma rede de procedimentos criada para que o mundo se torne mais transparente. E, por inerência, mais justo; claro. Mas, depois, fica-nos a sensação que nem sempre estes instrumentos estarão, todos eles, aliados com a verdade. E que este ideal burocrático talvez nem sempre bata tão certo assim. Porque, doutro modo, não haveria tantas pessoas a reclamar pela humanização (da saúde), pela equidade (na justiça) ou pela transparência (na política), por exemplo. Ou seja, nem sempre a burocracia parece ter-se tornado o “atalho” mais seguro para se chegar até à honestidade e à justiça. E para que o mundo se torne mais humano.

Mas, nem por isso, a vida parece ser inseparável daquilo que é burocrático. A ponto de ela ser pontuada por uma nova categoria de pessoas — os burocratas — que se tomam como “os donos da verdade”. Que parecem ter os mesmos trejeitos. Que adoram as reuniões intermináveis. Que, muitas vezes, falam para se ouvirem. Que confundem clarividência com populismo. E que olham para quem não burocratiza a vida, em todos os seus pormenores, como se essas pessoas fossem, sobretudo, “habilidosas”. O que faz com que elas estejam, quase permanentemente, sob um sufrágio (severo) por “mau comportamento”. Como se os “bem-comportados” fossem aqueles que aceitam as “regras da burocracia”, sem as questionar. (E esses se tomassem como os mais “honestos” entre os mais honestos.) E os “inadaptados” aqueles que entendem que os formatos esdrúxulos dos procedimentos burocráticos são, em muitos momentos,  obstáculos feitos de meias-verdades que parecem alimentar uma atmosfera com que se corrompe, muitas vezes, a verdade. “Arredondando-a”. Que faz com que as coisas, tal como as vemos e como as sentimos, por vezes, “não existam”, exactamente como elas nos tocam.

Seja como for, os exageros ou as mentiras da burocracia serão o exemplo das “más práticas” dum instrumento que nasceu para trazer paridade e honestidade ao mundo das pessoas. E que se ancora numa ideia de justiça. Logo, o problema da burocracia não é a burocracia. É o mau uso que se faz dela. E a forma como, amiúde, é vista, como o “lado A” da corrupção.

A verdade é que aqueles que transfiguraram um ideal de honestidade e de justiça numa rede de procedimentos que espartilham a liberdade e a verdade fazem parte duma categoria de pessoas que não nasceu com a burocracia; existiu desde sempre. Que se dissemina pela política, pela educação, pela justiça, por exemplo. E que são uma espécie de “rezingões da vida”. Que entendem que o mundo das pessoas carece de espartilhos. De unicidade. E de “bom comportamento”. Os “rezingões da vida” incomodam-se com a vida! Com a pluralidade e com o contraditório. Com as pessoas que acreditam. Com aquelas que se desassossegam. Ou com as que batalham, que se insurgem e que reclamam. Ou, ainda, com aquelas que, com a sua luz, pensam e interpelam. E, talvez por isso, os “rezingões da vida” se dêem mal com a cultura. Com a educação. Com a justiça. E com a liberdade, claro.

Como pode um mundo, tantas vezes afundado em ideias pré-fabricadas de bom comportamento, ser a casa comum de todas as pessoas? — será esse o desafio que temos em mãos. E como pode, em nome da inteligência e do bom senso, ter um rosto humano? E uma dimensão de equilíbrio para com a verdade que a todos nos una? E como pode, enfim, ser mais justo e mais honesto?

O mundo que inventou a burocracia (e que, em muitos momentos, se atolou nela) não seria, em muitos momentos, diferente do nosso. Era um mundo que se queria a si próprio mais justo. Mais honesto. E transparente. E que, mesmo com outras limitações, não se intimidou nem com os “donos da verdade”. Nem com os obstáculos feitos de meias-verdades que parecem alimentar uma atmosfera com que se corrompe, muitas vezes, a verdade. O mundo que não aprende com os seus erros não é o mundo da burocracia. É um mundo esdrúxulo feito de “rezingões da vida”. Que perdem a noção de perspectiva. E que entendem que o seu olhar é uma verdade tão inatacável que não carece de contraditório para ser verdade.

ESTADO   POLÍTICA   CORRUPÇÃO   JUSTIÇA

COMENTÁRIOS

Francisco Tavares de Almeida

A necessidade de administração pública preenche-se com funcionários, que em tempo foram chamados servidores públicos. Burocratas são já uma classe corporativa que coloca os seus interesse acima dos do público - ou dos cidadãos - que devia servir. Uma das mais naturais (no sentido de previsíveis) evoluções para quem serve interesses de grupo é começar a privilegiar o "seu" grupo; é o nepotismo. O estádio seguinte é passar a servir-se a si próprio; é a corrupção. O autor não tem razão quando diz que a burocracia era originariamente boa; isso era o serviço público. A burocracia nasceu má, evoluiu para muito má e culminou péssima.

bento guerra: A velha "cunha" não é do seu tempo?

josé maria: Burocracia e ajustes directos potenciam a corrupção. É aí que reside o ovo da serpente...

NOTAS DA INTERNET

Burocracia

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

De acordo com a sociologia das organizações, a burocracia é uma organização ou estrutura organizativa caracterizada por regras e procedimentos explícitos e regularizados, divisão de responsabilidades e especialização do trabalho, hierarquia e relações impessoaisEm princípio, o termo pode referir-se a qualquer tipo de organização - empresas privadas, públicas, sociais, com ou sem fins lucrativos.

Popularmente, o termo é também usado com sentido pejorativo, significando uma administração com muitas divisões, regras, controles e procedimentos redundantes e desnecessários ao funcionamento do sistema, veja por exemplo, em red tape.

Etimologia

O termo grego antigo πυρρόςtranslit. purrós ("cor de fogo") deu origem à palavra latina burrus ("marrom avermelhado"),  da qual se originou, em latim vulgar, o termo bura(m), que designa um pano grosseiro de lã de cor marrom avermelhado, que, em francês, era chamado burel. Esse tecido (geralmente pardo, marrom ou preto), usado para confeccionar a vestimenta dos monges e penitentes, era também empregado para forrar a superfície sobre o qual se faziam contas e passou a designar a própria mesa de trabalho. O termo acabou por se estender às escrivaninhas das repartições públicas. Daí deriva a palavra bureau, que inicialmente se referia às mesas de trabalho cobertas com esse tecido e, posteriormente, por sinédoque, passou a designar todo o escritório.

A um negociante e funcionário do governo francês do século XVIIIJacques Claude Marie Vincent, Seigneur de Gournay (1712-1759economista), atribui-se a criação do termo bureaucratie, por volta de 1740. O termo se aplicava a todas as repartições públicas e tinha um sentido bem crítico e irônico. Embora Gournay não tenha deixado registro escrito da palavra, isso foi feito em uma carta de seu contemporâneo, o enciclopedista Barão von Grimm:

O falecido M. de Gournay (...) costumava dizer: "Temos […] uma doença que faz muitos estragos; essa doença se chama buromania. Às vezes ele se referia a isso como uma quarta ou quinta forma de governo, com o nome de burocracia."

Assim, "burocracia" é um termo híbrido, composto pelo francês, bureau (escritório) e pelo grego, krátos (poder ou regra), significando uma forma de dominação exercida por funcionários de escritórios.

O Modelo de Max Weber

De acordo com Max Weber, os atributos da burocracia moderna incluem a impessoalidade, a concentração dos meios da administração, um efeito de nivelamento entre as diferenças sociais e econômicas e a execução de um sistema da autoridade que é praticamente indestrutível.

A análise weberiana da burocracia relaciona-se a:

As razões históricas e administrativas para o processo da burocratização (especialmente na civilização ocidental);

O impacto do domínio da lei no funcionamento de organizações burocráticas;

A orientação pessoal típica e a posição ocupacional dos oficiais burocráticos como um grupo de status;

Os atributos e as consequências mais importantes da burocracia na organização burocrática no mundo moderno.

Princípios da Burocracia

Uma organização burocrática é governada por sete princípios:

O negócio oficial é conduzido em uma base contínua de conhecimento empírico;

O negócio oficial é conduzido estritamente de acordo com as seguintes regras:

O dever de cada funcionário ao fazer certo tipo de trabalho é delimitado em termos de critérios impessoais;

O funcionário tem a autoridade necessária para realizar suas funções tal como definidas;

Os meios de coerção à sua disposição são estritamente limitados e seu uso é estritamente definido.

A responsabilidade e autoridade de cada funcionário são partes de uma hierarquia de autoridade vertical, com respectivos direitos de supervisão e apelação;

Os funcionários não são proprietários dos recursos necessários para desempenho das funções a eles atribuídas mas são responsáveis pelo uso desses recursos;

renda e os negócios privados são rigorosamente separados da renda e negócios oficiais;

escritório não pode ser apropriado pelo seu encarregado (herdado, vendido, etc.);

negócio oficial é conduzido na base de documentos escritos.

Um funcionário burocrático:

é pessoalmente livre e nomeado para sua posição com base na sua habilitação para o cargo;

exercita a autoridade delegada a ele de acordo com regras impessoais, e sua lealdade é relacionada à execução fiel de seus deveres oficiais;

sua nomeação e a designação de seu local de trabalho dependem de suas qualificações técnicas;

seu trabalho administrativo é uma ocupação de tempo integral;

seu trabalho é recompensado por um salário regular e a perspectiva de avanço em uma carreira por toda a vida.

Um funcionário deve exercitar seu julgamento e suas habilidades, colocando-os, porém, a serviço de uma autoridade mais elevada. Em última instância, é responsável somente pela execução imparcial de tarefas atribuídas e deve sacrificar seu julgamento, caso esteja em conflito com seus deveres oficiais.

 

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