segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Conversas de sala


Com sabor a borrasca.

Do blog de LUÍS SOARES DE OLIVEIRA

I -  24 de fevereiro às 15:15:

LSO: Fanfarronice do PM Costa: «temos uma força militar preparada para intervir no terreno em cinco dias». Esquece que Putin terá um míssil preparado para atingir Lisboa em menos de cinco minutos. Basta-lhe carregar no botão.

Maria Eduarda: Porque não se cala, Costa???? No mínimo ridículo.


II - 25/2/22:

LSO: E esta, eihn!

As acções dos EUA revertem grandes perdas à medida que os investidores navegam pela invasão da Ucrânia pela Rússia.  · 

Henrique Borges: Mal ou bem, a finança acha que isto é trigo limpo para o Putin e que o glorioso Ocidente não passa de uma borboleta com voz grossa.

Luis Soares de Oliveira: Henrique Borges esta gente da finança tem uma outra maneira de ver as cousas.

Ricardo Nuno:  Sr embaixador , não existiu aqui demasiado aventureirismo do presidente ucraniano? Uma Ucrânia militarizada e alinhada com a Nato seria sempre uma provocação inaceitável. A Finlândia passou esse teste com distinção.

III - Luis Soares de Oliveira: Por qualquer razão que desconheço o Mar Negro tornou-se mais importante para a Rússia do que o Báltico.

Maria João Correia: Luis Soares de Oliveira mais perto da nova rota da seda?!

Luis Soares de Oliveira: Maria João Correia, é que o Mar Negro é navegável todo o ano enquanto o Báltico só o é no tempo quente.

Isabel Themudo Gallego: Luis Soares de Oliveira, Totally agree!!

IV – 27/2/22

(Falta a imagem, com sinalizações amontoadas)

27/2/22:

LSO: Esta das ordens do presidente ukraniano para trocar o nome das ruas para confundir o invasor parece a guerra do Solnado mas não é. Quando fiz o serviço militar em Cavalaria 7 fizemos sob o comando do coronel Helder Martins - glória do hipismo nacional - um exercício de barrar um suposto inimigo que teria desembarcado no Guincho. À entrada de Alcabideche colocaram um jovem aspirante encarregado de dirigir por sinais o trânsito da coluna motorizada. A . O aspirante tinha bebido uns copos e enganou-se na sinalização. Estabeleceu uma tal confusão que obrigou a cancelar o exercício. (O suposto inimigo aproveitou para tomar uma banhoca no Guincho).

Henrique Borges: Se não existisse, este Zelensky teria de ser inventado. Mas infelizmente é um dos grandes responsáveis pela situação em que se encontra a Ucrânia. Cocainómano também, segundo boas fontes (não russas).

A tonelagem

 

Do ouro ou da inércia conservadora – a par do dinamismo da imperícia, na doce paz da ignorância com que se foi apanhado na surpresa de uma revolução traiçoeira – lá no sul, ontem, como cá hoje, esta em povos do nordeste europeu, que isto de traição se faz sem nos darmos conta, num repente inesperado, ontem como hoje, sejam os povos mais letrados – caso dos da traição de hoje, a nós alheia  – ou menos letrados, como os da traição de ontem, toda nossa. O mesmo traço comum, é o da idêntica fonte motriz, na sua origem, sem tanto dispêndio, por cá, contudo, de forças opositoras a demonstrar coragem e amor pátrio, como é o caso dos povos de hoje, de um heroísmo de admirável calibre, bem diverso do nosso, desprovido de ideal, embora acolhedor dos compatriotas chutados daquele tal espaço que julgavam seu, que Henrique Salles da Fonseca escolhera para se fixar, também crente na sua continuidade…

REFLEXÃO COLONIAL - 4

O peso do almirantado

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 27.02.22

O espírito desenvolvimentista que se vivia em Moçambique durante a minha comissão de serviço militar fez com que, uma vez passado à disponibilidade em Lisboa, me metesse num avião de regresso à Lourenço Marques (hoje, Maputo), já como civil.

E foi lá do fundo do mapa do Império que vi como a «evolução» do Professor Marcelo Caetano ia sendo torpedeada pela «continuidade» do Almirante Américo Tomás e seus apoiantes, o «Almirantado».

Numa primeira observação, levei a crédito as já referidas 800 toneladas de oiro e a débito uma tonelagem de inércia ultra conservadora que não consegui quantificar.

Mas – e lá vem o tal «mas» que nos baralha os parâmetros - em 1972 o oiro foi (internacionalmente) desmonetarizado, ou seja, deixou de servir para saldar contas entre Bancos Centrais passando a ser um activo em mercado livre (privado) controlado por relativamente poucos «especialistas» que não brincam em serviço. Quer isto dizer que ao primeiro sinal de que um banco pretende comprar oiro, a cotação sobe à estratosfera e ao primeiro sinal de que um banco quer vender oiro, a cotação desce às profundezas infernais. Daqui resultou que as tais reservas de oiro serviam para muito menos do que poderíamos imaginar e menos ainda do que poderíamos desejar. Portanto, mais valendo tê-lo do que não tê-lo, havia que encontrar soluções de viabilização do modelo económico sem chegarmos a insolvências e, se tal acontecesse mais uma vez, não contássemos com essa «pesada herança» amarela[1].

E se com o oiro as habilidades não seriam muitas, com o «deadweight» do Almirantado, a inércia faria esticar o reboque e a deriva passar a desnorte. Contudo e apesar do «deadweight» do Almirantado, Portugal conseguiu durante o consulado marcelista alcançar taxas de crescimento raras na nossa história económica e que deixariam saudades.

Entretanto, não tive a confirmação da notícia que então circulou de que o Professor Marcelo Caetano, já então Presidente do Conselho, tinha estado confinado durante uma semana no Palácio de Queluz às «ordens» de Américo Tomás[2].

A ideia da evolução controlada das colónias para uma autonomia progressiva e uma futura independência cordata com a Metrópole acabou por ser um fiasco depois dos entorces impostos pelo Almirantado e foi já em clima de pré-ruptura com o «Estado Novo» que o General Spínola, se montou na ideia do Professor Marcelo Caetano publicou esse sucesso editorial que foi «Portugal e o futuro».

A partir daqui, o «caldo entornou-se» cada vez mais e foi só esperar pelo golpe comunista em 25 de Abril de 1974.

Passadas as colónias portuguesas para o domínio soviético, cesso aqui este enquadramento e passo-me para uma reflexão pós-colonial.

Fevereiro de 2022

 [1] - Um agradecimento especial ao meu colega António Palhinha Machado pela memorização deste ponto

[2] O Professor António Alves Caetano apenas me confirmou que o seu irmão gostava muito de trabalhar no Palácio de Queluz

Tags: história

COMENTÁRIOS

 Anónimo  27.02.2022:  Concordo com tudo menos com o golpe comunista do 25 de Abril. A esquerda foi tomando conta do poder porque a direita não foi capaz de se organizar a tempo. Direi melhor que o centro não se soube organizar a tempo. Mas é assunto que merece mais conversa presencial porque escrever no telemóvel é complicado. Abraço José Diogo Themudo

 Adriano Miranda Lima  27.02.2022: Estou com o anterior comentador, quando concorda com tudo menos com o classificar de golpe comunista o que foi desencadeado em 25 de Abril. Embora o partido comunista tenha tentado apoderar-se do golpe, com muitas vicissitudes e sobressaltos de permeio, sua autoria só pode ser creditada aos militares. Se entre estes sugiram alguns que desgraçadamente se deixaram manipular ingenuamente, isto é outra coisa. E no que respeita às colónias, curiosamente estou de acordo com Salazar quando denuncia que a descolonização dos territórios africanos foi precipitada e atabalhoada e obedeceu apenas aos interesses geopolíticos da Rússia. Repare-se que privar os países europeus dos recursos provenientes das suas colónias significou enfraquecer o poder económico e político daqueles, que era o objectivo estratégico da Rússia. Em todo o processo Moscovo agiu simplesmente em função dos seus interesses, jamais inspirado por ideais libertários e humanitários, até porque a sua própria política interna se traduzia em perfeita negação desses ideais, Não me esqueço desta curiosa afirmação do Samora Machel a seguir à independência de Moçambique: "os portugueses ao menos nos tratavam como pretos, enquanto os russos como macacos".

Henrique Salles da Fonseca  28.02.2022  10:12: Não foi um golpe comunista!!! E isto digo-te eu, que o fiz no Terreiro do Paço e entrei no seu planeamento. Os comunistas , únicos que estavam organizados, rapidamente tomaram conta do processo, porque muito embora estivessem na sombra, tinham os seus pontas metidos no Movimento. Disso não há a mínima dúvida. Mas o 25 de Abril em si, NÃO FOI um golpe comunista. Podes ter a certeza. E isto digo-te eu, que até estive preso em Caxias depois do 11 de Março de 75. Grande abraços A. José Henriques


domingo, 27 de fevereiro de 2022

HISTÓRIA JÁ ANTIGA


Com implicações modernas. Um texto de muito interesse, de Bruno Cardoso Reis, cujas personagens políticas passaram na minha vida e que revi em tempos, na leitura do fascinante livro de Jung Chang – “Cisnes Selvagens – sobre três gerações de mulheres (e respectivos chefes chineses, com a brutalidade – que me impressionou, não só na questão dos pés atados da mulher chinesa, como no confronto das histórias de dois governantes chineses – Chiang Kai Check, o simpático, e o revolucionário Mao, além do desenho de uma vasta história real primorosamente aí contada. E este ensaio de Bruno Cardoso Reis, na sua clareza narrativa, e interpretação dos elos políticos e económicos estabelecidos com essa viagem marcante (inaugural) de Nixon à China, foi para mim um prazer de leitura evocativa, de nomes lidos nos jornais ou escutados - em África – ainda apenas pela Rádio, nos noticiários ou em raros programas políticos.

Uma semana que mudou o mundo, uma simples viagem à China. Mas Putin dirá o mesmo, hoje, com mais orgulho ainda, depois de iniciar a sua guerra, há já três dias, precedida de idêntica visita à China, a Xi Jinping, aquando da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, «e celebrou, em meio às tensões na fronteira com a Ucrânia, as relações 'sem precedentes' com o gigante asiático.» E tudo isso para mudar o seu mundo. E o nosso, mas em catástrofe.

Notícias da Internet (MUNDO):

«Os países anunciaram planos de colaboração em várias áreas, incluindo espacial, mudanças climáticas, inteligência artificial e controle da internet.

Os líderes disseram que não vão tolerar tentativas estrangeiras de minar a estabilidade de suas regiões e que vão combater qualquer interferência e apoio a revoluções em suas áreas de influência."[A Rússia e a China] pretendem combater a interferência de forças externas nos assuntos internos de países soberanos sob qualquer pretexto", diz o comunicado. "[Ambos] se opõem às 'revoluções coloridas' e aumentarão a cooperação nas áreas mencionadas".

"Revoluções coloridas" é o termo usado para se referir às manifestações políticas de oposição nas ex-repúblicas soviéticas que aproximaram Geórgia, Ucrânia e Quirguistão dos EUA nos anos 2000.

China acusa os Estados Unidos de colocarem lenha nos protestos de Hong Kong e apoiarem a independência de Taiwan. Putin acusa os americanos de desestabilizar a Ucrânia.

Putin viajou à China para a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno e se tornou o primeiro líder mundial a ser recebido para uma reunião bilateral por Xi Jinping desde o início da pandemia, há quase dois anos.

"Nossas relações bilaterais progrediram em um espírito de amizade e de associação estratégica. São relações realmente sem precedentes", disse o presidente russo, que também elogiou o vínculo como "um exemplo de relação digna na qual cada um ajuda e apoia o outro em seu desenvolvimento".

Os dois países também afirmaram no comunicado conjunto que o novo relacionamento é superior a qualquer aliança política ou militar da época da Guerra Fria

O texto de BCR:

Nixon foi à China, passou pelos Açores, mudou o Mundo

Um ensaio de BRUNO CARDOSO REIS.

OBSERVADOR, 22 fev 2022

Índice

A semana que mudou o mundo?

Das costas voltadas até à diplomacia do Ping-Pong.

Dois marginais no topo.

Da Terceira a Pequim, ou realismo versus ideologia.

Nixon na China contém lições úteis para hoje?

Há cinquenta anos encontravam-se em Pequim dois dos líderes políticos mais controversos do último século: o presidente norte-americano Richard Nixon (1913-1994) e o dirigente comunista chinês Mao Zedong (1893-1976). Esta foi também a primeira visita de um Presidente norte-americano à China. A viagem marcou uma viragem nas relações entre os dois países que marcou a fase final da Guerra Fria e influenciou a política internacional até hoje.

A semana que mudou o mundo?

Nixon não hesitou, no seu discurso de despedida, em qualificar os dias que passou na China, entre 21 e 28 de fevereiro de 1972, como “a semana que mudou o Mundo”. O encontro foi, realmente, um marco na política internacional, tornando pública para todos – graças a dois aviões cheios de jornalistas norte-americanosuma extraordinária aproximação entre os EUA e a China comunista com um enorme impacto na política, na economia e na estratégica global durante as décadas seguintes. Nas minhas pesquisas ainda cheguei – em 2003 – a entrevistar um dos 13 membros da pequena equipa que acompanhou Nixon, o então recém-nomeado assessor militar do presidente, Brent Scowcroft. Embora a conversa tivesse por foco outros temas, acabou por recair acessoriamente nessa visita icónica. Scowcroft recordava um certo desapontamento presidencial com a falta de multidões a celebrar a visita. Ele tinha notado sobretudo a quase total ausência de carros. Era uma China profundamente diferente da de hoje, muito pobre e isolada.

É verdade que este tipo de visitas raramente muda tudo. Efectivamente a plena normalização de relações diplomáticas entre os EUA e a China só se verificaria em 1979. Porém, o chamado Comunicado de Xangai, que foi o principal resultado das conversações desses dias, ainda hoje é citado como uma referência que marca os termos do relacionamento sino-americano, em particular, relativamente à questão espinhosa de Taiwan, que volta a estar no topo da agenda. E a aproximação, depois de décadas de hostilidade, entre os EUA, o estado com a maior economia global, e a China comunista, o estado com a maior população do Mundo, não podiam deixar de ter impacto significativo na política global. Curiosamente, o difícil e demorado caminho de Nixon para Pequim passou, ainda que tangencialmente, como iremos ver, pela Ilha Terceira, por uma primeira cimeira das Lajes.

As relações diplomáticas e comerciais entre os EUA e a China remontam a 1784, poucos anos depois da independência norte-americana. Elas foram formalizadas, pela primeira vez, em 1844, pelo Tratado de Wangxia, assinado num dos principais templos da Macau portuguesa, durante séculos o grande ponto de contacto entre o Ocidente e a China. Porém, apesar de duas centenas de anos de relações cada vez mais intensas, como já referimos, Nixon foi o primeiro presidente norte-americano a visitar a China.

Durante esse período três preocupações têm dominado a estratégia dos EUA nesta região do globo. A primeira é garantir o máximo de liberdade de acesso ao gigantesco mercado chinês, o que sempre se revelou um desafio complicado. A segunda é a oposição à fragmentação da Chinaao contrário de várias potências europeias, da Rússia ou do Japão. A terceira, e principal, é a resistência à afirmação de qualquer potência hegemónica hostil na margem oposta aos EUA do PacíficoEstas foram as principais razões da oposição dos EUA à expansão do Japão, o que levou ao ataque japonês à esquadra americana do Pacífico, ancorada em Pearl Harbour, em dezembro de 1941, e à entrada norte-americana na Segunda Guerra Mundial, um evento marcante da memória colectiva e da cultura estratégica, quer dos EUA, quer da China.

O Império Chinês tinha-se fragmentado desde a queda da monarquia imperial manchu, em 1911-12, e só recuperou alguma unidade em outubro de 1949, quando Mao Zedong proclamou a República Popular da China em Tiananmen. Os EUA, porém, tinham apostado e apoiado fortemente o outro lado, o movimento nacionalista perdedor de Chiang Kai-shek. Quando Nixon vai à China, tinham passado duas décadas sem contactos diplomáticos directos e normais entre os governos de Washington DC e de Pequim. A grande excepção a essa reunificação pela força levada a cabo pelo regime comunista chinês foi Taiwan. Aí se refugiou, sob proteção militar norte-americana, o governo derrotado de Chiang Kai-shek, que manteve em Taipei uma República da China competindo pelo reconhecimento internacional com a República Popular da China baseada em Pequim. Pouco depois, em outubro de 1951, 250.000 “voluntários” do exército chinês empurraram as tropas norte-americanas, à beira de vencer a Guerra da Coreia, para fora da Coreia do Norte. Este foi um marco importante do regresso da China ao estatuto de potência regional e global.

A denúncia do imperialismo norte-americano tornou-se um dos temas preferidos da propaganda da China comunista.

Por sua vez, a denúncia da alegada “perda da China” para o comunismo pela Administração do Democrata Harry Truman foi uma das armas dos Republicanos nas eleições presidenciais de novembro de 1952, em que recuperaram a Casa Branca, com Dwight Eisenhower como Presidente e Richard Nixon como Vice-Presidente. Numa cimeira internacional, em Genebra, em 1954, o chefe da diplomacia norte-americana, John Foster Dulles, recusou-se, publicamente, a apertar a mão estendida do seu homólogo chinês, o sempre cortês mandarim comunista, sobrevivente de mil batalhas políticas e patriarca da diplomacia da nova China, Zhou Enlai. Foi, aliás, sobretudo com este, na qualidade de Primeiro-Ministro, que Henry Kissinger, o braço-direito de Nixon para a grande estratégia internacional, negociou os termos da viagem presidencial que apanhou o Mundo de surpresa há cinquenta anos.

Não foi fácil. Quando, em 1970, os diplomatas norte-americanos tentaram passar aos seus colegas chineses a mensagem da intenção da nova Administração Nixon de retomar contactos exploratórios, tiveram de recorrer a um dos poucos sítios do mundo onde se podiam encontrar informalmente: uma passagem de modelos na embaixada da Jugoslávia em Varsóvia. Tiveram de gritar a mensagem de Nixon aos diplomatas chineses que, quando viram os norte-americanos aproximar-se, fugiram deles!

A Polónia comunista até tinha sido palco, ao longo dessas décadas, de mais de uma centena de encontros secretos entre diplomatas chineses e norte-americanos. O que nos recorda que mesmo quando os Estados estão oficialmente de relações cortadas, raramente cortam todos os canais de diálogo. Porém, a China de Mao vivia os dias sangrentos da Revolução Cultural. O contacto não-autorizado com “imperialistas” estrangeiros tinha-se tornado mais arriscado do que nunca, até para diplomatas, muitos dos quais tinham sido chamados de regresso à China para reeducação nos campos.

Foi preciso um ano para Mao decidir que os sinais de abertura negocial norte-americana – transmitidos por várias vias – eram sérios e se decidir a mudar de agulha e esboçar, por sua vez, um gesto de abertura aos EUA. Tratou-se do mediático convite para a seleção de ping-pong dos EUA se deslocar à China, em abril de 1971, onde os jogadores, espantados, foram recebidos com honras de Estado. Na sequência desse passo, Kissinger deslocou-se secretamente a Pequim, por duas vezes: em julho – a coberto de supostos problemas gástricos numa visita ao Paquistão – e, novamente, em outubro de 1971, sendo então acordada e, logo a seguir, anunciada publicamente a visita de Nixon à China. A bola estava lançada. A jogada era arriscada, mas quer em Pequim, quer em Washington DC mandavam dois líderes com carreiras construídas com base em apostas políticas de alto risco.

Dois marginais no topo

Quando Nixon se encontrou com Mao, em Pequim, em fevereiro de 1972, este último aproveitou para dizer, de forma provocadora, que “um velho amigo comum”, Chiang Kai- shek, “não gostava deste encontro” e até o apelidava de “bandido”. Nixon não se deixou desconcertar e perguntou como é que a propaganda maoista designava Chang-Kai Shek? Mao e Zhou Enlai riram-se, e este último confessou que devolviam a acusação e rematou: “Insultamo-nos mutuamente!” Na verdade, as biografias de Mao referem a sua admiração, desde criança, pelo anti-herói, o bandido honrado, muito presente na cultura e literatura chinesa.

Nixon, neste encontro em 1972, tentou criar um laço pessoal com Mao, sublinhando que ambos vinham de um meio popular, pobre, e que ambos tinham “chegado ao topo” de dois grandes países. E é verdade que, sem serem verdadeiramente pobres, Nixon e Mao, por razões de classe, de geografia, de educação, eram figuras relativamente marginais, certamente não faziam parte da elite tradicional norte-americana ou chinesa.

Mao Zedong provinha de uma família de proprietários rurais, remediados, do Sul, de Hunan, uma região afastada da capital e não pertencia ao meio de intelectuais-aristocratas que tinham dominado a China durante sucessivos regimes imperiais. Fez os seus estudos em escolas de província, e mesmo aí terá sido ridicularizado pelas suas origens e modos rústicos e nunca concluiu um curso universitário. Mesmo no seio do Partido Comunista Chinês, fundado em 1921, o seu percurso até à liderança esteve longe de ser fácil. Já o pai de Nixon geriu pequenos negócios com pouco capital e sucesso variável. Há anos estive em Yorba Linda, a uns 30 quilómetros a sul de Los Angeles, próximo do parque Disney World, em Aneheim. Aí pude visitar a modesta moradia em que cresceu Nixon e que este transformou numa casa-museu anexa ao seu arquivo e museu presidencial.

Um traço que marcou muito a personalidade política de Mao e Nixon foi este poderoso sentimento de marginalização e a convicção de que só podiam conquistar e manter o poder contra elites poderosas. Ambos foram, em certo sentido, precursores dos nacionalistas populistas de hoje em dia, apresentando-se como a voz do americano ou do chinês comum, únicos capazes de voltar a tornar grandes os seus países, enfrentando burocracias acomodadas.

Claro que a comparação dos dois percursos – que o próprio Nixon fez – tem sérios limites. Este sentimento de marginalização certamente ajuda a explicar, sem justificar, a aposta de Nixon em políticas duvidosas e até ilegais. Ao nível externo, por exemplo, a cumplicidade com o golpe militar que derrubou o Presidente Salvador Allende do Chile, ou o apoio ao regime altamente repressivo da Indonésia, um parceiro anticomunista considerado vital no Sudeste Asiático depois da queda do Vietname do Sul. A nível interno, por exemplo, mandando espiar a campanha presidencial do Partido Democrático no respetivo quartel-general no edifício Watergate, em Washington DC. Apesar de tudo isso, Nixon foi um líder livremente eleito de uma democracia, forçado a demitir-se por meios igualmente legais. Já Mao Zedong foi um líder guerrilheiro de grandes qualidades e um político carismático, principal responsável pela reunificação da China, em 1949, depois de um século de humilhações, derrotas externas e guerras civis internas. Porém, Mao também presidiu a um regime totalitário, responsável, directa ou indirectamente, pela morte de dezenas de milhões de pessoas, seja pela repressão política da Revolução Cultural, seja pela fome provocada por desastrosas opções económicas estatistas durante o dito Grande Salto em Frente.

Estamos, em todo o caso, face a jogadores políticos que gostavam de desafiar convenções. Perante este dado, as diferenças ideológicas radicais entre ambos perdem alguma relevância. Mao fez questão, no seu estilo sardónico, de afirmar a Nixon que “votei em si” e “gosto de líderes [ocidentais] direitistas”, por serem mais previsíveis. Nixon pegou na deixa para sublinhar que, realmente, tinha as condições ideias para levar a cabo a reaproximação à China. De facto, depois de uma carreira política de décadas na direita anticomunista, seria difícil alguém acusar Nixon de ir a Pequim por simpatia com o Maoismo.

Da Terceira a Pequim, ou realismo versus ideologia

O encontro histórico entre Nixon e Mao em 1972 é o exemplo perfeito de que as duras realidades do poder e da ameaça, assim como os fatores geoestratégicos pesam mais na política internacional do que a retórica ideológicaMao no seu encontro com Nixon manifestou espanto que alguém levasse a sério os seus slogans anti-imperialistas. Sobreviventes de muitas batalhas, tinham adoptado uma visão fortemente pragmática e realista, atenta às mudanças na distribuição do poder e a potenciais ameaças ou aliados. Não por acaso Mao, no final do encontro, lamentou-se de saber pouco dos EUA e afirmou que seria útil que, como resultado desta reaproximação, fosse possível enviarem professores “sobretudo de história e de geografia”.

Nas palavras de Nixon, a pergunta fundamental era: “qual é o maior perigo para vocês [China]: a União Soviética ou os EUA?” E prosseguiu: “devemos perguntar-nos porque é que a União Soviética tem mais tropas na fronteira convosco do que na Europa Ocidental”.

Nixon, por sua vez, insistiu nesse encontro com Mao que o fundamental era concordarem “numa visão de conjunto do Mundo e das grandes forças que o condicionam”. E em face disso perceber os interesses vitais dos respetivos países e procurar convergências entre eles. De acordo com Nixon essa convergência realista de interesses e ameaças tinha um nome: a União Soviética e o seu crescente poderio militar. Mao, genericamente, concordou. Em face dessa convergência fundamental de ameaças e interesses, os detalhes seriam depois tratados por negociadores experientes: Kissinger e Zhou Enlai.

As implicações da ruptura e da crescente tensão entre a União Soviética pós-Estaline e a China comunista são, efectivamente, a chave para perceber esta surpreendente inversão de alinhamentos. Nas palavras de Nixon, a pergunta fundamental era: “qual é o maior perigo para vocês [China]: a União Soviética ou os EUA?” E prosseguiu: “devemos perguntar-nos porque é que a União Soviética tem mais tropas na fronteira convosco do que na Europa Ocidental”. Mao, sem dar parte fraca, basicamente anuiu. Aliás, o estudo que o líder chinês tinha encomendado a um grupo de marechais veteranos, na sequência do conflito fronteiriço com a União Soviética, para legitimar a sua opção de conversar com Nixon, apontava no mesmo sentido.

Estima-se, efetivamente, que a União Soviética chegou a ter perto de um milhão de homens na sua fronteira terrestre com a China na Ásia Central e na Sibéria. Em 1969, os dois países tinham-se envolvido em várias escaramuças sangrentas em territórios disputados. E a União Soviética terá mesmo considerado uma ofensiva militar mais séria, até, potencialmente, visando o incipiente arsenal nuclear chinês (inaugurado em 1964), tendo sondado os EUA a esse respeito. Mao terá levado tão a sério a ameaça militar soviética que chegou a ordenar à maioria dos membros do governo e aos principais líderes comunistas que abandonassem Pequim e preparassem a resistência pela guerrilha por todo o território chinês. Para Nixon, a aproximação com a China tinha a vantagem de atemorizar a União Soviética, o principal rival dos EUA na disputa global que se arrastava desde 1945 e ficou conhecida como a Guerra Fria.

É esta questão que nos leva à Ilha Terceira, mais concretamente a uma hoje quase esquecida cimeira, em 13 de dezembro de 1971, entre o Presidente Nixon e o  Presidente francês Georges Pompidou. Marcelo Caetano, como chefe do governo português, serviu de anfitrião. Mas Nixon e Pompidou quiseram, sobretudo, aproveitar a localização mediana dos Açores para reunirem em terreno neutro, mais concretamente, no Palácio da Junta de Governo, no coração da bela Angra do Heroísmo. Ali, no meio do Atlântico, um dos seus principais temas da conversa foi a distante China. Nixon referiu que o antecessor de Pompidou, o general de Gaulle, por quem tinha grande admiração, lhe tinha aconselhado a reaproximação com a China como a melhor opção externa para os EUA. Pompidou concordou e afirmou que a acção externa da Rússia tinha duas características: “Tal como um rio, só pára quando encontra um obstáculo” e “está constantemente obcecada com a China”. Nixon afirmou que era uma análise muito pertinente que teria em conta, provavelmente, porque já correspondia à sua própria. Um dos canais exploratórios usados nesta reaproximação passou precisamente por Paris, pelo embaixador da China comunista em França e membro do Comité Central, Huang Chen, contactado por Kissinger através do amigo comum, Jean Santenay, veterano da Resistência e de outros contactos secretos com o Vietname do Norte.

Nixon na China contém lições úteis para hoje?

Que balanço se pode fazer passadas cinco décadas, desta viagem história de Nixon? Não há dúvida de que a reaproximação entre a China e os EUA foi um factor muito importante de pressão sobre o Kremlin, que ajuda a explicar o desfecho da Guerra Fria, com o colapso final da União Soviética. No entanto, hoje, surgem algumas questões: será que os EUA pagaram ganhos de curto prazo – a derrota da União Soviética e a promessa sempre adiada do pleno acesso ao gigantesco mercado chinês – com um preço demasiado alto no longo prazo – com a consolidação da China como a grande potência, capaz de suplantar os EUA?

Há dez anos havia muitas vozes no Ocidente que consideravam que um segundo elemento fundamental desta reaproximação – a abertura e modernização da economia chinesatinha trazido enormes benefícios para a economia global, e encerrava a promessa de uma crescente liberalização não apenas económica, mas, também, política da China comunistaA repressão em Tianamnen, em 1989, teria sido um recuo trágico, mas temporário, nesse caminho para a convergência inevitável entre a China comunista e o Ocidente liberal, em linha com o que tinha acontecido com o antigo bloco soviético na Europa. Em suma, todo o processo iniciado por Nixon e Mao teria sido claramente controlado pelos EUA, que mais teria beneficiado dele. Hoje essa avaliação tem, no mínimo, de ser questionada.

A aposta estratégica de longo prazo, actualmente, aparece como tendo sido muito mais favorável à China comunista, que está à beira de se tornar a primeira economia mundial, é o segundo maior investidor em capacidades militares a nível global, e compete pela liderança tecnológica em áreas chave como a inteligência artificial. O protegido de Zhou Enlai e sucessor de Mao, Deng Xiaoping, usou de forma hábil e muito deliberada a aproximação aos EUA para conseguir os fundos e o conhecimento para modernizar a economia e a tecnologia chinesas como forma de concretizar o grande sonho da sua geração: tornar a China novamente uma grande potência.

Mesmo o famoso Comunicado de Xangai está hoje em crise. Pode ser visto como uma forma de a China comunista ganhar tempo para modernizar as suas Forças Armadas de tal forma que, hoje, tem alguma credibilidade a ideia de uma tentativa de a China continental tomar Taiwan pela força num futuro próximo. Desse ponto de vista, a concessão feita nesse documento de retirada gradual de forças militares norte-americanas de Taiwan enfraqueceu a capacidade dos EUA de dissuadir um eventual ataque contra a ilha, que se transformou num oásis de democracia à chinesa.

Porém, num dos paradoxos em que a estratégia abunda, a solução para o problema criado por Nixon pode ser o próprio exemplo de NixonKissinger ainda está activo, quase com 100 anos, e defende a aposta pelos EUA numa nova diplomacia triangular entre Pequim e MoscovoQual é actualmente a principal ameaça aos interesses dos EUA? Se a resposta é a próspera e inovadora China, e já não, como era o caso em 1972, a Rússia, territorialmente diminuída pelo colapso da União Soviética, estagnada e em quebra demográfica acelerada, então os EUA deviam dar prioridade a separar a Rússia da China, privilegiando as relações com Moscovo como forma de pressionar Pequim, independentemente de maiores ou menores simpatias ideológicas.

O que é claro é que a passagem de Nixon pela política norte-americana e global foi suficientemente marcante para deixar dois legados no nosso vocabulário político. O primeiro é o do escândalo por excelência – Watergate – que acabou por destruir a sua presidência. De tal forma se tornou sinónimo de escândalo que qualquer evento político polémico passou a utilizar o sufixo “gate”, veja-se o exemplo atual do dito “Party-gate” do primeiro-ministro britânico Boris Johnson. O segundo é a expressão “Nixon goes to China”, que entrou no vocabulário diplomático global, como sinónimo de uma iniciativa surpreendente, arriscada, mas brilhante, de uma inversão de alianças inesperada ajustada às exigências de uma boa leitura das dinâmicas da estratégia global.

Se em 1970 a China, apesar da sua enorme população, era a 11ª economia mundial, hoje essa posição é ocupada pela Rússia…  O que parece evidente é que os EUA, hoje como em 1972, precisam de novos parceiros e de maior flexibilidade na sua acção externa, para compensar uma relativa perda de poder num mundo onde abundam rivais e desafios. Até onde estarão os norte-americanos dispostos a levar o pragmatismo que seria necessário para isso?

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA   AMÉRICA   MUNDO   CHINA   AÇORES   PAÍS

COMENTÁRIOS:

Censurado Censurado: Nixon. Um gigante da política norte-americana. Depois dele talvez só o vice Dick. Porque até se torna um bocado embaraçoso nomear algum Bush.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

«Tenho dito»


Um texto de definições impecáveis, não transcrevo os 172 comentários que, certamente, na sua maioria. não poupam AG com as patacoadas mal alinhavadas do costume, tantas vezes inundadas dos costumeiros solecismos. A primeira pessoa do título reporta-se, é claro, a Alberto Gonçalves, que o disse com a mestria de sempre. Em elegância e clareza de pensamento.

Mas sempre coloco dois comentários comprovativos de que o pudor – e a educação - ainda existem por cá, comprovativos de que há por aqui quem reconheça a hediondez humana subjacente à monstruosidade do que estamos a viver – (nós, por enquanto, à distância ,,,) e o demonstre na coragem do seu louvor a Alberto Gonçalves.

«Pedromi: Obrigado por me proporcionar mais um momento de lucidez jornalística, tão em desuso nos dias que correm.»

«Pedro Campos: Parabéns pela coragem de dizer verdades nuas e cruas sobre o PCP e o BE que infelizmente na comunicação social portuguesa é algo raro!»

Falta um cordão sanitário em redor de PCP e BE

Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE.

ALBERTO GONÇALVES. Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 fev 2022

As juventudes partidárias do PS e do PSD organizaram para amanhã uma manifestação em prol da Ucrânia à porta da embaixada russa. Convidaram os restantes partidos. Menos um. O Chega não vai porque não está na lista. O BE e o PCP não vão porque não querem.

Este minúsculo episódio resume na perfeição o ar que se respira na política nacional. A fim de condenar a agressão a uma democracia europeia, a ortodoxia vigente, ou aquilo que aqui se convencionou chamar “centro”, excluiu um partido que meio aos solavancos condena a agressão e incluiu dois partidos que, assumida ou disfarçadamente, a apoiam. É notável que, independentemente dos interesses e estratégias de cada um, o primitivismo comunista continue a merecer o respeito “institucional” que, por boas ou más razões, não se estende a uma “extrema-direita” errática.

O PCP, valha a verdade, não disfarça. Dias antes da invasão, o futuro ex-deputado António Filipe, cuja ausência da próxima legislatura suscitou lamentos pungentes à direita, escreveu no Twitter: “Biden decidiu que a Rússia tem de invadir a Ucrânia quer queira quer não queira. Se não invadir a bem terá de invadir a mal.” Entretanto, os camaradas do dr. Filipe produziram diversos argumentos, oficiais e oficiosos, para demonstrar que a Rússia, por instigação dos EUA e da NATO, é a solitária vítima desta história. A única crítica a Putin veio de Jerónimo de Sousa, que o acusou de “capitalismo” e de “atacar a União Soviética” [sic]. É possível que o chefe do PCP ainda habite em 1989. Ou em 1917.

O Bloco de Esquerda, que também celebra 1917 e também não celebra 1989, optou pela habitual dissimulação no que toca à Ucrânia, que com cinismo exige “neutral”. A canalhice é típica e só convence perturbados: na semana passada, o BE citava Putin para explicar que o governo ucraniano resultara de um golpe da “extrema-direita”; anteontem, a fim de simular “solidariedade”, o BE desatou a explicar que Putin é que é de “extrema-direita”. Em gente comum, tamanho contorcionismo provocaria hérnias danadas. Os sacristões do BE não são gente comum. Por flagrante hipocrisia, o BE condena a invasão. Por convicção, tempera a condenação com as inevitáveis referências aos EUA e à NATO, que, à semelhança do que acontece com o PCP, representam tudo o que o BE abomina.

À semelhança do PCP, o BE abomina o Ocidente e os regimes democráticos em que o Ocidente se estrutura. Isto não significa que as nossas democracias não tenham defeitos. Têm imensos, nalguns casos a ponto de já nem se parecerem muito com democracias. A diferença é que um democrata gostaria de democracias melhores, mais sólidas, mais abertas, mais justas. E os comunistas do PCP e do BE querem acabar com elas.

É infantil discutir se Putin, antigo agente do KGB, é ou não é comunista. A simpatia, franca ou mastigada, de PCP e BE pelas acções do homem não advém daí. Conforme sucede com os aplausos que chegam a Moscovo por exemplo da Venezuela, de Cuba e do PT brasileiro (e, mediante silêncio, do sr. Bolsonaro: o Brasil é um país felizardo), PCP e BE apreciam o que quer que ameace o modo de vida ocidental. E a culpa da Ucrânia passa por ter erguido o modo de vida ocidental a uma referência a seguir. Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. Quem acha a hipótese caricatural que recorde a escolha de Cunhal na guerra das Falkland, que opôs o Reino Unido aos fascistas argentinos. Onde há liberdade, os comunistas de todos os sabores são contra. E isso vale tanto para a liberdade na Ucrânia como para a liberdade em Portugal, que corroem regularmente há décadas.

A propósito das polémicas em volta do Chega, ouvi não sei quantos idiotas inúteis garantirem que, ao invés daquele partido, PCP e BE pertencem ao “quadro democrático”. Aí é que está: não pertencem. A violência que defendem ou relativizam na Ucrânia é evidentemente a mesma que defenderiam ou relativizariam em Portugal. Embora a cobardia e a traição dos EUA e da NATO no conflito em questão se denunciem sozinhas (da UE nem falo), são apesar disso as forças que militarmente nos resguardam, esperamos, do caos no mundo. Hoje e sempre, o PCP e o BE aspiram ao caos. Hoje e sempre, e à imagem das extremas-direitas autênticas, PCP e BE são inimigos dos EUA e da NATO e de qualquer nação aliada dos EUA ou membro da NATO. PCP e BE são inimigos de Portugal, que se pudessem submeteriam ao projecto de ditadura que os move.

Continuem, então. Continuem a convidar comunistas de ambas as seitas para protestos. Continuem a chorar a escassez de comunistas no Parlamento. Continuem a convocá-los para sustentar governos. Continuem a pendurá-los no Conselho de Estado. Continuem a oferecer-lhes espaço de comentário televisivo. Continuem a tratá-los com a civilidade que eles, nas circunstâncias adequadas, jamais retribuiriam. Continuem, no horrendo jargão da época, a “normalizá-los”. Apenas não se esqueçam de que estão a “normalizar” cúmplices dos maiores criminosos deste tempo. Se as discussões com porcos nos deixam imundos, o convívio jovial transforma-nos na própria porcaria. Numa sociedade limpa, o comunismo não é normal e carece do célebre “cordão sanitário”. Mas as “linhas vermelhas” que por cá se traçam são demasiado vermelhas e demasiado sujas, decerto de sangue.

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