Essa questão da transparência democrática, tão apregoada nos inícios. Mas foi, de facto, apenas uma porta de entrada. Helena Garrido prognostica. Mesas censórias é coisa antiga entre nós, cá, mas já patente nos tempos bíblicos, com Jeová manipulando os destinos e arrasando sempre que lhe apetecia, castigador que era…
As maiorias absolutas e os novos censores
A maioria absoluta pode ser uma oportunidade para as reformas há muito
adiadas. O outro lado da moeda é a voracidade controladora do PS, num ambiente
global de simpatia pela censura.
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 08
fev 2022
António Costa tem tudo para fazer as reformas interrompidas na era
da Geringonça e, pelo que se conhece da sua vida política, concorda com muitas
delas. Além de tempo e dinheiro, como foi
sublinhado no “E o vencedor é…”, o
primeiro-ministro, também pelo que tem dito, não quer ser reeleito. Obviamente
que não quererá ser acusado de deixar um PS sem margem de reeleição em 2026,
consequência de algumas medidas impopulares que é preciso adoptar, mas
ambicionará, com certeza, um lugar na história que não se limite a recordar o
muro à esquerda, que saltou, mais do que destruiu. Mas mais
preocupante ainda é a tentação de dominar tudo e todos, num ambiente geral em que
a sociedade está mais permissiva a actuações censórias. É a
democracia, mais do que a economia, que enfrenta um risco maior.
Claro
que os próximos quatro anos podem ser de gestão corrente, com distribuição do
que existe. E as previsões de que o PS vai fazer reformas são optimistas e
até ingénuas (como acusam os críticos a este meu texto). Rui Ramos em “Três falsos motivos de optimismo”
defende que o PS não é reformista e “opõe-se a quaisquer reformas que mudem
a relação entre o Estado e a sociedade civil, no sentido de uma maior autonomia
da sociedade civil”.
Pode
ser que o PS queira
mudar também
esse seu estatuto
de alimentador de dependentes,
como alterou a sua imagem de indisciplina financeira – por muito que isso tenha prejudicado os serviços
públicos, ainda que sem que o eleitorado se importe aparentemente com isso. Levando
em conta o número de funcionários públicos ( quase 719 mil em 2020) e de pensionistas da Segurança Social (quase três milhões em
2020, número da Pordata), qualquer
partido que queira ganhar eleições em Portugal tem de agradar a, pelo menos, um
destes grupos, se não aos dois.
Podemos, efectivamente, estar condenados ao empobrecimento já que uma das
reformas necessárias envolve a administração
pública, que se
tem transformado num sítio de bom emprego para quem não tem qualificações.
Mas
aguardemos, até porque nem sempre os políticos actuam apenas para ganhar
eleições. Além disso, António Costa revelou, nos últimos seis anos, uma enorme capacidade de disciplinar financeiramente o Estado sem que isso lhe tivesse retirado votos, bem pelo
contrário.
O
mais preocupante na maioria absoluta está antes no que pode fazer aos nossos Direitos, Liberdades e Garantias. Mesmo com minoria e com o PCP e o BE ao seu lado –
ou, quem sabe, por causa disso – o
PS capturou o aparelho do Estado numa dimensão nunca vista. E conseguiu fazê-lo completamente à vontade, imune às
críticas. Os casos são muitos. Tivemos, por exemplo, as controversas substituições da
Procuradora-Geral da República, a substituição do
presidente do Tribunal de Contas.
Tivemos a substituição da presidente do Conselho das Finanças Públicas
Teodora Cardoso, precedida de criticas inacreditáveis. Mário Centeno
transitou directamente do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal.
E mais recentemente assistimos à nomeação da ex-ministra Ana Paula
Vitorino do Mar para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.
São
apenas alguns casos. Não podemos obviamente concluir que os nomeados sejam
menos competentes que os antecessores. Mas é inevitável concluir que, no
mínimo, foi danificada a imagem de independência dessas instituições, que
teve de ser recuperada. E a maioria absoluta precisa bastante que o regime
tenha capacidade de fazer contra-peso ao peso do poder maioritário.
É
enorme o risco de entrarmos numa fase agravada de “posso, quero e mando” com a
consequência de “quem se meter com o PS, levar”. Estas tentações autoritárias encontram,
lamentavelmente, terreno fértil nos tempos que atualmente vivemos com o aparecimento
dos novos censores, os “canceladores” de opiniões de que discordam ou apoiadas
em falsidades. O comediante
Dave Chappelle, vítima de uma tentativa de “cancelamento” do seu espectáculo na Netflix, diz-nos que estamos todos a ficar com
ouvidos muito frágeis. O problema é que começam a ser poucos os que têm
coragem de dizer “não”. E enfrentamos um sério risco de auto-censura com medo
do “cancelamento”.
O
mais recente caso envolve a Spotify, com uma onda no Twitter a apelar ao cancelamento da
subscrição da plataforma, para silenciar os podcast de Joe Rogan. Um movimento
que começou com Neil Young e Joni Mitchell a retirarem as suas músicas. O tema
é mais complexo do que se vai tratar aqui, mas valeu a coragem (os cínicos
podem dizer que foram os dólares que falaram mais alto) do presidente
executivo Daniel Ek que veio pedir desculpa, mas recusou-se a retirar completamente Rogan da
plataforma. E tem uma frase muito importante: “Não acredito
que silenciar Joe seja a resposta”.
O
podcast de Rogan, um comediante, tem milhares de subscritores e o episódio
que desencadeou a fúria era sobre as vacinas numa entrevista a um virologista
que põe em causa a tecnologia mRNA (usada, por exemplo, na vacina da
Pfizer). Ou seja, dissemina informação falsa e nestes últimos dias tem sido
criticado por ter usado a expressão a “N word”, tendo pedido desculpas por isso.
Vale
a pena aqui ler e citar Diogo Noivo no artigo “Mailer, Cervantes, literalidad y cancelación” que, por sua vez, cita Rory Sutherland no The Spectator:
“Temos de ser capazes de criticar os meios sem que nos
vilipendiem por suposta oposição aos fins”.
Um apelo, uma reflexão que nos devia perseguir diariamente, qual grilo falante. Criticar algumas formas de combater o racismo não
é ser racista; criticar algumas formas de luta pelos direitos das mulheres não
é ser anti-feminista; defender o direito de Rogan dizer os disparates que
quiser não é ser a favor da disseminação de notícias falsas.
A liberdade de expressão é e deve ser
sagrada. Ninguém tem
o direito de calar ninguém nem de arvorar-se em “grande educador da classe
operária”, como ouvíamos nos tempos da pós-revolução. Fechar a
boca dos “Rogan” é entrar no perigoso universo da censura. E é muito
preocupante ver pessoas que consideramos defenderem estes “cancelamentos”.
É
neste ambiente de abertura à censura que vamos viver durante mais de quatro
anos com o PS em maioria absoluta.
Foram os
socialistas, perante apenas a oposição prévia do PCP e à posteriori da
Iniciativa Liberal, que
quiseram aprovar o famoso artigo 6 da Carta dos Direitos
Digitais. Os argumentos são quase sempre os mesmos: proteger as pessoas da informação falsa. É assim
que começa a censura, é assim que se começa a coartar a liberdade de expressão,
sempre com o argumento de proteger as pessoas.
É
mais provável o PS avançar com medidas reformistas do que abandonar a sua
tendência para tudo controlar e castigar quem o critique. No passado foi assim.
A voracidade de tudo controlar encontra
o conforto da maioria absoluta e de uma cultura, importada dos Estados Unidos,
favorável à censura.
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POLÍTICA
FUNÇÃO PÚBLICA PENSÕES ECONOMIA
COMENTÁRIOS:
Carlos Quartel: Comparada
com a crónica da semana passada, esta está muito mais próxima do que será a
realidade. Apontam-se as tropelias e as manobras de duvidosa ética e daí
parte-se para sérias dúvidas sobre se o PS é capaz de algo mais do que a gestão
dos dinheiros, os favores selectivos aos seus, o controlo e a captura da
informação, providenciar o fornecimento regular de circo, com alguns episódios
de distribuição de cenouras, para manter o bom povo tranquilo. São as maiorias absolutas que permitem a
execução de um programa de governo (modernamente chamadas reformas) mas, para
isso, é necessário que haja esse programa de governo, que tenha sido
publicitado e que seja do conhecimento dos eleitores. Mas isso são coisas para
países de gente acordada e atenta, não para um povo anestesiado com a bola, os
cozinheiros , as cantorias e os telemóveis. Mais umas gerações, talvez ..... Vitor Batista: O observador já faz fact checks em associação com sites
que o observador entende serem credíveis. Quanto aos xuxas, é continuar a chover no
molhado, alguém
acredita que esses srs irão abandonar a veia fascista e censória que tanto os
caracteriza? Não
vão, porque quem se mete com o ps leva! porque eles têm a bazuka e a
bazuka é deles, e ai de quem diga o contrário, porque eles já têm os paus
mandados instalados na PGR, na magistratura, nos média e em todo o lado onde os
xuxas querem, podem e mandam. Luís Abrantes: Basta ver por aqui… Jose Costa: Muito bem. Esperemos que o bom senso prevaleça josé maria: As maiorias absolutas e os novos censores Mas a Helena Garrido convive muito bem com a censura
sistemática do Observador, nunca aqui se opôs a essa prática regular.
Por isso, é natural que veja no PS a voracidade
controladora do próprio jornal onde escreve, mede tudo pela mesma bitola...
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