Para justificação de um conflito previsível. Acompanhadas de um
elucidativo mapa no blog “A BEM DA NAÇÃO”, de Henrique Salles da Fonseca e de
expressivos comentários dos seus amigos. Releiamos.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA
NAÇÃO, 01.02.22
MAPA: TERRITORIES ANNEXED TO UKRAINE
Tal
como a conhecemos hoje, a Ucrânia é o somatório de um núcleo original e de umas
quantas doações territoriais russas tanto czarinas como soviéticas. Constato o
facto mas desconheço o que possa ter estado na base de tanta magnanimidade.
Passando
sobre a História num voo rápido, constatamos que Putin herdou uma situação
absurda para os interesses estratégicos da Rússia com a Esquadra do Sul sedeada
em Sebastopol, entretanto situada em território estrangeiro, a Ucrânia, istmo
da península da Crimeia. Mais ainda, regiões russófilas.
A
Rússia tem três bases navais estratégicas, a saber: Murmansk
no Árctico com limitações à navegação de
superfície; Vladivostok no Mar do Japão; Sebastopol no Mar Negro e, daí, acesso ao Mediterrâneo através do Bósforo
e dos Dardanelos.
Se
Murmank tem condicionantes climáticas (inultrapassáveis) e se Vladivostok está
«noutra guerra», Sebastopol
é fundamental para os interesses russos na metade ocidental da Terra. Assim se
compreende a primeira iniciativa de Putin ao tomar a Crimeia e a região de
Sebastopol. A segunda iniciativa de Putin é a que está em curso e tem como
duplo objectivo a reunificação da Nação Russa pela reabsorção das regiões
russófilas sob jurisdição ucraniana e, assim, conseguir uma zona de segurança
entre a Ucrânia e Sebastopol. Mais
conversação, menos Divisões militares, isto vai acontecer mediante concessões.
Quais? Imagino que com o fim do actual regime bielorusso e com a resolução do
exclave russo de Kaliningrad/Königsberg ou outras contrapartidas que não
imagino por enquanto.
E
depois?
Depois
deste acordo, Putin vai dizer a Erdogan para sair da NATO a fim de «libertar» o
Bósforo e, aqui sim, vejo uma situação muito melindrosa. Por agora, não imagino
uma solução tranquila a menos que ocorra alguma alteração radical nos actuais
actores em cena.
Tags: "política alheia"
COMENTÁRIOS:
Adriano Miranda Lima 01.02.2022: O Sr. Dr. Salles faz aqui uma análise muito lúcida e
com notável isenção do ponto de vista geopolítico. Isto chama-se realismo,
ou pragmatismo, os instrumentos mais recomendáveis para interpretar a
história e tratar a diplomacia. Em minha opinião, não haverá outra saída
senão uma resolução pragmática: a federalização dessa região
oriental da Ucrânia. De outra
forma nunca haverá uma coabitação normal e estabilizada entre os seus povos
etnicamente diferenciados, mas com predomínio dos russófonos que ali
engrossaram continuamente a sua presença a partir da década de 50. Caso
contrário, será sempre periclitante a situação interna na região, pendente sobre
si uma espada de Dâmocles ameaçadora brandida irrecusavelmente pela Rússia, e
com os EUA/NATO a pretenderem ser player onde estrategicamente não é
recomendável e nem lhes compete. O argumento de que a Ucrânia é um
país livre, com direito a fazer livremente as suas próprias opções e escolher
os seus aliados só cabe em história de carochinha, coisa que não se coaduna com
a lógica fria do jogo geopolítico.
Ademais, e por outro lado, sabe-se que os líderes da Ucrânia têm sido pouco
avessos à principiologia dos direitos e liberdades democráticos, os mesmos que
os EUA invocam e embandeiram cinicamente e quando lhes interessa, cada vez mais
desacreditando-se com o desvario que ocorre dentro da sua própria casa. Essa solução de federalização talvez possa
desarmar os ânimos, embora por tempo indefinível, porque sabemos
que, por natureza, o bicho homem só se compraz com a insatisfação, a
instabilidade e o conflito. Outro player a ter em atenção é esse Erdogan, como observa o Dr. Salles. A Turquia e NATO não são conciliáveis,
o casamento é contra-natura e a sua razão de ser já lá vai. E extinguir a NATO também talvez seja a melhor
solução, ficando cada país a cuidar da sua própria segurança, uma vez que o
Conselho de Segurança da ONU é uma instituição inútil. De facto,
a NATO não passa hoje de um instrumento alimentado especialmente pelos EUA para
servir unicamente os seus interesses vitais, que são turvos e inconfessáveis. Mais ainda, reafirmo, quando se olha para a actual
situação política interna do país, onde a sua tradicional democracia liberal
está a sofrer inacreditáveis tratos de polé. Conclusão: pressinto que o mundo não está a
dar-nos razão para grandes optimismos, enquanto a China mantém, por enquanto
com aparente sucesso, a sua paciente e meticulosa estratégia da teia de aranha. Se é de prever um conflito ou confronto
civilizacional, talvez seja conveniente que a UE olhe para dentro de si com
redobrada atenção e volte a baralhar as suas cartas. Se algo nos diferencia dos
eslavos ao nível da mentalidade e da idiossincrasia, maior é ainda a barreira
em relação à China, que é antropológica e de natureza idealística, logo,
civilizacional. Barreira que pode aparentar-se invisível mas que será
impenetrável se alguma vez se tentar radiografá-la. Um abraço amigo Adriano
Lima
Henrique Salles da Fonseca 02.02.2022 10:30: Aquilo está por um fio e estes patifes, seguem com
as Forças Armadas reduzidas a zero e, conscientemente, vão pôr em causa a
Soberania Nacional nos Açores e nas Linhas de Comunicações Oceânicas à nossa
responsabilidade na Aliança. Grande abraço. José Henriques
Anónimo 02.02.2022 11:43: Não
deixa de ser curioso que seja no teu blog que encontre dois artigos sérios e
algo profundos sobre a Ucrânia – o teu post e o comentário do Senhor Coronel
Adriano Lima -, quer concordemos ou não com a sua totalidade ou com parte. A
superficialidade com que este assunto tem sido tratado entre nós é
confrangedora. Se não te
importas, Henrique, vamos recordar alguns factos. Vem, como
sabemos, desde o Tratado de Vestefália, que pôs termo, no século XVII, à
Guerra dos 30 anos, o respeito pelas fronteiras, pela autonomia dos países,
pelo princípio de não interferência e tantos outros consagrados no Direito
Internacional, os quais, antes e depois daquele Tratado, e até aos nossos dias,
têm sido desrespeitados com maior ou menor gravidade, a começar pelos próprios
EUA que formaram o seu território, não apenas por aquisição do Alasca e da
Luisiana, à Rússia e à França, respetivamente, mas também por vastas conquistas
ao México (Texas, Novo México, Nevada e Califórnia, pelo menos). Em 1954, a Crimeia foi transferida da
Rússia, a que pertencia desde o século XVIII, para a Ucrânia, por Khrushchev, a
fim de reforçar, no dizer oficial, a unidade entre russos e ucranianos. Mas se apesar do insólito acto, se
poderia dizer que aquela cedência era neutra, em termos de URSS, não o seria em
caso de dissolução da URSS. Em
outubro de1962, como sabemos, o mundo esteve à beira duma crise mundial quando
os EUA descobriram que os soviéticos tinham instalado mísseis em Cuba que
podiam atingir o seu território. A crise terminou com a retirada destes
e com o desmantelamento dos mísseis americanos na Turquia apontados à URSS.
Em 1/12/1991, no referendo ucraniano sobre a sua independência, a
participação foi de 84%, mais de 90% pela independência; mais de 83% na
província oriental de Lugansk, quase 77% em Donetsk, 54% na Crimeia e 57% em
Sevastopol, onde estava a frota soviética. Pelo que tenho ideia, e
principalmente pelo que li posteriormente, a eventual participação da
Alemanha reunificada na NATO suscitou mais questões ao poder soviético do que a
reunificação alemã, propriamente dita. Equacionou-se inclusive em Moscovo que a
reunificação só deveria ter lugar após a NATO e o Pacto de Varsóvia passarem de
alianças militares a alianças políticas. Aliás,
Gorbachev chegou a equacionar que a Alemanha estivesse em simultâneo nas duas
organizações. Houve
também, na URSS, o avanço da hipótese de autorizar a reunificação mediante a
saída das tropas da NATO da Alemanha Ocidental. Havia, porém, um ponto de honra: que a unificação
alemã não significasse uma expansão da NATO para Leste, havendo quem na
Chancelaria soviética propusesse garantias escritas nesse sentido. Baker,
então Secretário de Estado americano, da Administração Bush (pai), não deu
garantia escrita, mas disse em Moscovo, em 1990, ao Presidente soviético que “gostaria
de garantir que nem um milímetro da jurisdição militar da OTAN se estenderá
para leste” (pág. 569 “Gorbachev”, de W. Taubman). Ora,
Henrique, o alinhamento destes factos, e de muitos outros que omiti por
escassez de espaço, talvez permita entender melhor o que se está a passar. É
claro que não se pode violar impunemente a fronteiras de um país soberano, é
certo, mas, por outro lado, é falacioso o argumento que não se pode cercear a
vontade de a Ucrânia entrar na NATO. Para a entrada de um país nessa
organização tem de concorrer a vontade do candidato e da própria organização.
Porquê nos admiramos que a Federação Russa se sinta incomodada com o cerco
que a NATO fez, quando não se estranhou o justo incómodo americano em 1962 com
os mísseis cubanos? Putin volta a pedir garantia (agora
escrita) de não mais expansão para leste da NATO, depois do não cumprimento
americano de 1990. A
História dos nossos dias ensina-nos que quando um presidente americano está em
apuros internamente, e se aproxima algum tipo de eleições, tende a criar um
problema externo para desvio de atenções. Espero que não seja este o caso. Abraço. Carlos Traguelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário