quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Achegas históricas

 

Para justificação de um conflito previsível. Acompanhadas de um elucidativo mapa no blog “A BEM DA NAÇÃO”, de Henrique Salles da Fonseca e de expressivos comentários dos seus amigos. Releiamos.

UCRÂNIA

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A BEM DA NAÇÃO, 01.02.22

 

MAPA:  TERRITORIES ANNEXED TO UKRAINE

 

Tal como a conhecemos hoje, a Ucrânia é o somatório de um núcleo original e de umas quantas doações territoriais russas tanto czarinas como soviéticas. Constato o facto mas desconheço o que possa ter estado na base de tanta magnanimidade.

Passando sobre a História num voo rápido, constatamos que Putin herdou uma situação absurda para os interesses estratégicos da Rússia com a Esquadra do Sul sedeada em Sebastopol, entretanto situada em território estrangeiro, a Ucrânia, istmo da península da Crimeia. Mais ainda, regiões russófilas.

A Rússia tem três bases navais estratégicas, a saber: Murmansk no Árctico com limitações à navegação de superfície; Vladivostok no Mar do Japão; Sebastopol no Mar Negro e, daí, acesso ao Mediterrâneo através do Bósforo e dos Dardanelos.

Se Murmank tem condicionantes climáticas (inultrapassáveis) e se Vladivostok está «noutra guerra», Sebastopol é fundamental para os interesses russos na metade ocidental da Terra. Assim se compreende a primeira iniciativa de Putin ao tomar a Crimeia e a região de Sebastopol. A segunda iniciativa de Putin é a que está em curso e tem como duplo objectivo a reunificação da Nação Russa pela reabsorção das regiões russófilas sob jurisdição ucraniana e, assim, conseguir uma zona de segurança entre a Ucrânia e Sebastopol. Mais conversação, menos Divisões militares, isto vai acontecer mediante concessões. Quais? Imagino que com o fim do actual regime bielorusso e com a resolução do exclave russo de Kaliningrad/Königsberg  ou outras contrapartidas que não imagino por enquanto.

E depois?

Depois deste acordo, Putin vai dizer a Erdogan para sair da NATO a fim de «libertar» o Bósforo e, aqui sim, vejo uma situação muito melindrosa. Por agora, não imagino uma solução tranquila a menos que ocorra alguma alteração radical nos actuais actores em cena.

Tags: "política alheia"

COMENTÁRIOS:

 Adriano Miranda Lima  01.02.2022:  O Sr. Dr. Salles faz aqui uma análise muito lúcida e com notável isenção do ponto de vista geopolítico. Isto chama-se realismo, ou pragmatismo, os instrumentos mais recomendáveis para interpretar a história e tratar a diplomacia. Em minha opinião, não haverá outra saída senão uma resolução pragmática: a federalização dessa região oriental da Ucrânia. De outra forma nunca haverá uma coabitação normal e estabilizada entre os seus povos etnicamente diferenciados, mas com predomínio dos russófonos que ali engrossaram continuamente a sua presença a partir da década de 50. Caso contrário, será sempre periclitante a situação interna na região, pendente sobre si uma espada de Dâmocles ameaçadora brandida irrecusavelmente pela Rússia, e com os EUA/NATO a pretenderem ser player onde estrategicamente não é recomendável e nem lhes compete. O argumento de que a Ucrânia é um país livre, com direito a fazer livremente as suas próprias opções e escolher os seus aliados só cabe em história de carochinha, coisa que não se coaduna com a lógica fria do jogo geopolítico. Ademais, e por outro lado, sabe-se que os líderes da Ucrânia têm sido pouco avessos à principiologia dos direitos e liberdades democráticos, os mesmos que os EUA invocam e embandeiram cinicamente e quando lhes interessa, cada vez mais desacreditando-se com o desvario que ocorre dentro da sua própria casa. Essa solução de federalização talvez possa desarmar os ânimos, embora por tempo indefinível, porque sabemos que, por natureza, o bicho homem só se compraz com a insatisfação, a instabilidade e o conflito. Outro player a ter em atenção é esse Erdogan, como observa o Dr. Salles. A Turquia e NATO não são conciliáveis, o casamento é contra-natura e a sua razão de ser já lá vai. E extinguir a NATO também talvez seja a melhor solução, ficando cada país a cuidar da sua própria segurança, uma vez que o Conselho de Segurança da ONU é uma instituição inútil. De facto, a NATO não passa hoje de um instrumento alimentado especialmente pelos EUA para servir unicamente os seus interesses vitais, que são turvos e inconfessáveis. Mais ainda, reafirmo, quando se olha para a actual situação política interna do país, onde a sua tradicional democracia liberal está a sofrer inacreditáveis tratos de polé. Conclusão: pressinto que o mundo não está a dar-nos razão para grandes optimismos, enquanto a China mantém, por enquanto com aparente sucesso, a sua paciente e meticulosa estratégia da teia de aranha. Se é de prever um conflito ou confronto civilizacional, talvez seja conveniente que a UE olhe para dentro de si com redobrada atenção e volte a baralhar as suas cartas. Se algo nos diferencia dos eslavos ao nível da mentalidade e da idiossincrasia, maior é ainda a barreira em relação à China, que é antropológica e de natureza idealística, logo, civilizacional. Barreira que pode aparentar-se invisível mas que será impenetrável se alguma vez se tentar radiografá-la. Um abraço amigo Adriano Lima

 Henrique Salles da Fonseca  02.02.2022  10:30: Aquilo está por um fio e estes patifes, seguem com as Forças Armadas reduzidas a zero e, conscientemente, vão pôr em causa a Soberania Nacional nos Açores e nas Linhas de Comunicações Oceânicas à nossa responsabilidade na Aliança. Grande abraço. José Henriques

 Anónimo  02.02.2022  11:43: Não deixa de ser curioso que seja no teu blog que encontre dois artigos sérios e algo profundos sobre a Ucrânia – o teu post e o comentário do Senhor Coronel Adriano Lima -, quer concordemos ou não com a sua totalidade ou com parte. A superficialidade com que este assunto tem sido tratado entre nós é confrangedora. Se não te importas, Henrique, vamos recordar alguns factos. Vem, como sabemos, desde o Tratado de Vestefália, que pôs termo, no século XVII, à Guerra dos 30 anos, o respeito pelas fronteiras, pela autonomia dos países, pelo princípio de não interferência e tantos outros consagrados no Direito Internacional, os quais, antes e depois daquele Tratado, e até aos nossos dias, têm sido desrespeitados com maior ou menor gravidade, a começar pelos próprios EUA que formaram o seu território, não apenas por aquisição do Alasca e da Luisiana, à Rússia e à França, respetivamente, mas também por vastas conquistas ao México (Texas, Novo México, Nevada e Califórnia, pelo menos). Em 1954, a Crimeia foi transferida da Rússia, a que pertencia desde o século XVIII, para a Ucrânia, por Khrushchev, a fim de reforçar, no dizer oficial, a unidade entre russos e ucranianos. Mas se apesar do insólito acto, se poderia dizer que aquela cedência era neutra, em termos de URSS, não o seria em caso de dissolução da URSS. Em outubro de1962, como sabemos, o mundo esteve à beira duma crise mundial quando os EUA descobriram que os soviéticos tinham instalado mísseis em Cuba que podiam atingir o seu território. A crise terminou com a retirada destes e com o desmantelamento dos mísseis americanos na Turquia apontados à URSS. Em 1/12/1991, no referendo ucraniano sobre a sua independência, a participação foi de 84%, mais de 90% pela independência; mais de 83% na província oriental de Lugansk, quase 77% em Donetsk, 54% na Crimeia e 57% em Sevastopol, onde estava a frota soviética. Pelo que tenho ideia, e principalmente pelo que li posteriormente, a eventual participação da Alemanha reunificada na NATO suscitou mais questões ao poder soviético do que a reunificação alemã, propriamente dita. Equacionou-se inclusive em Moscovo que a reunificação só deveria ter lugar após a NATO e o Pacto de Varsóvia passarem de alianças militares a alianças políticas. Aliás, Gorbachev chegou a equacionar que a Alemanha estivesse em simultâneo nas duas organizações. Houve também, na URSS, o avanço da hipótese de autorizar a reunificação mediante a saída das tropas da NATO da Alemanha Ocidental. Havia, porém, um ponto de honra: que a unificação alemã não significasse uma expansão da NATO para Leste, havendo quem na Chancelaria soviética propusesse garantias escritas nesse sentido. Baker, então Secretário de Estado americano, da Administração Bush (pai), não deu garantia escrita, mas disse em Moscovo, em 1990, ao Presidente soviético que “gostaria de garantir que nem um milímetro da jurisdição militar da OTAN se estenderá para leste” (pág. 569 “Gorbachev”, de W. Taubman). Ora, Henrique, o alinhamento destes factos, e de muitos outros que omiti por escassez de espaço, talvez permita entender melhor o que se está a passar. É claro que não se pode violar impunemente a fronteiras de um país soberano, é certo, mas, por outro lado, é falacioso o argumento que não se pode cercear a vontade de a Ucrânia entrar na NATO. Para a entrada de um país nessa organização tem de concorrer a vontade do candidato e da própria organização. Porquê nos admiramos que a Federação Russa se sinta incomodada com o cerco que a NATO fez, quando não se estranhou o justo incómodo americano em 1962 com os mísseis cubanos? Putin volta a pedir garantia (agora escrita) de não mais expansão para leste da NATO, depois do não cumprimento americano de 1990. A História dos nossos dias ensina-nos que quando um presidente americano está em apuros internamente, e se aproxima algum tipo de eleições, tende a criar um problema externo para desvio de atenções. Espero que não seja este o caso. Abraço. Carlos Traguelho

 

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