Viver não custa, é claro. Saber viver é que
conta e Marcelo sabe-o, ou
assim o julga, títere a quem a vaidade, o interesse próprio e uma real frieza
humana, revestida, embora, do espalhafato da simpatia, elevaram a uma posição
cimeira, num país de coitadinhos. Alexandre
Homem Cristo descobre-lhe a careca, Luis Martins, cujo
comentário reponho, revela os podres de uma legislação propícia à artimanha e à
falcatrua:
«existem
várias leis mal "amanhadas" que permitem as tais muitas
interpretações e janelas de escape quando há interesse em que isso aconteça. O
direito pode não ser como a matemática mas não tem de ser opaco, confuso e
polémico como é neste país. O direito pode e deve ser claro e o mais directo
possível e não ter as tais janelinhas de escape. E igual ou pior ainda, quem
julga em tribunal deveria ter um comportamento mais homogéneo e não variar
consoante quem lhe surge à frente e certos interesses, porque é dever de quem
julga ser imparcial mas bem sabemos como a coisa funciona.
Fala,
fala, fala. Mas quando importa não diz nada
Perante erros graves no perímetro das
suas responsabilidades, Marcelo refugia-se no silêncio. Eis o problema: Marcelo
intervém muito, mas nada comenta sobre os atropelos constitucionais que
permitiu.
OBSERVADOR, 17 fev 2022
O
estilo de intervenção política de Marcelo Rebelo de Sousa terá virtudes, mas
também acarreta riscos. Um Presidente da República que insiste em estar no
centro do palco mediático, que fala de tudo e que coloca a mão em vários
dossiers que não pertencem à sua esfera de responsabilidades seria apenas uma
excentricidade institucional se, de facto, Marcelo falasse mesmo de tudo. Só que não
fala: quando se observam incompetências gritantes ou erros graves no perímetro
das suas responsabilidades políticas, Marcelo refugia-se no silêncio. Fica mudo, calado, desaparecido. Nem ai, nem ui. E nesse contraste reside o problema: demasiadas
vezes, Marcelo fala ao país para partilhar lugares-comuns, mas depois nada
refere acerca do que realmente importa e lhe diz directamente respeito.
Então,
o que importa ouvir da parte do Presidente da República? Posições que tenham a ver com a sua missão de
garante do regular funcionamento das instituições democráticas e de protector
do cumprimento da Constituição. Ele que, aliás, é professor de direito
constitucional e tem, como tal, conhecimentos para analisar técnica e
politicamente eventuais dilemas. Ora, nesse domínio, há três assuntos
nos quais o silêncio de Marcelo só pode ser recebido com estupefacção.
Primeiro ponto: o respeito pelo direito de voto dos portugueses. Após o parecer da
Procuradoria-Geral da República, que informou da ilegalidade em impedir os cidadãos de votar,
estivessem estes ou não em isolamento profiláctico, Marcelo não tem nada a
dizer sobre o facto de, em eleições anteriores (autárquicas e presidenciais),
milhares de portugueses terem sido impedidos de votar em virtude de regras
impostas pelo Governo e com a conivência da Presidência da República? Estando em
causa uma violação da Constituição, Marcelo tem especiais responsabilidades
neste atropelo democrático, acerca do qual não disse uma palavra — o parecer da PGR
foi divulgado há um mês.
Segundo ponto: a opção de declarar
Estado de Calamidade, em vez de Estado de Excepção, enquanto se mantêm
ilegalmente inúmeras restrições à circulação dos cidadãos. Aconteceu, por exemplo, com o isolamento de turmas nas
escolas: de acordo com
os juízes do Tribunal Constitucional, o isolamento de
turmas durante os períodos em que vigorou o Estado de Calamidade foi
inconstitucional, porque tal restrição apenas poderia
ter sido aplicada se enquadrada por um Estado de Excepção. Estamos,
portanto, a falar de uma violação da
Constituição, que era
desnecessária, mas que foi provocada por incompetência e conveniência política (os Estados de
Excepção têm de ser quinzenalmente renovados e votados no parlamento). De quem é a responsabilidade? De quem considerou que
o enquadramento de Estado de Calamidade seria suficiente para as medidas em
vigor — Governo e Presidência da República. Agora, perante esta avaliação dos
juízes, como justifica Marcelo a sua actuação? Não
justifica.
Terceiro ponto: a votação dos emigrantes
nas eleições legislativas foi um processo desastroso, que culminou na anulação de 80% dos votos no círculo eleitoral da Europa.
Houve falhas que impediram emigrantes de votar. Houve votos misturados nas urnas — com e sem
cópia do cartão de cidadão. Houve reuniões informais entre PS e PSD, no
edifício do Ministério da Administração Interna, para tentar um arranjinho e
contornar a lei na contagem dos votos. E houve, agora, um acórdão do Tribunal Constitucional que mandou repetir
as eleições neste círculo eleitoral da emigração, e que arrasa completamente a
acção das autoridades políticas neste processo — por exemplo, assinala que acordo informal entre
PS e PSD é “grosseiramente ilegal“.
Nos dias em que a situação se arrastou,
Marcelo começou por desvalorizar e assegurar que os prazos para tomada de posse
do parlamento se manteriam, para agora assumir que foi surpreendido pela decisão do TC de
mandar repetir as eleições. E concluiu: é
“a democracia a funcionar” e é “uma lição
para os partidos”. Está
redondamente enganado: é também uma lição para o Presidente da República, que
legitimou, com o seu silêncio, que a democracia portuguesa fosse tão maltratada.
Talvez
valha a pena abdicar desde já das ilusões: Marcelo será sempre Marcelo, o que significa que
manterá tanto a obsessão pelo centro do palco político como pela gestão
calculista dos seus silêncios.
Mas há uma questão que talvez Marcelo devesse ponderar para este segundo
mandato: como é que pretende ficar na história? A popularidade é efémera, o
que fica são as decisões e as suas consequências. Ora, neste momento,
popular ou não, Marcelo é o Presidente da República que, sucessivamente e
num momento particularmente delicado das nossas vidas, permitiu atropelos
grosseiros da Constituição e nada fez para os reconhecer ou assumir. Ou seja:
por enquanto, Marcelo é um Presidente que falhou. A questão para os próximos
anos é se quererá continuar a falhar.
MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA POLÍTICA TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL TRIBUNAL JUSTIÇA LEGISLATIVAS
2022 ELEIÇÕES
COMENTÁRIOS:
José Dias: Estarei a ler
o mesmo "maria" que apelidou o governo de PPC de
"criminoso" por ter tomado decisões que o Tribunal Constitucional
considerou contrárias à Constituição? Ou será que quando em relação a tudo o
que não provir de campos ditos progressistas os tribunais são de imediato
banhados pela Luz e as suas decisões tornam-se matematicamente perfeitas e
teologicamente infalíveis? Luis
Martins > José Dias: Nem
mais meu caro. josé
maria: O direito não é como a matemática,
Alexandre... O Alexandre ainda não percebeu que o direito não é uma ciência
exacta, como a matemática, e que até os próprios Supremo Tribunal de Justiça ou
o Tribunal Constitucional emitem regularmente decisões contraditórias sobre os
mesmos assuntos. Também ainda não percebeu que existe separação estrita entre
os poderes do PR e os dos tribunais. O Supremo Tribunal Administrativo, numa
decisão proferida em Junho de 2021, teve um entendimento contrário,
considerando que a Lei de Bases de Protecção Civil, a Lei do Sistema de
Vigilância em Saúde Pública e a Lei de Bases da Saúde, legitimavam a adopção,
por via adiministrativa, de medidas legais de controlo de pandemia, sem
necessidade da declaração do Estado de Emergência. Portanto, como vê e poderá
confirmar, Alexandre, há várias decisões judiciais e vários pareceres de
professores de direito que abalizam a adopção de medidas de contenção de
pandemia por via do Estado de Calamidade. O direito não é como a matemática, é
elementar meu caro Alexandre. Há que estudar melhor os assuntos, que não devem
ser resolvidos demagogicamente pela aplicação de uma regra de três simples. Luis Martins > josé maria: E
o meu caro também ainda não deve ter percebido que existem várias leis mal
"amanhadas" que permitem as tais muitas interpretações e janelas de
escape quando há interesse em que isso aconteça. O direito pode não ser como a matemática mas não tem
de ser opaco, confuso e polémico como é neste país. O direito pode e deve ser claro e o mais directo possível e não ter as
tais janelinhas de escape. E igual ou pior ainda, quem julga em tribunal
deveria ter um comportamento mais homogéneo e não variar consoante quem lhe
surge à frente e certos interesses, porque é dever de quem julga ser imparcial
mas bem sabemos como a coisa funciona.
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