quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Páginas de um passado


Tenebroso, o contado por Teresa Côrte-Real, de uma História acidentada, (sobre um país cuja odisseia oceânica, amorosamente e exemplarmente exposta por Luís de Camões, há cerca de 450 anos, foi “Em Outubro traduzida e editada na Turquia, segundo informação que colho em epígrafe da reportagem de Manuel Luís Queirós, do Público de 29/1/22 – “Camões chega aos leitores muçulmanos com 450 anos de atraso”, epígrafe complementada com “Há quinze dias, a Livralia Lello lançou uma tradução árabe (no Dubai”, (tradução feita pelo professor tunisino Abdeljelil Larbi). “Em Março, sai uma versão indonésia” (em 12 de Março, em tradução pelo professor Danny Susanto, da Universidade da Indonésia) – para transmissão em youtube.)

Um texto que denota amor por Portugal e a sua História, o de Teresa Côrte-Real, naturalmente de mágoa crítica, o que nos aquece a alma - que o texto sobre as traduções em árabe dessa obra monumental camoniana, que tanto e há tanto tempo mereceria ser divulgada - reforçou, no prazer da sua recente expansão literária.

Mas a figura de D. Carlos sai enobrecida no seu patriotismo e coragem de estadista, que oxalá servisse de estímulo a uma valorização deste espaço territorial hoje ínfimo, mas que deixou obra.

D. Carlos e nós

Sem a visão de D. Carlos, a presença portuguesa em África teria sido absorvida pelos interesses das grandes potências europeias e grande parte do que é hoje a comunidade lusófona não existiria.

TERESA CÔRTE-REAL, Dirigente associativa

OBSERVADOR, 01 fev 2022

Num 1 de Fevereiro um homem que não tinha medo foi morto ao chegar a Lisboa por quem pensava que com ele desapareceria uma dada ideia de país e de sociedade. E a verdade é que, como disse o Professor Adriano Moreira, depois do seu assassinato o país nunca mais se reconciliou em pleno com a figura do chefe de estado. Sabe-se o porquê (ou parte dele), conhecem-se alguns dos apoios externos, a actuação da Carbonária e a ligação ao Hospital Inglês, nomes de mandantes e actuantes, alguns deles directamente relacionados com a República que viria dois anos depois.

O perigo era conhecido mas o sentido de dever deste homem, mais forte. Tal como agora, o país precisava de confiança. E D. Carlos, neto do unificador de Itália, sabia a importância de cada gesto e de cada posição a tomar.

Exemplar na forma plena com que desempenhou o seu papel constitucional de Rei moderador, quis mudar o país, deu exemplo e pagou com a vida o seu amor a Portugal. Muito para além do seu tempo, impulsionou o conhecimento do Mar e da Ciência, promoveu a Cultura e as relações diplomáticas e uma dada forma de ser português. Foi um espírito livre e aberto que quis fazer um país diferente. O primeiro dos portugueses, como gostava de ser conhecido. Não ficou por aquilo que dele era esperado, foi muito mais do que isso.

Percebendo a importância do Portugal Atlântico, do reforço da soberania e do equilíbrio geopolítico que se desenhava a nível mundial, contribuiu para a reestruturação do Exército e da Marinha e escolheu entre os melhores aqueles que enviou para os territórios africanos em missões de reconhecimento que se viriam a revelar decisivas ao longo de todo o século XX. Sem o seu impulso e a sua visão, a presença portuguesa em África teria sido absorvida pelos interesses das grandes potências europeias e grande parte do que é hoje a comunidade lusófona não existiria. Talvez seja também essa uma das chaves para compreender as verdadeiras razões do seu assassinato. Sem um chefe de estado em Portugal com as características de D. Carlos ficava o caminho mais facilitado para que as colónias portuguesas fossem divididas entre Inglaterra e Alemanha, num efeito semelhante ao que se verificará mais tarde entre os EUA e a URSS.

Independentemente da nossa posição ideológica, é evidente a necessidade de uma liderança cuja capital seja capaz de reposicionar Portugal no plano mundial. Quem matou o Rei contribuiu para a perda do rumo do país no último século mas não destruiu o desígnio nacional de elo de ligação entre a Europa e o resto do mundo que é o nosso. O verdadeiro legado do português que foi o Rei Dom Carlos continua vivo. Para que, como num dos seus mais bonitos quadros, a Noite se torne Dia. Como ele gostaria de ser lembrado: ao leme, olhando em frente. Ouvindo todos, percebendo o presente e preparando o futuro. D. Carlos e nós.

HISTÓRIA   CULTURA   LUSOFONIA   MUNDO   MONARQUIA   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

Maria Nunes: Um Rei muito à frente do seu tempo e cuja obra não é praticamente conhecida dos portugueses.

Alberto Pires: "D. Carlos e nós" um excelente título para um excelente trabalho sobre uma das figuras mais brilhantes da Realeza e da política Portuguesas. Faz hoje exactamente 114 anos que as balas assassinas do Buíça terminaram com as vidas d'El Rei D.Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe, quando tendo desembarcado do S. Luís, o vapor que os trazia do Barreiro (vindos de Vila Viçosa, de comboio), faziam o último percurso no landau aberto, que corajosamente El Rei havia (por ordem telegráfica dada ao estribeiro-mor) trocado pelos automóveis 

Nenhum comentário: